Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
319/10.2PAVRS.E1
Relator: MARIA ISABEL DUARTE
Descritores: VALORAÇÃO DA PROVA
PROVA TESTEMUNHAL
MOTIVAÇÃO
Data do Acordão: 01/22/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário:
I – Na valoração da prova testemunhal, as suas condicionantes residem na credibilidade, na consistência e na fiabilidade.
II – Relacionadas com a fiabilidade – que respeita às variáveis não controladas pela testemunha, susceptíveis de poderem vir a ser detectadas pelo julgador -, encontram-se as “falsas memórias” ou as “memórias erróneas”.
III – As “falsas memórias” são memórias sem objecto real e distinguem-se das “memórias erróneas”, uma vez que estas últimas, apesar de se reportarem a experiências reais, são recordadas incorrectamente.
IV – Nos casos de “falsas memórias”, o “esquecimento” tende a ocorrer basicamente quanto a detalhes ou informações marginais e secundárias, e não relativamente a aspectos centrais.
Decisão Texto Integral:
Proc. N.º 319/l0.2PAVRS.E1
Reg. N.º 555

Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

I - Relatório
1 - No processo comum com intervenção do tribunal singular n.º 319/l0.2PAVRS, da Secção Única, do Tribunal Judicial de Vila Real de Santo António, foi julgado o arguido

A, (…),

tendo sido condenado, na pena de 6 meses de prisão, substituída por 180 dias de multa, à taxa diária de € 19,00 (dezanove euros), pela prática de um crime de resistência e coação sobre funcionário, previsto e punido pelo artigo 347.º, n.º 2 do Código Penal e no pagamento da coima de € 300,00 (trezentos euros), pela prática da contra-ordenação prevista nos artigos 21.º, B2 e 23, alínea a) do Regulamento de Sinalização de Trânsito.
(…).”

2 - O arguido, inconformado, interpôs recurso dessa sentença condenatória. As conclusões por ele apresentadas são as seguintes:
“1. Tal como o arguido e ora recorrente relatou na audiência de julgamento, o mesmo arguido não fugiu à autoridade policial.
2. Devido a problemas pessoais, o arguido teve medo da testemunha B, não enquanto agente da PSP, mas enquanto pessoa individual que, naquele momento, por acaso, se encontrava em serviço.
3. O arguido recebeu um aviso de uma pessoa que ameaçou vingar-se dele, pessoa essa que afirmou que ia pedir ao referido agente para dar um susto ao arguido.
4. Os factos provados referentes à forma como o agente B abordou o arguido têm por base apenas o depoimento do agente B, o que o arguido e ora recorrente considera que não é suficiente para fazer prova e muito menos para condená-lo, como foi.
5. O arguido negou tais fatos.
6. Os restantes depoimentos dos agentes testemunhas de acusação apresentam contradições assinaláveis em relação ao depoimento do agente B.
7. Até na questão do uso do bastão há contradições, o que assume grande relevância, pois o arguido teve medo da pessoa B e da forma como foi abordado, de bastão em punho, batendo no vidro do carro.
8. A sentença recorrida reconhece que há contradições entre os depoimentos e até imprecisões, mas menoriza-as, o que não deveria ter acontecido.
9. O recorrente considera que, nem neste processo nem noutros, o sistema de Justiça deverá funcionar de forma a que se considerem provados factos que são relatados de forma diferente pelas várias testemunhas, com a justificação de que são aceitáveis "falsas memórias", como aconteceu in casu.
10. Também não pode o recorrente concordar quando a sentença recorrida considera que não deverá fazer-se prova quando os depoimentos forem coincidentes, porque aí poderá haver uma história montada.
11. Isso traria uma grande incerteza e insegurança em relação à adequação e à justiça das decisões judiciais, salvo melhor opinião.
12. O recorrente não se conforma com o facto da sentença recorrida, sem fundamento válido, ter conferido credibilidade às testemunhas de acusação, ter retirado credibilidade ao arguido e a duas das testemunhas de defesa e ter omitido a existência de uma testemunha de defesa que é agente da PSP e que contou uma versão dos factos completamente diferente da relatada pelos colegas testemunhas de acusação.
13. Há diversos factos que foram considerados provados e para os quais não foi produzida prova suficiente, como por exemplo quando se prova que o arguido não terá parado nos sinais de stop, já que as testemunhas não concretizaram quais sinais.
14. Isto faz com que surjam dúvidas em relação à culpabilidade do arguido, até porque ficaram provadas – e aí de forma correta - inexatidões da acusação em relação a uma alegada não paragem em passadeiras.
15. Não se produziu prova para ser considerar provado o que consta do fato provado 18.
16. Na forma como a sentença recorrida explica em que se baseou para fazer prova dos factos constantes dos números 18. a 20. há falta de fundamentação, o que tem como consequência a nulidade da sentença, nos termos do artigo 379º nº 1, alínea a) do CPP.
17. Há também nulidade da sentença por falta de fundamentação, nos termos do artigo 379º nº 1, alínea a) do CPP, quando a decisão recorrida considera que "os números 17. e 18. dos factos não provados decorre da falta de credibilidade das declarações do arguido nesta parte."
18. Nunca poderia ter sido considerada provada a factualidade constante no facto provado 16. e para chegar a esta conclusão devemos atender ao depoimento da testemunha de defesa, o agente C, da PSP, que negou de forma convincente que houvesse um veículo pesado a barrar a passagem do arguido, ou seja, o arguido não foi obrigado a parar, mas parou de livre vontade porque não queria fugir às autoridades.
19. Esta testemunha afirmou que o arguido estava com medo e que não saiu do carro enquanto lá estiveram apenas os três agentes que acompanharam o início dos acontecimentos, incluindo o agente B, mas saiu quando a testemunha chegou e lhe pediu para sair do carro.
20. Como é compreensível e ditam as regras da experiência comum que já seria de esperar, a testemunha agente C evitou alongar-se em explicações sobre o motivo dos acontecimentos terem decorrido dessa forma, porque seria por certo embaraçoso confirmar os factos narrados pelo arguido (constantes no fato não provado 18.), indo contra o colega de profissão agente B.
21. Pela audição desta testemunha seria legitimo que se suscitasse uma dúvida razoável que deveria conduzir à aplicação do princípio in dubio pro reo.
22. Mas a testemunha agente C nunca é mencionada na sentença recorrida! Não lhe é conferida nem retirada credibilidade. O seu depoimento não foi considerado e não integra os factos provados nem os não provados. E o recorrente não se conforma que assim seja.
23. Se a testemunha foi admitida é porque o seu depoimento seria susceptível de contribuir para a descoberta da verdade. Ora, assim sendo, impunha-se que fosse apreciado ou positiva ou negativamente. Por isso, está a sentença recorrida ferida de nulidade, nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 379º do CPP por força do disposto na alínea a) do mesmo preceito legal.
24. Nesse sentido, veja-se também o Acórdão do STJ de 10 de Março de 1994 (cfr "Col., Juris", Ano II, tomo I, pág. 246).
25. Tal constatação importa que seja decretada a nulidade da sentença recorrida e que a mesma seja substituída por outra que leve em consideração o depoimento omitido.
26. Também na análise que faz dos depoimentos das restantes duas testemunhas de defesa apresentadas pelo arguido, D e E, a sentença enferma de falta de fundamentação e deve ser decretada nula, nos termos do artigo 379º, nº 1, alínea a).
27. Não basta que o Tribunal afirme que as testemunhas não têm credibilidade porque não disseram o mesmo que as testemunhas a quem o Tribunal conferiu credibilidade. Cada facto deveria ter sido analisado e ponderado à luz de princípios rigorosos de acordo com fundamentos concretos e conjugando-os com ademais prova.
28. A sentença não concretiza em que considerou ter falhado o depoimento destas duas testemunhas, apenas aponta como imprecisão a hora dos factos, por ter não ter coincidido por uma diferença de 30 minutos, o que não é suficiente para retirar credibilidade aos seus depoimentos.
29. Também não deveria o Tribunal a quo ter retirado credibilidade às testemunhas por não darem "muitos detalhes", já que deveria ser aqui aplicado o mesmo raciocínio que serviu de base à atribuição de credibilidade aos agentes da PSP (testemunhas de acusação), ou seja, considerar-se que passou um ano e que há "falsas memórias"
30. Para retirar credibilidade às declarações prestadas em audiência de julgamento deve ser analisada a verdadeira razão de ciência das testemunhas.
31. O arguido não se conforma com que o retirar da sua credibilidade tenha, inclusive, abrangido o que declarou sobre as suas condições económicas.
32. Mais uma vez, enferma a sentença de falta de fundamentação, já que "não se está a ver" é argumento insuficiente para concluir que tenha mentido sobre a sua actual ausência de rendimentos.
33. O próprio agente B, que mereceu credibilidade por parte do Tribunal, declarou que o arguido explorava um estabelecimento, mas que deixou de trabalhar no local, pelo que haveria elementos de prova, além das declarações do arguido, para que o Tribunal acreditasse que o arguido presentemente não aufere rendimentos.
34. E há outros elementos, embora não diretamente ligados aos presentes autos que podem vir a demonstrar que o arguido deixou de ter rendimentos, há algum tempo.
35. Assim, o facto "O arguido, actualmente, não tem rendimentos" (19.) não poderia ter sido considerado como não provado, mas sim como provado.
36. Caso não se entenda em dar provimento às motivações supra expostas, deverá pelo menos considerar-se que a pena aplicada foi excessiva para um cidadão que se encontra, de momento, sem rendimentos.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e deverá ser decretada a nulidade da sentença e ordenada a sua substituição por outra que corrija os apontados vícios.
E assim, devido às diversas situações alegadas em que é legitimo o surgimento de uma dúvida razoável em relação à culpabilidade do arguido, deveria ser aplicado o principio in dubio pro reo e a sentença recorrida ser substituída por outra que conduza à absolvição do arguido.
Caso assim não se entenda, e uma vez que os casos de nulidade apontados são numerosos e demonstram, salvo o devido respeito, que terá havido um errado julgamento da conduta do arguido, considera o mesmo que deveria ser ordenada a repetição do julgamento.”.

3 - Pelo MP foi apresentada resposta, com as conclusões seguintes:
1 – O recurso interposto incide sobre a douta sentença proferida no âmbito dos presentes autos, a qual condenou o arguido, ora recorrente, na pena 6 meses de prisão, substituída por 180 dias de multa, à taxa diária de € 19,00 (dezanove euros), pela prática de um crime de resistência e coação sobre funcionário, previsto e punido pelo artigo 347.º, n.º 2 do Código Penal e no pagamento da coima de € 300,00 (trezentos euros), pela prática da contra-ordenação prevista nos artigos 21.º, B2 e 23, alínea a) do Regulamento de Sinalização de Trânsito.
2 – As conclusões delimitam o objecto do recurso.
3 – Consideramos que a sentença ora recorrida, bem andou, uma vez que da análise crítica da sua motivação da decisão de facto, não resultam quaisquer dúvidas dos fundamentos pelos quais o arguido foi condenado.
4 – De facto, toda a prova dos autos se mostra devidamente fundamentada, e valorada, designadamente a prova testemunhal.
5 – Não se vislumbra a existência de qualquer nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alíneas a) e c) do Código de Processo Penal, mediante o exame crítico do texto da própria decisão recorrida, e bem assim, estando esta em confronto com o princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127.º do mesmo diploma legal
6 – O princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, mostra-se, in casu, devidamente valorado, nada havendo a apontar quanto ao mesmo.
7 – Da análise de toda a prova produzida em sede de discussão e audiência de julgamento não logramos verificar nenhum facto como incorrectamente julgado nem nenhuma prova que deva ser renovada.
8 – A referência às “falsas memórias” está devidamente enquadrada, dizendo respeito a detalhes secundários, ou meramente marginais, tendo sempre em conta que o depoimento de uma qualquer testemunha poderá ser falível, mas tudo dependerá da convicção do julgador e da credibilidade e consistência do mesmo.
9 – Não houve qualquer violação do princípio do in dubio pro reo, não se verificando na douta decisão recorrida qualquer dúvida razoável que devesse ter sido levada em conta e consequentemente derivasse numa decisão contrária à tomada.
10 – A convicção a que doutamente chegou o julgador escorou-se na prova efectivamente produzida em julgamento, cujo raciocínio foi completo e devidamente justificado e exteriorizado com clareza na sentença.
11 – Não obstante, no que concerne ao quantitativo diário da multa fixado ao recorrente, tendo em conta os factos provados na sentença em crise, deverá o mesmo ser reduzido e fixado no mínimo legal de € 5,00.
12 – No mais, a sentença ora recorrida nenhum reparo nos merece, devendo a mesma ser mantida, nos seus exactos termos, não se mostrando violada qualquer norma legalmente protegida.
Destarte, em conformidade com o supra exposto, entendemos que deverá ser, parcialmente, negado provimento ao presente recurso, e mantida a sentença que condenou o arguido A, na pena 6 meses de prisão, substituída por 180 dias de multa, à taxa diária de € 19,00 (dezanove euros), pela prática de um crime de resistência e coação sobre funcionário, previsto e punido pelo artigo 347.º, n.º 2 do Código Penal e no pagamento da coima de € 300,00, pela prática da contra-ordenação prevista nos artigos 21.º, B2 e 23, alínea a) do Regulamento de Sinalização de Trânsito, devendo proceder, apenas, quanto ao quantitativo diário da multa aplicada, por excessiva, fixando-se a mesma no mínimo legal de € 5,00.
Contudo, V. Ex.ªs Venerandos Desembargadores, com mais experiência e saber, melhor sabereis apreciar e julgar, conforme for de LEI E JUSTIÇA!”.

4 - Neste Tribunal, a Exma. Srª. Procuradora Geral-Adjunta emitiu parecer, concluindo:
“Ora, o tribunal recorrido apreciou a prova nos termos do art° 127° do CPP c fundamentou a sua convicção, sendo certo que a não referência à testemunha de defesa agente C se mostra perfeitamente justificada, dado que a mesma apenas assistiu à parte final da perseguição policial
Assim, não se verifica qualquer falta de fundamentação, pelo que não ocorre a invocada nulidade
2 - Por outro lado, quanto à alegada violação do princípio "in dubio pro reo'', cremos que a mesma se não verifica, uma vez que o tribunal não chegou a nenhuma situação de dúvida que tenha decidido em desfavor do arguido
(…) inexiste fundamento para a absolvição do arguido.
3 - Defende ainda o recorrente que o montante diário da multa fixada se mostra excessivo, dado que o arguido não aufere actualmente quaisquer rendimentos
Com efeito, da prova produzida não foi possível apurar quais os rendimentos do arguido, pelo que se nos afigura excessiva a fixação do montante diário da multa em 19 euros.
Assim, cremos que se justificaria tal fixação pelo seu mínimo legal de 5 euros, como se defende na resposta à motivação apresentada pelo Mapa na I a instância.
4 - Pelo exposto, emite-se parecer no sentido do provimento parcial do recurso, no que respeita ao quantitativo diário da pena de multa ”.

5 - Foi dado cumprimento ao disposto no art. 417º n.º 2, do C.P.P.

6 - Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir


II - Fundamentação
2.1 - O teor da sentença recorrida, na parte que interessa, é o seguinte:
a) Factos provados
1. No dia 28 de Setembro de 2010, cerca das 15 horas, na Avenida dos Bombeiros Portugueses, em Vila Real de Santo António, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca Saab YS3D, e de matrícula 50-60- TZ, de sua propriedade.
2. Como o arguido conduzia o referido veículo automóvel ao mesmo tempo que na sua mão direita, encostado ao ouvido direito, utilizava um telemóvel, foi-lhe dada ordem de paragem pelos agentes da Polícia de Segurança Pública de Vila Real de Santo António que se faziam transportar numa viatura policial devidamente identificada, tendo em vista a identificação e autuação referente ao uso do telemóvel na condução.
3. O arguido parou o seu veículo junto à posição do agente B, e acto contínuo, trancou as portas do seu veículo por dentro, ficando completamente fechado no interior do mesmo.
4. O agente B, devidamente uniformizado, logo solicitou ao arguido, por mais do que uma vez, que abrisse a porta do veículo e lhe mostrasse os seus documentos, bem como os do seu veículo automóvel, tendo o arguido ignorado as ordens do agente de autoridade e continuado a falar ao telemóvel.
5. Não surtindo as solicitações do referido agente de autoridade qualquer efeito, este último colocou-se ligeiramente à frente do veículo automóvel do arguido, do lado esquerdo do veículo, aguardando que o arguido parasse de falar ao telemóvel, abrisse o vidro do veículo e lhe facultasse a documentação pedida.
6. Momento em que o arguido, arrancando com o seu veículo e acelerando-o, se pôs em fuga, só não tendo embatido no agente B por este se ter conseguido desviar para o lado direito (lado esquerdo do veículo).
7. Imediatamente, foi-lhe movida perseguição pela viatura referida em 2. e por um motociclo de serviço policial, devidamente caracterizado, que accionaram as respectivas sinalizações luminosas e sonoras.
8. O arguido, em Vila Real de Santo António:
- conduziu então na Avenida da República;
- após virou à direita pela Rua Combatentes da Grande Guerra e seguiu nesta rua;
- após virou à direita para a rua Jacinto José de Andrade e seguiu nesta rua;
- após virou para a direita na rua António Passos segui u nesta rua;
- após virou para a Rua General Humberto Delgado e seguiu nesta rua;
9. O arguido em nenhum momento parou nos respectivos sinais de paragem obrigatória (vulgo "STOP") que se encontravam nas ruas referidas no número 8. dos factos provados, sendo que as ruas Jacinto José de Andrade, António Passos e General Humberto Delgado tinham sinais de trânsito "STOP", sabendo que o deveria fazer.
10. O arguido, após transitar na rua General Humberto Delgado, foi ter à Rua Combatentes da Grande Guerra (por onde já tinha transitado) e virou à direita e nesta rua.
II. Continuando pela Rua Combatentes da Grande Guerra, o arguido entrou na Rua Ministro Duarte Pacheco e depois pela Avenida Ministro Duarte Pacheco, e não efectuou paragem nas passadeiras para passagem de peões por que passou.
12. Foi o arguido desembocar na Avenida Engenheiro Sebastião Ramirez, e não efectuou paragem em mais quatro passadeiras de passagem de peões.
13. Prosseguindo a circulação na Avenida Engenheiro Sebastião Ramirez tendo ido parar à Avenida das Comunidades Portuguesas.
14. Posteriormente, na Avenida das Comunidades Portuguesas, voltou a não efectuar paragem em duas passadeiras de passagem de peões.
15. Entretanto, o arguido entrou na Avenida dos Bombeiros Portugueses e não efectuou paragem em três passadeiras de passagem de peões.
16. O arguido imobilizou o seu veículo automóvel na Avenida dos Bombeiros Portugueses, mais propriamente na rotunda do Aleixo, tendo encontrado à sua frente um veículo automóvel pesado parado, que o bloqueou com a ajuda de uma viatura policial.
17. Durante o percurso que o arguido efectuou, circulou por áreas urbanizadas de Vila Real de Santo António, por um trajecto, que se prolongou por aproximadamente 2 a 3 Km.
18. O arguido sabia que não parava nos sinais de "STOP", nem nas passadeiras para peões.
19. Ao agir da forma descrita em 3. a 6., o arguido, aproveitando a grande superioridade material que a utilização do veículo lhe proporcionava, ao direccionar o seu veículo automóvel contra o agente B, não obstante o prévio sinal de paragem efectuado por este, e a que sabia dever obediência, actuou com o propósito de se opor a que o referido agente policial, que sabia encontrar-se no exercício das suas funções, praticasse actos englobados nessas mesmas funções, nomeadamente que procedesse à sua identificação e posterior autuação, sabendo que com a sua conduta poderia ofender o corpo e a saúde do agente, o que só não sucedeu porque este se desviou da frente do veículo por si conduzido.
20. O arguido agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, sabendo ser proibidas e punidas pela lei penal as suas condutas.
Mais se apurou que:
21. O arguido não tem antecedentes criminais.
22. O arguido é empresário da área de bares e cafetarias, tendo explorado o bar nocturno "Kopas " em Vila Real de Santo António.
23. Tem 5 filhos, 2 deles menores.
24. Tem a 4ª Classe.
*
b) Factos não provados
Da acusação pública
1. O arguido, na Rua Combatentes da Grande Guerra, não efectuou paragem nas passadeiras para passagem de peões, não obstante se encontrarem transeuntes a tentar atravessar as passadeiras.
2. No momento indicado no número 11. dos factos provados, na Avenida Ministro Duarte Pacheco, encontravam-se transeuntes a querer atravessar as passadeiras.
3. O arguido. na Avenida Ministro Duarte Pacheco, ultrapassou vários veículos que seguiam no mesmo sentido que o seu, transpondo para o efeito a linha longitudinal contínua existente naquele local, separadora de sentidos de trânsito, entrando na parte da via reservada ao trânsito que circulava em sentido contrário.
4. E na Avenida Ministro Duarte Pacheco, quando o veículo automóvel do arguido se encontrava do lado esquerdo da faixa de rodagem, em paralelo aos veículos que efectuavam a sua marcha do lado direito, surgiram em sentido contrário vários veículos.
5. Em face dessa situação, e como forma de, no último momento, evitarem o embate frontal com o veículo do arguido, os veículos que seguiam em sentido contrário tiveram que se encostar o mais à direita possível, única forma de não colidirem com o veículo automóvel tripulado pelo arguido.
6. Entretanto, e ainda nessa Avenida, o motociclo policial, com a finalidade de interceptar o veículo do arguido e impedir que ele continuasse a fuga, tentou, com o cuidado necessário de forma a não provocar perigo aos demais utentes da via, atravessá-lo, o que não conseguiu, tendo tido necessidade de se desviar para não embater no veículo do arguido.
7. No momento indicado no número 12. dos factos provados, na Avenida Engenheiro Sebastião Ramirez, encontravam-se transeuntes em vias de atravessar as passadeiras e o arguido ao entrar numa rotunda não reduziu a velocidade do seu veículo, nem cedeu a passagem aos veículos que aí se encontravam a circular, obrigando os condutores que nelas seguiam a travar abruptamente, única forma de evitarem embater no veículo do arguido.
8. No momento indicado no número 12. dos factos provados, na Avenida Engenheiro Sebastião Ramirez, o arguido circulou em sentindo contrário, transpondo o traço contínuo, e efectuando ultrapassagens a todos os veículos, o que levou a que os veículos que transitavam em sentido contrário tivessem que se encostar ao lado direito, única forma de não colidirem com o veículo do arguido.
9. No momento indicado no número 14. dos factos provados, na Avenida das Comunidades Portuguesas, o arguido encontro J transeuntes em vias de atravessar as passadeiras e, ao entrar em duas rotundas, uma da, quais a do Encalhe, o arguido novamente se absteve de reduzir a velocidade imprimida ao seu veículo e de ceder a passagem aos veículos que aí se encontravam a circular, o que obrigou os condutores que nela seguiam a travarem repentinamente de forma a evitarem colidir com o veículo do arguido.
10. No momento indicado no número 15. dos factos provados, na Avenida dos Bombeiros Portugueses, o arguido transpôs o traço contínuo e entrou completamente no lado esquerdo da faixa de rodagem, com sentido de marcha contrário ao seu, para ultrapassar os veículos que seguiam à sua frente, sendo que, nesse momento circulavam naquele sentido outros veículos, que tiveram que se desviar para o lado direito, única manobra possível para evitarem a colisão com o veículo do arguido.
11. E encontrou, junto às passadeiras, transeuntes em vias de as atravessar, e circulou também em sentindo contrário, transpondo o traço contínuo, e efectuou ultrapassagens a todos os veículos, o que levou a que os veículos que transitavam em sentido contrário tivessem que se encostar ao lado direito, única forma de não colidirem com o veículo do arguido.
12. O arguido circulou por áreas com grande movimento de peões e veículos, o que obrigou a que, em mais do que uma ocasião. as viaturas policiais. os demais condutores da via pública, e transeuntes, se desviassem de forma a evitarem a colisão com o veículo automóvel conduzido pelo arguido.
13. O arguido, desde o momento indicado no número 6. dos factos provados até ao momento indicado no número 16. dos factos provados, continuou sempre a utilizar o telemóvel que levava consigo e o segurava na mão direita junto do ouvido direito.
14. O arguido sabia que transpunha linhas longitudinais contínuas separadoras do sentido de trânsito e circulava em sentido contrário ao legalmente permitido ocupando a faixa de rodagem do lado esquerdo e que não cedia passagem aos veículos que circulavam nas rotundas em que pretendia entrar com o seu veículo, não cedendo prioridade, sempre sem se certificar que circulavam outros veículos ou pessoas, querendo sempre agir da forma por que o fez.
15. O arguido sabia também que, conduzindo da forma descrita, o fazia de forma temerária e podia embater em qualquer um dos veículos pelos quais passou durante todo o trajecto, tendo-se conformado com a criação desse risco, daí podendo resultar estragos em veículos, a ofensa à integridade física dos seus condutores e ocupantes, ou a quaisquer outras pessoas que circulassem na mesma via, o que só efectivamente não aconteceu por estes terem parado e se desviado, e, não obstante isso, conduziu nas circunstâncias descritas.
Da contestação
16. O arguido utilizou o telemóvel em estado de desespero e telefonou para o número 112.
Introduzidos pelo arguido na audiência de Julgamento
17. No momento indicado no número 1. dos factos provados, o arguido preparava-se para estacionar, quando viu o Agente da PSP B a vir em direcção ao seu veículo, tendo saído com o bastão na mão.
18. Como o agente da PSP teria um relacionamento com uma pessoa com quem o arguido tinha desentendimentos, o arguido assustou-se, e iniciou uma fuga a este agente, procurando dirigir-se à esquadra da PSP.
19. O arguido, actualmente, não tem rendimentos.
*
c) Motivação da matéria de facto
O Tribunal formou a sua convicção a partir da análise crítica das declarações do arguido, dos depoimentos das testemunhas e dos documentos juntos aos autos.
Efectivamente, no que respeita aos factos constantes dos números I. a 7. e 16. dos factos provados, o Tribunal baseou a sua convicção a partir do depoimento da testemunha B, Agente da PSP em Vila Real de Santo António e que, no âmbito das suas funções, tomou contacto directo com os factos (razão de ciência).
Esta testemunha relatou estes factos, designadamente, por onde seguia o seu carro de patrulha e por onde seguia o arguido, a ordem de paragem e a razão da ordem de paragem, o facto do arguido não ter aberto o vidro, o facto de ter tocado no vidro para lhe poder pedir a documentação, como o arguido continuou a falar ao telemóvel, o facto de se ser colocado à frente da viatura do arguido (um pouco ao lado esquerdo desta) e o facto do arguido ter arrancado repentinamente na sua viatura, o que o obrigou a saltar para o lado, para não ser atingido. Relatou igualmente a perseguição e a forma como o arguido foi imobilizado.
Esta testemunha foi totalmente credível, nesta parte, aos olhos do Tribunal, pela forma isenta e detalhada como relatou os acontecimentos.
A credibilidade desta testemunha pode ainda ser verificada quando confrontada com o depoimento da testemunha F e G, também agentes da PSP e que participaram na perseguição ao arguido e que confirmaram na generalidade os mesmos factos relatados pela testemunha B, embora sem a mesma precisão e detalhe que este demonstrou.
Pela coerência em todos estes depoimentos, pela segurança demonstrada ao prestarem depoimento e por todos os detalhes relatados, o Tribunal conferiu credibilidade a estas testemunhas, considerando estes factos como provados (números I. a 7. e 16. dos factos provados).
Claro que, na medida em que se trata de uma perseguição policial e já se passou algum tempo, é possível encontrar, num ou outro, pormenor menos relevante, ligeiras diferenças nos depoimentos (por exemplo, o agente F que depôs no sentido de já não se recordar, com certeza, se, na perseguição, o arguido seguia sempre com o telemóvel ao ouvido; e o agente G afirmou que o arguido seguia sempre com o telemóvel ao ouvido).
Mas nem por isso se deve dar menos credibilidade às testemunhas. Aliás, está reconhecido em diversos estudos de psicologia judiciária que as falsas memórias podem atormentar os depoimentos das testemunhas oculares em pormenores que sejam secundários à acção principal. Por exemplo, várias testemunhas que assistem a um incêndio que ocorre numa casa e têm a total certeza de que ocorreu o incêndio, porque o viram. Este facto mais importante e principal não merece dúvidas. Mas em alguns detalhes secundários poderão divergir os depoimentos, como por exemplo, se os bombeiros já chegaram ao local já com os capacetes postos na cabeça ou se os bombeiros começaram a apagar as chamas pela cozinha ou pela sala. Ainda assim, estas ligeiras desconformidades não afectam o núcleo principal e coerente dos depoimentos na parte essencial dos factos e dúvidas inexistem de que o incêndio ocorreu em determinado local e a determinada hora - sobre estas questões veja-se Eastbrook, The Effect of Emotion On Cue Utilization and Organization of Behavior, psychological review, 66, 183-201 e também Kathleen B. Mcdermott, The Persistence of False Memories in List Recall, JournaI of Mernory and Language, 35, p. 212-230, que pode ser consultado em http://memory.wustl.edu/pubs/1996_McD_JML.pdf.
Assim sendo, não são pormenores mínimos diferentes nos depoimentos, diferenças completamente laterais e irrelevantes, que descredibilizam qualquer depoimento. As testemunhas assistiram aos factos e da abordagem e da perseguição não têm quaisquer dúvidas. As diferenças ligeiras (como a apontada, referente ao telemóvel, durante a perseguição) só servem para demonstrar a isenção das testemunhas, que perante pormenores secundários, que vão desaparecendo com "erosão do tempo", revelam, não ter a total certeza (no caso de F).
Estranho seria se as testemunhas estivessem em total consonância em todos os pormenores irrelevantes, relativamente a factos que ocorreram há I ano atrás. Aí sim, haveria motivos para desconfiar de uma "estória montada" para o julgamento e incriminação.
Por estes motivos foram considerados como provados estes factos.
Os factos constantes dos números 8. a 15. dos factos provados decorrem, desde logo, da reconstituição dos factos efectuada pelo Tribunal, com a participação do próprio arguido e da testemunha B - cfr. fls. 147 a 154.
Os factos presentes do número 8. a 15. dos factos provados, no que respeita ao trajecto, foram confirmados pelo próprio arguido, no local. A diferença entre a versão do arguido para a versão do Agente B, no local, é mínima. Apenas o local em que se iniciaram os factos, com uma diferença de 20 ou 30 metros na mesma Avenida da República (pormenor completamente irrelevante).
Saliente-se que o Agente B, mais uma vez, comprovou a sua credibilidade. O trajecto que indicou na sala de julgamento, foi o mesmo que indicou no local da reconstituição.
E o arguido demonstrou a sua falta de credibilidade e patenteou a falsidade das suas declarações em julgamento (no dia 24/10/2011). Na verdade, o arguido, nessa sessão do julgamento, afirmou que não tinha passado por aquelas ruas (pelo menos em todas) e depois, no local, perante a evidência, reconheceu o trajecto por inteiro.
Em todo o caso, a verdade é que o arguido, no dia da reconstituição, referiu correctamente o trajecto.
O número de passadeiras existente, bem como a sinalização, foram verificados no local pelo próprio Tribunal, atendendo ao trajecto indicado pelo arguido - cfr. fls. 152 e 153 e as fotografias juntas a fls. 147 a 150.
O facto do arguido não ter parado nas passadeiras nem nos sinais stop foi confirmado pela generalidade das testemunhas e está em consonância com as declarações do próprio arguido, que confirmou que fugiu à PSP (embora com uma justificação que não mereceu credibilidade, pelas razões que intra iremos expor). Ora, uma pessoa que circula com uma perseguição policial, não irá parar em sinais "Stop" c cm passadeiras.
Por esse motivo, o Tribunal considerou provada a falta de paragem em passadeiras e nos locais de Stop.
O número 17. decorre da reconstituição de facto de fls. 147 a 153.
Para prova dos factos constantes dos números 18. a 20. dos factos provados, mostra-se aqui perfeitamente adequado e legítimo o recurso aos critérios de razoabilidade, bom senso e regras de experiência, devidamente articulados com a restante prova, uma vez que o conhecimento e a vontade são elementos da vida interior de cada um e. por isso mesmo, insusceptíveis de directa apreensão pejos sentidos, só sendo possível de captar através do preenchimento dos elementos objectivos da infracção aliados a presunções de normalidade e regras de experiência.
E, neste aspecto, é evidente que o arguido sabia que não parava em passadeiras e nos sinais Stop, que desobedecia a uma ordem e que não deveria obstaculizar à fiscalização dos agentes da PSP, devidamente fardados, e que se o fizesse praticava actos ilícitos.
A ausência de antecedentes criminais decorre dle fls. 115.
As condições socioeconómicas foram obtidas a partir das declarações do arguido.
No que respeita ao número I. dos factos não provados, na Rua Combatentes da Grande Guerra nem sequer existem passadeiras (cfr. fls. 153 e fotografia 2 de fls. 147) e muito menos poderiam existir transeuntes a tentar atravessar as passadeiras que não existem.
Relativamente aos factos presentes nos números 2. a 12. dos factos não provados, a verdade é que o arguido os negou. E as testemunhas, nesta parte, não foram convincentes no depoimento. Com efeito, os agentes da PSP que efectuaram a perseguição ao arguido até à imobilização da viatura, não foram totalmente seguros sobre se existiam ou não pessoas a passar as passadeiras, os veículos que encontraram e a ultrapassagem de traços contínuos. Esta falta de segurança nos depoimentos dos agentes da PSP não lhes retira nenhuma credibilidade e é perfeitamente compreensível. Com efeito, os agentes a PSP (dois numa viatura automóvel e um num motociclo) iniciaram uma perseguição à viatura do arguido. É compreensível que não estivessem, naquele momento, a anotar na memória as pessoas que iam atravessar nas passadeiras. Também os automóveis que se possam ter desviado, existiria sempre a dúvida sobre se o faziam em virtude da condução do arguido ou se o faziam em função do espectáculo de verem sirenes da polícia atrás de um automóvel.
Na dúvida concreta e forte sobre estes elementos, o Tribunal, em nome do princípio "in dubio pro reo", considerou-os como não provados.
Considerando-se como não provados os factos constantes dos números 2. a 12. dos factos não provados, teria, em consequência, de se considerar como não provados os factos constantes dos números I 4. e 15. dos factos não provados (se não se prova que tenha praticado os factos, também não se prova que sabia que os estava a praticar).
No que respeita ao número 13. dos factos não provados, o Tribunal considera muito pouco provável que o arguido conduzisse nas ruas em causa (perpendiculares, dentro da cidade de Vila Real de Santo António), a segurar sempre um telemóvel com uma mão, o que lhe dificultaria a condução. Mesmo as testemunhas Agentes da PSP não foram totalmente seguros neste aspecto. E, na dúvida, o Tribunal considerou estes factos como não provados.
A falta de prova dos factos constantes do número 16. dos factos não provados decorre do documento de fls. 90. relativo ao telemóvel do arguido, no qual não está patenteada qualquer chamada para o número 112.
Os números 17. e 18. dos factos não provados decorre da falta de credibilidade das declarações do arguido nesta parte.
Com efeito, o Tribunal ao credibilizar a versão dos factos trazida pelos agentes da PSP, não poderia dar credibilidade a uma versão contraditória.
Aliás, a versão do arguido não merece credibilidade pelo próprio teor. A suposta pessoa com quem B tinha um relacionamento (alegadamente, a testemunha H) negou-o peremptoriamente. O agente da PSP B negou ter qualquer relacionamento com H. E é completamente inverosímil que o agente da PSP viesse agredir o arguido, ou que o arguido disso suspeitasse, na Avenida da República, que é junto à marina de Vila Real de Santo António, à luz do dia, cheia de testemunhas que conhecem o arguido e o agente.
Daqui se verifica a falta de credibilidade do arguido nesta parte (no que respeita aos factos indicados na acusação).
De salientar também que as testemunhas D e E, arroladas pela defesa, não mereceram nenhuma credibilidade porque estão em contradição com as testemunhas a quem foi conferida credibilidade e porque, nos depoimentos, pareciam ter uma história a contar, sem muitos detalhes e sem isenção. Os próprios depoimentos pareceram forçados e pouco espontâneos, como se estas testemunhas fossem a julgamento contar uma história à medida do interesse do arguido. Aliás, afirmam que os factos ocorreram por volta das 14:30 horas, quando, na verdade foi determinado que sucedeu cerca das 15:00 horas.
Por todos estes motivos, não lhes foi atribuída credibilidade.
Por conseguinte, foram estes factos considerados corno não provados.
O Tribunal também não acreditou no arguido quando este afirmou que agora não tinha rendimentos. Não se está a ver um empresário da noite sem rendimentos. Por esse motivo, foram estes factos considerados como não provados (número 19. dos factos não provados)”.

2.2 - Houve registo magnetofónico da prova. Nestes casos, normalmente, o recurso além de sindicar a matéria de facto (desde que o recorrente dê cumprimento ao disposto no art. 412º ns. 3 e 4, do C.P.P.), aprecia as questões de direito avançadas pelo recorrente (Cfr. art. 428º, do mencionado compêndio adjectivo) e faz a apreciação de eventuais vícios do art. 410°, n.º 2 CPP ou de nulidades que não devam considerar-se sanadas. E, dentro destes parâmetros, são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso (art. 412°, n.º 1 CPP), uma vez que as questões submetidas à apreciação da instância de recurso são as definidas pelo recorrente.
São as conclusões que irão habilitar o tribunal superior a conhecer dos motivos que levam o recorrente a discordar da decisão recorrida, quer no campo dos factos quer no plano do direito.
Como se viu, a lei exige conclusões em que o recorrente sintetize os fundamentos e diga o que pretenda que o juiz decida, certamente porque são elas que delimitam o objecto do recurso.
Não pode o tribunal seleccionar as questões segundo o seu livre arbítrio nem procurar encontrar no meio das alegações, por vezes extensas e pouco inteligíveis, o que lhe pareça ser uma conclusão.
As conclusões nada têm de inútil ou de meramente formal.
Constituem, por natureza e definição, a forma de indicação explícita e clara da fundamentação das questões equacionadas pelo recorrente e destinam-se, à luz da cooperação devida pelas partes, a clarificar o debate quer para exercício do contraditório, quer para enquadramento da decisão.

2.3 - Feita esta introdução de âmbito geral e analisadas as conclusões de recurso, dir-se-á que o recorrente alega, no caso em análise, como fundamento do recurso:
a)Pretensão de impugnação da matéria de facto, dado o erro de valoração da prova;
b) nulidade da sentença, prevista no artigo 379.º, n.º 1, alíneas a) e c) do Código de Processo Penal;
c) violação do princípio da presunção da inocência – “in dubio pro reo”;
d) a incorrecta aplicação do conceito das “falsas memórias”;
d) errada escolha da medida da pena no que respeita ao quantitativo diário da multa.

2.4 - Do conhecimento do objecto de recurso
2.4.1 - Primeira questão
Nos termos do disposto no artigo 428º, do C.P.P., o Tribunal da Relação, em fase de recurso, pode apreciar da matéria de facto e de direito, nos termos retro apontados.
No que respeita ao objecto de recurso sobre a questão de facto, a apreciação da prova, baseada nas regras da experiência comum e na livre convicção feita pelo tribunal de 1ª instância poderia ser censurada por este tribunal, pois existe documentação das declarações prestadas no decurso da audiência de discussão e julgamento.
O recorrente afirma que a mesma foi erradamente apreciada, e que houve a violação dos limites do princípio da livre apreciação da prova.
O n.º 3, deste preceito legal - 412º, do C.P.P. estabelece que, quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto - no caso em análise não o fez - deve especificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e bem assim as provas que impõe decisão diversa da recorrida e as que devem ser renovadas.
O n.º 4, refere que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas als. b) e c), do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2, do art. 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação.”.
A lei é exigente relativamente a essa impugnação.
O julgamento efectivo foi realizado no Tribunal da 1ª instância.
Neste Tribunal de recurso o que releva é a apreciação da regularidade do julgamento e não a realização de um efectivo e verdadeiro segundo julgamento. Tanto assim é que a própria lei, no art. 430º, do C.P.P., só permite a renovação da prova quando se verifiquem os vícios do art. 410º n.º 2, do referido compêndio adjectivo, portanto, quando do teor do texto da decisão judicial decorra a verificação de qualquer dos vícios aí apontados, v.g., insuficiência, contradição ou erro.
O que a lei exige é que se indiquem provas que imponham decisão diversa e não que permitam outra decisão.
E tal exigência é dada, como é referido nos Acs. desta Relação Ns. 2542/01 e 2870/02, pelas seguintes imposições:
Especificação, e não mera referência, dos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, sendo necessário precisar com clareza o ponto que se tem por erroneamente apurado;
especificação das provas, não sendo suficiente a menção genérica de toda a prova e dos depoimentos das testemunhas, etc.;
indicação concreta das provas que impõem decisão diversa;
especificação dos suportes técnicos, da prova documentada, com vista a facilitar a sua localização.
O recorrente tece críticas e discorda da matéria de facto apontada, não se pode considerar cumprido o preceituado nos citados ns. 3 e 4 daquele preceito, porquanto, apesar de indicar pontos precisos que considera, na sua óptica, incorrectamente julgados, não se indica, todavia, provas concretas que impõem decisão diversa, tecendo, apenas, comentários sobre a valoração da prova feita pelo Tribunal, argumentando com considerações todas elas, apenas e exclusivamente, relativas a uma apreensão diversa da prova, valorando-a, de modo diverso, colocando dúvidas e interrogações, sem contudo, conseguir fundamentar e concretizar as provas que impõem decisão diversa. Como já referido, o que a lei pretende ao vincular o recorrente á indicação das provas que impõem decisão diversa, não é, certamente, formular uma outra versão da prova produzida.
Isto bastaria para se considerar improcedente qualquer hipotética impugnação da matéria de facto.
Todavia, dir-se-á que a apreciação da prova constante do acórdão ou sentença, por imposição do art. 374º n.º 2, do C.P.P., não basta ser dúbia ou duvidosa, é necessário que seja, de modo óbvio, errónea impondo-se a qualquer homem ou cidadão mediano e fundamenta a existência do vícios a que alude o art. 410º n.º 2, al. c), do aludido compêndio adjectivo, ou não. Neste caso, deve cumprir-se as regras de impugnação supra mencionadas.
No nosso sistema processual penal vigora o princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127° do CPP, que estatui" salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada seguindo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.". A este propósito salienta o Sr. Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, v. I, Coimbra Editora, Lda., 1981, pág. 202: " Uma coisa é desde logo certa: o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável - e portanto arbitrária - da prova produzida. Se a apreciação da prova é, na verdade discricionária, tem evidentemente esta discricionariedade (...) os seus limites que não podem ser licitamente ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a chamada" verdade material" - de tal sorte que a apreciação há-de se, em concreto, recondutível a critérios objectivos e portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo..."
E adianta, Marques Ferreira, Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, " Meios de Prova", Livraria Almedina, pág. 227/228.: " Por outro lado, livre convicção ou apreciação não poderá nunca confundir-se com apreciação arbitrária da prova produzida nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova. A mais importante inovação introduzida pelo Código nesta matéria consiste, precisamente, na consagração de um sistema que obriga a uma correcta fundamentação das decisões que conheçam a final do processo de modo a permitir-se um controlo efectivo da sua motivação".
Acresce que o recorrente não impugnou, na verdadeira asserção da palavra a matéria de facto, limitando-se a criticar a forma como foi valorada a prova e a percepciona-la de forma diversa.
O que a lei exige é que se indiquem provas que imponham decisão diversa e não que permitam outra decisão.
Sobre esta questão, o Prof. Marques da Silva, In “ Curso de Direito Processual Penal, vol. II, pág. 126 e 127 refere:" O juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis. Num primeiro aspecto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente de imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente aplicáveis (v.g. a credibilidade eu se concede a um certo meio de prova). Num segundo nível referente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e agora já as interferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se na correcção do raciocínio, que há de basear-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência.".
Maia Gonçalves, in "Código de Processo Penal, anotado", 9.ª ed., pág.322, refere "... livre apreciação da prova não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e de lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica... ".
Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal", II, pág. 126 e segs... a livre apreciação da prova tem de se traduzir numa valoração "racional e critica, de acordo com as regras, comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão...; com a exigência de objectivação da livre convicção poderia pensar-se nada restar já à liberdade do julgador, mas não é assim.
Como já referido, a convicção do julgado há-de ser sempre uma convicção pessoal, mas há-de ser sempre "uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros ".
O juízo sobre a valoração da prova tem diferentes planos.
Em primeiro lugar trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente explicáveis (v.g., a credibilidade que se concede a um certo meio de prova).
Seguidamente, na valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e agora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência.
Só a especificação de todos os elementos probatórios, os indicados pelo tribunal e os que se entende não foram tidos em conta, pode impor decisão diversa.
E as provas que impõem essa diversa decisão são as provas relevantes e decisivas que não foram analisadas e apreciadas, ou, as que o tendo sido, ponham em causa ou contradigam o entendimento plasmado na decisão recorrida. Se a tais provas faltam esses pressupostos, não conduzem a outra decisão.
Outra observação é a da relevância dos pontos da matéria de facto para a decisão. É inócuo impugnar este ou aquele pormenor factual quando eles, mesmo que se verifique um menor rigor de valoração, não alterem, na sua essência, a estruturada e complexa matéria fáctica.
O problema posto pelo recorrente reconduz-se ao da apreciação da prova por parte do tribunal recorrido de que trata o art.º 127°, do CPP.
Ora, reafirmamos que aos julgadores, no tribunal de recurso, está vedada a imediação e a oralidade em toda a sua extensão, contrariamente ao que ocorre no tribunal da 1ª instância que contacta com uma multiplicidade de factores, relativos a percepção da espontaneidade dos depoimentos da verosimilhança, da seriedade, das hesitações, da linguagem, do tom de voz, do comportamento, das reacções, dos trejeitos, das expressões e, até, dos olhares.
Assim, condicionados pela impossibilidade da captação desses elementos directos, resultantes da imediação da prova, perante duas ou mais versões dos factos, só podem afastar-se do juízo feito pelo julgador da primeira instância, naquilo que não tiver origem nestes dois princípios (oralidade e imediação), ou seja, naqueles casos em que a formulação da convicção não se tiver operado em consonância com as regras da lógica e da experiência comum, reconduzindo-se assim o problema, na maior parte dos casos, ao da fundamentação de que trata o art.º 374º n.º 2, do aludido compêndio adjectivo.
Revertendo para o caso concreto verifica-se que da análise probatória global, efectuada igualmente pelo tribunal ad quo não pode de todo concluir-se por uma errada apreciação da prova em termos de julgamento pelo tribunal.
O princípio da livre apreciação da prova, como princípio estruturante do direito processual do continente europeu e, especificamente do direito processual penal português, assume, na dinâmica do processo de fundamentação da sentença penal simultaneamente, uma dupla função de ordenação e de limite.
O mesmo é orientado pelo princípio da descoberta da verdade material.
Ora, conforme foi referido, o Tribunal no caso concreto, para chegar à sua decisão, valorou um conjunto diverso de provas utilizando exactamente as regras da razão, fundadas na lógica e na experiência. Daí que não se vislumbra qualquer vício no seu modo de decidir e valorar essas provas que ponha em causa o principio da livre apreciação da prova.” (vide, Ac. R C, de 25/11/2009, proferido no Proc. N.º 219/05.8GBPCV.C1).
Na verdade, no decurso da audiência produziram-se provas claras e inequívocas de que o arguido desobedeceu à ordem de paragem, dada por agente da PSP, de Vila Real de Santo António, devidamente uniformizado, em missão de serviço, tendo em vista a identificação e autuação referente ao uso do telemóvel na condução, após ver o arguido a conduzir o seu veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca Saab YS3D, de matrícula 50-60- TZ, de sua propriedade, e, simultaneamente, a fazer uso de um telemóvel, com a sua mão direita, encostado ao ouvido direito.
O arguido, após o agente policial ter tocado no vidro da sua viatura para lhe poder pedir a documentação, não abriu o vidro, continuando a falar ao telemóvel. O agente da PSP colocou-se à frente da viatura do arguido (um pouco ao lado esquerdo desta), tendo o arguido arrancado repentinamente com a sua viatura, o que o obrigou a saltar para o lado, para não ser atingido. Foi-lhe movida perseguição, pela viatura policial, devidamente identificada onde havia transitado o agente da PSP, e, por um motociclo de serviço policial, devidamente caracterizado, que accionaram as respectivas sinalizações luminosas e sonoras. Durante o percurso que o arguido efectuou, circulou por áreas urbanizadas de Vila Real de Santo António, perseguido pelos agentes da PSP, por um trajecto, que se prolongou por aproximadamente 2 a 3 Km. O arguido imobilizou o seu veículo automóvel na Avenida dos Bombeiros Portugueses, mais propriamente na rotunda do Aleixo, tendo encontrado à sua frente um veículo automóvel pesado parado, que o bloqueou com a ajuda de uma viatura policial.
O arguido, nesse percurso, em nenhum momento parou nos respectivos sinais de paragem obrigatória (vulgo "STOP"), ou nas passadeiras para peões devidamente assinaladas.
Tal factualidade resultou da “análise crítica das declarações do arguido, dos depoimentos das testemunhas e dos documentos juntos aos autos.
Efectivamente, no que respeita aos factos constantes dos números 1. a 7. e 16. dos factos provados, o Tribunal baseou a sua convicção a partir do depoimento da testemunha B, Agente da PSP em Vila Real de Santo António e que, no âmbito das suas funções, tomou contacto directo com os factos (razão de ciência).
Esta testemunha relatou estes factos, designadamente, por onde seguia o seu carro de patrulha e por onde seguia o arguido, a ordem de paragem e a razão da ordem de paragem, o facto do arguido não ter aberto o vidro, o facto de ter tocado no vidro para lhe poder pedir a documentação, como o arguido continuou a falar ao telemóvel, o facto de se ser colocado à frente da viatura do arguido (um pouco ao lado esquerdo desta) e o facto do arguido ter arrancado repentinamente na sua viatura, o que o obrigou a saltar para o lado, para não ser atingido. Relatou igualmente a perseguição e a forma como o arguido foi imobilizado.
Esta testemunha foi totalmente credível, nesta parte, aos olhos do Tribunal, pela forma isenta e detalhada como relatou os acontecimentos.
A credibilidade desta testemunha pode ainda ser verificada quando confrontada com o depoimento da testemunha F e G, também agentes da PSP e que participaram na perseguição ao arguido e que confirmaram na generalidade os mesmos factos relatados pela testemunha B, embora sem a mesma precisão e detalhe que este demonstrou.
Pela coerência em todos estes depoimentos, pela segurança demonstrada ao prestarem depoimento e por todos os detalhes relatados, o Tribunal conferiu credibilidade a estas testemunhas, considerando estes factos como provados (números 1. a 7. e 16. dos factos provados).
Claro que, na medida em que se trata de uma perseguição policial e já se passou algum tempo, é possível encontrar, num ou outro, pormenor menos relevante, ligeiras diferenças nos depoimentos (por exemplo, o agente F que depôs no sentido de já não se recordar, com certeza, se, na perseguição, o arguido seguia sempre com o telemóvel ao ouvido; e o agente G afirmou que o arguido seguia sempre com o telemóvel ao ouvido).”
E, adianta-se, ainda, um pormenor esclarecedor da credibilidade do depoimento da testemunha, agente policial, B, face à falta de credibilidade das declarações do arguido, referentes ao trajecto seguido: “Saliente-se que o Agente B, mais uma vez, comprovou a sua credibilidade. O trajecto que indicou na sala de julgamento foi o mesmo que indicou no local da reconstituição. E o arguido demonstrou a sua falta de credibilidade e patenteou a falsidade das suas declarações em julgamento (no dia 24/10/2011). Na verdade, o arguido, nessa sessão do julgamento, afirmou que não tinha passado por aquelas ruas (pejo menos em todas) e depois, no local, perante a evidência, reconheceu o trajecto por inteiro.”.

É evidente que a total coincidência de pormenores no relato das testemunhas seria de considerar pouco natural e suspeito, pois que, nem as testemunhas estavam estáticas, nem o cenário o era. Portanto, é lógico e natural que a percepção global das ocorrências fosse a mesma, mas que a amplitude dos pormenores pudesse não coincidir em pleno, dado os ângulos de observação e contactos individualizados.
No que concerne aos factos expressos nos pontos 18 e 19, da matéria de facto provada, respeitantes ao dolo, conforme escreve o Sr. Professor Manuel Cavaleiro de Ferreira em "Direito Penal Português” - Parte Geral I - Sociedade Científica da Universidade Católica Portuguesa, se a intenção é vontade e esta é acto psíquico, acto interior são, contudo, grandes as dificuldades para dar praticabilidade a conceitos que designam actos internos, de carácter psicológico e espiritual. Por isso se recorre a regras da experiência, que as leis utilizam quando elas podem dar aos conceitos maior precisão...
Por outro lado, o dolo, dada a sua natureza subjectiva, é insusceptível de apreensão directa, só podendo captar-se a sua existência através de factos materiais, entre os quais o preenchimento dos elementos integrantes da infracção, e por meio das presunções materiais ligadas ao princípio da normalidade ou das regras gerais da experiência.
A ilustrar tal entendimento podem citar-se, entre outros, os seguintes acórdãos:
Acórdão do S.T.J. de 07.07.93 publicado na Base de Dados da DGSI (www.dgsi.pt) sob o n.º SJl99307070444783: "Os elementos do crime, de estrutura psicológica como o dolo, só são, em regra, susceptíveis de prova indirecta, porque muito raros são os casos em que o agente anuncia que vai praticar um crime."
Acórdão do S.T.J. de 01.04.93 in BMJ n.º 426, pág. 154 no qual se exarou: "Dado que o dolo pertence à vida interior e afectiva de cada um e, é portanto, de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão, só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns, de que o mesmo possa concluir-se, entre os quais surge, com a maior representação, o preenchimento dos elementos materiais integrantes da infracção. Pode, de facto, comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções materiais ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral de experiência. "


Ora recorrendo a regras de experiência e porque para se aferir ou não da existência da intenção criminosa, se há-de retirar os elementos confirmativos da sua verificação, da matéria fáctica dada como provada.
Por outro lado, o conhecimento do carácter proibido da conduta do infractor é do conhecimento do homem médio, até de qualquer pessoa, por isso do arguido, homem que tinha à data dos factos 52 anos e mais de 7 meses de idade, comerciante, que explorou um bar nocturno, com longos anos de vida.
Segundo o Ac. do STJ de 94.05.11 no Processo n.º 45987, verifica-se erro na apreciação da prova quando o tribunal conclui pela falta de consciência da ilicitude e actuação sem dolo, contra as regras da experiência e o entendimento da generalidade as pessoas que têm consciência dos valores que a comunidade pretende ver defendidos.”.
Por isso, decidiu-se no douto Acórdão de 6/12/2000, no Processo n.º 733/2000, in­tegralmente transcrito no site da Internet: “ O tribunal superior só em casos de excepção poderá afastar o juízo valorativo das provas feito pelo tribunal a quo, pois a análise do valor daquelas depende de atributos (carácter; probidade moral) só verdadeiramente apreensíveis pelo julgador de 1ª instância”.
Cabe agora dizer que a associação que a prova indiciária proporciona entre elementos objectivos e regras objectivas (de experiência e de dedução lógica) leva alguns autores a afirmar a sua superioridade perante outro tipo de provas, nomeadamente prova directa e testemunhal, pois que aqui também intervém um elemento que ultrapassa a racionalidade e que será muito mais perigoso de determinar, como é o caso da credibilidade do testemunho.
Como é explicado, bem, na sentença recorrida, “…a versão do arguido não merece credibilidade pelo próprio teor. A suposta pessoa com quem B tinha um relacionamento (alegadamente, a testemunha H) negou-o peremptoriamente. O agente da PSP B negou ter qualquer relacionamento com H. E é completamente inverosímil que o agente da PSP viesse agredir o arguido, ou que o arguido disso suspeitasse, na Avenida da República, que é junto à marina de Vila Real de Santo António, à luz do dia, cheia de testemunhas que conhecem o arguido e o agente.
Daqui se verifica a falta de credibilidade do arguido nesta parte (no que respeita aos factos indicados na acusação).
De salientar também que as testemunhas D e E, arroladas pela defesa, não mereceram nenhuma credibilidade porque estão em contradição com as testemunhas a quem foi conferida credibilidade e porque, nos depoimentos, pareciam ter uma história a contar, sem muitos detalhes e sem isenção. Os próprios depoimentos pareceram forçados e pouco espontâneos, como se estas testemunhas fossem a julgamento contar uma história à medida do interesse do arguido. Aliás, afirmam que os factos ocorreram por volta das 14:30 horas, quando, na verdade foi determinado que sucedeu cerca das 15:00 horas.
Por todos estes motivos, não lhes foi atribuída credibilidade.
Por conseguinte, foram estes factos considerados como não provados.
O Tribunal também não acreditou no arguido quando este afirmou que agora não tinha rendimentos. Não se está a ver um empresário da noite sem rendimentos. Por esse motivo, foram estes factos considerados como não provados (número 19. dos factos não provados)”.
Contudo, o tribunal “a quo”, após análise cabal das provas, não teve dúvidas sobre a prática pelo arguido do crime de resistência e coação sobre funcionário e a contra-ordenação que lhe eram imputados. Todavia, de forma isenta e objectiva, entendeu que os factos referentes ao crime de condução perigosa de veículo rodoviário não se apuraram, como explica, pormenorizadamente, a fls. 190 a 192, tendo, consequentemente, dele e das sanções acessórias previstas no art. 69º, n.º 1 als. a) e b), do CP, absolveu o arguido.
Mais uma vez se afirma que o cerne da discórdia, objecto deste recurso respeita à forma como foi apreciada a prova pelo Tribunal recorrido.
E, no que respeita ao facto nº 19, dos factos não provados, dir-se-á que por não se ter apurado o montante dos rendimentos auferidos pelo arguido/recorrente, não quer dizer que se deveria ter consignado, nos factos provados, que não tem, actualmente, rendimentos. Portanto, esse facto deve manter-se.
O certo é que cotejadas as considerações vertidas naquela bem elaborada peça processual com as críticas que na motivação do recurso lhe são feitas e mesmo com os excertos de depoimentos aí transcritos, em nada se mostram contrariados os juízos lógico dedutivos explanados na sentença. Não apresenta o recorrente na sua motivação qualquer argumento, fundamentado nas provas neles objecto de apreciação, que permita retirar veracidade à factualidade considerada provada no douta decisão sindicada.
Assim, não se modifica tal matéria de facto, nomeadamente, a vertida nos pontos 1 a 24 da matéria de facto provada, nem a vertida nos pontos 16 a 19, dos factos não provados, nos termos preceituados no art. 431º n.º 1 al. b), do C.P.P..
A matéria fáctica apurada é a que se mostra supra descrita.
É manifesta a improcedência, nesta parte, do recurso interposto.

2.4.2 - Da incorrecta aplicação do conceito das “falsas memórias”
O recorrente questiona, também, a não consideração de determinadas contradições entre testemunhas, com a “justificação de que são aceitáveis “falsas memórias”, defendendo que “Isso traria uma grande incerteza e insegurança em relação à adequação e à justiça das decisões judiciais” (sic ponto 11. das conclusões).
Vejamos!
Esta matéria esta relacionada com a valoração da prova testemunhal.
As três condicionantes desta prova, como são referenciadas na resposta do MºPº, são:
- A credibilidade, referente aos resultados do desempenho consciente da testemunha, sendo aqui que se reflecte, pela negativa, o testemunho falso ou a incoerência e a contradição no próprio depoimento;
- a consistência, relativa à compatibilidade entre o depoimento e a demais prova;
- a fiabilidade, respeitante às variáveis não controladas pela testemunhas, susceptíveis de poderem vir a ser detectadas pelo julgador, sendo aqui que se reflecte o testemunho baseado em memórias falsas ou em memórias erróneas, e bem assim, o testemunho baseado em erros de percepção ou em falta de atenção consciente ou no testemunho confabulatório.
No caso “sub judice,” é a última condicionante a que está relacionada com a mencionada “falsa memória”.
A memória é definida como a faculdade de reter as ideias, as impressões e os conhecimentos adquiridos. Remete também à lembrança e à reminiscência. Portanto, é o meio pelo qual o indivíduo recorre ao conhecimento do passado, com o intuito de o utilizar no presente, sendo no fundo a nossa identidade.
As falsas memórias são memórias sem objecto real e distinguem-se das memórias erróneas, uma vez que estas últimas apesar de também se reportarem a experiências reais, são recordadas incorrectamente.
Isto é, acreditar que um evento falso, que não existiu, tenha efectivamente ocorrido.
Sobre esta matéria aplicada ao Processo Penal, Nereu José Giacomolli e Cristina Carla di Gesu, in “As falsas memórias na Reconstrução dos fatos pelas testemunhas no Processo Penal, afirmam:“O depoimento da testemunha resgata, na memória, a lembrança dos fatos ocorridos no passado, objectivando dar conhecimento ao julgador sobre aquilo já percebido, cumprindo uma função retrospectiva e recognitiva no processo penal. A fragilidade da prova testemunhal revela-se na dependência da recordação dos fatos, da memória da pessoa que os narra. O processo mnemónico não é fidedigno à realidade e a lembrança pode estar contaminada pelas falsas memórias. Além de uma boa aquisição e retenção da memória, é importante perceber, evitar e eliminar as falhas no momento da recuperação da lembrança das testemunhas, fontes de prova relevantes no processo penal “
Nos casos das falsas memórias, quando a memória não se recorda de todos os detalhes, tal “esquecimento” tende a ocorrer basicamente quanto aos detalhes ou informações marginais, secundários, e não no que respeita aos aspectos centrais, os quais se mantêm vívidos e consistentes.
Dadas as presentes explanações, é lógico que a memória de uma testemunha não pode ser um retrato exacta do acontecimento percepcionado, uma vez que a nossa memória está sujeita a muitas “ingerências” exteriores, designadamente, por motivos culturais, educacionais, temporais, etc.
Consequentemente, é acertado afirmar-se que será falível o depoimento de uma testemunha, mas tudo dependerá da convicção do julgador e da credibilidade e consistência do mesmo, conforme supra exposto.
Portanto, improcede, nesta parte, a pretensão do recorrente.

2.4.3 - Nulidade do acórdão
Nos termos do disposto no artigo 374º do C.P.P., constituem requisitos da sentença, relatório, fundamentação e o dispositivo.
Ao relatório, elaborado em conformidade com o disposto no n.º 1 daquele preceito legal, segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com a indicação e o exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal a que se segue o dispositivo elaborada em conformidade com o n.º 3 do mesmo preceito legal.
A exigência de explanação racional da decisão no texto da sentença prende-se com o princípio da livre apreciação da prova, consignado no art. 127º do C.P., nos termos do qual salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
A fundamentação, como resulta expressis verbis do n.º 2, não se satisfaz com a enumeração dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento e dos que serviram para fundamentar a sentença. É ainda necessário um exame crítico desses meios, que servirá para convencer os interessados e a comunidade em geral da correcta aplicação da justiça no caso concreto. Trata-se de significativa alteração do regime do Código Penal de 1929, e mesmo do que, segundo alguma doutrina, anteriormente, vigorava por alterações introduzidas no C.P.P..
Sobre a motivação fáctica das sentenças penais expendeu Marques Ferreira as seguintes considerações nas Jornadas de Direito Processual Penal 229-230: “A obrigatoriedade de tal motivação surge em absoluta oposição à prática judicial na vigência do C.P.P. de 1929 e não poderá limitar-se a uma genérica remissão para os diversos meios de prova fundamentadores da convicção do tribunal, à semelhança do que tradicionalmente vem sucedendo coma interpretação e aplicação do estipulado sobre esse assunto no art. 665º, n.º 2, do C.P.C., embora em desacordo completo da doutrina e, a nosso ver, violando-se materialmente a ratio do art. 210º, n.º 1, da C.R.P..
De facto, o problema da motivação está intimamente conexionada com a concepção democrática ou antidemocrática que insufle o espírito de um determinado sistema processual, e no que concerne ao nosso processo penal vigente este informa, neste particular, de nítidas características medievais e ditadoriais.
No processo penal português, em consequência com os princípios informadores do Estado de Direito democrático e no respeito pelo efectivo direito de defesa consagrado no art. 32º, n.º 1 e no art. 210º, n.º 1, da C.R.P., exige-se não só a indicação das provas ou meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal mas, fundamentalmente, a expressão tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentaram a decisão.
Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum), nem os meios de prova (thema probandum), mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.
A fundamentação ou motivação deve ser tal que, intraprocessualmente permita aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via de recurso, conforme impõe inequivocamente o art. 410º, n.º 2.
E extraprocessualmente a fundamentação deve assegurar, pelo conteúdo, um respeito efectivo pelo princípio da legalidade na sentença e a própria independência e imparcialidade dos juízes, uma vez que os destinatários da decisão não são apenas os sujeitos processuais, mas a própria sociedade...”.
E adianta o Ac. S.T.J. de 11/2/92; BMJ, 414º, 389: “É nulo o acórdão – e não a audiência de julgamento – face ao estatuído no n.º 2 dos arts. 374º e 379º n.º 1, al. a), do C.P.P que não contenha um exame crítico sobre as provas que concorreram para a formação da convicção do tribunal”.
Acresce que, nos termos da al. c), do n.º 1, do citado art. 379º, do C. P. P. é nula a sentença: “Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”
No caso concreto o Tribunal fundamentou pormenorizadamente os motivos da sentença recorrida, dela constando os elementos que, em razão das regras da experiência comum, constituem o fundamento racional que conduziu a que a convicção e decisão do tribunal recorrido se formassem no sentido nela apontado, pelos fundamentos expostos, no que respeita, especificamente aos pontos 1 a 24, da matéria de facto e 1 a 19, dos factos não provados, conforme consta da al. c), da “Motivação da matéria de facto” fls. 185 a 192.
Mais, o tribunal “a quo”, tal como já referido no ponto 2.4.1, para o qual remetemos, explicou, pormenorizadamente, o motivo da valoração e convicção das provas, explicitando as razões pelas quais deu credibilidade a umas declarações em detrimento de outras. E fê-lo, de modo conveniente e detalhado, sobre todas as provas e factos importantes e decisivos para o caso em análise. O recorrente adianta pormenores que não alteram a resolução da questão fulcral e global em análise, isto é, o seu comportamento e actuações de fuga, obstrução, desobediência, oposição e violência, ao volante de um veículo, após ser interceptado, em contravenção, por agente devidamente uniformizado e no cumprimento das suas funções, com a finalidade de obstar à sua fiscalização.
Esses factos e questões essenciais e determinantes foram analisadas, não tendo havido, qualquer omissão de pronúncia.
Assim, improcedem as aludidas nulidades.
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2.4.4- A decisão recorrida não padece de nenhum dos vícios expressos no n.º 2, als. a) e b), do art. 410º, do CPP.
Pois que no que respeita:
Ao erro notório na apreciação da prova, previsto no citado artigo 410° n.° 2 al. c) C.P.P. não resultar da análise do testo da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, uma falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se deu com o provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável;
Acresce que, de acordo com um raciocínio lógico, seja de concluir que essa fundamentação justifica uma decisão precisamente oposta ou, segundo o mesmo tipo de raciocínio, se possa concluir que a decisão não fica esclarecida de forma suficiente, dada a colisão entre fundamentos invocados. Pois quem a matéria de facto dada como provada nos pontos permite efectuar o raciocínio seguido no acórdão recorrido;
Relativamente ao vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão, expresso na al. a) do n.º 2 do mesmo art.º, não se detecta no texto da sentença recorrida uma formação incorrecta de um juízo porque a conclusão ultrapassa as premissas A matéria de facto não é insuficiente para fundamentar a solução de direito correcta, legal e justa. O tribunal recorrido na tarefa da descoberta da verdade material, não devia ter ido mais além. A decisão não se formou incorrectamente por insuficiência da premissa menor. Os poderes de cognição do tribunal na procura da verdade material encontram-se limitados pelo objecto do processo definido na acusação ou da pronúncia, de acordo com princípio das garantias de defesa, consignado no art.º 32º, da Constituição. O raciocínio seguido, que salvo melhor opinião, é exacto, leva a concluir que não existe insuficiência de matéria de facto para a decisão de direito, pois todos os factos, relevantes, alegados pela acusação e pela defesa foram tomados em conta. E não se vislumbra que outros factos essenciais não tenham sido considerados;
Portanto, para alguns, este vício, como os demais elencados no referido n.º 2 do art.º 410º, quando insanável pelo tribunal de recurso, resulta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. Decorre daqui que a “decisão” a que se reporta a citada al. a) do referido n.º 2, se refere à decisão justa que devia ter sido proferida, não à decisão recorrida perante diferente matéria de facto.
O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todas as questões suscitadas pelos sujeitos processuais que em nada se prendam com o objecto do processo e que não assumam qualquer relevância para a decisão. O tribunal apenas tem que se pronunciar sobre as questões relevantes para a apreciação do objecto do processo, podendo e devendo, não considerar os que para a sua determinação não têm relevância.
Assim, a verificação de tal vício não abdica da constatação de uma averiguação deficiente dos factos relevantes para a decisão, nos termos do disposto no art.º 340º, do CPP, movendo-se o tribunal num universo factual lacunar, visível a partir do simples exame da decisão recorrida.
No caso “sub Júdice” é fundamental, averiguar se os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito.
Atenta a matéria de facto dada como provada, terá de concluir-se que a mesma é bastante para a decisão proferida na perspectiva da subsunção que foi feita dos factos ao direito, o mesmo será dizer, tendo em conta o crime de resistência e coação a funcionário, por cuja autoria o arguido foi condenado.
Do texto da decisão recorrida, não ressalta qualquer insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, a mesma permite uma decisão de direito, não necessitando de ser completada. Todos os factos alegados, úteis, necessários e não superfulos, alegados quer pela acusação, quer pela defesa foram tomados em conta. E não se vislumbra que outros factos essenciais não tenham sido considerados;
Efectivamente, do texto da decisão recorrida, não ressalta qualquer insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, tornando-se necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada. Todos os factos alegados, úteis, necessários e não superfulos, alegados quer pela acusação, quer pela defesa foram tomados em conta. E não se vislumbra que outros factos essenciais não tenham sido considerados;
Atenta a matéria de facto provada, mostram-se preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do tipo legal do crime em causa, pelo que outra não pode ser a conclusão a não ser a de que a matéria de tacto provada é suficiente para a decisão de direito.
Para os fins do preceito (al. b), do n.º 2) constitui contradição apenas e tão só aquela que, expressamente se postula, se apresente como insanável, irredutível, que não possa ser ultrapassada com recurso à decisão recorrida no seu todo, por si só ou com o auxílio das regras da experiência. Tal vício existe, quando de acordo com um raciocínio lógico, seja de concluir que essa fundamentação justifica uma decisão precisamente oposta ou quando, segundo o mesmo tipo de raciocínio, se possa concluir que a decisão não fica esclarecida de forma suficiente, dada a colisão entre fundamentos invocados.
Portanto não se vislumbra a existência de contradições entre a matéria de facto e a sua fundamentação, ou e, entre esta e a decisão.
Não existe assim na sentença recorrida qualquer destes vícios.

2.4.5 - Violação do princípio “in dubio pro reo”.
Invoca, o recorrente, ainda, que a sentença recorrida violou o princípio do in dubio pro reo, no sentido em que o condenou pela prática de crimes de coação e resistência a funcionário, não valorando as dúvidas quanto à prática do mesmo, a favor do arguido, mas sim, contra este.
A violação do princípio in dubio pro reo é tratada como erro notório na apreciação da prova. Relativamente a este princípio cremos que este apenas se coloca no âmbito da matéria de facto; e apenas se verifica quando do texto da decisão recorrida resulte que o tribunal, na dúvida optou por decidir contra o arguido (ac. do STJ de 28.01.99), sendo certo também que de haver prova divergente não significa que estejamos perante uma dúvida séria e honesta.
O princípio da presunção de inocência (cujo âmbito de aplicação não se limita, portanto, ao caso do arguido em processo penal (…) relaciona-se com o da culpa em termos, apenas, de complementaridade, aumentando-lhe o alcance garantístico: nenhuma pena será aplicada sem que a culpa tenha sido provada, nos termos da lei e para além ou fora de qualquer dúvida. Da presunção de inocência, retiramos, imediatamente, a proibição tanto de fazer recair sobre o arguido o ónus de alegação e prova da sua inocência (na verdade, ele já não tem que a alegar e provar, pelo simples facto de, em consequência da integração da estrutura acusatória pelo princípio da investigação, nos termos do art.º 340, n.º 1, do Código de Processo Penal, inexistir, no processo penal, ónus da prova quer para a defesa quer para a acusação, cfr. Figueiredo Dias, cit. "Ónus de alegar...", págs. 125 e segs.) (…). Como se acentua no Acórdão n.º 168, da Comissão de Constitucional, de 24 de Julho de 1979, de que foi relator Figueiredo Dias, que “.... o princípio da presunção de inocência na sua desimplicação histórica, assume uma pluralidade de sentidos que exigem a sua concretização e o seu detalhamento progressivos perante as diversas situações processuais penais que para ele apelam; mas sentidos, também, que não podem ser arbitrária ou desrazoavelmente multiplicados ou estendidos (…)» (B.M.J. n2 291, pág. 346).
(…) Questão controversa que (…) é a de saber como se relacionam, entre si, o princípio da presunção de inocência e a regra que impõe que, em caso de dúvida insuperável e razoável sobre a valoração da prova, a matéria de facto seja, sempre, decidida no sentido que mais favorece o arguido (que Stübel condensou na fórmula latina in dubio pro reo).
Depois de um excurso minucioso de direito comparado o Supremo Tribunal de Justiça aborda a doutrina nacional nos seguintes termos: “Castanheira Neves entende que são princípios distintos, na medida em que, ao contrário do presunção de inocência, o do in dubio pro reo “se justifica apenas, jurídico-processualmente, i. é, fundamenta-se em termos imediatamente processuais ou sem que tenha fazer-se apelo a princípios metaprocessuais”. Daí considerar, por um lado, que «não é aceitável a afirmação generalizada na doutrina, de que o princípio in dubio pro reo só pode entender-se na base de uma "presunção de inocência, que, como exigência político-jurídica, se impusesse ao processo criminal”, e, por outro, que, sendo o resultado de uma directa intenção política, aquele pode «mesmo subsistir válido ainda numa ordem jurídica totalitária" (…) Para Eduardo Correia, a presunção de inocência é o princípio in dubio pro reo. (…) Helena Bolina afirma que o princípio da presunção de inocência não se esgota nem o seu objectivo é concretizado através do in dúbio pro reo, do qual considera corolários os princípios da investigação e da livre apreciação da prova bem como a celeridade processual e a proibição de estatuições de culpa (ob. cit., págs 443/455). Cristina Líbano Monteiro entende que o princípio da presunção de inocência tem um vasto campo próprio de aplicação que o distingue, ao menos em parte, do in dúbio pro reo (ob. cit., fls. 61); este último, «é condição da legitimidade da intervenção criminal, em termos definitivos, do poder público», garantindo a não intervenção do jus puniendi em casos de duvidosa legitimidade, ou seja, nos “das situações de dúvida na prova dos factos” (ob. cit. pág. 60/65 e 77). (...) Figueiredo Dias começou por afirmar a equivalência dos dois princípios (cits. "Ónus...", pág. 140. nota 1, e "Direito Processual…", pág. 214). Hoje, ensina que o da presunção de inocência assume uma pluralidade de sentidos um dos quais, em matéria de prova, é o de in dubio pro reo”, que “vincula estritamente à exigência de que só sejam aplicadas àquele as medidas que ainda se revelem comunitariamente suportáveis face à possibilidade de estarem a ser aplicadas a um inocente” ("Jornadas de Direito Processual Penal", C.E.J., Almedina, 1989, pg. 27).
É esta última, a concepção que nos parece correcta. Com efeito, se, por força da presunção de inocência, só podem dar-se como provados quaisquer factos ou circunstâncias desfavoráveis ao arguido, quando se tenham, efectivamente, provado, para além de qualquer dúvida, então, é inquestionável que, em caso de dúvida na apreciação da prova, a decisão nunca pode deixar de lhe ser favorável (…). Se é o próprio principio da presunção de inocência que impõe que, em matéria de prova, a duvida se decida a favor do arguido, isto é, que in dubio pro reo, então este não é um principio distinto mas, unicamente, a expressão que aquele mesmo assume nesse domínio.”.
Revertendo para o caso concreto, resulta da sentença, que o tribunal nunca duvidou, face à prova produzida, que o arguido cometeu o crime que lhe era imputado, nos termos constantes do ponto anterior, para o qual remetemos.
Como já afirmado, o que o recorrente alega no fundo é uma diversa interpretação/valoração da prova.
E como já afirmado, a este propósito salienta o Sr. Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, vol. I, Coimbra Editora, Lda., 1981, pág. 202: " Uma coisa é desde logo certa: o princípio não pode de modo algum querer Apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável - e portanto arbitrária - da prova produzida. Se a apreciação da prova é, na verdade discricionária, tem evidentemente esta discricionariedade (...) os seus limites que não podem ser licitamente ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a chamada" verdade material" - de tal sorte que a apreciação há-de se, em concreto, recondutível a critérios objectivos e portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo..."
Como já referido, a convicção do julgado há-de ser sempre uma convicção pessoal, mas há-de ser sempre "uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros ".
O invocado princípio só seria de atender se resultasse da sentença, principalmente da respectiva fundamentação, que o tribunal recorrido, num estado de dúvida insanável sobre a autoria da prática do crimes de coação e resistência sobre funcionário, tivesse optado por entendimento desfavorável ao arguido.
Ora não é isto que ocorre no caso vertente, sendo patente da fundamentação da sentença que o tribunal não teve qualquer dúvida sobre a ocorrência do ponto em causa – coação e resistência sobre funcionário ocorrido em Vila Real de Sto. António - que na óptica do arguido não devia ter sido dado como provado.
Por fim, é óbvio, da simples leitura da fundamentação da decisão recorrida que o tribunal não teve qualquer dúvida acerca dos pontos de factos que deu como assentes, dúvidas que este tribunal de recurso, mesmo sem acesso à imediação e à oralidade, também não vislumbra.
Portanto, não resulta do texto da sentença que o tribunal tenha violado o princípio" in dubio pro reo".
Razão pela qual deverá improceder a tese do arguido, sendo ainda certo que onde não reside a dúvida, não pode funcionar o princípio constitucional “in dubio pro reo”...
Pelos motivos retro expostos, não se vislumbra que tenham sido violadas, entre outras, normas contidas nos arts 32° da C.R.P e 410°, do Código Processo Penal.

2.4.6 - Última questão
Não foi questionada a espécie da pena aplicada.
Parece não ter sido o número de dias de multa fixado, mas, apenas, o montante diário fixado.
Porquanto, o arguido /recorrente adianta que "que a pena fixada foi excessiva para um cidadão que se encontra, de momento, sem rendimentos”
O ora recorrente foi condenado, entre outros, pela prática de factos que integram o tipo legal descrito no artigo 347°, n.º 2 do C.P. que pune tal conduta com pena de prisão até 5 anos ou pena de multa.
O art. 71.º n.º 2 do CP estabelece que, «Na determinação concreta da pena o tribunal atenta a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele…».
A pena abstracta, como já referido, é de prisão até 5 anos.
O tribunal optou pela aplicação da pena de prisão, substituída por pena de multa por considerar, e bem, que esta pena é suficiente para realizar de forma adequada as finalidades da punição - protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade - artigos 40.°, 43º e 70º, todos do CP.
Devendo o Tribunal, na determinação da medida concreta da pena atender à culpa do agente (devendo considerar-se que o arguido agiu com dolo directo), às exigências de prevenção (que, ao nível de prevenção especial se mostram diminutas, no caso em apreço) e a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o arguido, - artigo 70.°, n.º 1 e 2 do CP.
Sobre a última questão, Maia Gonçalves, Código Penal Português, anotado e comentado, 1.ª edição, 2002,p. 190, nota 3: “O Código utiliza o modelo escandinavo dos dias de multa, largamente descrito nos lugares supra mencionados, segundo o qual a fixação desta pena pecuniária se faz através de duas operações sucessivas: na primeira determina-se o número de dias de multa através dos critérios gerais de fixação das penas e na segunda fixa-se o quantitativo de cada dia de multa em função da capacidade económica do agente”.
Quanto ao montante diário da multa “está assim no pensamento legislativo a ideia de da realização, também quanto à pena de multa, ao princípio da igualdade de ónus e de sacrifícios, esfumando-se deste modo o maior inconveniente que se tem apontado a esta pena - o seu peso desigual para os pobres e para os ricos” - idem, ibidem, p. 189, nota 1.
A multa criminal é uma pena, ou seja, «algo que tem uma função específica e que deve ser sentida pelo condenado.
«O montante diário da multa deve fixar-se de modo a constituir um sacrifício real para o condenado, mas assegurando as disponibilidades suficientes para suportar as necessidades próprias e do seu agregado familiar.».
Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 02-10-97, CJ Ac. STJ V, III, 183 e 184. Ac. Relação de Coimbra de 13-07-95, CJ, XX, 5, 48 e 49.
«O montante diário da multa deve dosear-se de modo a representar um sacrifício para o condenado, sob pena de se estar a desacreditar esta pena, os tribunais e a justiça, gerando sentimentos insegurança, inutilidade e impunidade.».
Ac. da Relação de Coimbra de 13-07-95, C.J. XX, 5, 48 e 49.
Ac. da Relação de Évora de 09-03-04, no Recurso Penal 2 565/03.1, em www.dgsi.pt.
«Embora cada dia de multa corresponda a uma quantia entre € l e € 498,80 (actualmente esses valores oscilam entre € 5 e os € 500) que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais (n.º 2 do art.º 47º do CP), não fornece a lei ao juiz quaisquer critérios de determinação da capacidade económica do arguido para os fins pretendidos.
«II. Assim, o montante diário da multa deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado sem, no entanto, deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respectivo agregado familiar.» Ac. da Relação de Évora de 29-03-05, no Recurso Penal 2989/04.1, em www.dgsi.pt.
«Só em condições muito especiais se pode justificar uma taxa diária inferior a 1 000$00, sob pena de se estar a desacreditar, perante o povo, a pena, os tribunais e a própria justiça, gerando um sentimento de insegurança de inutilidade e de impunidade.» Ac. da Relação de Coimbra de 03-10-96, BMJ, 460, 822. Dando concretização aos mencionados vectores, o n0 2 do art. 710 do C. Penal enumera, exemplificativamente, uma série de circunstâncias atendíveis para a graduação da pena, que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente - cfr. Ac. do S.T.J. de 3 1.10.96, in B.M.J. 460/444.
No caso concreto, tal como se refere no parecer do MºPº, “a prova produzida não foi possível apurar quais os rendimentos do arguido, pelo que se nos afigura excessiva a fixação do montante diário da multa em 19 euros. Assim, cremos que se justificaria tal fixação pelo seu mínimo legal de 5 euros, como se defende na resposta à motivação apresentada pelo Mº Pº, junto da 1ª instância”.
Portanto, tendo em consideração que se optou por uma pena não detentiva da liberdade, será dentro desta moldura penal que se terá que analisar a fixação da pena concreta, que atendendo aos elementos supra se fixa, em concreto, em:
Seis meses de prisão substituídos por 180 (cento e oitenta) dias de multa, conforme fixado na sentença recorrida.
Tendo-se optado pela aplicação da pena de multa atrás enunciada, atendendo ao disposto no n.º 2 do art. 47.º do CP, fixar-se-á o quantitativo diário da mesma, entre os € 5 e os € 500, em função da situação económica e financeira dos arguidos.
Tudo ponderado, tendo em conta as circunstâncias do caso, mormente os critérios dos artigos 71º e 47º do Código Penal, somos do entendimento que não há elementos suficientes (Efectivamente, com rigor, não existem factos provados que fundamentem a conclusão do Tribunal a quo que por o recorrente ser empresário da noite, na zona do Algarve, aufira um rendimento mensal de € 2.000,00, dada a crise financeira do pais e a época do ano em causa) para justificar o quantitativo diário da pena de multa aplicada. Assim, altera-se a taxa diária de € 19, para € 5.


III - Decisão
Em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal em declarar parcialmente procedente o recurso interposto, condenando o arguido/recorrente, como autor material, de um crime de resistência e coação sobre funcionário, previsto e punido pelo artigo 347.º, n.º 2 do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão, substituída por 180 dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros),
mantendo, no mais, a sentença recorrida, nomeadamente, a sua condenação na coima imposta pela prática da correspectiva contra-ordenação.
Sem Custas, dada a procedência parcial do recurso.
(Processado por computador e integralmente revisto pela relatora que rubrica as restantes folhas).
Évora, 22/01/2013
Maria Isabel Duarte
José Maria Martins Simão