Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
336/14.3T2SNS.E1
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA NO TRABALHO
NEXO DE CAUSALIDADE
QUEDA EM ALTURA
Data do Acordão: 10/27/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: i. A responsabilidade agravada do empregador, prevista no artigo 18.º da LAT, pode ter um de dois fundamentos: (a) que o acidente tenha sido provocado pela empregadora, seu representante ou entidade por aquela contratada e por uma empresa utilizadora de mão de obra, ou (b) que o acidente resulte da falta de observância, por parte daqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho;
ii. A única diferença entre estes dois fundamentos reside na prova da culpa, necessária no primeiro caso, e desnecessária no segundo;
iii. Todavia, ambos os fundamentos exigem, para além do comportamento culposo ou da violação normativa, respectivamente, a necessária prova do nexo causal entre o acto ou omissão que os corporizam e o acidente que veio a ocorrer;
iv. As medidas de segurança previstas no artigo 44.º do RSTCC (guarda-corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador, tábuas de rojo) visam, fundamentalmente, evitar quedas devidas a obras em cima de telhados que ofereçam perigo pela inclinação, natureza ou estado da sua superfície ou por efeito das condições atmosféricas;
v. Não se pode afirmar, com segurança, que o empregador devia adoptar as medidas de segurança indicadas no referido artigo 44.º se da matéria de facto apenas resulta que o Autor se encontrava a pintar o guarda-fogos na junção dos telhados, e que ao se apoiar numa telha esta se partiu, conduzindo à queda do sinistrado, de uma altura de 4 metros, para o interior do pavilhão agrícola, sendo certo, ainda, que a cobertura deste era composta por chapas de fibrocimento e por algumas chapas translúcidas, mas não se provou que as mesmas fossem frágeis;
vi. Mas ainda que se admitisse a violação de regras de segurança por parte do empregador, a não utilização das mesmas (como guarda corpos ou cinto de segurança) não se apresenta causal do acidente, uma vez que o sinistrado não caiu a partir do telhado para o solo, devido à sua inclinação, mas sim para o interior do pavilhão, por uma telha se ter partido, sem que a seguradora tivesse provado que a mesma era frágil.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 336/14.3T2SNS.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
BB (residente em …), após infrutífera tentativa de conciliação, intentou, na Comarca de Setúbal (Santiago do Cacém – Instância Central – 2.ª Secção do Trabalho – J1) e com o patrocínio do Ministério Público, a presente acção especial emergente de acidente de trabalho contra:
1. CC – Companhia de Seguros, S.A. (com sede na … Lisboa)
2. DD (residente na …),
pedindo que o acidente por si sofrido em 07-03-3014 seja qualificado como de trabalho e, por via disso, a condenação das Rés a pagar-lhe, na medida das respectivas responsabilidades que vierem a ser apuradas:
i. a quantia de € 2.279,10 a título de incapacidade temporária absoluta durante 154 dias;
ii. o capital de remição de € 9.297,51 correspondente à pensão anual e vitalícia de € 790,00;
iii. a quantia de 216,13 a título de despesas médicas e medicamentosas, bem como com transportes, que teve que suportar;
iv. juros de mora, à taxa legal, sobre as quantias em causa, desde o respectivo vencimento até integral pagamento.

Alegou para o efeito, muito em síntese, que no dia 07 de Março de 2014, quando exercia a actividade de trabalhador rural indiferenciado ao serviço do 2.º Réu, mediante uma retribuição anual de € 7.716,80 (€ 551,20 x 14) foi vítima de um acidente de trabalho, o que lhe provocou lesões várias que lhe determinaram incapacidade temporária absoluta para o trabalho, e sequelas que lhe determinaram incapacidade permanente parcial (doravante, IPP).
Mais alegou que o 2.ª Réu havia transferido a responsabilidade infortunística–laboral para a 1.ª Ré, mas que esta não aceita responsabilizar-se pela reparação do acidente, alegando que (o Autor) não se encontrava abrangido pelo contrato de seguro, e daí a necessidade de demandar ambos os Réus.

Em contestação, a Ré seguradora (1.ª Ré) defendeu-se por execepção e por impugnação: (i) por excepção, sustentando a absolvição do pedido por o contrato de seguro que celebrou com o 2.ª Réu não abranger o Autor; (ii) por impugnação, alegando que o acidente ocorreu por violação das regras de segurança por parte do Réu empregador.
Concluiu o articulado pedindo a absolvição do pedido e requereu que se procedesse a exame, por junta médica, ao Autor/sinistrado.

Por sua vez, o Réu empregador (2.º Réu) contestou a acção, também por excepção e por impugnação: (i) por excepção, alegando a sua ilegitimidade, e consequente absolvição da instância, uma vez que havia transferido a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho com os seus trabalhadores para a Ré seguradora; (ii) por impugnação, alegando desconhecer diversa factualidade, não pessoal, alegada na petição inicial.
Pugnou, por isso e em relação a si, pela absolvição da instância ou, se assim se não entender, pela absolvição do pedido.

Foi elaborado despacho saneador stricto sensu, consignados os factos assentes, bem como a base instrutória, que não foram objecto de reclamação das partes.

Foi desdobrado o processo para fixação de incapacidade, tendo no apenso os exmos. peritos que intervieram na junta médica arbitrado ao sinistrado, aqui Autor, a IPP de 0,14625 desde a data da alta, em 07-08-2014.

Procedeu-se à realização da audiência final em 11-05-2016 (fls. 302-306), que prosseguiu em 16-05-2016 (fls. 307-308), e em 21-06-2016 foi proferida sentença, na qual se respondeu à matéria de facto e se motivou a mesma, sendo a parte decisória do seguinte teor (fls. 310-319):
«Pelo exposto, decido:
a) Julgar improcedentes as excepções dilatórias da ilegitimidade;
b) Fixar ao Autor/Sinistrado BB as seguintes incapacidades:
- Incapacidade Temporária Absoluta (ITA) entre 07.03.2014 a 07.08.2014, num total de 154 dias;
- Data da alta: 07.08.2014;
- Incapacidade Permanente Parcial (IPP) de 14,625%, desde 08.08.2014.
c) Condenar a Ré CC – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., a pagar ao Autor os seguintes valores e prestações:
- Uma indemnização diária no valor de €13,75 (treze euros e setenta e cinco cêntimos), no total de 2117,50 (dois mil cento e dezassete euros e cinquenta cêntimos), pelo período de ITA; quantia a que acrescem de juros de mora, à taxa legal de 4% ou outra que vier a ser legalmente fixada desde o fim do mês em que deveria ter sido liquidada até integral pagamento;
- O capital de remição correspondente à pensão anual de €723,80 (setecentos e vinte e três euros e oitenta cêntimos), com efeitos a partir de 08.08.2014, quantia a que acrescem de juros de mora, à taxa legal de 4% ou outra que vier a ser legalmente fixada, desde 08.08.2014 até integral e efectivo pagamento.
- A quantia de €216,13 (duzentos e dezasseis euros e treze cêntimos) a título de despesas médicas, medicamentosas e de deslocação, quantia à qual acrescem juros de mora à taxa legal desde a data do trânsito em julgado da sentença até integral pagamento.
d) No mais, julgo improcedente a acção e absolvo o Réu DD..
*
Nos termos do artigo 120.º do CPT fixo o valor da causa em €10852,03 [€8518,40 + €2117,50 + €216,13].
(…)».

Inconformada com a sentença, a Ré seguradora (1.ª Ré) dela interpôs recurso para este tribunal, tendo nas alegações apresentadas formulado as seguintes conclusões:
«A) No dia 7 de Março de 2014, o Autor encontrava-se a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização do Réu DD, procedendo a seu mando à pintura do guarda-fogos, sito na zona de junção dos telhados da casa do secador do arroz, no Monte …;
B) Quando, ao apoiar-se numa telha, esta partiu-se, originou o desequilíbrio do Autor e sua projecção para trás, batendo com a região posterior do tronco na porção da telha atrás de si, tendo caído pelo espaço aberto entre as duas extremidades, sita a 4 metros de altura embatendo no solo com a barriga;
C) Como consequência directa e necessária da queda do autor, este sofreu traumatismo abdominal, com lesão esplénica, hepática e intestinal com sequelas esplenectomia e perda segmentar do intestino delgado;
D) Em consequência do acidente, o Autor ficou acometido de uma ITA no período entre 07.03.2014 a 07.08.2014, com data da alta da consolidação médico-legal naquele dia 07.08.2014, padecendo de uma IPP de 14,625%;
E) O local onde o Autor trabalhava é um pavilhão agrícola, com cobertura composta por chapas de fibrocimento e por algumas chapas translúcidas;
F) No telhado onde o Autor desenvolvia os trabalhos não existiam tábuas de rojo nem qualquer outro dispositivo destinado à circulação dos trabalhos e a evitar a quebra das telhas e a queda dos que ali circulassem;
G) O Réu DD não disponibilizou ao autor para a execução dos referidos trabalhos em cima do telhado, cinto de segurança;
H) Em face destes factos considerados provados e não provados, veio o Tribunal a quo a condenar a Ré seguradora, ora Recorrente, no pagamento de uma indemnização ao Autor, uma vez que no entendimento da Sra. Juíz não foi apurada uma causalidade entre a omissão de regras de segurança por parte da entidade empregadora, o co-Réu DD, e a queda do sinistrado para o interior do edifício, cabendo, por isso, a reparação daquele acidente de trabalho à Ré seguradora;
I) Na fundamentação da sentença, entendeu o Tribunal a quo que não resultou demonstrado que as tábuas de rojo, a utilização de cinto de segurança ou qualquer outro dispositivo de segurança, tivesse evitado o sinistro, discordando a Ré, ora Recorrente de tal entendimento;
J) A Lei Primeira do País, Constituição da República Portuguesa, no que concerne aos direitos individuais de cada trabalhador enquanto sujeito de uma relação de trabalho, estabelece no seu artigo 59º., nº. 1, sob a epígrafe “Direitos dos trabalhadores”:
“1 - Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito: (…)
c) À prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde; (…)
f) A assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional.”;
K) Nos termos do disposto no artigo 281º. do Código do Trabalho, deve a entidade empregadora estudar e avaliar os riscos inerentes à actividade a desenvolver pelos trabalhadores, quer previamente, quer no decurso dos trabalhos, criando as medidas necessárias para a execução da actividade desenvolvida em condições de segurança e saúde, estabelecendo o artigo 282º. que deve o empregador informar os trabalhadores sobre os aspectos relevantes para a protecção da sua segurança e saúde e a de terceiros, impendendo ainda sobre aquele o dever de consultar o trabalhador sobre a preparação e aplicação das medidas de prevenção, devendo assegurar formação adequada por forma a habilitar os trabalhadores sobre a prevenção dos riscos associados à actividade desenvolvida;
L) Cabia assim, no caso evento dos presentes autos, à entidade empregadora, o co-Réu DD, cumprir as obrigações que legalmente sobre ela recaem no que à prevenção e segurança no trabalho diz respeito;
M) Dispõe o artigo 44º. do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil (doravante designado por Regulamento), aprovado pelo Decreto n.° 41.821, de 11 de Agosto de 1958, sob a epígrafe “Obras em telhados”, que:
“No trabalho em cima de telhados que ofereçam perigo pela sua inclinação, natureza ou estado da sua superfície, ou por efeito de condições atmosféricas, tomar-se-ão medidas especiais de segurança, tais como a utilização de guarda - corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador e tábuas de rojo.
§ 1.° As plataformas terão a largura mínima de 0,40 m e serão suportadas com toda a segurança. As escadas de telhador e as tábuas de rojo serão fixadas solidamente.
§ 2.° Se as soluções indicadas no corpo do artigo não forem praticáveis, os operários utilizarão cintos de segurança providos de cordas que lhe permitam prender-se a um ponto resistente da construção.”;
N) Acrescenta o artigo 11º., sob a epígrafe "Quedas em altura”, da Portaria n.° 101/96 (diploma que regulamenta as prescrições mínimas de segurança e de saúde nos locais e postos de trabalho dos estaleiros temporários ou móveis):
"1. Sempre que haja risco de quedas em altura, devem ser tomadas medidas de protecção colectivas adequadas e eficazes ou, na impossibilidade destas, de protecção individual, de acordo com a legislação aplicável, nomeadamente o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil.
2. Quando, por razões técnicas, as medidas de protecção colectiva forem inviáveis ou ineficazes, devem ser adoptadas medidas complementares de protecção individual, de acordo com a legislação aplicável.”;
O) O co-Réu, enquanto entidade empregadora do Autor/sinistrado, devia nortear a sua actividade por princípios mínimos de segurança no trabalho, como os previstos nos artigos 5º. e 15º. da Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro, e como no caso dos autos, decorrendo os trabalhos em altura, o Autor/sinistrado devia usar, no mínimo, um cinto de segurança, em cumprimento do disposto no artigo 44º, n.º 2, do supra citado Regulamento;
P) Decorre do artigo 5º., nº. 1, da Lei nº. 102/2009 que “o trabalhador tem direito à prestação do trabalho em condições que respeitem a sua segurança e a sua saúde, asseguradas pelo empregador (…)”, e que o empregador é, em geral, obrigado a zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da actividade em condições de segurança e saúde do trabalhador, sendo em conta diversos princípios gerais de prevenção – conforme artigo 15º., n.ºs 1 e 2, alíneas a), c), d), e), i) e j), e nºs. 3, 10 e 11 do mesmo diploma;
Q) A responsabilidade pela implementação, observância e fiscalização do cumprimento das regras de segurança está adstrita à entidade empregadora, face ao que dispõem os identificados artigos 15º., nº.s 1, 2, 3, 10 e 11 do Decreto-Lei 102/2009, de 10 de Setembro, e artigos 5º. e 9º., do Decreto-Lei nº. 273/2003, de 29 de Outubro, recaindo, no evento dos autos, sobre a entidade empregadora, o co-Réu Joaquim Núncio, os deveres e obrigações de cumprimento das regras de segurança com vista a acautelar a saúde, a integridade e segurança dos seus trabalhadores, neste caso, do Autor/sinistrado;
R) É a entidade empregadora que deve planificar de forma adequada os riscos profissionais e implementar todas as medidas necessárias a evitá-los, impendendo sobre aquela a obrigação de estar presente, por si ou através de um representante habilitado para tal, no decurso da realização dos trabalhos, de forma a poder cumprir o dever de fiscalização das regras de segurança;
S) No evento dos autos, ficou demonstrado que em cima do telhado onde decorriam os trabalhos de pintura dos guarda fogos não existiam tábuas de rojo nem qualquer outro dispositivo destinado à circulação do trabalhador, o Autor/sinistrado, de forma a evitar a quebra das telhas e a queda daquele trabalhador, para além do co-Réu, enquanto entidade empregadora, não ter ainda disponibilizado cinto de segurança para a execução daqueles trabalhos- resposta aos artigos 8º. e 9º. da base instrutória;
T) A inexistência dos meios de protecção individual e colectiva no local onde decorriam os trabalhos, nomeadamente, a falta de cinto de segurança, constitui para o co-Réu uma clara e evidente violação das mais elementares regras de segurança no trabalho, que foi decisiva, determinante e motivo único para a ocorrência do acidente dos autos;
U) A colocação de uma linha de vida, à qual o Autor/sinistrado se pudesse ligar através de arnês, por colocação no cinto de segurança, teria evitado a sua queda ao solo, aquando da quebra da chapa translúcida existente no telhado do pavilhão de secagem do arroz, onde o Autor/sinistrado executava o seu trabalho;
V) Não foi, sequer, alegado pelo co-Réu DD, que previamente e no decurso dos trabalhos de pintura do pavilhão de secagem de arroz de grandes dimensões - conforme é possível verificar pela análise das fotografias juntos ao Relatório de Acidente de Trabalho, junto aos autos pela ora Recorrente como documento 2, a fls. …-, tivesse avaliado os riscos inerentes àquele trabalho desenvolvido, sendo evidente a falta de avaliação e implementação, por parte daquele co-Réu, enquanto entidade empregadora, de qualquer meio de protecção dos trabalhadores que executavam aqueles trabalhos, sendo inegável o desrespeito por parte daquele para com os seus trabalhadores, nomeadamente, com o Autor/sinistrado, pelas mais elementares regras de segurança no trabalho que estão amplamente previstas na legislação constitucional e do trabalho;
W) É ainda inegável o nexo de causalidade entre a não implementação das medidas de protecção individual e/ou colectiva no local de trabalho, por parte do co-Réu DD, enquanto entidade empregadora do Autor/sinistrado, e o sinistro objecto dos presentes autos, uma vez que estando o Autor/sinistrado a executar os trabalhos de pintura do guarda-fogos no telhado do pavilhão de secagem do arroz, composto por chapas de fibrocimento e chapas de plástico translúcidas, sem que estivesse implementado, no limite, uma linha de vida à qual aquele Autor/sinistrado se pudesse ligar através de um arnês preso a um cinto de segurança e, partindo-se, como se partir, uma dessas chapas na sequência da passagem em cima das mesmas daquele trabalhador, a queda do Autor não ocorreria até ao solo, uma vez que o mesmo ficaria suspenso, preso a essa linha de vida;
X) Já no revogado artigo 54º. do Decreto n.º 360/71, de 21 de Agosto, diploma regulamentador da Lei nº. 2127, que previa para efeito do preceituado no n.º 2 da referida Base XVII, “considera-se ter resultado de culpa da entidade patronal ou do seu representante o acidente devido à inobservância de preceitos legais e regulamentares, assim como de directivas das entidades competentes, que se refiram à higiene e segurança do trabalho”;
Y) Fossem ou não praticáveis os esquemas de segurança enumerados no artigo 44º. do já citado Regulamento, certo é que sempre se impunha, face à existência de chapas translúcidas de plástico, que ofereciam fraca resistência, que o trabalhador utilizasse cinto de segurança provido de corda, de modo a sustê-lo no caso de, por desequilíbrio ou por outra razão, pisar e quebrar a chapa de plástico, evitando a precipitação no pavimento, como efectivamente se veio a verificar;
Z) Resulta evidente e terá de se concluir por um comportamento temerário e altamente reprovável por parte da entidade empregadora do Autor/sinistrado, do qual resultaram as lesões identificadas nos autos, foram determinantes para a produção do evento dos autos, razão pela qual recai sobre aquela, o co-Réu DD, a responsabilidade pela reparação do evento dos autos, nos termos do disposto no artigo 18º., nº. 1, da Lei 98/2009, de 4 de Setembro;
AA) O nexo de causalidade entre a violação das mais elementares regras de segurança por parte do co-Réu DD, enquanto entidade empregadora do Autor/sinistrado, e o acidente dos autos que vitimou aquele, existe e está ampla e fundamentadamente demonstrado;
BB) Daí que, em face do atrás exposto, se tenha de concluir que a sentença proferida nos autos não fez correcta interpretação e aplicação do direito ao factualismo provado nos autos, designadamente, dos artigos 14º., nº. 1, alínea a), da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, e ainda do artigo 18º., nº. 1, daquela Lei, em conjugação com o artigo 44º. do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil (Decreto nº. 41.821, de 11 de Agosto de 1958), artigos 5º. e 15º., da Lei 102/2009, de 10 de Setembro e artigo 11º., da Portaria nº. 101/96, de 3 de Abril, devendo desta forma a sentença proferida ser revogada e proferida nova sentença que conclua que o co-Réu DD, enquanto entidade empregadora do Autor/sinistrado, é o único responsável pela produção do acidente dos autos e, em consequência, a entidade responsável pela reparação das lesões e pagamento das indemnizações devidas ao seu trabalhador, BB.
Termos em que, nos melhores de Direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deve a sentença recorrida ser revogada e, em consequência, ser proferida nova sentença que conclua pela violação grave das regras de segurança no trabalho por parte do co-Réu DD, enquanto entidade empregadora do Autor/sinistrado, a quem competia cumprir e fazer cumprir, bem como pelo nexo de causalidade que resulta da violação dessas regras de segurança no trabalho e a queda daquele trabalhador para o interior do local onde decorriam os trabalhos, absolvendo a co-Ré, ora Recorrente, CC – Companhia de Seguros, S.A. do pedido, com o que se fará sã e serena JUSTIÇA».

O Réu/empregador (2.º Réu) respondeu ao recurso, sem síntese conclusiva, a pugnar pela sua improcedência.

Também o Autor, ainda com o patrocínio do Ministério Público, respondeu ao recurso, a pugnar pela sua improcedência.
Para tanto nas contra-alegações que apresentou formulou as seguintes conclusões:
«1º- Resulta daa matéria de facto provada que o sinistrado
a) no dia 7 de Março de 2014, se encontrava a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização do Réu DD, procedendo a seu mando à pintura do guarda-fogos, sito na zona de junção do telhado da casa do secador do arroz, no Monte ….;
b) E que ao apoiar-se numa telha, esta partiu-se, originou o desequilíbrio do Autor e sua projecção para trás, batendo com a região posterior do tronco na porção da telha atrás de si, tendo caído pelo espaço aberto entre as duas extremidades, sita a 4 metros de altura embatendo no solo com a barriga ;
c) Tendo o sinistrado sofrido como consequência directa e necessária da queda as lesões constantes dos autos;
d) E que a Entidade Empregadora do sinistrado, tinha a responsabilidade emergente de acidente de trabalho transferida, em relação ao sinistrado para a ora recorrente , conforme consta da sentença.
2º- Não resultou da matéria de facto provada que na origem do acidente estivesse a violação de regras de segurança por parte do co- réu DD
3º- É à ora recorrente que cabe a reparação do presente acidente de trabalho e não à Entidade Empregadora.
4º- E se e a ora recorrente, pretendia excluir a sua responsabilidade e responsabilizar a Entidade Empregadora , invocando a violação de regras de segurança por parte desta, teria de provar quais as regras que foram violadas face as circunstâncias concretas em que ocorreu o acidente.
5º - Tudo o que resultou da prova produzido é que o trabalhador ao apoiar-se numa telha, esta partiu-se , originando o seu desequilíbrio e a sua projecção para o local onde veio a cair.
6º- Não resultou provado que o trabalhador para executar o seu trabalho tivesse necessidade de se movimentar sobre a cobertura do espaço onde veio a cair.
7º- Nem tão pouco a recorrente veio alegar as características de tal cobertura, apenas se sabendo que o telhado era constituído por chapas de fibrocimento e algumas chapas translúcidas.
8º- Também não resultou apurado que o telhado oferecesse perigo em razão da sua inclinação, natureza ou estado de superfície, uma vez que este não se deveu a uma queda do sinistrado a partir do telhado, designadamente devido à sua inclinação, mas sim ao facto de uma telha onde o trabalhador se apoio se ter partido, o que provocou o desequilíbrio e a sua projecção para o local onde veio a cair.
9º - Cabia à recorrente provar, o que não fez, que nas circunstâncias concretas o uso de cinto de segurança, tábuas de rojo ou outro meio de protecção, pelo trabalhador teria evitado a ocorrência do acidente.
10º- E não o tendo logrado provar, não pode afirmar que o co-réu entidade empregadora deveria ter adoptado esta ou aquela medida de segurança nem que a não adopção de qualquer medidas de segurança foi causal do acidente.
11º- Não resultando apurada a causalidade entre a omissão de regras de segurança e a queda do sinistrado para o interior do edifício originada por uma quebra de uma telha, cabe à Ré Seguradora a reparação dos danos derivados do acidente.
12º- A sentença recorrida fez uma correcta interpretação e aplicação do direito face ao factualismo provado nos autos, designadamente, dos artºs. 14º nº. 1 alínea a) da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, e ainda do artigo 18º nº. 1, daquela Lei, em conjugação com o artigo 44º do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil , artigos 5º e 15º da Lei 102/2009, de 10 de Setembro e artig0 11º da Portaria nº. 101/96, de 3 de Abril, porquanto enquanto entidade para a qual a Entidade Empregadora havia transferido a responsabilidade por acidente de trabalho , é o única responsável pela reparação das lesões e pagamento das indemnizações devidas a BB.
13º- Ao condenar a seguradora, ora recorrente, a M. Juiz fez uma correcta aplicação a LAT e do disposto no artigo 59º da CRP já que o sinistrado tem direito a assistência e justa reparação , quando vitima de acidente de trabalho.
14º- Salvo melhor opinião, nenhuma razão assiste à recorrente nas suas alegações.
Deverá pois negar-se provimento ao presente recurso e manter-se na íntegra a decisão recorrida».

O recurso foi admitido na 1.ª instância, como de apelação e com efeito meramente devolutivo.

Recebidos os autos neste tribunal, e não havendo lugar ao cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 87.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho – uma vez que o Ministério Público patrocina uma das partes – foi elaborado projecto de acórdão e remetido aos exmos. juízes desembargadores adjuntos.
Com a anuência dos mesmos foram dispensados os vistos legais.
Realizada a conferência, cumpre decidir.

II. Objecto do recurso
Sabido como é que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigos 635.º, n.ºs 3 e 4 e 639.º, n.º 1, do novo Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), no caso a única questão trazida à apreciação deste tribunal consiste em saber se o acidente se ficou a dever à violação de regras de segurança por parte do Ré empregador (2.º Réu).

III. Factos
Na 1.ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade, que se aceita por não vir impugnada nem se vislumbrar fundamento legal para a sua alteração:
1. No dia 7 de Março de 2014, o Autor encontrava-se a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização do Réu DD, procedendo a seu mando à pintura do guarda-fogos, sito na zona de junção dos telhados da casa do secador do arroz, no Monte… (al. A) da matéria de facto assente e resposta parcial ao artigo 1.º da base instrutória);
2. Quando, ao apoiar-se numa telha, esta partiu-se, originou o desequilíbrio do Autor e sua projecção para trás, batendo com a região posterior do tronco na porção da telha atrás de si, tendo caído pelo espaço aberto entre as duas extremidades, sita a 4 metros de altura embatendo no solo com a barriga (al. B) da matéria de facto assente);
3. Como consequência directa e necessária da queda do Autor, este sofreu traumatismo abdominal, com lesão esplénica, hepática e intestinal com sequelas esplenectomia e perda segmentar do intestino delgado;
4. Em consequência do acidente, o Autor ficou acometido de uma ITA no período entre 07.03.2014 a 07.08.2014;
5. Sendo a data da alta da consolidação médico-legal o dia 07.08.2014;
6. E desde então padece de uma IPP de 14,625%;
7. O local onde o Autor trabalhava é um pavilhão agrícola, com cobertura composta por chapas de fibrocimento e por algumas chapas translúcidas (resposta parcial ao artigo 7.º da base instrutória);
8. No telhado onde o Autor desenvolvia os trabalhos não existiam tábuas de rojo nem qualquer outro dispositivo destinado à circulação dos trabalhadores e a evitar a quebra das telhas e a queda dos que ali circulassem (artigo 8.º da base instrutória);
9. O Réu DD não disponibilizou ao Autor para a execução dos referidos trabalhos em cima do telhado, cinto de segurança (artigo 9.º da base instrutória);
10. Por contrato de seguro de acidente de trabalho, com a duração anual e início em 4.09.2013, o Réu DD transferiu para a Ré Seguradora, através da apólice n.º …, a responsabilidade proveniente de acidente de trabalho relativa aos seus trabalhadores EE e FF e ainda a relativa a dois trabalhadores eventuais (um homem e uma mulher), pelo capital seguro de € 32.585,00, correspondendo € 25,00, o valor da retribuição diária do trabalhador eventual (al. C) da matéria de facto assente);
11. À data do acidente, os trabalhadores eventuais eram GG e o Autor.
12. O Autor nasceu em 5.04.1956 (al. D) da matéria de facto assente);
13. O Autor auferia a retribuição mensal de €505, num total anual de € 7070 e cumpria o horário de trabalho das 8h00 às 12h00 e das 13h00 às 17h00 (resposta parcial ao artigo 1.º e resposta parcial ao artigo 5.º da base instrutória);
14. Em consequência do acidente, o Autor despendeu a quantia de € 96,13 em assistência médica e medicamentosa (artigo 2.º da base instrutória);
15. E foi seguido em consultas e exames complementares, no Hospital de São Bernardo em Setúbal, tendo-se ainda deslocado desde a sua residência, em …, ao gabinete médico-legal de Santiago do Cacém e a este Tribunal para diligência para o qual foi convocado, nos dias 7, 27 e 30 de Maio, 4 de Junho, 28 e 30 de Julho e 7 de Agosto, de 2014 (artigo 3.º da base instrutória);
16. Despendendo com tais deslocações a quantia de € 120,00 (artigo 4.º da base instrutória).

IV. Fundamentação
Como se afirmou, a única questão a decidir consiste em saber se o acidente se ficou a dever a violação das regras de segurança por parte do empregador.
Refira-se que é pacífico que tendo o acidente ocorrido em 07 de Março de 2014, ao mesmo é aplicável, em matéria de reparação, o disposto na Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro (doravante também designada como LAT), que regulamenta o regime da reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais nos termos do artigo 284.º do Código do Trabalho (aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro), sendo que aquela lei, por força do disposto no seu artigo 188.º, entrou em vigor em vigor em 1 de Janeiro de 2010, aplicando-se aos acidentes ocorridos após essa data.
E face ao disposto no artigo 8.º da mesma LAT, é incontroverso que o Autor BB sofreu um acidente de trabalho, na medida em que o evento ocorreu no local e no tempo de trabalho e produziu lesão corporal.
Tendo em conta a questão equacionada supra, estipula o artigo 18.º, n.º 1, da LAT, relativamente aos casos de agravamento da reparação por actuação culposa do empregador: «[q]uando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão de obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.»
Em tais situações é devida reparação agravada, nos termos previstos no n.º 4 do mesmo preceito, e a seguradora responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso (artigo 79.º, n.º 3 da lei em apreciação).
Do citado artigo 18.º decorre a existência de um de dois fundamentos para a responsabilidade agravada do empregador:
a) que o acidente tenha sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por uma empresa utilizadora de mão de obra (1.ª parte do n.º 1 do artigo 18.º);
b) que o acidente resulte da falta de observância, por parte daqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho (2.ª parte do referido n.º 1 do artigo 18.º).
Como a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem afirmado de modo uniforme (vide, por todos, os acórdãos de 12-02-2009, Processo 08S3082, de 07-07-2009, Processo 09S0375, de 15-09-2010, Processo 8/04.7TTABT.C1.S1, de 21-11-2010, Processo 55/07.7TTLMG.P1.S1, e de 22-09-2010, Processo 190/04.3TTLVCT.P1.S1, todos disponíveis em www.dgsi-pt; a jurisprudência foi emitida no âmbito da anterior Lei e Regulamento dos acidentes de trabalho – Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril –, mas mantém plena actualidade), a única diferença entre estes dois fundamentos reside na prova da culpa, que é indispensável no primeiro caso e desnecessária no segundo.
No caso em apreciação interessa-nos esta segunda situação, ou seja, a falta de observância das regras de segurança por parte da empregadora.
Para que se verifique este fundamento, é necessário que:
(i) sobre a empregadora recaia o dever de observar determinadas regras de segurança;
(ii) que não haja observado as mesmas, sendo-lhe imputável essa omissão;
(iii) que se verifique um nexo de causalidade entre a omissão e o acidente.
Isto é, para ser imputada à entidade empregadora a responsabilidade infortunística é não só necessário que se prove ter havido violação das regras de segurança a que estava obrigada (por parte da empregadora), mas também que foi o desrespeito por tais regras que deu origem ao evento danoso (vejam-se, neste sentido e por todos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Março de 2007, Processo n.º 1957/06, de 12 de Setembro de 2007, Processo n.º 4369/06, de 14 de Novembro de2007, Processo n.º 2193/07, e de 08 de Janeiro de 2013, Processo 507/07.9TTVCT.P1.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Como se observou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-06-2008 (Processo n.º 236/08, disponível em www.dgsi.pt; em sentido idêntico, veja-se também o acórdão do mesmo tribunal de 23-09-2009, Processo 107/05.8TTLRA.C1, disponível no mesmo sítio), a questão do nexo de causalidade, comporta duas vertentes:
(a) a vertente naturalística, que consiste em saber se o facto, em termos de fenomenologia real e concreta, deu origem ao dano;
(b) a vertente jurídica, que consiste em apurar se esse facto concreto pode ser havido, em abstracto, como causa idónea do dano ocorrido.
O artigo 563.º do Código Civil consagra a vertente mais ampla da causalidade adequada, no sentido de que não exige a exclusividade do facto condicionante do dano.
No dizer de Antunes Varela (et alii, Código Civil Anotado, Vol. I, 3.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 548) o preceito em causa deve «(…) interpretar-se no sentido de que não basta que o evento tenha produzido (naturalística ou mecanicamente) certo efeito para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele; para tanto, é necessário ainda que o evento danoso seja uma causa provável, como quem diz adequada desse efeito».
Mas é configurável a concorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não, assim como também se admite a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie um outro que suscite directamente o dano.
Porém, o facto condicionante já não deve ser tido como causa adequada do efeito danoso, sempre que o mesmo, pela sua natureza, se mostre de todo inadequado para a sua produção: é o que sucede quando o dano ocorreu por virtude de circunstâncias anómalas ou excepcionais de todo imprevisíveis no contexto do trajecto causal.
É, por isso, imprescindível apurar do concreto circunstancialismo em que correu o acidente (neste sentido, por todos, vejam-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14-03-2007, Processo 06S1957, de 13-12-2007, Processo 07S2095, de 12-02-2009, Processo 08S3082, e de 09-02-2010, Processo 838/06.5TTMTS.P1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Como se deixou consignado neste último acórdão, a propósito da implementação de medidas contra quedas em altura, e citando o acórdão do mesmo tribunal de 21-10-2009, proferido no Proc. n.º 230/09.0YFLSB, a implementação dessas medidas de protecção contra quedas em altura «(…) só é obrigatória quando esse risco efectivamente existir, face a um juízo de prognose a formular, no quadro do circunstancialismo existente aquando do acidente, circunstancialismo de que o sinistrado tenha conhecimento ou de que se possa aperceber, agindo com a diligência normal do ‘bonus paterfamilias’, e não face a um juízo a emitir com base em circunstâncias ou dados que só após o acidente se tornaram conhecidos ou cognoscíveis pelo sinistrado. Sendo que não basta que tenha ocorrido um acidente de trabalho traduzido em queda em altura para, de imediato e sem mais, se poder afirmar que houve violação das regras de segurança (neste sentido veja-se, por exemplo, o Acórdão desta Secção de 16.6.2004, www.dgsi.pt, processo n.º 04S339), não podendo a eclosão do acidente ser o ponto de partida para se ajuizar da necessidade de implementar uma determinada medida de segurança (ver Acórdão desta Secção de 31.10.2007, www.dgsi.pt, processo nº 07S1517)».
Cabe também deixar assinalado que o ónus da prova dos factos que agravam a responsabilidade do empregador incumbe a quem dela pretende tirar proveito, nos termos do n.º 2, do artigo 342.º do Código Civil, ou seja, no caso à seguradora [neste sentido, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça é também unânime, podendo ver-se, entre outros, os acórdãos de 21-06-2007 Proc. n.º 534/07, e de 12-09-2007, Procs. n.ºs 4369/06 e n.º 672/07, disponíveis em www.dgsi.pt).

Para a resolução do caso em apreço importa igualmente referir que à data em que ocorreu o acidente se encontrava em vigor a Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro, que, em conformidade com o prescrito no artigo 284.º do Código do Trabalho, veio estabelecer o regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho.
Como princípio geral consagra-se no n.º 1 do artigo 5.º da referida lei que «[o] trabalhador tem direito à prestação de trabalho em condições que respeite a sua segurança e a sua saúde, asseguradas pelo empregador ou, nas situações identificadas na lei, pela pessoa, individual ou colectiva, que detenha a gestão das instalações em que a actividade é desenvolvida».
E no artigo 15.º da lei prescreve-se que «[o] empregador deve assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspectos do seu trabalho» (n.º 1), devendo, de acordo com o n.º 2, «(…) zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da actividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador (…)», tendo em conta princípios gerais de prevenção, designadamente, a identificação dos riscos previsíveis em todas as actividades da empresa, a integração da avaliação dos riscos para a segurança e saúde do trabalhador nas actividades da empresa e o combate aos riscos na origem [alíneas a) a c) do referido artigo].
Mais importa ter presente que o Decreto n.º 41.821, de 11-08-1958 (Regulamento de Segurança no Trabalho de Construção Civil) e a Portaria 101/96, de 03 de Abril (que regulamenta as Prescrições Mínimas de Segurança e de Saúde nos locais e postos de trabalho dos estaleiros temporários ou móveis) reportam-se, especificamente, aos trabalhos de construção civil.
Ocorrendo os trabalhos nos telhados relevam os artigos 44.º e 45.º do referido Decreto.
Dispõe o referido artigo 44.º:
«No trabalho em cima de telhados que ofereçam perigo pela inclinação, natureza ou estado da sua superfície, ou por efeito de condições atmosféricas, tomar-se-ão medidas especiais de segurança, tais como a utilização de guarda-corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador e tábuas de rojo.
§ 1.º As plataformas terão a largura mínima de 0,40 m e serão suportadas com toda a segurança. As escadas de telhador e as tábuas de rojo serão fixadas solidamente.
§ 2.º Se as soluções indicadas no corpo do artigo não forem praticáveis, os operários utilizarão cintos de segurança providos de cordas que lhes permitam prender-se a um ponto resistente da construção.».
E o artigo 45.º é do seguinte teor:
«Nos telhados de fraca resistência e nos envidraçados usar-se-á das prevenções necessárias para que os trabalhos decorram sem perigo e os operários não se apoiem inadvertidamente sobre pontos frágeis».
Finalmente, haverá que atender ao que dispõe o artigo 11.º da Portaria nº 101/96, de 03 de Abril, sob a epígrafe ”Quedas em altura”:
«1- Sempre que haja risco de quedas em altura, devem ser tomadas medidas de protecção colectivas adequadas e eficazes ou, na impossibilidade destas, de protecção individual, de acordo com a legislação aplicável, nomeadamente o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil.
2- Quando, por razões técnicas, as medidas de protecção colectiva forem inviáveis ou ineficazes, devem ser adoptadas medidas complementares de protecção individual, de acordo com a legislação aplicável».

É altura de regressarmos ao caso que nos ocupa.
Resulta, no essencial, da matéria de facto:
- no dia 7 de Março de 2014, o Autor encontrava-se a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização do Réu DD, procedendo a seu mando à pintura do guarda-fogos, sito na zona de junção dos telhados da casa do secador do arroz (n.º 1);
- ao apoiar-se numa telha, esta partiu-se, originou o desequilíbrio do Autor e sua projecção para trás, batendo com a região posterior do tronco na porção da telha atrás de si, tendo caído pelo espaço aberto entre as duas extremidades, sita a 4 metros de altura embatendo no solo com a barriga (n.º 2);
- o local onde o Autor trabalhava é um pavilhão agrícola, com cobertura composta por chapas de fibrocimento e por algumas chapas translúcidas (n.º 7);
- no telhado onde o Autor desenvolvia os trabalhos não existiam tábuas de rojo nem qualquer outro dispositivo destinado à circulação dos trabalhadores e a evitar a quebra das telhas e a queda dos que ali circulassem (n.º 8);
- O Réu DD não disponibilizou ao Autor para a execução dos referidos trabalhos em cima do telhado, cinto de segurança (n.º 9).
O que resulta de tal matéria de facto é, em síntese, que o Autor se encontrava a pintar o guarda-fogos na junção dos telhados, e que ao se apoiar numa telha esta se partiu, conduzindo à queda do sinistrado, de uma altura de 4 metros, para o interior da pavilhão.
Ora, em face de tais escassos elementos, é desde logo duvidoso que se possa concluir que houve violação das regras de segurança por parte do empregador: é que desconhecem-se em absoluto as características do telhado para daí se poder extrair se, como decorre da lei, oferecia “perigo pela inclinação, natureza ou estado da sua superfície, ou por efeito de condições atmosféricas” e, assim, se havia um risco de queda em altura.
Nesta matéria, de relevante, sabe-se apenas que o telhado se encontrava a 4 metros de altura e tinha a cobertura composta por chapas de fibrocimento e por algumas chapas translúcidas, mas não se provou que estas fossem frágeis (cfr. alínea A) dos factos não provados).
Mas nada mais do que isso.
De resto, da factualidade provada nem sequer resulta claro se para realizar o trabalho (pintura de guarda-fogos na junção dos telhados) o Autor tinha que se apoiar nas telhas.
E, como se deixou assinalado, para que haja necessidade de implementação de medidas contra quedas em altura não basta que o telhado se situe a 4 metros: é necessário que perante o concreto circunstancialismo então conhecido que houvesse um efectivo perigo de queda.
Todavia, por mera hipótese de raciocínio admitamos que a mera circunstância do telhado se encontrar a 4 metros de altura e sua cobertura ser feita por chapas de fibrocimento e algumas chapas translúcidas obrigava à adopção de medidas de protecção colectivas (guarda corpos, etc.) ou, não sendo possíveis, individuais (arnês de segurança).
Pergunta-se então: a omissão dessas medidas foi causal do acidente?
A nossa resposta não pode deixar de ser negativa; e isto porque o Autor/sinistrado ao apoiar-se sobre uma telha, esta partiu-se, originou o desequilíbrio do Autor, levando a que este caísse pelo espaço entre as duas extremidades para o interior do pavilhão.
Isto é, o Autor não caiu a partir do telhado para o solo, mas sim porque uma das telhas se partiu e deixou um espaço aberto, caindo daí para o interior do pavilhão.
Por isso, não se lobriga que a colocação de medida de protecção colectiva, como guarda-corpos, pudesse evitar tal queda, e quanto ao uso de arnês, destinando-se o mesmo a impedir a queda a partir do telhado para o solo, também não se afigura que fosse meio apto a evitar a queda para o interior do pavilhão.
Anote-se que em sentido idêntico se decidiu no acórdão deste tribunal de 17-01-2013 (Proc. n.º 517/08.9TBSTC.E1), relatado pelo ora relator, e nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11-10-2005 (Recurso n.º 2062/05), de 12-01-2006 (Recurso n.º 3377/05) e de 18-04-2007 (Recurso n.º 52/07), da 4.ª secção e com sumário disponível em www.stj.pt).
Assim, e em síntese, não só não decorre da factualidade que assente ficou que houve violação das regras de segurança por parte do empregador como ainda que se admitisse tal violação, não ocorreu nexo causal entre essa omissão e o acidente.
Aqui chegados, só nos resta concluir pela improcedência das conclusões das alegações de recurso e, por consequência, pela improcedência deste.

Vencida no recurso, a recorrente/seguradora suportará o pagamento das custas respectivas (artigo 527.º do Código de Processo Civil).

V. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto por CC – Companhia de Seguros, S.A., e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

*
Évora, 27 de Outubro de 2016
João Luís Nunes (relator)
Alexandre Ferreira Baptista Coelho
Joaquim António Chambel Mourisco