Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
407/12.0GEALR.E1
Relator: MARIA ISABEL DUARTE
Descritores: EXAME DE PESQUISA DE ÁLCOOL NO SANGUE
ACIDENTE DE VIAÇÃO
PRAZO
Data do Acordão: 06/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Deve considerar-se englobada no conceito de “estado de saúde” não permissivo do artigo 156º, n.º 1 do Código da Estrada a regra - precavidamente aplicável em situações como a vertente – de não submissão de interveniente em acidente de trânsito a exame de pesquisa de álcool no ar expirado que esteja encarcerado numa viatura, por se não saber a extensão das lesões.
A recolha de amostra de sangue para exame deve efectuar-se no mais curto prazo possível, não se prevendo prazo para a respectiva colheita.
Os art.ºs. 24°, da Portaria 902-B/2007, de 13/Agosto e 6°, n° 3, da Lei n° 18/2007, que prevêem o prazo máximo de 30 dias, a contar da data da recepção da amostra, para que a Delegação do INML proceda ao exame, não comina o incumprimento de tal prazo com nulidade.
Decisão Texto Integral:


Proc. N.º 407/12.0GEALR.E1
Reg. N.º 752

Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção criminal do Tribunal da Relação de Évora

I - Relatório
1 - No processo comum com intervenção do Tribunal Singular Nº, 407/12.0GEALR, do Tribunal Judicial da Comarca de S, A, Instância Local, Secção Comp. Genérico, J1, foi julgado o arguido, MPC, filho de (…) A, tendo sido proferida a sentença seguinte:
“(…) Condenar o arguido MPC, pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 292°, n.º 1 e 69°, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de € 6 (seis euros), perfazendo o montante global de€ 420 (quatrocentos e vinte) e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 5 (cinco) meses.
(...)”
2 - O arguido, inconformado, interpôs recurso da sentença condenatória, apresentando as extensas conclusões seguintes:
“1º - Salvo o devido respeito e melhor opinião o tribunal “a quo” decidiu mal e ilegalmente quando julgou a acusação do M.P. procedente e provada e condenou o arguido pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 5 meses. Senão Vejamos,
2ª - Resultaram (entre outros factos) provados os factos infra:
“D. – No local do acidente o arguido não foi sujeito a quaisquer teste de pesquisa de álcool no sangue através de ar expirado (qualitativo ou quantitativo), nem foi questionado nesse sentido pelo militar da Guarda Nacional Republicana responsável pela ocorrência.
E. – O referido militar também não questionou o médico do INEM, presente no local, sobre se o arguido podia efectuar qualquer dos testes referidos
J. – O arguido, no momento do acidente, estava consciente, tendo falado com as pessoas presentes”.
3ª - O arguido em sede de Contestação invocou/arguiu a nulidade da prova apresentada pelo M.P. – exame de fls.: efectuado no serviço de toxicologia forense do INML.
4ª - Como é consabido este tipo de exame (através da colheita de sangue) contende com direitos fundamentais – liberdade de movimentos, integridade física e moral, identidade pessoal e reserva da intimidade da vida privada, tutelados pelos arts 27º, 25º e 26º da C.R.P. e pelos arts 158º, 143º, 192 e 193º do Cód. Penal, respectivamente.
5ª - É por isso que, a Lei coloca na disponibilidade dos examinadores (a sua vontade livre e esclarecida é condição sine qua non da efectivação) – ; Pelo que, a submissão (ou não) a este tipo de exame é livre (embora, se a ele não se submeter se sujeitar ao crime de desobediência).
6ª- Dos autos não resulta por provado que o arguido autorizou esclarecidamente (ainda que tacitamente) a colheita de sangue com vista à sua incriminação. Com efeito,
7ª - Tal facto nem sequer consta da Acusação e/ou da Pronúncia.
8ª - Em F. da matéria dada por provada consta:
“F. No Hospital foi efectuada pelas 22,15 horas, colheita de sangue afim de ser realizado teste de pesquisa de álcool na sequência do qual se apurou … que o arguido apresentava TAS de 1,84 G/L.”
9ª - Porém, se cotejarmos o documento de fls. junto aos autos pelo Hospital de S Constatamos que este exame (o das 22,15 horas) já foi o 2º exame. Pois, pelas 20,58 horas o Hospital submeteu o arguido à recolha de sangue para análise.
10ª - O artº 6º do Dec. Regulamentar nº 24/98de 30/10, diz que, em caso de acidente a colheita de sangue deve ser feita dentro de 2 horas seguintes à verificação do mesmo. Ora,
11ª - “In casu” o Hospital ao ter feito o 2º exame com colheita de sangue (3 horas e 5 minutos depois do acidente) para fins exclusivos de incriminar o arguido sem esclarecer previamente este ou mesmo sem lhe pedir autorização expressa e/ou tácita indicando previamente os respectivos fins, mormente que a colheita de sangue era feita com vista incriminar o arguido, violou os supra referidos arts da C.R.P. e do Cód. Penal e ainda o artº 6º do susodito regulamento.
12ª - Estando provado nos autos que o arguido no local do acidente não foi sujeito a teste de ar expirado para pesquisa de álcool no sangue (D.), nem foi questionado nesse sentido pelo militar da G.N.R. (D.); nem o referido militar questionou o médico do INEM (presente no local) se o arguido estava (ou não) e condições de efectuar o teste e, estando ainda provado que o arguido estava consciente, tendo falado com as pessoas presentes (J.); óbvio é que se impunha à acusação (M.P.) ou mesmo ao tribunal “a quo” (tinha poderes para sindicar tal) dar por provado que:
“O arguido não estava em perfeitas condições físicas e fisiológicas para realizar o teste de pesquisar de álcool no sangue através de ar expirado, no momento do acidente.” Ora,
13ª - Cotejando a matéria dada por provada tal não consta como provada. Com efeito, atento a que o arguido invocou a nulidade da prova/meio de prova apresentada pelo M.P. (exame toxicológico), em sede de Contestação; era à Acusação que competia o ónus de provar que a prova/meio de prova por si apresentado era idóneo e realizava todos os preceitos legais necessários e suficientes para o efeito. Porém, o M.P./Acusação não logrou provar tal idoneidade da prova/meio de prova que apresentou.
14ª - E é assim que, salvo o devido respeito, o tribunal “a quo” cometeu um erro crasso. Com efeito,
15ª - Condenou o arguido tendo a estribar tal condenação uma presunção. O que é manifestamente ilegal. Pois,
16ª- Ninguém pode ser condenado por presunção de Alegados factos. Senão vejamos,
17ª - A fls. da douta sentença (Pág. 9 da mesma) o tribunal “a quo” diz: “Em suma, concluímos, face à prova produzida, que o arguido, naquele circunstancialismo não estava em perfeitas condições físicas e fisiológicas para realizar os testes de pesquisa de álcool no sangue através do ar expirado…”. Ora,
18ª - Este “concluímos” pressupõe uma presunção. Ou seja, o tribunal “a quo” presumiu (face à prova produzida) que o arguido não estava em condições físicas e fisiológicas de fazer o teste de ar expirado. Aliás, esta presunção é manifestamente explícita na fundamentação do aresto aqui “atacado”. Acontece porém que,
19ª - A matéria em apreço – o arguido não estava em perfeitas condições físicas e fisiológicas para realizar os testes de pesquisa de álcool no sangue através de ar expirado, no momento do acidente -, é matéria factual.
20ª - Sendo matéria factual não está na disponibilidade do tribunal fazer tal presunção; até porque, para aferir tal matéria são necessários especiais conhecimentos técnico-científicos que o tribunal não tem, devido à especificidade dos mesmos.
21ª- Em suma (como diria o tribunal “a quo”), não resultando provado, ou melhor, não resultando da matéria dada por provada que: “o arguido naquele circunstancialismo não estava em perfeitas condições físicas e fisiológicas para realizar os testes de pesquisa de álcool no sangue através de ar expirado”; fica vedado ao tribunal, neste caso ao tribunal “a quo”, o poder de presumir tal. Donde,
22ª - O tribunal “a quo” ao fazer tal presunção fê-la ilegalmente. Isto salvo o devido respeito por melhor e douta opinião. Sem prejuízo do sobredito mais se dirá que,
23ª- O tribunal “a quo” deu como “factos não provados” que: “O arguido estava em perfeitas condições físicas e fisiológicas para realizar os testes referidos em D).” Porém,
24ª- O tribunal “a quo” não fundamentou especificadamente porque é que deu tal como não provado. A fundamentação concretamente a tal (O. Factos não Provados) é pura e simplesmente inexistente. É certo que, no contexto da decisão aqui “atacada” percebe-se que o tribunal “a quo” deu tal como não provado, por presunção, da conclusão/juízo de valor que acima referimos – “Em suma, concluímos, face à prova produzida, que o arguido… não estava em perfeitas condições físicas e fisiológicas para realizar os testes de pesquisa de álcool no sangue através de ar expirado…” - ; Ou seja,
25ª - O tribunal “a quo” estribou (com ausência de fundamentação em concreto) os factos que deu como não provados: “O arguido estava em perfeitas condições físicas e fisiológicas para realizar os testes referidos em D) – , numa presunção de outra presunção ( a que atacámos supra).
26ª - Do que decorre supra óbvio é que o tribunal “a quo” fez uma apreciação errada e ilegal da prova quando fez tal presunção (não fundamentada); isto é, quando deu por não provado que: “o arguido estava em perfeitas condições físicas e fisiológicas para realizar os testes em D).” Aliás,
27ª - Damos aqui por reproduzido tudo o dito acima relativamente à (1ª) presunção feita pelo tribunal “a quo”, na qual desaguou esta (2ª) presunção. Com efeito,
28ª - Não se vislumbra na matéria dada por provada que o arguido não estivesse em condições de ser submetido ao teste através de ar expirado. Aliás,
29ª- Conforme já sobredito e atento a matéria dada por provada era ao M.P./Acusação que cabia provar que o arguido não estava em condições de fazer o teste através de ar expirado. Porém, o M.P./Acusação não logrou provar tal. Pois que,
30ª - Na matéria dada por provada não consta que o arguido não estivesse em condições de ser submetido a teste de ar expirado.
31ª- Para sindicar tal matéria são necessários especiais conhecimentos técnico-científicos. Porém,
32ª- Quem tinha tais conhecimentos técnico-científicos para se pronunciar sobre tal matéria – médico do INEM presente no local do acidente –, ouvido em tribunal disse não se recordar da situação em concreto. Ora,
33ª- Tal concatenado com o provado e: “E. o referido militar também não questionou o médico do INEM, presente no local, sobre se o arguido podia efectuar qualquer dos testes referidos”.; é óbvio que o tribunal “a quo” fez uma apreciação errada da prova quando deu por não provado o referido em O.. Aliás,
34ª- A testemunha SMOS, depoimento (na parte em que nos estribamos), no dia 24/03/2014, gravação áudio no sistema “Citius”/ ”Habilus” com inicio às 15:23:51 e fim às 15:32:35, ouvida sobre esta matéria em concreto (mais nenhuma testemunha foi ouvida sobre esta matéria em concreto), respondeu:
“Dr. F: Acha que ele estava em condições de fazer o teste…?
Sr. S: “…Ele tava consciente para dizer que sim ou que não, agora como ele estava a falar para mim disse que estava bem…”.
35ª- Fez igualmente uma apreciação errada e ilegal da prova o tribunal “a quo” quando deu por provado aquilo que deu em H. e I. dos Factos Provados. Pois,
36ª - O aí provado foi-o por presunção (3ª) e tendo em consideração meio de prova inválida e ilegal (exame toxicológico de fls. 8) e não propriamente factos apurados em qualquer outra sede, mormente em sede de audiência de julgamento, porquanto, nem o arguido, nem qualquer das testemunhas se referiu ao aí descrito e errónea e ilegalmente dado por provado. Posto isto, óbvio é que,
37ª - O exame de sangue (objecto do exame toxicológico de fls. 8) a que se procedeu para determinação da taxa de álcool foi realizado fora do circunstancialismo previsto no artº 156º nº 2 do Cód. da Estrada. Donde, o resultado de tal exame, ilegalmente realizado não pode ser valorado em termos de meio de prova/prova. Estamos pois, perante uma nulidade referente a meios de prova. Daí que, no n/humilde entendimento, entendemos que estamos perante um prova / meio de prova, “falsa” sem qualquer valor jurídico ou outro; atento tudo o supra referido.
38ª- Atento tudo o sobredito é óbvio que o tribunal “a quo” violou o estabelecido nos arts 25, 26, 27, 32, nº 2 e 205 da C.R.P.; arts 69º, 143º, 158º, 192º, 193º, e 292º do Cód. Penal; Artº 156º, nº 2 do Cód. da Estrada; Artº 6º do Dec. Regulamentar 24/98 de 30/10; Arts 97º, nº 5 e 120º do Cód. Processo Penal; Artº 24º da Portaria 902-B/2007 de 13/Agosto e Artº 6º, nº 3 da Lei nº 18/2007.
39ª- “ The last but not the least”, mais se dirá que, é pertinente levantar mais uma questão relativamente ao meio de prova (exame toxicológico de fls. 8) apresentado pelo M.P., a saber:
40ª- No relatório toxicológico de fls. verifica-se que o INML recebeu a colheita de sangue objecto do exame no dia 20/3/2012, pelas 13,25 horas e que deu o relatório findo no dia 22/Maio/2012, expedindo-o no dia 24/Maio/2012, para a G.N.R..
41ª - Reza o artº 24º da Portaria 902-B/2007 de 13/Agosto e artº 6º nº 3 da Lei nº 18/2007 que: “no prazo máximo de 30 dias a contar da data da recepção da amostra a Delegação do INML que procedeu ao exame envia o resultado obtido à entidade fiscalizadora que a requereu…”.
42ª- “In casu” o relatório foi dado como findo mais de 60 dias (o dobro do prazo permitido) após a data da recepção da amostra no INML.
A 1ª questão a fazer é: as propriedades intrínsecas do conteúdo da amostra recolhida não se alteram com o decurso do tempo?
Se não porque é que a Lei define o prazo máximo de 30 dias para ser emitido o relatório final?
43ª- Está qualquer tribunal em condições técnico-científicas para determinar certivamente que o decurso do tempo não altera as propriedades intrínsecas do conteúdo da amostra recolhida?
44ª- Ora, também e atento a tudo o sobredito somos do entendimento que o exame toxicológico de fls. 8 constitui “in casu” prova/meio de prova proibida e como tal nula e de nenhum efeito jurídico. Com efeito, conforme refere AC. R.C, 19/10/2010, Proc. nº 17/8/09.8GCAGD-C1: Estamos no domínio da legalidade da prova e a falta de cumprimento dos trâmites legais não é susceptível de sanação, o que significa que a falta de documentação da legalidade não pode corresponder à legalidade do meio de prova, sendo sempre necessário que o processo documente essa legalidade.” Assim sendo,
45ª- Deverá o Venerando Tribunal da Relação de Évora proferir douto Acórdão que revogue a Sentença de fls. proferida pelo Tribunal “a quo” e consequentemente,
46ª- No Douto Acórdão a ser proferido pelo V. Trib. Relação de Évora, o arguido MPC, deverá ser absolvido do crime de que vem acusado e pronunciado, com todas as consequências legais daí advenientes, o que se requer.
ASSIM SE FARÁ, SÃ, SERENA E OBJECTIVA JUSTIÇA.."

3 - Pelo MP foi apresentada resposta, com as conclusões seguintes:
“I - O artigo 127º do Cód. Processo Penal consagra o princípio da livre apreciação da prova.
II - A verdade judicial é uma verdade razoável, socialmente credível, fundamentada e objectivável, no sentido de que se pode argumentar face a terceiros.
III - O julgador apesar de beneficiar do princípio da livre apreciação da prova, não o pode entender como uma operação puramente subjectiva, emocional e imotivável.
IV - A decisão não s merece qualquer reparo do ponto de vista da materialidade dada como provada e não provada, e como tal foi bem decidida.
V - Por outro lado, não foram violadas quaisquer normas de natureza substantiva ou adjectiva aplicáveis.
VI - O recurso apresentado pelo arguido é manifestamente improcedente, por se não verificarem em absoluto, os fundamentos de facto e de direito invocados para a sua interposição.
Termos em que, Se pede que Vossas Excelências façam como for de Justiça”

4 - Neste Tribunal a Exma. Srª. Procuradora Geral-Adjunta emitiu parecer, concluindo:
“1. - O Recurso foi tempestivamente interposto e motivado por quem tem legitimidade e interesse em agir.
2. - São de manter o regime de subida e o efeito ao Recurso atribuído no douto despacho de admissão.
3. - Nada obsta ao conhecimento do Recurso em conferência, atento o disposto no art° 411°, n° 5 do CP'P.
4. - O Recurso deve ser julgado improcedente.”

5 - Foi dado cumprimento ao disposto no art. 417º n.º 2, do C.P.P.

6 - Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir


II - Fundamentação
2.1 - O teor da decisão recorrida, na parte que interessa, é o seguinte:
“3.1.1. FACTOS PROVADOS.
Com interesse para a discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
A. No dia 16.03.2012, pelas 19:10 minutos, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro misto com a matrícula 00-00-VV, na Rua Coronel AMB, em Fazendas de A, após ter ingerido bebidas alcoólicas, quando se despistou, embatendo, de frente, no veículo que circulava em sentido contrário.
B. Na sequência do acidente de viação sofrido, o arguido ficou encarcerado, pois tinha o pé direito preso, sendo necessária a intervenção dos Bombeiros Voluntários de A.
C. Após o desencarceramento, o arguido foi conduzido para o Hospital Distrital de S, aí dando entrada pelas 20:30 horas, onde se apurou que o mesmo apresentava várias escoriações a nível da face e do joelho direito, bem como fractura de três arcos costais (do 6° ao 8° direito).
D. No local do acidente o arguido não foi sujeito a qualquer teste de pesquisa de álcool no sangue através do ar expirado (qualitativo ou quantitativo), nem foi questionado nesse sentido pelo militar da Guarda Nacional Republicana responsável pela ocorrência.
E. O referido militar também não questionou o médico do INEM, presente no local, sobre se o arguido podia efectuar qualquer dos testes referidos.
F. No Hospital foi efectuada, pelas 22:15 horas, colheita de sangue ao arguido a fim de ser realizado teste de pesquisa de álcool, na sequência do qual se apurou, através de análises toxicológicas realizadas, que o arguido apresentava uma TAS de 1,84 g/l.
G. O arguido deu entrada no Hospital Distrital de S pelas 20:30 horas do dia 16.03·2012 e teve alta clínica pelas 00:17 horas do dia 07·03·2012.
H. O arguido sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas em momento anterior à condução do veículo supra referido, e mesmo assim quis conduzi-lo nas circunstâncias de tempo, modo e lugar já mencionadas.
I. O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era censurada, proibida e punida por lei criminal.
Mais se provou que:
J. O arguido, no momento do acidente, estava consciente, tendo falado com as pessoas presentes.
K. O arguido vive com a mulher, que se encontra reformada por invalidez, auferindo € 300 a esse título.
L. O arguido encontra-se igualmente reformado, auferindo cerca de € 390 de reforma, mas realiza alguns trabalhos no sector agrícola.
M. O seu agregado familiar suporta as normais despesas correntes.
N. O arguido não tem antecedentes criminais registados.
3.1.2. FACTOS NÃO PROVADOS.
Não resultaram provados os seguintes factos com relevância para a boa decisão da causa:
O. O arguido estava em perfeitas condições físicas e fisiológicas para realizar os testes referidos em D).
3.1.3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto resultou da avaliação englobante do contexto probatório dos autos, designadamente, os documentos que deles constam e a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento. Concretizando:
O arguido, ainda que em sede de ultimas declarações, reconheceu que se encontrava a conduzir, nas circunstâncias de tempo e lugar dadas como provadas, o veículo automóvel ali referido, mais referindo que se encontrava bem e que só estava preso por um pé. Todavia, usando do direito ao silêncio, optou por não prestar mais declarações além destas (e, bem assim, quanto às suas condições económicas e sociais).
Em relação à matéria referida nas alíneas A) e B) já havia prestado declarações o militar da GNR responsável pela ocorrência, LMEL, que descreveu de forma clara, simples e escorreita havendo a considerar que teve conhecimento directo dos factos por si descritos e que tal ocorreu no exercício das suas funções, pelo que não se divisa qualquer motivo para não acreditar nas suas declarações - as circunstâncias de tempo e lugar em que os factos ocorreram, que em resultado do acidente, no qual estavam envolvidas duas viaturas, uma das quais do arguido, resultaram quatro feridos, sendo que um deles (o arguido) foi retirado pelos bombeiros porque se encontrava encarcerado. Mais referiu que face ao aparato que existia do local nem se aproximou do arguido e que este foi fazer o teste de despistagem de álcool ao hospital.
Esclareceu que também o INEM estava no local, mas que decidiu, devido ao estado em que o Sr. (arguido) estava (encarcerado) não lhe fazer o teste de despistagem, para o que não pediu qualquer autorização / conselho ao arguido ou ao médico responsável presente.
Assim, com base neste depoimento, que na prática corrobora o teor do auto de notícia de fls. 3 e a participação do acidente de viação de fls. 4 e 5 extraem-se os factos dados como provados em A (com excepção de após ter ingerido bebidas alcoólicas), B), D) e E).
Todavia, e de forma a aquilatar se o arguido conduzia efectivamente em estado de embriaguez e, na afirmativa, qual a concreta taxa, há que previamente abordar e decidir as duas questões suscitas pelo arguido em sede de contestação.
Alega, desde logo, o arguido que o exame toxicológico realizado é nulo, porquanto se encontrava em perfeitas condições, físicas, fisiológicas e psicológicas para realizar o teste de pesquisa de álcool no sangue através do ar expirado no local do acidente.
Vejamos se a invocada nulidade de prova ocorre, o que a suceder impede que se valore como elemento probatório o teor do exame toxicológico de fls. 8.
O procedimento para a fiscalização da condução sob influência de álcool ou de substâncias psicotrópicas está estabelecido no Código da Estrada e no Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, estabelecido na Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio.
Refere-se no artigo 152°, n.º 1, do Código da Estrada, que devem submeter-se às provas para a detecção da condução sob influência de álcool ou de substâncias psicotrópicas os condutores, os peões sempre que sejam intervenientes em acidentes de trânsito e, as pessoas, que se propuserem iniciar a condução.
Assim, o regime geral da fiscalização assenta na obrigatoriedade de todas as pessoas enunciadas se sujeitarem a um exame de pesquisa de álcool no ar expirado, realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito, sendo que, nos termos do disposto no artigo 153º, n.ºs 1 e 3, a análise de sangue será efectuada quando não for possível realizar o exame de pesquisa de álcool no ar expirado.
O artigo 156º, do Código da Estrada, por seu lado, ao regular a "fiscalização da condução sob a influência de álcool em caso de acidente, prevê os tipos de testes admitidos para a sua detecção: alcoolímetros regularmente aprovados, análise sanguínea e exame médico.
Em sede de regulamentação, estabelece o artigo 1º do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas (aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio e adiante designado "Regulamento"), que a presença de álcool no sangue é indiciada por meio de teste no ar expirado, efectuado em analisador qualitativo (n.º 1). A quantificação da taxa de álcool é feita por meio de teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo ou por análise no sangue (n.º 2). Já no n.º 3 estabelece-se que a análise de sangue é efectuada quando não for possível realizar o teste em analisador quantitativo.
O princípio constitucional de que o processo criminal assegurará todas as garantias de defesa tem como conteúdo essencial a exigência de que o arguido seja tratado como sujeito e não como objecto do procedimento penal, garantindo-lhe a Constituição, com essa finalidade, não só um direito de defesa (artigo 320, n.º 1.), a que a lei confere efectividade através de direitos processuais autónomos a exercer durante o processo e que lhe permitem conformar a decisão final do processo, mas também a presunção de inocência até ao trânsito em julgado da condenação, elemento fundamental naquela perspectiva.
Em face de tal, e em homenagem a esses princípios, mas também como consagração legal do direito, desde logo, à integridade física do arguido, o qual tem consagração constitucional no artigo 25° da Constituição da República portuguesa, tem a jurisprudência entendido - cfr., desde logo, o Acórdão junto pelo arguido em sede de contestação - que o exame de pesquisa de álcool no sangue através de análise no sangue só deve ser efectuado quando o arguido não tenha condições para efectuar o exame de pesquisa em analisador quantitativo.
Conforme se refere do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo n.º 113/09.3GBCVL.C1, de 14.07.2010, Juiz Desembargador relator Mouraz Lopes, disponível em www.dgsi.pt. a obrigatoriedade geral (de alguém de submeter as provas estabelecidas na lei para a detecção de álcool) pressupõe (...) algumas especificidades no âmbito do procedimento da colheita de sangue, em função das circunstâncias em que o sujeito passivo se encontrar, nomeadamente existirem condições de saúde, clinicamente demonstradas, em que o exame não possa ser realizado ou quando após três tentativas sucessivas, o examinado não conseguir expelir ar em quantidade suficiente para a realização do teste em analisador quantitativo (cf. artigos 153º n.º 8 do CE e, 4º da Lei n.º 18/2007), onde se refere que se não for possível a realização de prova de álcool no ar expirado, o examinando deve ser submetido a colheita de sangue para análise ou se esta não for possível por razões médicas, em estabelecimento oficial de saúde.
Todavia, conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido no processo n.º 314/12.7GTABF.E1, de 28,01.2014, Juiz Desembargador Fernando Pina, tal não constitui um direito absoluto, insusceptível de violação em quaisquer e todas as circunstâncias, prevendo a Constituição que a lei geral pode restringir os direitos, liberdades e garantias, desde que tais restrições, se limitem ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, tudo nos termos artigo 18°, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
Assim, embora o direito à integridade física constitua a regra, nos termos citados, esta regra admite a excepção também constitucionalmente prevista.
Prossegue-se no mesmo acórdão, afirmando que as necessidades de prevenção que estão na origem deste regime são tão fortes que impõem, inclusive uma cominação criminal ao médico ou paramédico que, sem justa causa, se recusar a proceder às diligências previstas na lei para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool, ou de substâncias psicotrópicas, (é punido por crime de desobediência - cf artigo 152° n. ° 5 do CE.
Todo este regime está estabelecido no Código da Estrada e na Lei n.º 18/2007 e é, por isso, conhecido pelos cidadãos, quer sejam condutores, quer sejam peões (que no caso, sejam intervenientes em acidentes de viação), quer sejam pessoas que se proponham iniciar a condução.
Importa sublinhar que o regime legal dá ao cidadão objecto de fiscalização a total liberdade de não querer efectuar o exame de pesquisa de álcool. Ainda aqui a liberdade individual, «de ir livre e conscientemente para o inferno», na expressão de Figueiredo Dias, é absolutamente garantida.
E recordando a jurisprudência constitucional (já inúmeras vezes reiterada - Veja-se, a título de exemplo, Acórdão n.º 34/2012, publicado no Diário da República, 2ª série, de 14 de Março de 2012 ou Acórdão n.º 418/2013, publicado no Diário da República, 2.a série, de 17.10.2013 -, refere-se que o exame para pesquisa de álcool ( .. .), destinando-se, não apenas a recolher uma prova perecível, como também a impedir que um condutor, que está sob influência de álcool, conduza pondo em perigo, entre outros bens jurídicos, a vida e a integridade física próprias e as de outros, mostra-se necessário e adequado à salvaguarda destes bens jurídicos e ao fim da descoberta da verdade, visado pelo processo penal (Ac. n.º 319/95).
Partindo da premissa de que a estrutura acusatória do processo penal tem subjacente a ideia da existência de limites intransponíveis à prossecução da verdade em processo penal - de que o regime das proibições de prova é uma concretização - importa considerar, conforme aludido supra, que a recolha de material biológico (no ar expirado ou no sangue) para efeitos de análise do grau de alcoolemia não pode, por si, ser considerada nula por violação do artigo 126º do Código de Processo Penal, nem pressupõe um qualquer consentimento prévio do arguido.
Assim, e no que ao presente caso importa apenas caberá analisar se o arguido estava efectivamente impossibilitado de ser submetido ao teste de pesquisa de álcool no ar expirado.
Com efeito, e ainda que a colheita de amostra de sangue para exame de diagnóstico do estado de influenciado pelo álcool constitua meio de obtenção da prova legalmente previsto para os casos de condutores intervenientes em acidentes de viação quando o estado de saúde do condutor não permita a realização do exame para pesquisa de álcool no ar expirado, importa analisar que se, no caso concreto, o exame através de pesquisa de álcool no ar expirado era exequível.
Rege o artigo 156º, n.º 1 do Código da Estrada que em caso de acidente de trânsito os condutores e os peões que intervenham no mesmo devem, sempre que o seu estado de saúde o permitir, ser submetidos a exame de pesquisa de álcool no ar expirado, nos termos do artigo 153°· Prossegue-se no n.º 2 referindo que quando não tiver sido possível a realização do exame referido no número anterior médico do estabelecimento oficial de saúde a que os intervenientes no acidente sejam conduzidos deve proceder à colheita da amostra de sangue para posterior exame de diagnóstico do estado de influenciado pelo álcool.
Assim, conforme fluí com clareza do normativo transcrito, em caso de acidente de viação a pesquisa deve fazer-se, em primeiro lugar, mediante exame de pesquisa de álcool no ar expirado, só devendo as pessoas ai mencionadas ser submetidas a colheita de sangue Quando o seu estado de saúde não lhes permitir realizar o primeiro.
No caso em apreço ocorreu um acidente de viação que consistiu na colisão frontal de dois veículos automóveis, um dos quais conduzido pelo arguido que ficou encarcerado por ter o pé preso (conforme relatado pelo arguido e pela testemunha S MOS).
Aqui chegados, sabemos por certo que o militar da GNR presente no local e responsável pelos procedimentos legais - designadamente pela efectivação do teste de pesquisa de álcool no sangue aos intervenientes do acidente - face à observação que fez do acidente e ao aparato existente no local decidiu - de modo próprio - que inexistiam condições para que o arguido fosse submetido ao teste através de ar expirado. Acerca desta sua decisão refere que é o comum quando existem pessoas encarceradas e que, face ao aparato instalado, apenas se aproximou cerca de 3 metros, sendo que o desencarceramento demorou pelo menos entre 30 minutos e 1 hora. Após retirado o aqui arguido este foi conduzido ao hospital.
Desde logo, coloca-se a questão, aventada pela defesa em sede de audiência de discussão e julgamento, de saber se a decisão do militar da GNR de não realizar o teste de pesquisa do álcool no sangue ao ser tomada por este, sem consultar o responsável médico no local importa, desde logo, que se considere que a prova obtida através do exame de sangue seja inválida.
Não consideramos que assim seja. Importa avaliar se o arguido tinha ou não condições para efectuar o exame através de pesquisa de álcool no ar expirado, porquanto esse o factor que contende com os demais direitos constitucionalmente consagrados e não quem tomou a decisão. No limite poderíamos depararmo-nos com uma situação em que um condutor estava inanimado mas que a decisão do órgão de polícia criminal presente fora tomada sem conhecimento desde factor. Estaria algum dos direitos do arguido afectado?
Pensamos que não.
Trata-se aqui de saber se efectivamente os direitos do arguido foram cerceados naquela situação em concreto além do necessário, saber se existia alguma outra forma de prosseguir os desideratos do processo penal (acima descritos) mas que não fosse tão lesiva dos direitos do arguido, conforme decorrência do princípio da proibição de excesso, previsto no n.º 2 do artigo 18° da Constituição da República portuguesa.
Vejamos então se tal ocorreu.
O médico do INEM, Dr. TCPM, autoridade médica no local no dia dos factos, referiu que não se recorda em concreto desta situação. Todavia, mais esclareceu que o procedimento médico geral adoptado é de precaução, isto é, na dúvida não autoriza a submissão ao teste de pesquisa de álcool no sangue através de ar expirado, porquanto antes de efectuar exames mais precisos nunca é possível saber a extensão das lesões de uma pessoa, mormente em caso de acidente de viação, pelo que submete-la a esse teste pode ser perigoso para a sua saúde. Mais referiu não se recordar de nenhuma situação em que tenha autorizado a realização do teste de pesquisa de álcool no sangue através de ar expirado, o que ocorre desde logo porquanto por regra não são chamados quando as situações não merecem especial atenção. Ainda assim, admitiu como possível que caso fosse um doente ligeiro (com uma pequena escoriação, por exemplo) o autorizasse, mas que a regra não é essa.
Após ouvir esta explicação melhor se compreende o comportamento do militar da GNR presente: a regra, em situações como a vertente, em que existe uma pessoa encarcerada é não submeter os intervenientes a teste de pesquisa de álcool no sangue, porquanto esse é o entendimento dos médicos do INEM; não sabendo a extensão das lesões há que precavidamente não os submeter a tal teste. Mais se verifica, quando analisamos a demais prova produzida que o arguido não tinha apenas, conforme referido pelo próprio, o pé direito preso.
Tal corresponde à verdade (segundo o que se apurou pelo menos), mas peca por insuficiente.
Com efeito, conforme se retira do teor do relatório de episódio de urgência junto a fls. 64-69, do qual se extraem os factos dados como provados nas alíneas C) e G)] o arguido apresentava várias escoriações a nível da face e do joelho direito, estando até um pouco perdido no tempo e no acontecimento e apresentava igualmente queixas a nível da região torácica.
Este quadro é, aliás, compatível com o mencionado pela testemunha S OS, amigo do arguido e que circulava atrás do outro veículo interveniente no acidente e que tendo ido ver se os acidentados estavam bem, ligou para os meios de socorro, tendo relatado em Tribunal que falou com o arguido no local do acidente e que o mesmo estava plenamente consciente, tendo inclusive perguntado pelas demais pessoas [o que nos levou a dar como provado o referido na alínea I]. Todavia, não refere apenas isto, mais refere que o arguido dizia que lhe doía um bocado o peito. Analisado o teor do sobre dito relatório do episódio de urgência, percepciona-se a origem dessa dor: o arguido apresentava fractura de 3 arcos costais (do 6° ao 8° direitos).
Em face do que se pode apurar - isto é que o arguido estava consciente, mas que tinha escoriações na face e no joelho direito, que relatava dores no peito e que chegado ao hospital estava um pouco perdido no tempo e no acontecimento, tendo-se apurado que fracturara 3 arcos costais - é indiscutível que o mesmo não tinha condições para, em segurança (face aos procedimentos médicos adoptados em situações como a vertente, conforme relatado pelo Dr. TM), o submeter a exame de pesquisa de álcool no ar expirado. Não era apenas o pé direito que se encontrava preso, Tal ocorria, mas também todas as demais queixas e evidências clinicas (escoriações e dores de peito), o que, de acordo com os procedimentos médicos geralmente adoptados, imporia a decisão tomada naquele concreto circunstancialismo: não submeter o arguido a teste de pesquisa de álcool através do ar expirado pois poderia ser prejudicial à sua saúde, saúde esta que impunha salvaguardar em primeiro lugar.
Com efeito, o que se impõe averiguar é que naquele circunstancialismo concreto, com os elementos conhecidos à data pelos intervenientes (militar da GNR e médico do INEM) a decisão adoptada (não submeter o arguido a teste de pesquisa do álcool no sangue através do ar expirado) foi a correcta, tendo como premissa que o primordial a salvaguardar são exactamente a vida e a integridade física do arguido: foi tendo como desiderato estes últimos valores que foi tomada a decisão em análise, a qual se entende necessária, adequada e proporcional (cfr. artigo 18º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa) à salvaguarda de todos os interesses em jogo.
Em suma, concluímos, face à prova produzida, que o arguido, naquele circunstancialismo não estava em perfeitas condições físicas e fisiológicas para realizar os testes de pesquisa de álcool no sangue através do ar expirado, pois qualquer pessoa conhecedora do quadro do mesmo teria tomado a mesma decisão: encaminhá-lo para o hospital a fim de aí receber assistência hospitalar adequada, melhor percebendo qual a origem das dores do peito, não o submetendo àqueles testes, mas antes optando, face ao seu estado de saúde, pelo exame de sangue. Quando o que está em causa é a salvaguarda da saúde e integridade física a melhor opção é a preventiva, esse é o juízo de adequação e necessidade que se impõe fazer.
Ultrapassada esta primeira questão, importa ainda analisar qual a relevância do período temporal entre a ingestão das bebidas alcoólicas, o exercício da condução e a realização do teste de alcoolemia, uma vez que foi alegado em sede de contestação que a colheita de sangue não foi realizada nas duas horas subsequentes ao acidente.
Concorda-se com o arguido quanto aos elementos tácticos alegados neste âmbito [cfr. alíneas A), F) e G)], mais não sendo porquanto se extraem do teor do auto de notícia (quanto à hora em que ocorreu o acidente de viação), do teor do relatório de episódio de urgência junto a fls. 64-69 [quanto ao vertido em G)] e do teor do exame toxicológico junto a fls. 8 quanto à hora da recolha do sangue e resultado do exame.
Todavia, a conclusão jurídica a que se chegou já não é a mesma. Com efeito, e seguindo a este propósito de muito perto a fundamentação plasmada no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo n.º 408/09.6GAMMV.C1, de 20.12.2011, Juiz Desembargador relator Jorge Dias, disponível em www.dgsi.pt.há que considerar, desde logo, que estudos realizados revelam que a alcoolemia afecta as capacidades físicas e psíquicas do condutor quase logo a seguir à ingestão da bebida alcoólica, atingindo um valor máximo no intervalo de 1/2 a 2 horas conforme as circunstâncias do momento.
Quando se consome uma bebida alcoólica, o álcool passa em pouco tempo para o sangue: 15 a 30 minutos se ingerido fora da refeição, 30 a 60 minutos se a passagem é retardada pela presença de alimentos.
Em face de tal, numa situação como a vertente, e mesmo considerando que o arguido havia ingerido bebidas alcoólicas minutos antes da ocorrência do acidente, certo é que quando foi feita a colheita de sangue (três horas depois) já estava em curso o processo de metabolização e, como tal, quanto mais se retardasse a realização do teste de alcoolemia mais beneficiado era o arguido.
Prosseguindo a fundamentação do acórdão em referência, o álcool ingerido é absorvido no sangue quase de imediato (inexistindo período relevante entre a ingestão do álcool e a produção dos efeitos) seguindo-se um período de efeito máximo até começar a gradual e lenta metabolização.
Por isso é que a lei não prevê que haja período em que se possa conduzir após a ingestão do álcool (a absorção é e produção dos efeitos é rápida), assim como não prevê prazo máximo em que deve efectuar-se o teste de alcoolemia, porque após um período de efeitos máximos começa o período de desintoxicação e diminuição lenta de álcool no sangue, daí resultando benefício para o controlado.
Assim, sendo efectuada a recolha de sangue três horas após a ingestão das bebidas (tal como ocorria na situação em analise naquele acórdão: com a diferença que ali se sabia quando tinha ocorrido a ingestão e no caso vertente se esta a assumir - por inexistência de prova noutro sentido - que a mesma ocorreu momentos antes do acidente), haverá menos teor de álcool no sangue do que se efectuado o teste instantes após a ingestão das bebidas.
Convém ainda precisar que o Decreto-Regulamentar n.º 24/98, de 30 de Outubro (referido no artigo 13° da contestação) foi revogado pelo artigo 2° da Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio, sendo o regulamento aprovado em anexo a este diploma aquela que terá que se atender.
Ora, no artigo 5º do aludido regulamento (em vigor à data dos factos) estabelece-se que a colheita de sangue é efectuada, no mais curto prazo possível, após o acto de fiscalização ou a ocorrência do acidente (sublinhado nosso), pelo que efectivamente não prevê a lei agora qualquer prazo para a colheita de sangue.
Por todo o exposto, entende-se que o exame toxicológico junto a fls. 8 dos autos, é prova válida, legal e atendível, pelo que com base no mesmo se dá como provado que o arguido havia ingerido bebidas alcoólicas e que apresentava uma TAS de 1,84 g/l.
Por último, no que respeita à consciência da ilicitude e vontade de acção, estas extraem-se do próprio desenrolar dos eventos, não sendo credível outra actuação que não a deliberada ou sequer que o arguido desconhecesse as consequências do seu comportamento ao ingerir álcool e após conduzir um veículo automóvel ou a punibilidade do comportamento, do geral conhecimento dos cidadãos.
Conforme referido no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo n.º 80/08.0PTVIS.C1, de 03.02.2010, Juiz Desembargador relator Gomes de Sousa, disponível em www.dgsi.pt.não se torna necessário que o arguido tenha consciência do teor exacto da taxa de álcool no sangue, sim que tenha consciência de que ingeriu bebidas alcoólicas e que a taxa respectiva - a apurar apenas por métodos científicos ou técnicos com quantificação desconhecida a priori e de impossível quantificação por convencimento pessoal ou crença - tem um significado normativo claro. Isto é, para afirmar o dolo e a consciência da ilicitude é aqui essencial ver o facto como realidade normativa e não como realidade naturalística.
No caso vertente, o valor da taxa apresentada nem permite sugerir que o arguido não tinha consciência de que conduzia em estado de embriaguez, porquanto o valor apresentado é já consideravelmente afastado dos mínimos legais. Em face do exposto, conclui-se ter o arguido agido como dolo directo.
Na prova das condições pessoais, familiares e profissionais de arguido, foram ponderadas as declarações por si prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento, as quais se mostraram sérias e credível e não foram contrariadas por qualquer outro meio de prova.
Relativamente à ausência de antecedentes criminais do arguido, o Tribunal teve em consideração o teor do Certificado de Registo Criminal junto aos autos.”

2.2 - O registo magnetofónico da prova permite que o recurso, além de sindicar a matéria de facto (desde que o recorrente o pretenda e dê cumprimento ao disposto no art. 412º n.ºs 3 e 4, do C.P.P., o que não ocorre, no caso “sub judice) aprecie as questões de direito avançadas pelo recorrente (Cfr. art. 428º, do mencionado compêndio adjectivo) e faça a apreciação de eventuais vícios do art. 410°, n.º 2 CPP ou de nulidades que não devam considerar-se sanadas. E, dentro destes parâmetros, são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso (art. 412°, n.º 1 CPP), uma vez que as questões submetidas à apreciação da instância de recurso são as definidas pelo recorrente.
São as conclusões que irão habilitar o tribunal superior a conhecer dos motivos que levam o recorrente a discordar da decisão recorrida, quer no campo dos factos quer no plano do direito.
Ora, as conclusões destinam-se a resumir essas razões que servem de fundamento ao pedido, não podendo confundir-se com o próprio pedido pois destinam-se a permitir que o tribunal conhecer, de forma imediata e resumida, qual o âmbito do recurso e os seus fundamentos.
Essa definição compete exclusivamente ao recorrente e tem a finalidade útil e garantística de permitir que não existam dúvidas de interpretação acerca dos motivos que levam o recorrente a impugnar a decisão, o que poderia acontecer perante a mera leitura das alegações, por natureza mais desenvolvidas, definindo-se claramente quais os fundamentos de facto e/ou de direito, já que é através das conclusões que se conhece o objecto do recurso.
Como se viu, a lei exige conclusões em que o recorrente sintetize os fundamentos e diga o que pretenda que o juiz decida, certamente porque são elas que delimitam o objecto do recurso.
Não pode o tribunal seleccionar as questões segundo o seu livre arbítrio nem procurar encontrar no meio das alegações, por vezes extensas e pouco inteligíveis, o que lhe pareça ser uma conclusão.
As conclusões constituem, por natureza e definição, a forma de indicação explícita e clara da fundamentação das questões equacionadas pelo recorrente e destinam-se, à luz da cooperação devida pelas partes, a clarificar o debate quer para exercício do contraditório, quer para enquadramento da decisão.

2.3 - Feita esta introdução de âmbito geral e analisadas as conclusões de recurso, dir-se-á que o recorrente alega, no caso em análise, como fundamento do recurso:
1. - O tribunal "a quo" decidiu mal e ilegalmente quando julgou a acusação do M.P. procedente e provada e condenou o arguido por presunção e considerando um meio de prova inválida e ilegal;
2. - o tribunal "a quo" violou o estabelecido nos arts 25, 26, 21, 32, n.º 2 e 205 da C.R.P.; arts 69° 143°, 158°, 192°. 193°, e 292° do Cód. Penal; Art° 156°, n° 2 do Cód. da Estrada; Art° 6° do Dec. Regulamentar 24/98 de 30/10; Arts 97° n.º 5 e 120° do Cód. Processo Penal; Art° 24° da Portaria 902-B/2007 de 13/Agosto e Art.º 6, n° 3 da Lei n° 18/2007

2.4 - Das questões do recurso.
Questão prévia
Não devemos olvidar que o tribunal “a quo” procedeu à alteração não substancial dos factos, vertidos na acusação, com cumprimento do preceituado no ar. 358º, n.º 1, do CPP, conforme consta da segunda parte do despacho proferido no decurso da continuação da audiência de discussão e julgamento, de 22/04/2014.
2.4.1 - O recorrente alega que o tribunal "a quo" decidiu mal e, ilegalmente, quando julgou a acusação do M.P. procedente e provada e condenou o arguido, por presunção e considerando um meio de prova inválida e ilegal, porquanto, o exame toxicológico é nulo, pelas razões seguintes:
- Na fundamentação da decisão recorrida dá-se como provado que o Arguido não estava em perfeitas condições físicas e fisiológicas para realizar o teste de pesquisar de álcool no sangue, através de ar expirado, sem que tal constasse da matéria de facto provada;
- o exame de pesquisa de álcool no sangue só foi efectuado mais de 2 horas depois da verificação do acidente, desrespeitando o art.º 6° do Dec. Regulamentar n° 24/98 de 30/10;
- o relatório foi dado como findo mais de 60 dias após a data da recepção da amostra no INML, contrariando o art.° 24° da Portaria 902- B/2007 de 13/ Agosto e art.° 6° n.º 3 da Lei n.º 18/2007 que fixa o prazo máximo de 30 dias a contar da data da recepção da amostra a Delegação do INML que procedeu ao exame para o envio do resultado obtido à entidade fiscalizadora que a requereu.
A questão que o arguido coloca sobre a validade do exame toxicológico de fls.8, alegando tratar-se de prova nula e que não pode ser valorada pelo tribunal, não é novidade.
A jurisprudência, em diversos arestos, já sobre ela se pronunciou, de forma quase unânime, ainda que haja posições divergentes, na doutrina.
A análise do presente recurso exige reflexão sobre diversa legislação!
Vejamos, todavia, com pormenor a legislação aplicada ao caso que justificará, ou não, esta alegação do recorrente.
Iniciaremos pela análise dos arts. 152º, 156º, 162º, do CE, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 114/94, de 3 de Maio, e primeira alteração ao Decreto -Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, isto é, anterior à da Lei n.º 72/3013, de 03/09.
Desde logo, se dirá, sobre a matéria em análise, que:
O art.º 153.º n.º 8, desse Código da Estrada, estabelecia que se não for possível a realização de prova por pesquisa de álcool no ar expirado, o examinando deve ser submetido a colheita de sangue para análise ou, se esta não for possível por razões médicas, deve ser realizado exame médico, em estabelecimento oficial de saúde, para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool;
Em caso de acidente, como ocorre no caso “sub judice”, o art.º 156.º n. ºs 1 e 2, desse compêndio legal, já aludido, preceituava que: os condutores e os peões que intervenham em acidente de trânsito devem, sempre que o seu estado de saúde o permitir, ser submetidos a exame de pesquisa de álcool no ar expirado, nos lermos do artigo 153.º E quando não tiver sido possível a realização do exame referido no número anterior, o médico do estabelecimento oficial de saúde a que os intervenientes no acidente sejam conduzidos deve proceder a colheita da amostra de sangue para posterior exame de diagnóstico do estado de influenciado pelo álcool.
O tribunal Constitucional, em diversos acórdão - v.g, nos acórdãos n.º 479/2010, de 09.12.2010 e 684/10, de 25/01/2011 - já se pronunciou pela constitucionalidade organica das normas em análise, artigos 152º, n.º 3, e 156º, n.º 2, do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, na parte em que não admitem a possibilidade de o interveniente em acidente de viação recusar a recolha de sangue para detecção do estado de influenciado pelo álcool.
Mas analisemos o conteúdo dos citados preceitos legais.
Artigo 152.º Princípios gerais
1 – Devem submeter-se às provas estabelecidas para a detecção dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas:
a) Os condutores;
b) Os peões, sempre que sejam intervenientes em acidentes de trânsito;

3 - As pessoas referidas nas alíneas a) e b) do n. º 1 que recusem submeter­-se às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas são punidas por crime de desobediência."
Artigo 156.º Exames em caso de acidente
“1 - Os condutores e os peões que intervenham em acidente de trânsito devem, sempre que o seu estado de saúde o permitir, ser submetidos a exame de pesquisa de álcool no ar expirado, nos termos do artigo 153.º
2 - Quando não tiver sido possível a realização do exame referido no número anterior, o médico do estabelecimento oficial de saúde a que os intervenientes no acidente sejam conduzidos deve proceder à colheita da amostra de sangue para posterior exame de diagnóstico do estado de influenciado pelo álcool
3 - Se o exame da pesquisa do álcool no sangue não puder ser feito, deve proceder-se a exame médico para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool …”
Enquanto o n.o 3, do artigo 152.º, procede à tipificação penal de uma determinada conduta, definindo um crime, o n.o 2, do artigo 156.º, regula a produção de um meio de prova que pode ser utilizado em processo penal.
Acresce que o procedimento para fiscalização da condução sob a influência do álcool ou de substâncias estupefacientes ou psicotrópicas mostra-se estabelecido no Regulamento de Fiscalização da Condução sob In­fluência do Álcool ou de Substâncias psicotrópicas, aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17/5.
A análise de sangue é efectuada quando não for possível realizar o teste em analisador quantitativo", conforme dispõe o art. 1° do dito RFC.
O seu n°.1 do art. 2° estabelece: "Quando o teste realizado em analisador qualitativo indicie a presença de álcool no sangue, o examinando é submetido a novo teste, a realizar em analisador quantita­tivo (...)".
O n.º 1, do art. 4° do ci­tado Regulamento preceitua "Quando, após três tentativas sucessivas, o examinando não conseguir expelir ar em quantidade suficiente para a realização do teste em analisador quantitativo, ou quando as condições físicas em que se encontra não lhe permi­tam a realização daquele teste, é realizada análise de sangue".
Adiantaremos, quanto a esta situação e a similares - em que o arguido, interveniente em acidente de viação, por não estar em condições de saúde de proceder a exame de pesquisa de álcool no ar expirado, foi conduzido ao Hospital onde foi recolhida a amostra de sangue e esta enviada para o Instituto Nacional de Medicina Legal, onde foi efetuada a pesquisa quantitativa, a qual deu como resultado uma taxa de álcool no sangue superior a 1,20 g/l., conforme estabelecido nos artigos 152.º n.o 3, 153.° n. ° 8 e 156.0 n.o 2, todos do Codigo da Estrada, na redacção dada pelo DL 44/2005, de 23 de Fevereiro - que, como já aludido, o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão N.º 479/2010, de 09.12.2010, disponível em: www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos, de forma clara, pormenorizada e com e análise histórica das diferentes redações das aludidas normas legais, concluiu que não ocorre a inconstitucionalidade orgânica dos citados artigos 152. º n.º 3,153.º n.º 8 e 156. º n.º 2 do CE.
O citado Decreto Lei nº 44/2005, de 23 de Fevereiro, no artigo 153º, nº 8, veio retirar o direito de recusa ao condutor quer seja quer não seja interveniente em acidente de viação.
Sobre a inconstitucionalidade das referidas normas muito já têm sido várias as decisões dos tribunais superiores no sentido da não inconstitucionalidade, seguindo-se de perto, nesta matéria o recente Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24 de Março de 2011, disponível em texto integral no site www.dgsi.pt, segundo o qual os artigos 152.º, n.º 3 e 156.º, n.º 2 do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23.02 não são organicamente inconstitucionais.
Nos casos de acidentes de viação, como o “sub judice”, a prova de que o condutor não estava alcoolizado é um elemento fáctico importante para a questão do apuramento da responsabilidade ou imputação do acidente. Esta prova só se consegue obter pela via invasiva da recolha de sangue, quando o método de recolha através do ar expirado não é possível, nos termos da lei.
É certo que o arguido tem direito ao silêncio e à não auto-incriminação.
O direito ao silêncio permite ao arguido não prestar declarações ou não colaborar na recolha de elementos de prova que o incriminem, sem estarem previstos em lei anterior à prática dos factos que preveja a sua obtenção de forma coerciva ou sem o seu consentimento, nos termos pressupostos pelos art.ºs 18.º, 25.º e 32.º n.º 8 da CRP e 126.º do CPP.
O exame para pesquisa de álcool destina-se a recolher uma prova perecível mas também a impedir que um condutor, que está sob a influência do álcool, conduza pondo em perigo, entre outros bens jurídicos, a vida e a integridade física próprias e as dos outros, mostra-se necessário e adequado à salvaguarda destes bens jurídicos e ao fim da descoberta da verdade, visado pelo processo penal.
Esta matéria, como supra afirmado, está relacionada com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, garantidos e vinculativos, nos termos do citado art.º 18.º n.o 1, da CRP. A sua limitação e restrição só é permitida nos casos de salvaguarda outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, expressamente previstos na CRP.
O mencionado art.º 25, nºs 1 e 2, º da CRP preconiza que a integridade moral e física das pessoas é inviolável, não podendo qualquer ente ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos.
O referido art.º 32.º n.o 8, da mesma CRP prescreve que são nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa à integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações
Existe uma dualidade de direitos a defender. Os direitos de personalidade e de não auto-incriminação do arguido e o dever fundamental do Estado em garantir a todos os cidadãos a segurança rodoviária, com vista a salvaguardar a integridade física e a vida, das pessoas em geral.
A condução sob a influência de álcool põe em causa tais bens jurídicos da sociedade em geral.
Portanto, houve necessidade de legislar as regras a seguir na fiscalização da condução sob o efeito do álcool, o que o legislador fez, nos citados e expostos, artigos 152.º a 156.º do CE, regulamentada pela Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio.
Poder-se-á questionar da possibilidade de ser colhida amostra de sangue a indivíduo que interveio em acidente de viação quando tripulava uma viatura, sem o seu consentimento e, se desse exame toxicológico resultar que conduzia com uma taxa de álcool superior a 1,20 g/litro no sangue, essa prova é legal, podendo ser valorada em julgamento e servir de fundamento para a sua condenação pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido no citado no art.º 292. n.º 1 do CP.
É, acertado, o entendimento seguido pelo tribunal “a quo” de que quando o condutor está impossibilitado de realizar o exame através do ar expirado, como ocorre no caso dos autos, só através da recolha de uma amostra de sangue - independentemente de outros procedimentos técnicos e legais que sejam possível de realizar - é possível descobrir a verdade material.
Nas situações de acidentes de viação, a prova de que o condutor não estava sob a influência do álcool, é um elemento fáctico necessário para apurar o responsável pela sua verificação. Esta prova de recolha de sangue é determinante, se não for possível efectuar o teste de detenção de álcool no sangue, através de ar expirado.
A primeira questão o fulcral equacionada pelo recorrente respeita a saber se não era possível efectuar esse teste de detenção de álcool no sangue, através de ar expirado.
2.4.1.1 - Após aquelas breves explanações jurídicas, revertendo para o caso “sub judice”, dir-se-á que, como resulta da análise da prova produzida, da matéria de facto e sua respectiva fundamentação vertidas no texto da sentença recorrida: “…ocorreu um acidente de viação que consistiu na colisão frontal de dois veículos automóveis, um dos quais conduzido pelo arguido que ficou encarcerado por ter o pé preso (conforme relatado pelo arguido e pela testemunha S MOS). … O militar da GNR presente no local e responsável pelos procedimentos legais - designadamente pela efectivação do teste de pesquisa de álcool no sangue aos intervenientes do acidente - face à observação que fez do acidente e ao aparato existente no local decidiu - de modo próprio - que inexistiam condições para que o arguido fosse submetido ao teste através de ar expirado. Acerca desta sua decisão refere que é o comum quando existem pessoas encarceradas e que, face ao aparato instalado, apenas se aproximou cerca de 3 metros, sendo que o desencarceramento demorou pelo menos entre 30 minutos e 1 hora. Após retirado o aqui arguido este foi conduzido ao hospital.
(...) coloca-se a questão, aventada pela defesa … de saber se a decisão do militar da GNR de não realizar o teste de pesquisa do álcool no sangue ao ser tomada por este, sem consultar o responsável médico no local importa, desde logo, que se considere que a prova obtida através do exame de sangue seja inválida.
(…). Importa avaliar se o arguido tinha ou não condições para efectuar o exame através de pesquisa de álcool no ar expirado, porquanto esse o factor que contende com os demais direitos constitucionalmente consagrados e não quem tomou a decisão. No limite poderíamos depararmo-nos com uma situação em que um condutor estava inanimado mas que a decisão do órgão de polícia criminal presente fora tomada sem conhecimento desde factor. Estaria algum dos direitos do arguido afectado? Pensamos que não.
Trata-se aqui de saber se efectivamente os direitos do arguido foram cerceados naquela situação em concreto além do necessário, saber se existia alguma outra forma de prosseguir os desideratos do processo penal (acima descritos) mas que não fosse tão lesiva dos direitos do arguido, conforme decorrência do princípio da proibição de excesso, previsto no n.º 2 do artigo 18° da Constituição da República portuguesa.
Vejamos então se tal ocorreu. O médico do INEM, Dr. TCPM, autoridade médica no local no dia dos factos, referiu que não se recorda em concreto desta situação. Todavia, mais esclareceu que o procedimento médico geral adoptado é de precaução, isto é, na dúvida não autoriza a submissão ao teste de pesquisa de álcool no sangue através de ar expirado, porquanto antes de efectuar exames mais precisos nunca é possível saber a extensão das lesões de uma pessoa, mormente em caso de acidente de viação, pelo que submete-la a esse teste pode ser perigoso para a sua saúde. Mais referiu não se recordar de nenhuma situação em que tenha autorizado a realização do teste de pesquisa de álcool no sangue através de ar expirado, o que ocorre desde logo porquanto por regra não são chamados quando as situações não merecem especial atenção. Ainda assim, admitiu como possível que caso fosse um doente ligeiro (com uma pequena escoriação, por exemplo) o autorizasse, mas que a regra não é essa.
Após ouvir esta explicação melhor se compreende o comportamento do militar da GNR presente: a regra, em situações como a vertente, em que existe uma pessoa encarcerada é não submeter os intervenientes a teste de pesquisa de álcool no sangue, porquanto esse é o entendimento dos médicos do lNEM; não sabendo a extensão das lesões há que precavidamente não os submeter a tal teste. Mais se verificai quando analisamos a demais prova produzida que o arguido não tinha apenas, conforme referido pelo próprio, o pé direito preso.”
Acresce que, adiantamos nós, no caso concreto, a justificação do receio das entidades que tomaram conta do acidente, em sujeitar o arguido/sinistrado ao teste de pesquisa de álcool no sangue, através de ar expirado, tinha fundamento, porquanto, o traumatismo da região torácica, onde está alojado o pulmão, poderia agravar-se com o esforço e o impacto dos sopros necessários e suficientes, para a efectivação do aludido texte através do ar expirado. Todos os cuidados eram necessários para evitar mais lesões (nomeadamente, um pneumotorax), além das provocados com o acidente de viação.
Neste mesmo sentido e seguimento, é, bem referido, pelo tribunal “a quo”, “ conforme se retira do teor do relatório de episódio de urgência junto a fls. 64-69, do qual se extraem os factos dados como provados nas alíneas C) e G)] o arguido apresentava várias escoriações a nível da face e do joelho direito, estando até um pouco perdido no tempo e no acontecimento e apresentava igualmente queixas a nível da região torácica. Este quadro é, aliás, compatível com o mencionado pela testemunha S OS, amigo do arguido e que circulava atrás do outro veículo interveniente no acidente e que tendo ido ver se os acidentados estavam bem, ligou para os meios de socorro, tendo relatado em Tribunal que falou com o arguido no local do acidente e que o mesmo estava plenamente consciente, tendo inclusive perguntado pelas demais pessoas [o que nos levou a dar como provado o referido na alínea I]. Todavia, não refere apenas isto, mais refere que o arguido dizia que lhe doía um bocado o peito. Analisado o teor do sobre dito relatório do episódio de urgência, percepciona-se a origem dessa dor: o arguido apresentava fractura de 3 arcos costais (do 6° ao 8° direitos). Em face do que se pode apurar - isto é que o arguido estava consciente, mas que tinha escoriações na face e no joelho direito, que relatava dores no peito e que chegado ao hospital estava um pouco perdido no tempo e no acontecimento, tendo-se apurado que fracturara 3 arcos costais - é indiscutível que o mesmo não tinha condições para, em segurança (face aos procedimentos médicos adoptados em situações como a vertente, conforme relatado pelo Dr, TM), o submeter a exame de pesquisa de álcool no ar expirado. Não era apenas o pé direito que se encontrava preso, Tal ocorria, mas também todas as demais queixas e evidências clinicas (escoriações e dores de peito), o que, de acordo com os procedimentos médicos geralmente adoptados, imporia a decisão tomada naquele concreto circunstancialismo: não submeter o arguido a teste de pesquisa de álcool através do ar expirado pois poderia ser prejudicial à sua saúde, saúde esta que impunha salvaguardar em primeiro lugar. Com efeito, o que se impõe averiguar é que naquele circunstancialismo concreto, com os elementos conhecidos à data pelos intervenientes (militar da GNR e médico do INEM) a decisão adoptada (não submeter o arguido a teste de pesquisa do álcool no sangue através do ar expirado) foi a correcta, tendo como premissa que o primordial a salvaguardar são exactamente a vida e a integridade física do arguido: foi tendo como desiderato estes últimos valores que foi tomada a decisão em análise, a qual se entende necessária, adequada e proporcional (cfr. artigo 18º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa) à salvaguarda de todos os interesses em jogo. Em suma, concluímos, face à prova produzida, que o arguido, naquele circunstancialismo não estava em perfeitas condições físicas e fisiológicas para realizar os testes de pesquisa de álcool no sangue através do ar expirado, pois qualquer pessoa conhecedora do quadro do mesmo teria tomado a mesma decisão: encaminhá-lo para o hospital a fim de aí receber assistência hospitalar adequada, melhor percebendo qual a origem das dores do peito, não o submetendo àqueles testes, mas antes optando, face ao seu estado de saúde, pelo exame de sangue. Quando o que está em causa é a salvaguarda da saúde e integridade física a melhor opção é a preventiva, esse é o juízo de adequação e necessidade que se impõe fazer. ”
Reafirmamos, no caso concreto, a correcção dos procedimentos adoptados para fiscalização do condução sob a influência do alcool, através de exame de sangue, dada a imposibilidade de sujeitar o arguido ao teste de pesquisa de álcool no sangue, através de ar expirado, motivada pelas suas limitações físicas e fisiológicas, advindas do acidente de viação em que interveio.
2.4.1.2 - Passemos, de seguida, a questão suscitada, pelo recorrente relacionada com a relevância do período temporal entre a ingestão das bebidas alcoólicas, o exercício da condução e a realização do teste de alcoolemia, pois que, o recorrente alega que a colheita de sangue não foi realizada nas duas horas subsequentes ao acidente.
Não se questiona a razão do arguido quanto ao circunstancialismo factico descrito (vide alíneas A), F) e G), da matéria de facto provada.
Contudo, as repercursões jurídicas dessa factualidade, levada a cabo pelo arguido/recorrente, não são acertadas.
A chamada à colação do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo n.º 408/09.6GAMMV.C1, de 20.12.2011, disponível em www.dgsi.pt., tem fundamento, porquanto, “os estudos realizados revelam que a alcoolemia afecta as capacidades físicas e psíquicas do condutor quase logo a seguir à ingestão da bebida alcoólica, atingindo um valor máximo no intervalo de 1/2 a 2 horas conforme as circunstâncias do momento. Quando se consome uma bebida alcoólica, o álcool passa em pouco tempo para o sangue: 15 a 30 minutos se ingerido fora da refeição, 30 a 60 minutos se a passagem é retardada pela presença de alimentos.
Em face de tal, numa situação como a vertente, e mesmo considerando que o arguido havia ingerido bebidas alcoólicas minutos antes da ocorrência do acidente, certo é que quando foi feita a colheita de sangue (três horas depois) já estava em curso o processo de metabolização e, como tal, quanto mais se retardasse a realização do teste de alcoolemia mais beneficiado era o arguido. Seguidamente, pronunciar-nos-emos sobre a questão relativa Prosseguindo a fundamentação do acórdão em referência, o álcool ingerido é absorvido no sangue quase de imediato (inexistindo período relevante entre a ingestão do álcool e a produção dos efeitos) seguindo-se um período de efeito máximo até começar a gradual e lenta metabolização. Por isso é que a lei não prevê que haja período em que se possa conduzir após a ingestão do álcool (a absorção é e produção dos efeitos é rápida), assim como não prevê prazo máximo em que deve efectuar-se o teste de alcoolemia, porque após um período de efeitos máximos começa o período de desintoxicação e diminuição lenta de álcool no sangue, daí resultando benefício para o controlado.
Assim, sendo efectuada a recolha de sangue três horas após a ingestão das bebidas (tal como ocorria na situação em analise naquele acórdão: com a diferença que ali se sabia quando tinha ocorrido a ingestão e no caso vertente se esta a assumir - por inexistência de prova noutro sentido - que a mesma ocorreu momentos antes do acidente), haverá menos teor de álcool no sangue do que se efectuado o teste instantes após a ingestão das bebidas.”
Não se deve olvidar que o Decreto-Regulamentar n.º 24/98, de 30 de Outubro (referido no artigo 13° da contestação) foi revogado pelo artigo 2° da Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio, sendo o regulamento aprovado em anexo a este diploma aquela que terá que se atender.
O citado artigo 5º, do referido regulamento (em vigor à data dos factos) preceitua que a colheita de sangue é efectuada, no mais curto prazo possível, após o acto de fiscalização ou a ocorrência do acidente, pelo que efectivamente não prevê a lei agora qualquer prazo para a colheita de sangue.
Em face do exposto, seguimos o entendimento de que o referenciado relatório fimnal do exame toxicológico, junto a fls. 8, dos autos é prova válida, legal e atendível. O mesmo é prova de que o arguido havia ingerido bebidas alcoólicas e que apresentava uma TAS de 1,84 g/l.
Ao recorrente falece, nesta parte, razão.

2.4.1.3 - Analisaremos, de seguida, a alegada questão referente à nulidade do aludido exame, por excedido o prazo para o envio do resultado, pelo INML pois que, o relatório foi dado como findo mais de 60 dias após a data da recepção da amostra.
Os art.ºs. 24°, da Portaria 902-B/2007, de 13/Agosto e 6°, n° 3, da Lei n° 18/2007, prevêem o prazo máximo de 30 dias, a contar da data da recepção da amostra, pela Delegação do INML que procedeu ao exame, para o envio do resultado obtido à entidade fiscalizadora que a requereu. Contudo, esse incumprimento de prazo, não é cominado na lei, como nulidade.
Esse excesso de prazo, foi, efectivamente, verificado, mas não afecta a validade do relatório final de fls. 8.
Nesta conformidade, não vislumbramos a verificação da nulidade invocada pelo arguido.

A título complementar, dir-se-á que a Lei n.º 72/2013, de 3 de Setembro - Décima terceira alteração ao Código da Estrada, aprovado pelo Decreto - Lei n.º 114/94, de 3 de Maio, e primeira alteração ao Decreto -Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro - (Não olvida mos, todavia, que o Código da Estrada, aprovado pelo Decreto Lei n.º 114/94, de 3 de Maio, alterado pelos Decretos –Leis n.ºs 214/96, de 20 de Novembro, 2/98, de 3 de Janeiro, que o republicou, 162/2001, de 22 de Maio, 265 -A/2001, de 28 de Setembro, que o republicou, pela Lei n.º 20/2002, de 21 de Agosto, pelos Decretos-Leis n.ºs 44/2005, de 23 de Fevereiro, que o republicou, 113/2008, de 1 de Julho, e 113/2009, de 18 de Maio, pelas Leis n.ºs 78/2009, de 13 de Agosto, e 46/2010, de 7 de Setembro, e pelos Decretos –Leis n.os 82/2011, de 20 de Junho, e 138/2012, de 5 de Julho, mas no caso concreto, apenas, relevam as que, de seguida, analisaremos), alterou, entre outros, os citados arts., 153.º, 156.º, do Código da Estrada, passando a ter a seguinte redacção:
Artigo 153.º
Fiscalização da condução sob influência de álcool
(...)
8 - Se não for possível a realização de prova por pesquisa de álcool no ar expirado, o examinando deve ser submetido a colheita de sangue para análise ou, se esta não for possível por razões médicas, deve ser realizado exame médico, em estabelecimento oficial de saúde, para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool.
Artigo 156.º
Exames em caso de acidente
1 - Os condutores e os peões que intervenham em acidente de trânsito devem, sempre que o seu estado de saúde o permitir, ser submetidos a exame de pesquisa de álcool no ar expirado, nos termos do artigo 153.º
2 — Quando não tiver sido possível a realização do exame referido no número anterior, o médico do estabelecimento oficial de saúde a que os intervenientes no acidente sejam conduzidos deve proceder à colheita de amostra de sangue para posterior exame de diagnóstico do estado de influência pelo álcool e ou por substâncias psicotrópicas.
3 — Se o exame de pesquisa de álcool no sangue não puder ser feito ou o examinando se recusar a ser submetido a colheita de sangue para análise, deve proceder-se a exame médico para diagnosticar o estado de influência pelo álcool e ou por substâncias psicotrópicas.
4 — Os condutores e peões mortos devem também ser submetidos ao exame previsto no n.º 2.”
Existe alteração, no que à possibilidade de recusa respeita.
Contudo, adiantamos, no que concerne ao método de recolha de amostra de sangue de pessoa, como ao arguido/recorrente que interveio, ficou ferido e traumatizado, em acidente de viação, como já afirmado, os procedimentos adoptados foram os correctos e produziram os seus efeitos.
Não se pode, neste caso, atenta a natureza, não substantiva, destes procedimentos e métodos processuais de fiscalização da condução sob influência de álcool, fazer funcionar a aplicação no tempo da lei mais favorável, prevista no citado art. 2º, n.º 4, do CP.
Neste sentido, entre outros, o acórdão do TC n.º 418/2013, que decidiu não julgar inconstitucional «a interpretação normativa extraída da conjugação do artigo 4.º, nºs 1 e 2, do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio, e do artigo 156º, nº 2 do Código da Estrada, segundo o qual o condutor, interveniente em acidente de viação, que se encontre fisicamente incapaz de realizar o exame de pesquisa de álcool no ar expirado, deve ser sujeito a colheita de amostra de sangue, por médico de estabelecimento oficial de saúde, para posterior exame de diagnóstico do estado de influenciado pelo álcool, nomeadamente para efeitos da sua responsabilização criminal, ainda que o seu estado não lhe permita prestar ou recusar o consentimento a tal colheita».
A conclusão a retirar é a de que o tribunal “a quo”, julgou, bem, ao determinar que o conteúdo do relatório do Serviço de Toxicologia Forense de fls. 8, não enferma de nenhuma nulidade, constituindo, prova validamente obtida e, portanto, com viabilidade de valoração.
E, também, que atendendo ao circunstancialismo e aos motivos retro expostos, não se vislumbra a existência de qualquer nulidade por violação, entre outras, das normas contidas nos arts 25, 26, 27, 32, nº 2 e 205 da C.R.P.; arts 69º, 143º, 158º, 192º, 193º, e 292º do Cód. Penal; Artº 156º, nº 2 do Cód. da Estrada; Artº 6º do Dec. Regulamentar 24/98 de 30/10; Arts 97º, nº 5 e 120º do Cód. Processo Penal; Artº 24º da Portaria 902-B/2007 de 13/Agosto e Artº 6º, nº 3 da Lei nº 18/2007..

2.4.2 - O arguido/recorrente questiona a matéria defacto dada como não provada, entendendo qua o facto dela constante deve dar-se por provado.
Contudo, é necessário verificar o cumprimento do disposto no art. 412º ns. 3 e 4, do C.P.P.
O n.º 3, deste preceito legal - 412º, do C.P.P. estabelece que, quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve especificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e bem assim as provas que impõe decisão diversa da recorrida e as que devem ser renovadas.
O n.º 4, refere que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas als. b) e c), do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2, do art. 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação.”.
A lei é exigente relativamente a essa impugnação.
O julgamento efectivo foi realizado no Tribunal da 1ª instância.
Neste Tribunal de recurso o que releva é a apreciação da regularidade do julgamento e não a realização de um efectivo e verdadeiro segundo julgamento. Tanto assim é que a própria lei, no art. 430º, do C.P.P., só permite a renovação da prova quando se verifiquem os vícios do art. 410º n.º 2, do referido compêndio adjectivo, portanto, quando do teor do texto da decisão judicial decorra a verificação de qualquer dos vícios aí apontados, v.g., insuficiência, contradição ou erro.
O que a lei exige é que se indiquem provas que imponham decisão diversa e não que permitam outra decisão.
E tal exigência é dada, como é referido nos Acs. desta Relação Ns. 2542/01 e 2870/02, pelas seguintes imposições:
Especificação, e não mera referência, dos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, sendo necessário precisar com clareza o ponto que se tem por erroneamente apurado;
especificação das provas, não sendo suficiente a menção genérica de toda a prova e dos depoimentos das testemunhas, etc;
indicação concreta das provas que impõem decisão diversa;
especificação dos suportes técnicos, da prova documentada, com vista a facilitar a sua localização.
O recorrente não impugna, verdadeiramente, a matéria de facto, pois que, apesar de indicar um ponto preciso que considera, na sua óptica, incorrectamente julgado, não indica, todavia, provas concretas que impõem decisão diversa, tecendo, apenas, comentários sobre a valoração da prova feita pelo Tribunal, argumentando com considerações todas elas, apenas e exclusivamente, relativas a uma apreensão e qualificação diversa da prova, valorando-a, de modo diverso, qualificando, alguma, nomeadamente, o exame de fls. 8, de forma diversa, dito de outro modo, não a aceitando como prova, por nula, e colocando, quanto a outras, dúvidas e interrogações, sem contudo, conseguir estribar as provas que impõem decisão diversa. Como já referido, o que a lei pretende ao vincular o recorrente á indicação das provas que impõem decisão diversa, não é, certamente, formular uma outra versão da prova produzida.
Tal poderia ser suficiente para se considerar improcedente o recurso, no que concerne à impugnação da matéria de facto.
No nosso sistema processual penal vigora o princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127° do CPP, que estatui" salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada seguindo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.". A este propósito salienta o Sr. Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, v. I, Coimbra Editora, Lda., 1981, pág. 202: " Uma coisa é desde logo certa: o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável - e portanto arbitrária - da prova produzida. Se a apreciação da prova é, na verdade discricionária, tem evidentemente esta discricionariedade (...) os seus limites que não podem ser licitamente ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a chamada" verdade material" - de tal sorte que a apreciação há-de se, em concreto, recondutível a critérios objectivos e portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo..."
No caso “sub judice”, por tudo o que referimos nos pontos 2.4.1 e 2.4.1.1, para os quais remetemos, o facto dado como não provado é de manter, porquanto o mesmo mostra-se, devidamente fundamentado, como resulta do texto da sentença recorrida, onde, a fls. 243 a 249, é explicado o motivo, a razão de ciência e o processo lógico e racional do convencimento do tribunal, que levou a que o mesmo fosse dado como não provado, nos termos do art. 374º, n.º 2, do CPP.
Contudo, no seguimento dos parágrafos antecedentes, para melhor precisão desta matéria, na parte final, al. D) da matéria de facto provada, deve ser integrada a seguinte afirmação: “por se recear que tal sujeição pudesse agravar o seu estado de saúde, devido ao traumatismo torácico, entre outras limitações, advindas do acidente de viação em que foi interveniente”


III - Decisão
Em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal, em declarar improcedente o recurso, nos termos supraditos, mantendo a sentença recorrida, com a alteração da al. D), da matéria de facto provada, nos termos constantes do ponto 2.4.2, último parágrafo, para o qual se remete.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 5 UCs.
(Processado por computador e integralmente revisto pela relatora que rubrica as restantes folhas).

Évora, 16/06/2015