Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
43/12.1PAPTM .E1
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: RESISTÊNCIA E COACÇÃO SOBRE FUNCIONÁRIO
INJÚRIA AGRAVADA
ELEMENTO SUBJECTIVO DO TIPO DE ILÍCITO
PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
REGIME DE PROVA
Data do Acordão: 09/11/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário:
1. Sendo o processo penal um direito adjectivo que serve e garante a justa materialização do direito substantivo, da matriz de celeridade e simplificação ínsita nos processos especiais não pode resultar a depreciação de regras e princípios nucleares do direito penal.

2. Assim, a descrição dos factos na sentença sumária, ainda para mais condenatória (oral ou escrita), não pode deixar de plasmar a base factual bastante do tipo objectivo e do tipo subjectivo do crime.

3. A expressão “agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo a sua conduta proibida”, desacompanhada de qualquer outro facto, é insuficiente para cumprir as exigências de descrição do facto subjectivo passível de pena.

4. Ela respeita sobretudo à imputabilidade e à consciência da ilicitude; não trata nem descreve, com suficiência, o dolo.

5. O dolo, como conhecimento e vontade de realização de um concreto tipo de ilícito, não poderá ser factualmente descrito com exclusivo recurso a uma formulação genérica adaptável a qualquer tipo de crime.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. No processo sumário nº 43/12.1PAPTM do 2º juízo criminal do Tribunal de Comarca de Portimão, o arguido N foi condenado como autor de um crime de injúria agravada dos artigos 181º e 184º do Código Penal na pena de três meses de prisão, como autor de um crime de resistência e coacção sobre funcionário do artigo 347º do Código Penal na pena de dois anos de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de dois anos e um mês de prisão.

Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido, concluindo da forma seguinte:

“1º A acusação imputara ao arguido, ora recorrente, a prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário p. e p. no artigo 347º do C.P.

2º Constituem elementos integradores do tipo de ilícito de resistência e coacção sobre funcionário: o impedimento da prática de acto relativo ao exercício de funções; - o constrangimento à prática de acto relativo ao exercício de funções, mas contrários aos deveres do cargo; o emprego de violência ou ameaça grave.

3º Na descrição fáctica da decisão recorrida, não se percebe porque motivo foi o arguido conduzido para o interior da viatura policial, nem mesmo o porquê da sua detenção, pois, nada é referido quanto a uma eventual suspeita da prática pelo arguido de algum crime, pelo que nada se pode concluir a este respeito.

4º Sendo certo que no ponto 4. da matéria de facto dada como provada se refere que “O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei”, porém, o facto que se insere neste ponto respeita somente ao elemento subjectivo do tipo de ilícito em causa.

5º Já quanto ao elemento objectivo de prévio conhecimento por parte do recorrente de que o aludido agente pretendia exercer acto próprio das suas funções e visasse obstar ao respectivo cumprimento”, a decisão recorrida é completamente omissa.

6º Na decisão recorrida nem consta provado o porquê de o arguido ter agido do modo descrito, apenas é referido que o arguido ”…. desferiu vários empurrões e pontapés, no Agente da PSP RS tentando desse modo encetar a fuga…”.
7º Não consta que o arguido tenha agido do modo descrito a fim de impedir o agente de praticar actos englobados nas suas funções, nomeadamente a intercepção e identificação do arguido.

8º Também em nenhum momento da matéria de facto dada como provada se faz qualquer referência à intenção do agente RS em interceptar e identificar o arguido.

9º Assim, não é possível concluir, como se faz no ponto 4, pela verificação do elemento volitivo deste ilícito, na medida em que, este último pressupõe a existência do primeiro.

10º A identificação de qualquer cidadão, nos termos do art.º 250º do CPP, supõe a existência de fortes suspeitas da prática de um crime, situação que no caso não se verificava, uma vez, que nada resulta demonstrado.

11º A condução forçada do suspeito ao posto policial para identificação supõe, para além da suspeita de crime, a comunicação ao suspeito das circunstâncias que fundamentam a obrigação de se identificar e os meios pelos quais este se pode identificar (art.º 250 n.º 2 do CPP), o que não aconteceu.

12º A condução do agente ao posto policial para identificação tem que se mostrar necessária por a mesma não ser possível pelos meios previstos no art.º 250 nºs 3 a 5 do CPP.

13º A conduta do agente da PSP RS era ilegítima, ou seja, não tinha qualquer razão de ser, não se enquadrando no cumprimento dos seus deveres profissionais, pelo que também por aqui, não se verifica a vertente objectiva do crime de resistência e coacção de que o arguido foi condenado.

14º O arguido tinha o direito de se opor à actuação dos agentes da PSP - direito à resistência, constitucionalmente consagrado no art.º 21 da CRP.

15º A conduta do arguido não violou o interesse que com a norma incriminadora se visa proteger e, portanto, a mesma não pode deixar de se considerar lícita, pelo que deverá o arguido ser absolvido do crime que foi condenado.

16º Se por mera hipótese, se considerar que o Recorrente incorreu no tipo legal de crime do artigo 347º do Código Penal, deve a pena aplicada ser reduzida e suspensa na sua execução por aplicação dos artigos 70º e seguintes do C.P.

17º A determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção de futuros crimes, não podendo, nunca, a mesma ser superior à culpa do agente, atento o princípio da dignidade da pessoa humana – artigo 1.º da Constituição da República Portuguesa.

18º Na fixação do quantum da pena valorar-se-ão o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo do agente, as suas condições pessoais, a sua conduta anterior e posterior ao facto, as exigências de prevenção e todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente – artigo 71.º do Código Penal.

19º O Tribunal a quo não ponderou, na fixação da medida da pena todos os factores relevantes para o efeito que, por imposição legal, deveria ter considerado.

20º Não considerou como circunstâncias atenuantes da culpa do arguido, não apenas a gravidade das consequências resultantes da sua conduta para o agente RS (sendo que nada ficou provado a este respeito), como não valorizou sequer o comportamento que o arguido tem mantido após a última condenação (2007), bem como o tempo já decorrido sobre aquela e até mesmo a intensidade do dolo, uma vez que o arguido se encontrava alcoolizado.

21º A única solução equilibrada e justa teria sido fixar a pena única aplicável ao arguido num quantum muito próximo do limite mínimo da moldura penal aplicável.

22º A pena de dois anos de prisão a que o Tribunal a quo condenou o arguido pelo crime de resistência e coacção sobre funcionário, ultrapassando exacerbadamente os limites da sua culpa, revela-se desproporcional às necessidades de prevenção geral e especial que o caso reclama, desadequada à concreta finalidade da ressocialização do agente, frontalmente violadora do comando contido no artigo 71º do Código Penal Português, portanto injusta e inadmissível, impondo-se a sua revogação.

23º O Tribunal a quo, ao não ter importado para o julgamento da gravidade e censurabilidade das consequências resultantes da conduta do arguido; ao não ter valorizado o comportamento que o arguido tem vindo a manter após a última condenação e o tempo já decorrido desde a sua prática; ao não ter sopesado, no juízo de prognose, quanto à necessidade da efectividade de uma pena de prisão a aplicar, o efeito reprovador e estimulador de uma futura conduta conforme que a pena de dois anos de prisão efectiva ao arguido, violou o disposto sob os artigos 40º nº 2, 42º nº 1, 71º nº 1 e nº 2-a), c), d), 77º nº 2 e 79º do Código Penal, impondo-se, em preito à justiça, a revogação da decisão proferida e a realização de um novo juízo para a determinação da pena in casu aplicável ao arguido.

24º A determinação de uma sentença condenatória privativa da liberdade, deverá restringir-se aos casos de manifesta necessidade, adequação ou idoneidade e proporcionalidade, respeitando-se os respectivos pressupostos e limites de não perpetuidade das penas de prisão [27.º, n.º 2 e 30.º, n.º 1 Constituição], bem como as finalidades da punição.

25º Tais finalidades estão enunciadas no art. 40.º, n.º 1 do Código Penal, referindo-se aí que “A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração na sociedade do agente”.

26º A pena, enquanto instrumento político-criminal de protecção de bens jurídicos, tem, ao fim e ao cabo, uma função de paz jurídica, típica da prevenção geral, seguindo-se as vertentes da prevenção especial.

27º A suspensão da execução de uma pena de prisão, atento o disposto no art. 50.º, n.º 1 do mesmo Código, apenas tem lugar se a simples censura do facto e a ameaça daquela pena forem bastantes para afastar o arguido da criminalidade, satisfazendo simultaneamente as necessidades de reprovação e prevenção do crime.

28º A suspensão da execução surja como um nítido factor de inclusão social, optando-se, ao fim e ao cabo, por manter o condenado em liberdade, ainda que limitada por certos deveres ou condições ou mesmo sujeito a regime de prova, possibilitando que se mantenham ou incrementem as condições de sociabilidade e evitando-se os riscos de fractura familiar, social ou laboral.

29º A suspensão da execução da pena é uma nítida opção pela socialização em liberdade do condenado, sem que isso signifique que tenha de existir uma plena certeza que este venha efectivamente a reinserir-se.

30º O ponto de partida para aplicação da suspensão da correspondente pena de prisão será sempre o momento da decisão condenatória e não da prática do crime, podendo circunstâncias posteriores à prática criminosa influenciar positiva ou negativamente esse juízo de prognose.

31º Dos factos provados podemos constatar que existem factores desfavoráveis à opção por uma pena de prisão suspensa na sua execução, mas também existem outros factores favoráveis.

32º Como factores negativos temos o registo de antecedentes criminais, tendo já sido julgado e condenado por seis crimes de condução sem habilitação legal praticados respectivamente em 27.10.1999, 21.04.1999, 11.08.2000, 19.09.2000, 06.02.2001, 25.01.2000, um crime de ofensa à integridade física qualificada praticado em 25.01.2000, um crime de desobediência praticado em 06.02.2001, um crime de furto qualificado praticado em 08.10.1999 e um crime de furto simples praticado em 13.042007 (ponto 5 dos factos provados); o facto de viver na rua, não ter familiares nesta cidade e ser dependente de cocaína (ponto 6 dos factos provados);

33º Como factores positivos podemos reconhecer o facto do arguido ter mostrado uma atitude contrita em Tribunal e encontrar-se arrependido (ponto 7 dos factos provados).

34º Deverá ser ponderado que o arguido tinha a sua capacidade limitada pelo facto de se encontrar alcoolizado e que os crimes pelos quais já foi condenado anteriormente respeitam a crimes de natureza criminal diferente.

35º Por isso, e porque, a sua última condenação remonta a 2007, deverá preferencialmente manter-se a opção de inclusão social em liberdade e não privando-se o arguido da mesma.

36º Deverá ser dado primazia à prevenção especial, na sua vertente de ressocialização, pelo que será de optar pela suspensão da execução da pena de prisão a que o arguido foi condenado, sujeita a regime de prova e a determinadas condicionalismos.

37º A única solução equilibrada e justa também teria sido fixar a pena única aplicável ao arguido num quantum muito próximo do limite mínimo da moldura penal aplicável.

38º A pena de dois anos de prisão a que o Tribunal a quo condenou o arguido, ultrapassando exacerbadamente os limites da sua culpa, revela-se desproporcional às necessidades de prevenção geral e especial que o caso reclama, desadequada à concreta finalidade da ressocialização do agente, frontalmente violadora do comando contido no artigo 71º do Código Penal, portanto injusta e inadmissível, impondo-se a sua revogação.

39º O Tribunal a quo apresenta apenas uma justificação para a não aplicabilidade da pena não privativa da liberdade, relativamente ao crime de injuria agravada, limita-se a referir que o arguido tem antecedentes criminais.

40º A possibilidade de substituição da pena de prisão efectiva por trabalho a favor da comunidade não foi devidamente considerada na sentença recorrida.
41º Segundo os artigos 43° e 70° do Código Penal, o julgador tem o poder-dever de, consideradas as exigências de cada caso concreto, preterir as penas privativas da liberdade face às não privativas da liberdade, o que não se verificou, sendo desproporcionada e desadequada a aplicação de uma pena de prisão efectiva, no caso concreto dos presentes autos.

42º Dispõe o artigo 58º, do C. Penal, que “se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a 2 anos, o tribunal substitui-a por prestação a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

43º O tribunal só deve negar a aplicação desta pena, ou outra de substituição, quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquela pena.

44º Nas penas de substituição (multa, prestação de trabalho a favor da comunidade, suspensão da execução da prisão…), são ainda considerações de prevenção especial de socialização, que na hipótese se façam sentir e da forma mais adequada de as satisfazer, que devem decidir qual das espécies de penas de substituição, abstractamente aplicáveis, deve ser a escolhida.

45º Resulta do art. 40.º n.º1 do Código Penal que a aplicação de penas visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

46º A protecção dos bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes por outros cidadãos (prevenção geral positiva), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos em geral.

47º A reintegração do agente na sociedade é um dos meios de realizar o fim do direito penal, que é a protecção dos bens jurídicos.

48º De acordo com o disposto no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.”

49º In casu, a prestação de trabalho a favor da comunidade evita a execução da pena de prisão de curta duração e promove a assimilação da censura do acto ilícito mediante a construção de um trabalho socialmente positivo, a favor da comunidade, assente na adesão do próprio arguido, apelando ainda a uma co-responsabilização social e de reparação.

50º O Tribunal a quo aplicou ao arguido uma pena de prisão de três meses pela prática do crime de injúria agravada.

51º Resulta provado que o arguido apesar de ter antecedentes criminais, (que remontam a 2007), nunca foi anteriormente condenado pelo mesmo crime; mostrou uma atitude contrita em Tribunal e revelou arrependimento, revelando que se encontrava alcoolizado.

52º Na sentença recorrida não existe qualquer justificação para a não substituição da pena de prisão por trabalho a favor da comunidade.

53º A pena de prisão é a ultima ratio das consequências jurídicas do crime.

54º A decisão recorrida deveria ter considerado a possibilidade de ao arguido ser aplicada uma pena substitutiva de trabalho a favor da comunidade, sendo desproporcionada e desadequada a aplicação de uma pena de prisão efectiva.

55º Não foi dada preferência à pena não privativa da liberdade, capaz de realizar, no caso concreto, de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, não afectando, de forma considerável, a vida pessoal do arguido, nem lhe criando roturas, sendo a que melhor contribui para a sua ressocialização”.

O Ministério Público respondeu ao recurso apresentando, por seu turno, as seguintes conclusões:

“1 - O arguido foi condenado pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347.º, do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão e de um crime de injuria agravada, p. e p. pelos arts. 181.º e 184.º, do mesmo diploma legal, na pena de 3 meses de prisão, e em cúmulo jurídico na pena única de 2 anos e 1 mês de prisão.
2 - O recorrente pugna que a matéria de facto dada como provada não permite imputar ao arguido a prática do crime de resistência e coacção sobre funcionário por ausência de preenchimento do elemento objectivo desse crime.

3 - Os factos que o recorrente impugna estão suportados pela prova produzida em audiência, que o tribunal apreciou, como é livre de fazer, de acordo com o disposto no art. 127.º, do C.P.P. não existindo razões objectivas para que o tribunal modifique essa prova no sentido pretendido pelo recorrente.

4 - Da matéria de facto dada como provada dúvidas não restam de que se encontram preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime de resistência e coacção de que o arguido vinha acusado sendo que deles resulta claro ter sido efectuada uma revista de segurança ao arguido na sequência da qual este agrediu o agente de autoridade que o abordou.

5 - Através da leitura do auto de notícia e até das declarações prestadas pelo arguido em sede de audiência de discussão e julgamento é possível aferir do circunstancialismo que antecedeu a dita revista.

6 - Na verdade, foi o próprio arguido que afirmou estar, minutos antes da abordagem policial, a tentar “assaltar” uma loja e a estação dos correios, sendo que das declarações dos agentes inquiridos, bem como do auto de notícia consta que havia sido solicitada a intervenção do O.P.C. por um cidadão que momentos antes passara no local.

7 – Existiam fortes suspeitas da prática de um crime pelo que a identificação do arguido, nos termos do art. 250.º, do C.P.P. estava legitimada.

8 - Em face disto, e mostrando-se a conduta dos senhores agentes legítima, com fundamento legal, não pode a mesma ser tida, como pretende o arguido, como violadora do direito à liberdade ou notoriamente ilegítima como se exigiria para afastar o cometimento do crime de resistência e coacção de que o arguido vinha acusado.

9 - Acresce que, ao arrepio do alegado pelo arguido, ainda que se considerasse não estarem preenchidos os elementos objectivos do tipo de crime referido, sempre estariam verificados e dados como provados todos os elementos integradores do crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 143.º e 145.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, por referência ao art. 132.º, al. l), do Código Penal, pelo que seria ainda assim o arguido condenado pelo prática do dito ilícito criminal.

10 - A pena de 2 anos aplicada quanto ao crime de resistência e coacção mostra-se adequada e justa atendendo aos antecedentes criminais do arguido e ao seu modo de vida.

11 – Em caso algum poderia a pena aplicada ser suspensa na sua execução tal como dispõe o art. 50.º, do C.P. por se não verificarem os pressupostos de que depende a suspensão, designadamente, a impossibilidade de efectuar um juízo de prognose favorável atendendo ao extenso rol de crimes averbados no seu registo criminal, incluindo penas de prisão efectiva e a circunstância de fazer da prática de crimes modo de vida.

12 – Encontra-se devidamente fundamentada a citada decisão de inaplicabilidade da suspensão da pena de prisão pelo que julgamos não merecer censura essa decisão.

13 - Quanto á substituição da pena de prisão pela prestação de trabalho a favor da comunidade verifica-se que não se encontram reunidos os pressupostos estabelecidos no art. 58.º, do C.P. já que, em concreto e em cúmulo jurídico, o arguido foi condenado na pena única de dois anos e um mês de prisão.

14 – Assim, não estando verificados os pressupostos exigidos na lei não tinha o Tribunal “a quo” de emitir pronúncia acerca dessa pena de substituição.

15 - Pelo exposto, julgamos não merecer censura a decisão recorrida, por obedecer a todos os requisitos legais e não ter violado qualquer norma legal.”

Neste Tribunal, o Sr. Procurador-geral Adjunto emitiu parecer também no sentido da improcedência.

Foi proferido despacho preliminar ordenando a notificação do arguido para comparência neste tribunal da Relação a fim de ser ouvido sobre a eventual aceitação de pena de trabalho a favor da comunidade, com vista à ponderação sobre a aplicabilidade desta, diligência no entanto gorada por desconhecimento do paradeiro do arguido.

Colhidos os Vistos, teve lugar a Conferência.

2. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, independentemente do conhecimento oficioso dos vícios do art. 410º, nº2 do CPP (AFJ de 19.10.95) – que, no caso, não se detectam – as questões a apreciar são as seguintes:

- Erro de subsunção quanto ao crime de resistência e coacção sobre funcionário (artigo 347º do Código Penal);

- Medida e escolha da pena.

Do erro de subsunção:

Restringindo-se o recurso a matéria de direito, e na ausência de vícios previstos no art. 410º, nº 2 do Código de Processo Penal – que, no caso, não se detectam –, há que considerar definitivamente assentes os factos provados.

São eles os seguintes:

“1. No dia 09 de Janeiro de 2012, pelas 02:45 horas, na Avª Afonso Henriques, em Portimão, área desta comarca, o arguido, na sequência de uma revista de segurança e ainda no exterior da viatura policial, ao ser conduzido para o interior da mesma, desferiu vários empurrões e pontapés, no Agente da PSP RS tentando desse modo encetar a fuga, pelo que foi necessário utilizar a força física para repelir a agressão assim como para proceder à respectiva detenção;

2. Já no interior do veículo policial, e aproveitando a altura da entrada do referido Agente na viatura policial pela porta contrária onde o mesmo se encontrava, desferiu-lhe novamente vários pontapés no peito e mão direita, tendo unicamente acabado com as agressões devido à rápida intervenção dos restantes membros policiais que se encontravam no local;

3. O arguido depois de manietado e algemado proferiu contra os agentes que ali se encontravam as expressões "Filhos da puta, são todos corruptos", "eu não tenho nada a perder, porcos de merda";

4. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

5. O arguido regista antecedentes criminais, tendo já sido julgado e condenado por seis crimes de condução sem habilitação legal praticados respectivamente em 27.10.1999, 21.04.1999, 11.08.2000, 19.09.2000, 06.02.2001, 25.01.2000, um crime de ofensa à integridade física qualificada praticado em 25.01.2000, um crime de desobediência praticado em 06.02.2001, um crime de furto qualificado praticado em 08.10.1999 e um crime de furto simples praticado em 13.04.2007;

6. O arguido vive na rua, recebe €150 de RSI, não tem familiares nesta cidade, sustenta-se com a ajuda da igreja onde come e é dependente de cocaína;

7. O arguido mostrou uma atitude contrita em Tribunal e encontra-se arrependido.”.

Pugna o recorrente, em primeira linha, pela absolvição relativamente ao crime de resistência e coacção sobre funcionário do artigo 347º do Código Penal, defendendo que os factos provados são insuficientes para integrar este crime.

Para tanto advoga, no essencial, que a conduta do agente da PSP foi ilegítima, destituída de razão de ser, desenquadrada dos deveres profissionais, não estando preenchido o tipo objectivo do crime de resistência e coacção sobre funcionário. Adita que tinha o direito de se opor à actuação dos agentes da PSP – direito à resistência, constitucionalmente consagrado no art.º 21 da CRP.

O crime do art. 347º, nº 1 do Código Penal pune, ao que ora interessa, quem empregar violência ou ameaça grave contra membro das forças de segurança, para se opor a que ele pratique acto relativo ao exercício das suas funções.

Protege a autonomia intencional do Estado de ataques do exterior da Administração e, reflexamente, a própria pessoa do funcionário.

“Acautela a liberdade de acção pública do funcionário” (Cristina Líbano Monteiro, Comentário Conimbricense do Código Penal, dir. Figueiredo Dias, III, p. 339).

Na versão original do Código Penal de 1982, o então art. 384º previa a prática de acto legítimo compreendido nas funções do funcionário.

A supressão do vocábulo “legítimo”, entretanto operada pela revisão de 1995, não permite concluir que a actual norma tenha passado a punir toda e qualquer oposição violenta a ordem ou a acto da autoridade, independentemente da legitimidade dessa actuação ou dessa ordem.

Uma leitura conforme à CRP impede que daquela supressão vocabular se conclua pela imperatividade de uma obediência absoluta. A todos é garantido o direito de resistência. Todos têm o direito de resistir a ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias (art. 32º da Constituição da República Portuguesa).

Mas, a questão da (i)legitimidade da ordem pode/deve ser resolvida logo ao nível da própria tipicidade (assim, Cristina Líbano Monteiro, loc. cit., p. 343). Seguindo a autora, uma interpretação do próprio tipo incriminador à luz da Constituição deixará fora da tutela do art. 347º a resistência a um mandado manifestamente ilegítimo. “A oposição a acto notoriamente ilegítimo de funcionário ou membro das forças Armadas não põe em causa a “legalidade administrativa”, pois se o funcionário não actua de acordo com a intenção do estado, a desobediência à sua ordem não pode fazer perigar a autonomia intencional do Estado.

Na decorrência da alteração legislativa de 1995 e da consequente supressão do termo “legítimo”, deve entender-se hoje, como conclui a autora, que “no que à delimitação do âmbito do ilícito diz respeito, a resistência a acto ilegítimo não integra a previsão do art. 347º, desde que a ilegitimidade do acto seja notória e manifesta” (loc. cit. p. 344).

Por último, o tipo subjectivo bastar-se-á com um dolo genérico, em qualquer uma das modalidades previstas no art. 14º do Código Penal – directo, necessário ou eventual.

Vejamos, então, os factos provados, apreciando da sua suficiência para o preenchimento do tipo da condenação objecto de recurso, na interpretação que propugnamos.

Refere o Ministério Público na sua resposta que “através da leitura do auto de notícia e até das declarações prestadas pelo arguido em sede de audiência de discussão e julgamento é possível aferir do circunstancialismo que antecedeu a dita revista; que foi o próprio arguido que afirmou estar, minutos antes da abordagem policial, a tentar assaltar uma loja e a estação dos correios, sendo que das declarações dos agentes inquiridos, bem como do auto de notícia consta que havia sido solicitada a intervenção do O.P.C. por um cidadão que momentos antes passara no local”.

Os autos contêm efectivamente indícios de que a actuação policial teve origem em conduta delituosa do arguido, tudo como bem refere o Ministério Público.

Só que tal circunstancialismo em nada consta dos factos provados.

A sentença é totalmente omissa quanto a ele e só os factos provados são subsumíveis juridicamente para efeitos de decisão sobre o preenchimento do tipo e de condenação.

Assim, em recurso, há tão só que apreciar se os factos provados, apenas estes, consubstanciam o crime do art. 347º nº 1 do Código Penal (ou qualquer outro cognoscível).

A forma sumária do processo legitima a ausência de uma acusação, tendo-a o Ministério Público substituído, no caso, pela leitura do auto de notícia (art. 389º, nº2 do Código de Processo Penal).

Permite ainda que a sentença seja ditada oralmente, devendo conter, ao que ora interessa, a indicação sumária dos factos provados e não provados, que pode ser feita por remissão (art. 389º, nº1-A).

Este preceito parece sugerir uma menor exigência formal no que à narração dos factos (provados e não provados) se refere, aditando à norma geral que disciplina a sentença (art. 374º, nº2 do Código Penal) o vocábulo “sumária” e a possibilidade de descrição factual “por remissão”.

De acordo com a nossa visão do processo penal – como um direito adjectivo que serve e garante a boa e justa materialização de um direito penal, substantivo –, da matriz de celeridade e simplificação ínsita nos processos especiais não pode resultar a depreciação das regras e princípios nucleares do direito penal.

Assim, a descrição dos factos na sentença, ainda para mais condenatória (oral ou escrita), mesmo que (ou apesar de) sumária, não pode deixar de configurar base factual bastante do tipo objectivo e do tipo subjectivo do crime, em caso de condenação.

Começando pelos factos do tipo objectivo, provou-se que o arguido, na sequência de uma revista de segurança e ainda no exterior da viatura policial, ao ser conduzido para o interior desta, desferiu vários empurrões e pontapés, no agente da PSP tentando desse modo encetar a fuga, pelo que foi necessário utilizar a força física para repelir a agressão assim como para proceder à detenção; e que já no interior do veículo policial, e aproveitando a altura da entrada do referido agente na viatura policial pela porta contrária onde o mesmo se encontrava, desferiu-lhe novamente vários pontapés no peito e mão direita, tendo unicamente acabado com as agressões devido à rápida intervenção dos restantes membros policiais que se encontravam no local.

E como a matéria de facto – a questão de facto – é sempre uma questão de facto de uma certa questão de direito (na conhecida expressão de Castanheira Neves), a apreciação a que ora procedemos terá necessariamente em atenção a compreensão do tipo objectivo, de acordo com a leitura referida supra.

Assim, e como o que estaria em crise, de acordo com a impugnação do recorrente, seria a legitimidade da ordem, importa relembrar que, na disciplina actual do Código Penal, só não integra a previsão do art. 347º a resistência a acto ilegítimo cuja ilegitimidade seja notória e manifesta.

Reconhecendo-se que, apesar da forma sumária do processo, podia/devia ter existido um maior cuidado na descrição do facto típico no que à legitimidade da ordem se refere – já que todos esses factos constavam do auto de notícia/acusação e até foram em grande parte confessados pelo arguido – os factos sumariamente descritos na sentença são ainda suficientes para que se conclua pela existência de uma ordem que não se apresentou ao arguido como notória ou manifestamente ilegítima, já que ele iniciou a sua acção – violenta, de agressão – na sequência de uma “revista de segurança”.

A conduta ilícita iniciou-se ainda antes de haver detenção, pelo que não faz também sentido a alegação de que se pretenderia reagir contra detenção ilegal, já que é a actuação ilícita do arguido que precede a detenção, a qual, por sua vez, se justifica na sequência da acção violenta do arguido – art. 255º do Código de Processo Penal.

Mais complexa se revela a abordagem do tipo subjectivo, na vertente da suficiência da matéria de facto.
À primeira vista, como “único facto” do tipo subjectivo do crime, a sentença narra apenas que “o arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei”.

É na própria sentença que impropriamente se afirma que “se encontra preenchido o elemento subjectivo porquanto resultou provado que o arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo a sua conduta proibida por lei”

Como “único facto” do tipo subjectivo do crime o tribunal considera como bastante que o arguido “agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo a sua conduta proibida”.

Sabe-se que na análise do crime não se constrói a estrutura do crime pela sobreposição de elementos autónomos (Cavaleio de Ferreira, Lições de Direito Penal, I, 2010, p. 85). Mas, por razões metodológicas, de compreensão das normas e de correcta subsunção de factualidade, costuma decompor-se o crime em partes. A bipartição em tipo objectivo e tipo subjectivo é tradicionalmente seguida pela doutrina e unanimemente assumida pela jurisprudência.

O tipo doloso – o que nos interessa aqui – desdobra-se nas conhecidas componentes cognoscitiva ou intelectual e volitiva ou intencional, respectivamente correspondentes ao conhecer ou saber e ao querer o desvalor do facto. Esta a estrutura do crime, especificamente no que ao dolo diz respeito, de todo o crime, por mais simples ou menos grave que seja.

A expressão “agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo a sua conduta proibida”, desacompanhada de qualquer outra, é insuficiente para cumprir as exigências de descrição do facto (subjectivo) passível de pena.

Ela respeita sobretudo à imputabilidade e à consciência da ilicitude; não trata nem descreve factualmente e com suficiência o dolo.

O dolo, como conhecimento e vontade de realização de um concreto tipo de ilícito, não poderá ser factualmente descrito com exclusivo recurso a formulações genéricas, adaptáveis a todos os crimes.

No caso, e mesmo perante um tipo que se basta com o dolo genérico, podendo revestir qualquer uma das três modalidades previstas no art.14º, a base factual tem de integrar factualidade susceptível de integrar esse dolo genérico.

E é também errado pensar que tais factos subjectivos possam resultar logicamente dos factos objectivos narrados. É que uma coisa é a base factual que constitui a decisão de facto, prévia e pressuposto da decisão de direito, e outra é a prova desses mesmos factos que, esta sim, pode ser feita recorrendo a presunções e inferências lógicas (como precisamente sucede tantas vezes quanto aos factos subjectivos).

Contudo, dos factos provados consta ainda que “o arguido tentou fugir”.

E “tentar fugir” é também uma “intenção de fugir”.

Ou seja, pode aceitar-se que esta expressão contém, para além de um facto externo (os movimentos efectuados pelo arguido), a descrição de um facto interno, de uma intenção do arguido.

Por outras palavras, a “intenção de fugir” contem a intenção de assim deliberadamente obstar a que o membro de segurança pratique o acto das suas funções e como que intencionaliza também os actos de violência praticados.

O que, no circunstancialismo geral já descrito, e no conjunto (da totalidade) dos factos provados, no contexto do episódio de vida narrado parcamente na sentença ainda configura uma base factual mínima integrante de um dolo de saber e querer o tipo objectivo.

Improcede, nesta parte, o recurso, inexistindo erro de subsunção.

Da medida da pena e da forma do seu cumprimento

O arguido recorre também da(s) pena(s). Pretende a redução das penas parcelares e a substituição da prisão, preferencialmente, segundo entendemos, por prestação de trabalho a favor da comunidade.

Embora não recorra da condenação pelo crime de injúria agravada dos artigos 181º e 184º do Código Penal, considera-se que o conhecimento das penas (parcelares e única) pelo tribunal de recurso engloba a aferição da adequação da condenação (prévia) pela prática dos dois crimes em concurso efectivo.

Também aqui se detecta incorrecção no tratamento da matéria de facto integrante do tipo subjectivo do crime de injúria, sendo aqui a factualidade insuficiente para integrar este crime (tipo subjectivo).

Como “único facto” do tipo subjectivo, narra a sentença que “o arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei”.

É na própria sentença que impropriamente se afirma, como dissemos supra, que “se encontra preenchido o elemento subjectivo porquanto resultou provado que o arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo a sua conduta proibida por lei”

E aqui, como “único facto” do tipo subjectivo do crime de injúria considera o tribunal como bastante que o arguido “agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo a sua conduta proibida”, nada mais se retirando da factualidade dada como provada.

Não nos referimos a um animus injuriandi, uma vez que o tipo se basta com o dolo genérico. Mas esse tipo (doloso) exige, como em todos os crimes dolosos, a existência de factualidade correspondente ao conhecer ou saber e ao querer o desvalor do facto. Também aqui e de acordo com o já desenvolvido supra, a expressão “agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo a sua conduta proibida”, desacompanhada de qualquer outra, é insuficiente para cumprir as exigências de descrição do facto (subjectivo) passível de pena.

Ela respeita sobretudo à imputabilidade e à consciência da ilicitude; não trata nem descreve factualmente e com suficiência o dolo, como também já referimos.

Na ausência de factualidade susceptível de integrar o dolo, neste momento processual e de acordo com a forma como o recurso se apresenta, nada mais resta do que absolver o recorrente da prática do crime de injúrias, revogando a pena correspondente de três meses de prisão, em que fora condenado.

Assim, será de ter aqui em conta, apenas, a pena de dois anos de prisão.

Vejamos, então, como se justificou a pena na sentença:

“O crime de resistência e coacção sobre funcionário é punível com pena de prisão de 1 mês até 5 anos - cfr artigos 41º, nº 1, e 347º do Código Penal.

Na determinação, dentro da moldura penal abstracta, da medida concreta da pena, seguir-se-á o critério geral dos arts. 71º, n.º 1 e 40º, nos 1 e 2 do Código Penal revisto: em função da culpa do agente, e atendendo ainda às exigências de prevenção de futuros crimes - doutrina essa que se passará seguidamente a descrever, embora de forma naturalmente sintética.

Os princípios regulativos da actividade de determinação da medida concreta da pena são a culpa e a prevenção, encontrando-se assim tal actividade intimamente ligada à teoria dos fins das penas.

A culpa estabelece o máximo de pena concreta que não pode, em caso algum, ser ultrapassado. Constitui-se, assim, como um limite inultrapassável pelas considerações de prevenção, o que permite o respeito pelos mandamentos do princípio da culpa.

Ora, até ao máximo consentido pela culpa, é a medida exigida pela tutela dos bens jurídicos (estabilização das expectativas comunitárias na manutenção ou reforço da vigência da norma violada), ou seja, a prevenção geral positiva ou de integração, que vai determinar a medida da pena.

A medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos oferece-se como uma “moldura de prevenção”, cujo máximo é o ponto mais alto consentido pela culpa e o mínimo resulta do quantum de pena imprescindível à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias (defesa da ordem jurídica). Dentro desta “moldura de prevenção” actuarão irrestritamente as finalidades de prevenção especial, cujo critério decisivo é a medida das necessidades de socialização do agente, as quais irão, em última análise, determinar a medida da pena. Podem ainda funcionar as funções subordinadas de prevenção especial: as de advertência individual ou de segurança ou inocuização.

Cada um desses princípios regulativos tem subjacente um substracto, ou seja, um conjunto de circunstâncias relativas ao facto e ao agente (não taxativamente previstas no art. 71º, n.º 2 do Código Penal revisto), que auxiliam o julgador nesta tarefa árdua de determinação do quantum concreto de pena. Tais circunstâncias, sendo umas relevantes por via da culpa, outras por via da prevenção, e grande parte delas ambivalentes, devem ser investigadas e sopesadas pelo julgador, à luz dos referidos princípios regulativos, e ainda do princípio da proibição da dupla valoração, por forma a concluir pela aplicação de uma pena concreta ao agente.

Após ponderação global das referidas circunstâncias, à luz dos critérios expostos, e atendendo ainda ao preceituado no art. 47º, n.º 2 do Código Penal, entende o tribunal que será adequado aplicar ao arguido N penas de prisão.
Assim, decido aplicar ao arguido:

- a pena de 3 meses de prisão, pelo crime de injúria agravada que lhe é imputado;

Já quanto ao crime de resistência e coação, após ponderação global das referidas circunstâncias, à luz dos critérios expostos, entende o Tribunal adequado aplicar ao arguido a pena de dois anos de prisão, no que se reporta ao crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo artigo 347º, do Código Penal.

Em cúmulo jurídico condeno o supra-identificado arguido na pena única de dois anos e um mês de prisão.

Importa não esquecer que a aplicação de uma pena visa, além da protecção de bens jurídicos, a “reintegração do agente na sociedade” – art. 40º, n.º 1, do Código Penal.

Por forma a corrigir tal comportamento desviante do arguido, julgamos que o cumprimento de pena de prisão efectiva constituirá uma solução claramente satisfatória, atendendo aos contornos do ilícito que lhes é imputado nestes autos e, bem assim, pelas suas declarações faz dos crimes o seu modo de vida.

De facto, o tribunal não consegue fazer um prejuízo favorável ao arguido, nem considerar que a simples ameaça da aplicação da pena de prisão é suficiente para o afastar da prática de novos crimes, na medida em que o arguido já possui um extenso rol no seu registo criminal, incluindo penas de prisão efectiva e voltou a delinquir.

Em suma, considerar o tribunal que a pena de prisão não é passível de qualquer suspensão.”

Começamos por observar uma omissão das concretas razões que levaram a fixar a pena (correspondente ao crime de resistência e coacção) em dois anos de prisão. Para além de considerações genéricas, acertadas mas sobreponíveis a todos os casos, nada se diz.

Também a pena única foi fixada com total ausência de fundamentação. Mesmo na disciplina simplificada do processo sumário, exige-se uma fundamentação sucinta da pena.

Neste momento está tão só em causa a pena correspondente ao crime do art. 347º do Código Penal.

Na lição de Figueiredo Dias (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2005), acompanhada por Anabela Rodrigues (A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Coimbra Editora, 1995), a pena prossegue finalidades exclusivamente preventivas.

Figueiredo Dias resume o seu pensamento da forma seguinte: “toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção geral e especial; a pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa; dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais” (Direito Penal Português, Parte Geral I, Coimbra Editora, 2004, p.81)

A prevenção geral positiva ou de integração apresenta-se como a finalidade primordial a prosseguir com as penas, não podendo a prevenção especial positiva pôr em causa o mínimo de pena imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, tendo a culpa como limite.

No caso, as necessidades de prevenção – quer geral, quer especial – impõem que a pena de prisão se afaste do limite mínimo, devendo no entanto ficar aquém do meio da pena.

Destaca-se a modalidade do dolo, a forma de execução do crime (com reiteração desnecessária na agressão violenta), os antecedentes criminais do arguido, tendo sido anteriormente julgado e condenado por seis crimes de condução sem habilitação legal praticados respectivamente em 27.10.1999, 21.04.1999, 11.08.2000, 19.09.2000, 06.02.2001, 25.01.2000, um crime de ofensa à integridade física qualificada praticado em 25.01.2000, um crime de desobediência praticado em 06.02.2001, um crime de furto qualificado praticado em 08.10.1999 e um crime de furto simples praticado em 13.04.2007.

O recorrente persistiu em actuar contra o dever quando poderia ter actuado de acordo com ele, e fê-lo, após ter sido por dez vezes solenemente censurado através de uma pena. Agiu com culpa elevada.

A pena, situada próximo do ponto médio, mas ainda abaixo deste, mostra-se, por tudo, correctamente fixada.

Atenta a pretensão do recorrente e o disposto no art. 58º, nº5 do Código Penal, tentou obter-se o seu consentimento neste TRE, o que não foi possível por sua falta à diligência designada para o efeito.

Não se considera, no entanto, essa falta incontornável, sendo ainda viável a obtenção do consentimento em 1ª instância, se for caso disso.

A pena de dois anos de prisão admite substituição. Pode ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade (art. 58º, nº 1 do Código Penal) ou ser suspensa na execução (art. 50º, nº1do Código Penal). E o tribunal deve optar por uma destas penas de substituição, desde que ela realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Assim, do art. 50º, nº1 do Código Penal resulta que o tribunal tem de fundamentar a decisão de não suspensão da execução de pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos (Ac. TC n.º61/2006 , D.R., II série, de 28-02-2006, e Acs STJ 07-11-2007, TRP 25-03-2009, TRC 16-07-2008, TRE 10-07-2007, todos em www.dgsi.pt, entre muitos outros). E só o conseguirá fazer, na ausência de factos fundantes de um juízo de prognose favorável à ressocialização em liberdade.

Esta actividade judicial de determinação da pena apresenta-se como uma actividade juridicamente vinculada. E embora dessa vinculação não resulte uma imposição legal de afastamento expresso, individual e exaustivo – pena a pena –, tem o julgador de revelar que ponderou todas as possibilidades, afastando-as justificadamente, se for o caso.

Por forma a corrigir tal comportamento desviante do arguido, julgamos que o cumprimento de pena de prisão efectiva constituirá uma solução claramente satisfatória, atendendo aos contornos do ilícito que lhes é imputado nestes autos e, bem assim, pelas suas declarações faz dos crimes o seu modo de vida. De facto, o tribunal não consegue fazer um prejuízo favorável ao arguido, nem considerar que a simples ameaça da aplicação da pena de prisão é suficiente para o afastar da prática de novos crimes, na medida em que o arguido já possui um extenso rol no seu registo criminal, incluindo penas de prisão efectiva e voltou a delinquir. Em suma, considerar o tribunal que a pena de prisão não é passível de qualquer suspensão”

O tribunal de 1ª instância considerou que a prisão era necessária para garantir as finalidades da punição. E justificou: “

Neste momento do processo aplicativo, são essencialmente relevantes, se bem que não exclusivamente, as razões de prevenção especial.

Para tanto, importa avaliar não apenas o número de condenações anteriormente sofridas pelo arguido e os tipos de crime cometidos, mas também a(s) espécies(s) de pena(s) aplicadas – reacções penais experimentadas – bem como a personalidade do arguido.

Assim, completando a informação transcrita na sentença, o recorrente foi condenado nas seguintes penas (de acordo com o que consta do seu C.R.C.) pelos crimes referidos nos factos provados: em duas penas de multa, em pena de 7 meses de prisão suspensa por 3 anos (cumprida por posterior revogação da suspensão), em pena de multa, em pena de 3 meses de prisão suspensa por 1 ano (cumprida por posterior revogação da suspensão), em 12 meses de prisão, em 16 meses de prisão e multa, em 2 anos e 5 meses de prisão suspensa por 3 anos, em 4 anos e 2 meses de prisão (englobou condenações anteriores) que cumpriu, saindo em liberdade condicional em 28.04.2006, em 8 meses de prisão substituída por multa.

Como factos pessoais relevantes temos que o arguido vive na rua, recebe €150 de RSI, não tem familiares na cidade, sustenta-se com a ajuda da igreja onde come, é dependente de cocaína.

Considerou-se ainda provado que o arguido mostrou uma atitude contrita em Tribunal e se encontra arrependido.

Os factos apurados – os factos pessoais relevantes na determinação da pena e os antecedentes criminais – evidenciam uma desinserção social total, familiar e laboral, bem como integral desaproveitamento das anteriores oportunidades de ressocialização em liberdade. Revelam também a ineficácia das reacções penais já experimentadas, incluindo o cumprimento de pena de prisão efectiva.

Todas as razões, particularmente as decorrentes das exigências de prevenção especial, que no caso se reconhecem, parecem apontar no sentido do afastamento de pena de substituição (no caso, quer do art. 50º do Código Penal, quer do art. 58º do Código Penal.

É certo que a pena de trabalho a favor da comunidade não foi ainda experimentada. Mas nada indica que ela se revele, no caso, eficaz, na prossecução das finalidades da punição.

Apresentando-se, em abstracto, como uma medida apta a reforçar os laços entre o condenado e a sociedade e a contribuir para a sua reintegração, considera-se, no caso, totalmente desadequada. Aqui, a actividade laboral, a socialização pelo trabalho, apresenta-se como insuficiente atenta a total desinserção social do arguido, sem casa, sem família, sem modo de vida, sem actividade laboral e/ou profissional e dependente de cocaína. E é mesmo questionável se o arguido se apresentará em condições de saúde, física e psíquica de cumprir uma pena de trabalho a favor da comunidade.

Por seu turno, a pena de prisão (efectiva) pode e deve ser ressocializadora e socializante. São, aliás, finalidades exclusivamente preventivas – nas quais se incluem as de prevenção especial – que a justificam. Mas deve ser reservada para casos em que seja claro que uma pena de substituição (admissível) não garanta tais finalidades.

E a pergunta que se coloca é a de saber se ainda será possível cumprir a finalidade ressocializadora da pena fora da prisão, sendo certo que o cumprimento de anterior período de reclusão não se revelou eficaz.

Considerando que o arguido “está arrependido” e que “mostrou uma atitude contrita”, e tendo presente que o cumprimento efectivo de pena de prisão fixada em medida não superior a cinco anos é sempre de “ultima ratio”, e ainda que, no caso, a tal não obstam as exigências de prevenção geral mantendo-se acautelada a protecção do bem jurídico, considera-se ainda admissível a pena suspensa com regime de prova.

Esta pena (prisão suspensa com regime de prova) não anteriormente aplicada ao arguido, apresenta-se como a que melhor promove a sua reintegração, combatendo a dessocialização, garantindo as finalidades da pena e, através delas, a confiança na norma violada e a protecção do bem jurídico.

A protecção do bem jurídico mostra-se assegurada com a condenação em pena de (dois anos de) prisão suspensa com regime de prova, tanto mais que o incumprimento do plano de reinserção social sempre poderá levar à revogação da suspensão e ao cumprimento da prisão (art. 56º, nº1-a) do Código Penal).

À prisão como última ratio da política criminal, à necessidade de compressão do efeito estigmatizante e criminógeno da prisão, ao reforço da preferência pela não prisão nos casos da pequena e média criminalidade e nas penas curtas de prisão, alia-se hoje a discussão sobre a utilidade da própria prisão, na dicotomia “pena de prisão incapacitante do delinquente” versus “pena de prisão como meio de reinserção social”.

Tendo em conta as condições factuais em causa, o quadro legal de referência e os princípios constitucionais da necessidade e da proporcionalidade, e não tendo ainda sido o arguido condenado na pena que ora se perspectiva, considera-se como adequada e suficiente às finalidades da punição a pena de dois anos de prisão suspensa com regime de prova.

3. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

Julgar parcialmente procedente o recurso, decidindo-se:

- Revogar a decisão na parte em que condenou o recorrente na pena de 3 meses de prisão por crime de injúria agravada;

- Determinar que a pena de dois anos de prisão seja suspensa na sua execução com regime de prova;

- Manter no mais a decisão recorrida.

Sem custas.

Évora, 11.09.2012

(Ana Maria Barata de Brito)

(António João Casebre Latas)