Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | SÉRGIO CORVACHO | ||
Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÕES DISPENSA DE PENA | ||
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Data do Acordão: | 11/26/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | I - O RGCO, sem prejuízo do esteja previsto no regime específico de certas classes de contra-ordenações, regula de forma exaustiva a panóplia de sanções cominadas às infracções de natureza contra-ordenacional, sem que seja necessário lançar mão, nessa matéria, da aplicação subsidiária das normas de direito criminal. II - O instituto da dispensa de pena é privativo das infracções de natureza criminal e não é extensivo às contra-ordenações. | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 3342/12.9TASTB.E1 ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I. Relatório Nos Processos de Contra-Ordenação nºs 66/CON/2012 e 84/CON/2012 da Câmara Municipal de Setúbal foram proferidas decisões, que condenaram «A», em ambos os casos, numa coima no montante de € 2.500,00, pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelo art. 5º nº 2 al. b) do DL nº 48/96 de 15/5, na redacção que lhe foi dada pelo DL nº 111/10 de 15/10. A arguida impugnou judicialmente, nos termos do art. 59º do Regime Geral das Contra-ordenações (doravante RGCO), aprovado pelo DL nº 433/82 de 27/10 e sucessivamente alterado, as decisões administrativas que a condenaram. Na fase de impugnação judicial, os autos foram distribuídos ao 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal, tendo-se procedido à apensação do Processo de Contra-Ordenação nº 84/CON/2012 ao que o antecedeu, e, em 20/3/13, foi proferida sentença pelo Exmº Juiz desse Tribunal, a qual decidiu: Negar provimento ao presente recurso de impugnação judicial interposto pela arguida A e, por consequência, manter a decisão administrativa recorrida nos termos sobreditos: No âmbito do processo de contra-ordenação n.º66/CON/2012 a) Que condenou a arguida pela prática de uma contra-ordenação (cometida em 19 de Dezembro de 2011, pelas 2h40m), p. e p. pelo art. 5.º, n.º2, al. b) do DL n.º48/96, de 15 de Maio, na redacção dada pelo DL n.º111/2010, de 15 de Outubro, na coima no valor de €. 2 500,00 (dois mil e quinhentos euros); E no âmbito do processo de contra-ordenação n.º84/CON/2012 b) Que condenou a arguida pela prática de uma contra-ordenação (cometida em 14 de Janeiro de 2012, pelas 02h28m), p. e p. pelo art. 5.º, n.º2, al. b) do DL n.º48/96, de 15 de Maio, na redacção dada pelo DL n.º111/2010, de 15 de Outubro, na coima no valor de €.2 500,00 (dois mil e quinhentos euros); c) Operando o cúmulo jurídico nos termos e para os efeitos do art. 19.º do R.G.C.O, aplicar à arguida A, pela prática das duas contra-ordenações indicadas em a) e b), uma coima única no valor de €. 2 600,00 (dois mil e seiscentos euros); Com base nos seguintes factos, que então se deram como provados: 1. No dia 19 de Dezembro de 2011, pelas 2h40m, a arguida, dona e exploradora do estabelecimento de bebidas denominado de “B”, sito na Rua da Cordoaria, 17, Setúbal, área desta comarca de Setúbal, mantinha o referido estabelecimento comercial em pleno funcionamento, com cerca de 15 pessoas no seu interior a consumir bebidas e outros produtos comercializados, bem como se procedia à emissão de música, sendo que o seu encerramento deveria ter ocorrido pelas 02h00. 2. Tal estabelecimento de bebidas denominado “B” é explorado pela arguida A 3. Nas apontadas circunstâncias supra descrita, a arguida não possuía licença ou autorização válida para funcionar além das 02h00. 4. O referido estabelecimento está localizado dentro do perímetro urbano da cidade de Setúbal. 5. Ao agir da forma descrita em 1), a arguida, através do seu legal representante, agiu de modo livre, deliberado e consciente, mantendo em pleno funcionamento o estabelecimento comercial de bebidas por si explorado para além do horário a que estava autorizada por lei e por regulamento camarário, ciente de que com tal actuação necessariamente violava as regras que condicionam a sua actividade no que diz respeito à fixação do seu período (horário) de funcionamento. 6. Mais sabia a arguida, através do seu legal representante, serem as suas condutas proibidas e puníveis por lei. Quanto ao processo de contra-ordenação n.º84/CON/2012 7. No dia 14 de Janeiro de 2012, pelas 02h28m, a arguida mantinha o estabelecimento comercial identificado em 1) em pleno funcionamento, com cerca de 8 pessoas no seu interior a consumir bebidas, bem como se procedia à emissão de música, sendo que o seu encerramento deveria ter ocorrido pelas 02h00. 8. Tal estabelecimento de bebidas denominado “B” é explorado pela arguida A 9. Nas apontadas circunstâncias supra descrita, a arguida não possuía licença ou autorização válida para funcionar além das 02h00. 10. O referido estabelecimento está localizado dentro do perímetro urbano da cidade de Setúbal. 11. Ao agir da forma descrita em 7), a arguida, através do seu legal representante, agiu de modo livre, deliberado e consciente, mantendo em pleno funcionamento o estabelecimento comercial de bebidas por si explorado para além do horário a que estava autorizada por lei e por regulamento camarário, ciente de que com tal actuação necessariamente violava as regras que condicionam a sua actividade no que diz respeito à fixação do seu período (horário) de funcionamento. 12. Mais sabia a arguida, através do seu legal representante, serem as suas condutas proibidas e puníveis por lei. Mais se apurou que 13. Actualmente, a actividade da firma arguida está inactiva. 14. No exercício de 2012, a arguida apresentou um resultado líquido de exercício negativo (prejuízo) no valor de €. 5 865,19. Em matéria de factos não provados, a mesma sentença ajuizou: Com relevância para a boa decisão da causa, não se provaram todos os factos que não se compaginam com a factualidade acima descrita, designadamente não se provou que a arguida tivesse actuado com falta de cuidado que lhe impunha e de que era capaz de observar, representando como possível que a sua actuação poderia desrespeitar as normas legais e regulamentares que fixam o período (horário) de funcionamento do estabelecimento de bebidas por si explorado, não se tendo, porém, conformado com tal resultado, sem prejuízo do consignado nos pontos 5), 6), 11) e 12) da matéria de facto dada como provada supra. Da sentença proferida a arguida veio interpor recurso devidamente motivado, formulando as seguintes conclusões: 1. À Recorrente é imputada a prática de duas contra-ordenações previstas e punidas pelo artigo 5.º, n.º 2, alínea b) do DL n.º 48/96, de 15 de Maio na redacção dada pelo DL n.º 111/2010, de 15 de Outubro, tendo sido condenada em cúmulo jurídico, nos termos e para os efeitos do artigo 19.º do R.G.C.O., numa coima única no valor de € 2.600,00 (Dois Mil e Seiscentos Euros). 2. Dos mencionados preceitos legais decorre que o fornecedor de bens ou prestador de serviços é obrigado a afixar, em lugar bem visível, o mapa de horário de funcionamento de cada estabelecimento. 3. Sendo que, de acordo com o artigo 8.º, n.º 1 e 2, alínea a) do Regulamento de Abertura e Funcionamento dos Estabelecimentos de Venda ao Público e Prestação de Serviços do Concelho de Setúbal, o horário legal permitido será às 02h00. 4. No caso vertente o Tribunal a quo considerou, que os depoimentos das testemunhas arroladas pela defesa, “não se mostraram suficientemente seguros, sólidos e credíveis” e de acordo com as regras de experiência comum e convicção, que a Recorrente praticou os factos dos quais veio a ser acusado com dolo. 5. Ora, não tem a Recorrente como se conformar com aquela decisão entendendo que, do depoimento das testemunhas, por si apresentadas, no decurso da audiência de julgamento, não se extraem elementos suficientes que justifiquem a falta de credibilidade e segurança sustentada pelo Tribunal a quo. 6. Pois como referido em acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-04-2009 “A convicção do tribunal é formada antes de mais com base nos dados objectivos fornecidos pela prova documental, pericial e outras provas constituídas de apreciação vinculada (…) sendo que o princípio da livre convicção ressuma da apreciação crítica e racional dos meios de prova validamente produzidos, fundada nas regras da experiência mas também da lógica e da ciência, exigindo que a convicção do julgador seja objectivada e motivada, únicas características que lhe permitem impor-se a terceiros.” 7. Assim, a sentença recorrida, contrariamente ao alegado, desconsiderou as declarações destas testemunhas, justificando a decisão de condenação da Recorrente na sua convicção de que esta teria, obrigatoriamente, anuído e participado nos factos 8. Acabando assim por desvalorizar o depoimento das testemunhas de defesa no que concerne à possibilidade de absolvição da Recorrente, não tendo feito um exame crítico das provas apresentadas em Tribunal, focando-se somente nos factos descritos pelos agentes da PSP, os quais não são decisivos para a descoberta da verdade e da boa decisão da causa, mas que foram suficientes para a formação da convicção – errada, no nosso entender – do tribunal. 9. Ora, certo será que o tribunal a quo não justificou, através da prova testemunhal produzida, a sua convicção para decisão sobre a prática dos factos pela Recorrente, sendo que opta por somente justificar a sua decisão nas regras de experiência comum e prova documental e testemunhal produzida relativamente aos agentes da PSP, o que, conforme acima se refere, não é suficiente para proferir uma decisão condenatória. 10. Entendeu o Tribunal a quo que o tipo subjectivo ilícito contra-ordenacional se encontra verificado, porquanto a Recorrente, agiu da forma consciente e voluntária, o que assume relevância em termos contra-ordenacionais. 11. O artigo 9.º do Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de Outubro estabelece que “age sem culpa quem actua sem consciência da ilicitude do facto, se o erro não lhe for censurável.” 12. Ora, como bem salienta a decisão proferida pelo tribunal a quo, a conduta da Recorrente derivou do facto de o estabelecimento funcionar depois das 02h00 sendo que conforme indicado pelas testemunhas, a Recorrente procedia ao encerramento das portas e procedia a determinados procedimentos tendentes à saída dos clientes. 13. Estamos no caso sub judice perante uma situação de erro sobre a ilicitude, previsto no aludido artigo 9.º do Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de Outubro. 14. Sendo que, a Recorrente pensava que ao fechar as portas do estabelecimento, estaria a cumprir com o horário de funcionamento, uma vez que não permitia a entrada de outros clientes, para além dos clientes que estariam a terminar o consumo e pagar a sua despesa. 15. A falta de consciência da ilicitude não é censurável sempre que o engano ou erro de consciência ética que se exprime no facto não se fundamente em qualidade desvaliosa e juridicamente censurável da personalidade do arguido. 16. A Recorrente que actua convicta da legalidade da sua condução age sem consciência da ilicitude da sua conduta, sem culpa. 17. Tal circunstância remete-nos para o problema do erro sobre a ilicitude, previsto no artigo 9.º do RGCO. 18. O tipo de ilícito – primeiro degrau valorativo da doutrina do crime – tem por função dar a conhecer ao destinatário que determinada espécie de comportamento é proibida pelo ordenamento jurídico e é sempre constituído por uma vertente objectiva (os elementos descritivos do agente, da sua conduta e do seu circunstancialismo) e por uma vertente subjectiva: o dolo ou a negligência. Só da conjugação dos dois elementos ou vertentes (objectiva e subjectiva) pode resultar o juízo de contrariedade da acção à ordem jurídica, o mesmo é dizer, o juízo de ilicitude (cf. Figueiredo Dias, in “Direito Penal - Parte Geral” Tomo I, pág. 231). 19. Pretende-se que o agente, ao actuar, “conheça tudo quanto é necessário a uma correcta orientação da sua consciência ética para o desvalor jurídico que concretamente se liga à acção intentada, para o seu carácter ilícito; porque tudo isso é indispensável para se poder afirmar que o agente detém, ao nível da sua consciência intencional ou psicológica, o conhecimento necessário para que a sua consciência ética, ou dos valores, se ponha e resolva correctamente o problema da ilicitude do comportamento. Só quando a totalidade dos elementos do facto estão presentes na consciência psicológica do agente se poderá vir a afirmar que ele se decidiu pela prática do ilícito e deve responder por uma atitude contrária ou indiferente ao bem jurídico lesado pela conduta. Por isso, numa palavra, o conhecimento da realização do tipo objectivo de ilícito constitui o sucedâneo indispensável para que nele se possa ancorar uma culpa dolosa e a punição do agente a esse título, com a consequência de que sempre que o agente não represente, ou represente erradamente, um qualquer dos elementos do tipo de ilícito objectivo, o dolo terá, desde logo, de ser negado” (cfr. Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 334). 20. Adianta ainda o referido autor que “se o tipo de ilícito é o portador de um sentido de ilicitude, então compreende-se que a factualidade típica que o agente tem de representar não constitua nunca o agregado de “puros factos”, de “factos nus”, mas já de “factos valorados” em função daquele sentido de ilicitude…tornando-se indispensável a apreensão do seu significado correspondente ao tipo». Tal exigência deve respeitar não só aos elementos descritivos do tipo, mas também aos elementos normativos, «aqueles que só podem ser representados e pensados por referência a normas, jurídicas ou não jurídicas» (pág. 335). 21. Embora não se exigindo, quanto a estes, que o agente conheça, com toda a exactidão, a subsunção jurídica dos factos na lei que os prevê, sob pena de só o jurista conhecedor poder agir dolosamente – se o agente conhece o conteúdo do elemento mas desconhece a respectiva qualificação jurídica, há um erro de subsunção, que é absolutamente irrelevante para o dolo do tipo – o certo é que se mostra estritamente necessário que o agente tenha conhecimento dos elementos normativos, numa «apreensão do sentido ou significado correspondente, no essencial e segundo o nível próprio das representações do agente, ao resultado daquela subsunção ou, mais exactamente, da valoração respectiva” (cfr. Figueiredo Dias, in “O Problema da Consciência da Ilicitude em Direito Penal”, § 22, I, pág. 2). 22. O princípio da culpa constitui uma máxima fundamental do direito penal, do que deriva a exigência de que a aplicação de qualquer pena supõe sempre que o ilícito típico foi praticado com culpa, traduzindo-se esta numa censura dirigida ao agente pela prática do facto. 23. Apesar das divergências existentes na doutrina quanto aos efeitos da ausência daquela consciência do ilícito (teorias do dolo, estrita e limitada e teorias da culpa, estrita e limitada), o certo é que tal ausência deixou de ser irrelevante. 24. Em suma, segundo o nosso Código Penal, há três situações em que o erro exclui o dolo: quando verse sobre elementos de facto ou de direito, de um tipo de crime; quando verse sobre os pressupostos de uma causa de justificação ou de exclusão da culpa; ou quando verse sobre proibições cujo conhecimento seria razoavelmente indispensável para que o agente possa tomar consciência do ilícito. 25. Acompanhando, mais uma vez, Figueiredo Dias (in “Direito Penal - Parte Geral” Tomo I, pág. 503), na conclusão: “o erro excluirá o dolo (a nível do tipo) sempre que determine uma falta do conhecimento necessário a uma correcta orientação da consciência ética do agente para o desvalor do ilícito; diversamente, o erro fundamentará o dolo (da culpa) sempre que, detendo embora o agente todo o conhecimento razoavelmente indispensável àquela orientação, actua todavia em estado de erro sobre o carácter ilícito do facto. Neste último caso o erro não radica ao nível da consciência psicológica (ou consciência-intencional), mas ao nível da própria consciência ética (ou consciência dos valores), revelando a falta de sintonia com a ordem dos valores ou dos bens jurídicos que ao direito penal cumpre proteger. Por outras palavras: no primeiro caso estamos perante uma deficiência da consciência psicológica, imputável a uma falta de informação ou de esclarecimento e que por isso, quando censurável, revela uma atitude interna de específico da culpa negligente. 26. É esta a concepção básica sobre o dolo do tipo, a consciência do ilícito e a culpa dolosa que está mesmo na base do regime constante dos artigos 16.º e 17.º”. 27. De uma ou de outra forma, aquele conhecimento tem de resultar directa ou indirectamente da matéria de facto provada. 28. Deveria, assim, da fundamentação de facto resultar matéria factual que permitisse dizer, que se verifica o elemento subjectivo da contra ordenação imputada à Recorrente – o dolo directo. 29. Após o depoimento das testemunhas e da própria Recorrente, se poderá depreender que existe uma “falta do conhecimento necessário a uma correcta orientação da consciência ética do agente para o desvalor do ilícito” 30. A Recorrente, agiu da forma descrita na convicção plena de que a circunstância de as portas estarem encerradas, não deixando entrar novos clientes e o facto dos clientes que já tinham começado a consumir estivessem a efetuar os seus pagamento, legitimava a sua conduta. 31. Ora, tinha assim a Recorrente a convicção de que não lhe era exigível o encerramento completo e efetivo do estabelecimento, pois não poderia, para além dos procedimentos habituais, expulsar os seus, convicta que estava a actuar legitimamente, convicta da sua legalidade. 32. Na verdade, há uma ausência de conhecimento sobre a relação de contrariedade entre a conduta da Recorrente e o comando emergente da norma jurídica, actuando, por conseguinte, sem o conhecimento de que fazia algo que a lei proíbe. 33. O que implica a absolvição da Recorrente no que à aplicação da coima, devido à não consciência da sua ilicitude e por conseguinte não censurabilidade da sua conduta. 34. Ainda que assim não se entenda e se considere o erro da Recorrente, censurável, deverá operar a especial atenuação do artigo 19.º, n.º 2 do Decreto lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 109/2001, de 24/12). 35. Ainda que assim não se entenda, dispõe o artigo 18.º, n.º 1 do Regime Geral da Contra Ordenações que na determinação da medida da coima se atenderá à gravidade da contra-ordenação, ao grau de culpa, à situação económica do agente, e bem assim, ao benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação. 36. Temos a reduzida gravidade e a primariedade da recorrente, pelo que a simples admoestação atingiria as finalidades de prevenção geral e espacial. 37. Trata-se de uma infracção que pode ser predominante ou muito frequente na actividade dos fornecedores de bens e serviços e cujo bem jurídico, no entanto em face do não registo de antecedentes contra ordenacionais por parte da Recorrente a admoestação seria proporcional ao referido cuidado. 38. Sendo que se provaram factos intensamente relevantes para a diminuição daquelas exigências preventivas, como o facto da Recorrente ter encerrado a sua atividade o que pressupõe que a mesma não irá praticar outra contra ordenação. 39. A própria situação da recorrente, de não ser próspera, e não se logrou apurar a existência de um concreto benefício económico retirado da prática da infracção tendem e são justificadores da aplicação de uma admoestação ao caso concreto, face á gravidade da situação, tanto mais que a Recorrente cessou a sua atividade. 40. Aliás, o erro sobre a ilicitude da conduta da Recorrente, conforme foi patente, decorre da inobservância do seus deveres de informação, e não de obstar dolosamente e resistir às obrigações em causa à organização dos respectivos serviços de forma a condicionar por qualquer forma a imediata entrega do livro de reclamações aos utentes que o pretendam utilizar. 41. A pena de admoestação pressupõe que o dano tenha sido reparado e que o tribunal conclua que, com a aplicação desta pena, se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. 42. A ilicitude do facto (a gravidade da infracção), a culpa da Recorrente serem diminutas e o dano reparado, afigura-se-nos que à dispensa da pena não se opõem razões de prevenção (geral) e que a pena de admoestação realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, nomeadamente na sua vertente da protecção dos bens jurídicos que norma violada visa tutelar. 43. As necessidades de prevenção (na vertente de reafirmação contra-fáctica das normas) são compatíveis com a dispensa da pena ou com a pena de admoestação, pelo que pode o Tribunal aplicá-las no caso concreto. 44. Pelo que, se justificará, em nosso entender, que a coima seja substituída pela admoestação. Termos em que, se Requer a V. Exas. Senhores Juízes Desembargadores, que julguem o presente recurso procedente e em consequência, absolvam a Recorrente da decisão judicial que aplicou a coima única de € 2.600,00 (Dois Mil e Seiscentos Euros), ou em alternativa que a mesma seja condenada na pena de admoestação. O recurso interposto foi admitido com subida imediata, nos próprios autos, e efeito suspensivo. O MP respondeu à motivação da recorrente, pugnando pela improcedência da sua pretensão, mas sem ter formulado conclusões. O Digno Magistrado do MP junto desta Relação emitiu parecer sobre o recurso em presença, no sentido da respectiva improcedência, o qual foi notificado à recorrente, a fim de se pronunciar, não tendo ela exercido o seu direito de resposta. Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência. II. Fundamentação Nos recursos penais, o «thema decidendum» é delimitado pelas conclusões formuladas pela recorrente, as quais deixámos enunciadas supra. Tal princípio é extensivo aos recursos interpostos de sentenças proferidas sobre impugnações judiciais de decisões administrativas condenatórias, em processos de contra-ordenação, por força do disposto no nº 1 do art. 41º do RGCO, que manda aplicar a esses procedimentos, subsidiariamente, as regras do processo criminal. No entanto, atento o concreto conteúdo das conclusões formuladas pela recorrente no caso em apreço, convém tecer algumas considerações prévias com vista a uma melhor clarificação do objecto do recurso e da decisão que a este Tribunal cumpre proferir. Acerca dos limites do poder de cognição das Relações, em processo de contra-ordenação, dispõe o nº 1 do art. 75º do RGCO: Se o contrário não resultar deste diploma, a 2ª instância conhecerá apenas de direito, não cabendo recurso das suas decisões. Sendo vedado, no actual momento processual, por força da disposição legal agora transcrita, recorrer da decisão sobre a matéria de facto, impõe-se o postulado da imutabilidade da matéria factual provada e não provada fixada pela primeira instância, o qual só poderá, eventualmente, ceder perante a verificação de qualquer dos vícios da decisão previstos no nº 2 do art. 410º do CPP, que é aplicável ao processo de contra-ordenação ao abrigo da já citada norma de extensão. A sindicância da sentença recorrida, que emerge das conclusões da recorrente, centra-se, sinteticamente, nas seguintes questões: a) Impugnação do juízo probatório formulado pelo Tribunal «a quo» no sentido de a arguida ter agido com dolo, assente na desvalorização dos depoimentos das testemunhas de defesa; b) Invocação do erro sobre a ilicitude, conducente à absolvição da arguida ou ao benefício de uma atenuação especial da coima, caso se entenda que o erro lhe é censurável; c) Discordância do juízo de escolha da sanção, peticionando a sua condenação em simples admoestação ou o benefício de uma «dispensa de pena». A questão suscitada pela recorrente e por nós enunciada sob a alínea a) releva explicitamente da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, a qual, por força da citada disposição do nº 1 do art. 75º do RGCO, não é admitida no âmbito dos recursos interpostos para os Tribunais da Relação das sentenças, que tenham recaído sobre as impugnações judiciais das decisões das autoridades administrativas em processo de contra-ordenação. Assim sendo, a referida questão encontra-se subtraída à cognição deste Tribunal da Relação. Em segundo lugar, a recorrente pretende valer-se das consequências jurídicas, previstas no art. 9º do RGCO, de um erro sobre a ilicitude, em que diz ter incorrido, ao levar a efeito as condutas apuradas nos autos. Ora, nos pontos 6 e 12 da matéria de facto assente, o Tribunal «a quo» deu como provados os factos integradores da «consciência da ilicitude», relativamente a ambas as condutas por que a arguida responde, a título de contra-ordenação. A asserção de que a arguida agiu então sob o efeito de um erro sobre a ilicitude implica necessariamente a alteração da matéria de facto fixada pela sentença recorrida, o que, como já verificámos, é legalmente vedado, no actual momento processual. Por essa razão, fica precludida a apreciação por este Tribunal das consequências jurídicas do invocado erro sobre a ilicitude. Assim sendo, de entre as questões suscitadas pela recorrente, apenas será lícito a este Tribunal emitir pronúncia sobre a matéria relativa à escolha da sanção. Acerca da escolha e da determinação da medida da sanção, expende-se na sentença recorrida (transcrição com diferente tipo de letra): V - DA MEDIDA DAS COIMAS Como já se deixou atrás exposto, nos termos do disposto no art. 5.º, n.º2, alínea b) do DL n.º48/96, de 15 de Maio, na redacção dada pelo DL n.º111/2010, de 15 de Outubro, a contra-ordenação em análise, quando se refere a pessoas colectivas, é sancionada abstractamente com coima de €. 2 500 a €. 25 000. Sendo que de acordo com o disposto no artigo 18.º, n.º1do Decreto-Lei n.º433/82, de 27/10: «A determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação». Quanto às finalidades da punição, deve dizer-se que as mesmas se ligam, por um lado, à sensibilização do arguido para a adopção de um comportamento conforme às normas que regulam o exercício da actividade económica de diversão nocturna, tendo em vista compatibilizar a mesma com os legítimos direitos de repouso, descanso e sossego, em suma, com a qualidade de vida e saúde dos demais membros da comunidade. Por outro, à necessidade de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do ilícito que, no caso, é susceptível de afectar de forma directa e imediata, o são e leal funcionamento da actividade económica e bem-estar dos cidadãos, reflectindo assim a incapacidade do Estado em fazer cumprir as normas que se destinam à sua protecção. Ora, no respeitante à gravidade da infracção, manifestando-se esta, por um lado, pelo desvalor da conduta e, por outro, pelo desvalor do resultado atingido, dir-se-é que a mesma é mediano, o que resulta da importância do bem jurídico protegido nos termos supra explicitados. No que concerne à culpa, deverá considerar-se o facto da arguida, em cada uma das duas contra-ordenações, ter agido com dolo necessário, pelo que a sua conduta é censurável. No respeitante à condição económica da infractora, apurou-se que a mesma, no exercício de 2012, apresentou um resultado liquido de exercício negativo (prejuízo) no valor de -€. 5 865,19. Por último, já quanto ao benefício económico, não se apurou em concreto qual foi, mas não pode deixar de se considerar que existiu na medida é do conhecimento geral que se não adoptar todos os procedimentos legalmente exigidos e observar os condicionalismos a que está sujeito, logra obter um incremento dos proveitos económicos, sendo certo que tal envolve ainda distorções nefastas ao nível da concorrência com os outros agentes económicos que desenvolvam a sua actividade económica no mesmo mercado e que, contrariamente ao arguido, cumprem as normas e procedimentos legalmente estabelecidos. Acresce que à aplicação de uma coima não são alheias necessidades de prevenção geral, que neste caso são elevadas, atento o número de contra-ordenações desta natureza que são praticadas, cujas consequências poderão ser profundamente desastrosas para o sector da actividade económica em causa, a qualidade de vida e saúde dos demais membros da comunidade! Por outro lado, as coimas a aplicar terão que ter expressão suficiente para impedir o arguido de voltar a praticar factos de idêntica natureza, representando um real sacrifício para o mesmo, por forma a assegurar as necessidades de prevenção especial. Sopesando estes elementos de ponderação das medidas concretas das coimas parcelares a aplicar por cada uma das duas contra-ordenações que vêm imputadas à arguida. Vejamos cada uma das coimas de per se. A autoridade administrativa sancionou a arguida: No âmbito do processo de contra-ordenação n.º66/CON/2012 Pela prática, em 19 de Dezembro de 2011, pelas 2h40m, de uma contra-ordenação, p. e p. pelo art. 5.º, n.º2, al. b) do DL n.º48/96, de 15 de Maio, na redacção dada pelo DL n.º111/2010, de 15 de Outubro, na coima de €. 2500,00 (dois mil e quinhentos euros) – [cuja moldura abstracta da coima aplicável, para pessoas colectivas, se fixa entre €. 2500 a €.25000]; E no âmbito do processo de contra-ordenação n.º84/CON/2012 Pela prática, em 14 de Janeiro de 2012, pelas 02h28m, de uma contra-ordenação, p. e p. pelo art. 5.º, n.º2, al. b) do DL n.º48/96, de 15 de Maio, na redacção dada pelo DL n.º111/2010, de 15 de Outubro, na coima de €. 2500,00 (dois mil e quinhentos euros) – [cuja moldura abstracta da coima aplicável, para pessoas colectivas, se fixa entre €.2500 a €. 25000]. Desde já se diga que estes valores, correspondendo ao limite mínimo aplicável em abstracto, ainda se consideram, apesar de tudo, ajustados, adequados e proporcionais à gravidade e censurabilidade das condutas empreendidas pela arguida, nos termos supra apurados, pelo que devem manter-se nos seus precisos termos. * Sendo que, somando as coimas parcelares, se obtém um valor total de €. 5 000,00 (cinco mil euros), sendo que, atento o disposto no n.º2 do art. 19.º do R.G.C.O., não será este o limite máximo da coima única aplicável à arguida nestes autos, assumindo este limite máximo antes o valor de €. 50 000,00 (cinquenta mil euros – correspondente ao dobro do limite máximo da coima aplicável a este tipo contra-ordenacional), e o valor de €. 2500,00 (dois mil e quinhentos euros) o limite mínimo aplicável à arguida, pela prática das referidas cinco contra-ordenações, como infra melhor se explicitará, em sede de aplicação da coima única decorrente da realização do cúmulo jurídico a efectuar nos termos e para os efeitos do art. 19.º do R.G.C.O. * DO CÚMULO JURÍDICO DAS COIMAS PARCELARES APLICADAS À ARGUIDA Estabelece, nesta sede, o citado art. 19.º do R.G.C.O., que: «1 – Quem tiver praticado várias contra-ordenações é punido com uma coima cuja limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicadas às infracções em concurso. 2 – A coima aplicável não pode exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contra-ordenações em concurso. 3 – A coima a aplicar não pode ser inferior à mais elevada das coimas concretamente aplicadas às várias contra-ordenações». Em anotação a este preceito legal, ensinam MANUEL SIMAS SANTOS e JORGE LOPES DE SOUSA [in Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, 6.ª Ed., p. 205], que: «Neste art. 19.º estabelece o regime da punição do concurso de contra-ordenações, que se concretiza na aplicação de uma única coima. O limite máximo da moldura legal desta coima única é formada pela soma das coimas concretamente aplicadas a cada uma das infracções que integram o concurso (n.º1 deste artigo) mas sem exceder o dobro do limite máximo da contra-ordenação a que corresponder coima com um limite máximo mais elevado. O limite mínimo da coima única aplicável é constituído pela coima concreta mais elevada. Assim, para determinar os limites máximo e mínimo da coima única aplicável, é necessário realizar as seguintes operações e verificações: a) fixam-se, em primeiro lugar as coimas concretas que seriam de aplicar a cada uma das infracções em concurso; b) faz-se a soma dessas coimas concretas que constituirá, em princípio, o limite máximo a coima única abstractamente aplicável ao concurso de infracções; c) verifica-se qual das contra-ordenações que integram o concurso é abstractamente punível com coima com limite máximo é mais elevado; d) calcula-se o dobro deste limite máximo mais elevado; e) compara-se a soma das coimas concretas referidas em b) com o ao dobro do limite máximo referido em d); f) o limite máximo da coima única abstractamente aplicável ao concurso de infracções é o menor destes dois valores referidos em e); g) verifica-se qual das coimas concretas, referidas em a), é mais elevada e será esse o limite mínimo da coima única abstractamente aplicável. É dentro destes limites máximo e mínimo que haverá que determinar o montante da coima única a aplicar pelo concurso de infracções, de harmonia com os critérios definidos no art. 18.º». Assim, em caso de concurso efectivo de contra-ordenações, é obrigatório a fixação de um cúmulo jurídico das coimas parcelares aplicadas, o que exige a aplicação de uma única coima. Ora, no caso sub iudice, houve uma pluralidade de infrações contraordenacionais cometidas pelo mesmo arguido, traduzidas em violações plurimas de normas jurídicas, verificando-se, assim, a existência de um concurso efectivo de contra-ordenações puníveis segundo os critérios do citado art. 19.º do R.G.C.O., pelo que, necessariamente, a coima a aplicar resulta do quantum a fixar em cúmulo jurídico. Sendo que, conforme já se explicitou, a coima única aplicável não pode exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contra-ordenações em concurso, nem pode ser inferior à mais elevada das coimas concretamente aplicáveis, por força do previsto nos n.ºs 2 e 3 do art. 19.º do R.G.C.O. Assim o montante da coima única que, de seguida, irá aplicar-se à arguida, nos termos do citado art. 19.º do R.G.C.O., deverá ser justo, proporcional e adequada ao grau de culpa da ora arguida e às exigências de prevenção geral e especial de práticas reincidentes, bem como às exigências de reprovação que as acções concretamente praticadas suscitam. Assim, tudo ponderado e nos termos e para os efeitos do disposto no art. 19.º do R.G.C.O., pela prática das duas contra-ordeanções aqui em apreciação, deve aplicar-se uma coima única no valor de dois mil e seiscentos euros (€. 2 600,00). * DA NÃO SUBSTITUIÇÃO DA COIMA ÚNICA POR ADMOESTAÇÃO Por fim, em face do supra exposto, designadamente quanto às prementes necessidades de prevenção geral e ao carácter reiterado com que as referidas infracções foram cometidas pela arguida, dever-se-á ainda referir que este tribunal entende que a mera substituição da coima única por simples admoestação, nos termos permitidos pelo art. 51.º do R.G.C.O., em conjugação com o disposto no art. 60.º do C.P., ex vi do art. 32.º do R.G.C.O., será manifestamente insuficiente e inadequada para satisfazer as necessidades de punição aqui reclamadas e, destarte, para prevenir a prática pela arguida/recorrente de futuros ilícitos de mera ordenação social, razão pela qual não se irá aplicar tal sanção de admoestação. Pretende a recorrente que, no lugar da coima única que lhe foi aplicada, lhe seja concedida a «dispensa de pena» ou a sua condenação numa simples admoestação. Os pressupostos da dispensa de pena vêm previstos no nº 1 do art. 74º do CP: Quando o crime for punível com pena de prisão não superior a seis meses, ou só com multa não superior a 120 dias, pode o tribunal declarar o réu culpado mas não aplicar qualquer pena se: a) A ilicitude do facto e a culpa do agente forem diminutas; b) O dano tiver sido reparado; e c) À dispensa de pena se não opuserem razões de prevenção. Inexiste no RGCO normativo que preveja providência equivalente à prevista na disposição da lei criminal agora transcrita, pelo que a aplicação desta às contra-ordenações fica dependente da existência de uma norma de extensão que a declare aplicável a essa categoria de infracções. O art. 32º do RGCO dispõe: Em tudo o que não for contrário à presente lei aplicar-se-ão subsidiariamente, no que respeita à fixação do regime substantivo ndas contra-ordenações, as normas do Código Penal. Interessa, então, saber se a dispensa de pena prevista no art. 74º do CP pode ser considerada aplicável às contra-ordenações e as coimas que lhe são cominadas, por via do enunciado art. 32º do RGCO. Ora, a jurisprudência vêm-se orientando decididamente no sentido de considerar o instituto da dispensa de pena privativo das infracções de natureza criminal e não extensivo às contra-ordenações. Podemos indicar, como sufragadores do referido entendimento os Acórdãos da Relação do Porto de 18/9/02, documento RP200209180240572 e relatado pela então Exmª Desembargadora e actualmente Conselheira Dra. Isabel Pais Martins, de 22/09/10, proferido no processo nº 2789/09.2TBVCD.P1 e relatado pelo Exmº Desembargador Dr. Coelho Vieira, e de 30/3/11, proferido no processo nº 469/09.8TBBAO.P1 e relatado pelo Exmº Desembargador Dr. Araújo Barros, e da Relação de Coimbra de 15/5/13, proferido no processo nº 661/12.8TBCBR.C1 e relatado pelo Exmº Desembargador Dr. Luís Coimbra. A aludida orientação interpretativa assenta, em síntese, na asserção de que o RGCO, sem prejuízo do esteja previsto no regime específico de certas classes de contra-ordenações, regula de forma exaustiva a panóplia de sanções cominadas às infracções de natureza contra-ordenacional, sem que seja necessário lançar mão, nessa matéria, da aplicação subsidiária das normas de direito criminal. Não nos ocorrem argumentos em contrário da tese jurídica consagrada nas referenciadas decisões jurisprudenciais, pelo que igualmente a adoptaremos. Nesta conformidade, importa concluir pela inviabilidade da aplicação à recorrente, no lugar da coima única em que foi condenada, de uma dispensa de pena. Quanto à possibilidade de aplicação à arguida de uma simples admoestação, que se encontra prevista no nº 1 do art. 51º do RGCO: Quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação. Na sentença sob recurso, o Tribunal «a quo» afastou a aplicação da sanção substitutiva prevista na disposição legal acabada de transcrever, com fundamento em ser a mesma inadequada e insuficiente para a realização das finalidades da punição. Ora, as finalidades da punição são definidas pelo nº 1 do art. 40º do CP, aplicável às contra-ordenações «ex vi» do art. 32º do RGCO, como a protecção de bens jurídicos, que desdobra, no essencial, na prevenção geral e especial da prática de infracções, e a reintegração social do agente. A aplicação a infracções de natureza contra-ordenacional da sanção de admoestação baseia-se em pressupostos diferentes daqueles em que assenta a imposição da pena substitutiva do mesmo nome, prevista no art. 60 do CP, pois é função de um grau diminuto de ilicitude dos factos («gravidade da contra-ordenação») e de culpa do infractor, o que se situa num plano diferente dos motivos que levaram o Tribunal «a quo» denegar á ora recorrente a respectiva decretação e que relevaram, se bem entendemos, de razões de ordem essencialmente preventiva. Daí não se segue, porém, que o Tribunal «a quo» não tenha decidido correctamente, ao não condenar a arguida em simples admoestação, em lugar da coima única aplicada. A hipótese prevista no nº 1 do art. 51º do RGCO destina-se a cobrir aquelas situações em que, por efeito da uma diminuição acentuada do grau de ilicitude ou de culpa, a aplicação de uma coima dentro de moldura sancionatória normal resultaria desproporcionada. Ora, no caso em apreço, quer a ilicitude do facto, quer a culpa da arguida apresentam-se pouco exacerbadas, mas reconduzem-se a um padrão de normalidade em função do qual a moldura sancionatória abstractamente aplicável foi pensada. Nesta conformidade, não se nos afigura que se justifique aplicação à recorrente da sanção prevista no nº 1 do art. 51º do RGCO, pelo que, ao fixar as coimas parcelares pelo mínimo legal e a coima única muito perto dele, o Tribunal «a quo» foi tão longe quanto lhe era possível no abrandamento da reacção sancionatória à apurada conduta da arguida. Por conseguinte, o recurso improcede por completo. III. Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida. Custas a cargo da recorrente, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça. Notifique. Évora, 26/11/13 (processado e revisto pelo relator) Sérgio Bruno Póvoas Corvacho João Manuel Monteiro Amaro |