Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
828/15.7T8STR.E1
Relator: ELISABETE VALENTE
Descritores: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
EQUIDADE
PRIVAÇÃO DE USO DE IMÓVEL
Data do Acordão: 11/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I - Para evitar o enriquecimento sem causa, importa repor o equilíbrio económico das partes e, na impossibilidade de recurso a cálculos estritamente matemáticos, deve fazer-se uso da equidade.
II - Tendo em conta que a despesa correspondente ao valor pago por um empréstimo para construção “gerou” a valorização do imóvel, correspondente às benfeitorias, ambas as partes devem suportar e receber metade (do encargo e das benfeitorias) para que não haja enriquecimento de qualquer delas.
III - Antes de efectuadas as partilhas, não se pode dizer que qualquer dos cônjuges ocupe ilicitamente o imóvel - ainda que se venha a considerar bem próprio do outro – e, por isso, afigura-se que não há lugar a uma indemnização por facto ilícito (sem prejuízo de poder apurar-se um dever de compensação quanto ao uso do imóvel em sede de partilhas, com a relacionação do valor correspondente, de modo a permitir aquela compensação).
Decisão Texto Integral:
Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

1 – Relatório.

AA (A), intentou acção declarativa comum contra BB, e CC (RR), pedindo que seja reconhecido o direito de propriedade da A sobre um imóvel, assim como a condenação dos RR a restituírem o imóvel à A e a indemnizá-la no valor vencido de € 13 050,00, acrescido do valor vincendo até restituição.
Alega, em síntese, que é proprietária do prédio misto sito na Rua ..., em Mação, o qual adquiriu por sucessão e foi casada com o R, de quem se divorciou em 18 de fevereiro de 2011 e a R é mãe do R.
Desde 2008 que a R começou a habitar em permanência o imóvel propriedade da A, sem que esta lhe tenha dado autorização para o fazer e o R, também sem sua autorização, frui do imóvel desta, como casa de férias e fim de semana, sendo que desde que está reformado, há um ano e meio, que alterna, habitando a referida casa de Mação e a casa que era casa de morada do casal até à separação do mesmo, em Caneças, apesar de já ter exigido que ambos desocupassem a casa.
O R, na qualidade de cabeça de casal, fez constar o referido imóvel da relação de bens no processo de inventário e partilhas após divórcio n.º 6770/10.0TCLRS.
Por estar privada do uso do imóvel, deve ser indemnizada por essa privação no valor mensal de € 150,00, desde Janeiro de 2008 altura em que alega que se iniciou a ocupação ilegal.
O R contestou e deduziu reconvenção, impugnando os factos alegados pela A e alegando que os artigos matriciais urbanos (12..., 22... e 25...) que integravam o prédio misto de que a A se arroga proprietária, constituíam casas de construção antiga e uma arrecadação, inabitáveis, que foram demolidos e no seu lugar construídos dois novos prédios urbanos, construção essa efectuada pelo R e pela A enquanto casados sob o regime da comunhão de adquiridos e na constância do casamento.
Mais alegou que todos os pagamentos que foram necessários à construção da referida moradia foram efetuados com dinheiro que era pertença da A e do R enquanto casados e que os prédios inscritos atualmente na matriz predial urbana sob os artigos 51... e 25... constituem bens comuns do casal.
Aduziu também que, para a construção da moradia, celebraram com a Caixa Geral de Depósitos um contrato de empréstimo, no valor de € 50 000,00, que pagaram ambos com o produto dos seus vencimentos.
Conclui pela improcedência da ação e pela procedência da reconvenção, condenando-se a A a reconhecer:
a) Que os prédios urbanos inscritos na matriz sob os artigos 51... e 37..., ambos da União das Freguesias de Mação, Penhascoso e Aboboreira são bens comuns da A e do R, dado que, apesar de edificados num prédio propriedade da A, o R, por via da acessão imobiliária, adquiriu o direito de propriedade dos referidos prédios por terem sido construídos com capitais próprios de A e do R e com recurso a empréstimo bancário contraído por ambos os ex-cônjuges na constância do casamento;
b) Em alternativa, para o caso de não proceder o pedido formulado em a) ser a A condenada a reconhecer que o R tem direito a metade das benfeitorias incorporadas nos referidos imóveis e, ainda nesse caso, a pagar ao R a quantia de € 16.320,37, correspondente a metade do valor do empréstimo que o R pagou sozinho no período após a separação de A e R;
c)A pagar ao R a quantia de € 32.640,74 em caso de procedência da acção, referente ao valor das prestações que o R pagou sozinho após a separação do ex-casal, bem como em metade do valor pago pelo ex-casal desde o início do empréstimo até 01.09.2005, a título de enriquecimento sem causa.
A A replicou e arguiu a exceção de litispendência entre o pedido reconvencional e o processo de inventário que visa partilhar o património comum da A e do R, impugnando, ainda, os factos alegados pelos RR na reconvenção, alegando, no essencial, que o pagamento das prestações do empréstimo contraído por A e R para construção da moradia foram pagos pelo seu pai, entre 1999 e a data do seu falecimento, em maio de 2005, concluindo pela improcedência da reconvenção.
No despacho saneador foi julgada improcedente a exceção de litispendência.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento.
Veio a ser proferida sentença, que julgou a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência:
1 - Declarou a autora AA proprietária do prédio misto, sito em …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mação sob o n.º 13..., inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Mação, Penhascoso e Aboboreira sob o artigo ... da secção AX, e inscrito na matriz predial urbana sob os artigos 37... e 51... da freguesia de Mação, Penhascoso e Aboboreira.
2 - Condenou os réus BB e CC a restituir à autora AA, o prédio identificado em a).
3 - Absolveu os réus BB e CC dos demais pedidos formulados pela autora AA.
4 – Julgou a reconvenção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e em consequência:
(i) Condenou a autora a reconhecer um direito de crédito do réu CC relativo a benfeitorias realizadas no prédio identificado em a) do ponto 6.1. no valor de € 25 688,09 (vinte e cinco mil seiscentos e oitenta e oito euros e nove cêntimos).
(ii) Condenou a autora a pagar ao réu CC a quantia referida em a).
(iii) Condenou a autora a pagar ao réu CC a quantia de € 16 320,37 (dezasseis mil trezentos e vinte euros e trinta e sete cêntimos), correspondente à metade do valor por este pago, após a separação do casal, a título de prestações do empréstimo por ambos contraído.
Inconformada com a sentença, pela A foi interposto recurso contra a mesma, apresentando as seguintes as conclusões do recurso (transcrição):
“1. Quanto à absolvição dos R.R. do pedido de indemnização feita pela A. proprietária, contra estes, devido ao uso e ocupação ilícita do imóvel pelos R.R.
a) Ao contrário do que referido na douta sentença a A. na PI invocou factos reveladores da ocupação ilícita nos Artigos 11º, 12º, 13º, 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º,23º, 24º, 25º, 26º, e 27º da P.I.
b) E juntou prova documental quanto aos factos que alegou, docs.9,10,11,12,13 e 14 juntos à PI.
c) A matéria de facto assente da Douta sentença, nos factos 43, 44, 45,46 e 48, dá como provados os factos contidos no Artigos 17º, 18, 19, 25 e 26 da PI, considerando os docs. 9 a 14 juntos à PI., e as declarações da Testemunha Victor....
d) Os documentos 9 a 14 da PI. foram considerados para prova dos factos 44 a 46 dos assentes por não terem sido impugnados nem no seu conteúdo nem na sua autoria.
e) A matéria assente é suficiente para comprovar que os RR. faziam uso do imóvel dos autos contra a vontade e sem autorização da A. que diligenciou para por termo ao uso abusivo.
f) Já quanto aos factos não provados 2,3,4,5,7,8,9 e 14, foi produzida prova documental e testemunhal que impunha que estes factos devessem ser considerados assentes.
g) Com efeito os documentos 9 a 14 da PI que a Sentença considerou válidos para demonstrar factos assentes, conforme já se referiu, também deviam ter sido considerados os referidos factos não assentes.
h) Os RR. na Contestação, nos Arts 86º a 91º impugnam os Arts 20,21,22,23,24, 25, 26 e 27 da PI, apenas e só quanto à parte em que esses artigos referem a propriedade exclusiva do imóvel dos autos, mas não impugnam a veracidade do restante teor de cada um desses artigos, constituindo confissão dos RR.
i) Facto não provado 2 deve ser considerado provado: declarações dos RR, contidas no doc. 11 da PI, e documento 14 fls 13.
j) Facto não provado 3 deve ser considerado facto assente face à confissão no Art. 79 da contestação na parte em que refere a morada da R. em Mação no Nº …, mesma rua onde se situa o imóvel dos autos.
k) Facto não provado 4 deve ser considerado assente quanto à falta de autorização da A., conforme factos assentes 44,46 e docs. 9 a 14 da PI.
l) Facto não provado 5, deve ser considerado assente face aos factos provados 44, 45 e 46.
m) Factos provados 7,8, e 9, devem ser considerados assentes face aos docs. 12 a 14 da PI e confissão dos RR no Art. 86 da contestação.
n) Facto não provado 11, deve ser considerado assente pela confissão dos RR nos Arts. 87 e 88 da contestação.
o) Facto não provado 14 deve ser considerado assente, face ao facto provado 48 e declarações do R.R CC e BB contidas no doc. 11 junto à P.I., e doc. 14 da PI.
p) Considera ainda a A. que o facto vertido no Art. 27 da PI, omisso no julgamento da matéria de facto, devia ter sido incluindo nos factos assentes, face à admissão por acordo pelos RR. no Art. 90 da contestação e face à certidão emitida pelo tribunal de Loures junta ao processo após a réplica.
2. Quanto à condenação da A. a pagar ao R. o Valor de 25 688,09 quanto a indemnização por benfeitorias:
a) Não deve este pedido ser considerado procedente, não se devendo considerar provado o valor das obras.
b) A Sentença do Tribunal A Quo considerou provado o valor, tal como referido na motivação, pela prova testemunhal prestada por quem prestou os serviços de construção civil.
c) Volvidos quase 20 anos sobre a realização das obras não é aceitável que a recordação as testemunhas possa ser considerada prova suficiente.
d) Faltou a produção de prova documental pelo R. a única adequada à prova do valor das obras.
3. Quanto à condenação da A. a pagar ao R. o valor de 16 320,37, correspondente a metade do valor pago pelo R., após a separação do casal pelo empréstimo contraído pelo casal para obras do imóvel dos autos.
a) Este pedido não pode proceder por ser incompatível com o pedido da indemnização por benfeitorias.
b) A Douta Sentença violou o Art. 555º nº 1 do CPC, que não permite a cumulação de pedidos que não sejam compatíveis.
c) Tendo o Tribunal a quo decidido conhecer o 2º pedido dos RR, nunca poderia conhecer da totalidade desse pedido, por ser composto de 2 pedidos incompatíveis entre si,
d) Tendo sido a A. condenada a pagar metade das obras, ao R, não pode também ser condenada a pagar nem em parte, o empréstimo que serviu para pagar essa obras, sob pena de estar a pagar em duplicado a mesma realidade.
Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre Mui Douto suprimento de V. Exas., deve a decisão do tribunal de 1ª Instancia ser alterada, conduzindo a condenação dos R.R. no pagamento à A., do valor de indemnização Peticionado pelo uso /habitação dos RR., não autorizada e contra a vontade da A., do imóvel dos autos, e quanto aos pedidos de indemnização por benfeitorias e pedido de pagamento de parte do empréstimo para obras, em que foi condenada a A, serem os mesmos considerados improcedentes e não provados, sendo a A. absolvida dos mesmos.”
O R também recorreu, com as seguintes as conclusões do recurso (transcrição):
“1º) – Na alínea c) do pedido reconvencional o recorrente peticionou que em caso de procedência da ação a A. fosse condenada a pagar ao R. a quantia de 32.640,74€ (trinta e dois mil seiscentos e quarenta euros e setenta e quatro cêntimos), referente ao valor das prestações que o R. pagou sozinho após a separação do ex-casal, bem como metade do valor pago pelo ex-casal desde o início do empréstimo até 1/9/2005 a título de enriquecimento sem causa;
2º) – Consta da matéria assente, nomeadamente nos pontos 19º, 20º, 21º e 22º que: -Ponto 19: “O empréstimo foi efetuado pelo prazo de 12 anos, a contar de 18.05.1999”;
-Ponto 20: E o pagamento das prestações seria efetuado por débito na conta de depósitos à ordem acima referida em 16, o que se verificou no período compreendido entre 18/05/1999 e 18/05/2011, altura em que o mesmo terminou;
-Ponto 21: Até 01.09.2005, sempre foram depositados os vencimentos da autora e do réu na conta identificada em 16), mas a partir daquela data a autora deixou de ali depositar o seu vencimento, pois nessa altura esta e o réu separaram-se de facto;
- Ponto 22: A partir de 1.9.2005 foi o réu CC que procedeu ao pagamento das prestações do empréstimo, tendo pago entre 1.9.2005 e 18/05/2011, a quantia de €32.640,74.
3º) – O Tribunal declarou na alínea a) do dispositivo a recorrida como proprietária do prédio misto inscrito na matriz sob os artigos ... da secção AX e 37... e 51... da freguesia de Mação, Penhascoso e Aboboreira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mação sob o n.º 13..., não considerando o aludido prédio bem comum do casal pelo que esta tem que reembolsar o recorrente no montante de 32.640,74€ (trinta e dois mil seiscentos e quarenta euros e setenta e quatro cêntimos) que corresponde à totalidade do que este pagou após a separação de facto até ao pagamento integral do empréstimo.
4º) – O Tribunal a quo ao condenar a recorrida a pagar ao recorrente apenas a quantia de 16.320,37€ correspondente a metade do valor por este pago após a separação do casal, agiu em desrespeito claro pelo regime do enriquecimento sem causa, mostrando-se assim violado o preceituado no artigo 473º do Código Civil.
5º) - Mostra-se ainda violado o preceituado no artigo 615º alínea d) do Código Processo Civil, uma vez que a decisão proferida pelo Tribunal recorrido não se pronunciou acerca desta questão, a qual foi devidamente alegada no pedido reconvencional, o que é causa de nulidade da sentença e que se invoca.
6º) – Impõe-se assim a revogação da douta sentença e a sua substituição por outra que (além da condenação a título de benfeitorias) condene a recorrida a pagar ao recorrente a quantia global de 41.260,26€ (quarenta e um mil duzentos e sessenta euros e vinte e seis cêntimos), correspondente ao valor do empréstimo pago apenas pelo recorrente após a separação (32.640,74€) e a metade do valor pago por ambos da conta conjunta, na constância do matrimónio até à separação do casal (8.619,52€ (oito mil seiscentos e dezanove euros e cinquenta e dois cêntimos)).
O R juntou contra-alegações, alegando, em síntese, que as conclusões do recurso da A são algo ininteligíveis, pois parece querer insurgir-se contra a matéria de facto assente, mas não cumpre o ónus de impugnação da mesma previsto no artigo 640.º, n.º 1 e 2 do CPC e conclui como antes.
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto recursório, cumpre apreciar e decidir.
Foram considerados provados na 1.ª instância os seguintes factos:
1. Por escritura pública outorgada em 25 de novembro de 1992, no Cartório Notarial de Mação, F… e mulher, D…, como compradores, declararam vender a J..., casado com M..., que declarou comprar, o prédio misto, sito em …, freguesia e concelho de Mação, composto de cultura arvense e olival, casa de rés-do-chão para habitação, casa térrea para palheiro e casa de rés-do-chão para habitação, com a área total de 1880 m2, com a inclusão de 600 m2 referentes às partes urbanas, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mação sob o n.º ..., inscrito na respetiva matriz cadastral sob o n.º 2..., da secção AX, e na matriz predial urbana sob os artigos 12..., 22... e 25....
2. O artigo 22... foi inscrito no ano de 1947, o artigo 25... no ano de 1955 e o artigo 12... no ano de 1937, cujos prédios correspondentes eram de construção antiga.
3. Pela Ap. 03/210193, foi registada a favor de J..., casado com M... o prédio identificado em 1.
4. No dia 10 de dezembro de 1979, autora e réu contraíram um com o outro casamento sob o regime da comunhão de adquiridos, o qual foi dissolvido por divórcio em 18 de fevereiro de 2011.
5. A ré BB é mãe do réu CC.
6. No dia 01 de fevereiro de 1998 faleceu a mãe da autora tendo sido habilitados os seus herdeiros, a ora autora e seu pai, J....
7. No dia 14 de maio de 2005 faleceu o pai da autora tendo sido habilitada a autora como sua única herdeira.
8. Em 1998 autora e réu decidiram fazer obras nos prédios urbanos do imóvel identificado em 1 e como resultado dessas obras foi construída uma moradia, composta de dois pisos, rés-do-chão e primeiro andar, para habitação, com logradouro anexo, tendo o rés-do-chão uma cozinha, uma casa de banho e uma garagem, e o primeiro andar quatro divisões assoalhadas e uma casa de banho.
9. E na outra casa de habitação, correspondente ao antigo artigo urbano 25..., que atualmente que corresponde ao artigo urbano 37..., também foram ajustadas obras pelo réu com o empreiteiro L..., em 09.01.1999, que consistiram no seguinte:
Reparação duma casa velha
1º Abrir 10 sapatas para os pilares que irão até ao telhado.
2º Levara-a uma viga a toda a volta da casa interior como na primeira placa na segunda e no telhado.
3º Fazer todo ferro necessário para esta estrutura.
4º As placas serão de viga preformado e tijoleira levará uma malha de ferro 6mm.
5º Fazer um bocado da empena com tijolo de 20cm.
6º Levará uma cimalha no 3 lado de 30cm.
7º Na cave levará um cabouco a todo comprimento para fazer uma parede a blocos 15 cm para suportar todas terras.
8º Dividir o resto da forma que que manda o projecto da casa nova.
9º A cobertura do telhado será de viga e ripa, e a telha é igual a da casa nova.
10º O telhado e cimalha ficarão rematados.
Mão de obra e material, sem limpeza da obra.
TOTAL: 3.100.000$00”.
10. A construção referida em 9 não chegou a ser terminada, sendo que foram feitas novas divisões, mas a mesma não tem portas nem janelas.
11. As duas construções são contíguas e têm comunicação por uma porta que se mantém fechada.
12. A parte urbana do prédio identificado em 1 foi sujeita a atualizações na matriz, dando origem aos prédios atualmente inscritos na matriz urbana sob os artigos 37... e 51....
13. O atual artigo 37... tem como ano de inscrição na matriz urbana a data de 1955.
14. O atual artigo 51... tem como ano de inscrição na matriz urbana a data de 2002.
15. Para fazer face às despesas com a construção da moradia referida em 8 e da casa de habitação referida em 9, no dia 18 de Maio de 1999, na sede da Caixa Geral de Depósitos em Lisboa, a autora e o réu CC contraíram junto daquela Instituição Bancária um empréstimo no montante de 10 000 000$00 (dez milhões de escudos), e nesse contrato foram partes a Caixa geral de Depósitos, como mutuante e hipotecante, a autora e o réu como mutuários, e o pai da autora e a autora na qualidade de proprietários hipotecários que aceitaram constituir hipoteca sobre o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Mação sob o n.º 13....
16. Na data da outorga da referida escritura foi entregue à autora e ao réu CC a quantia de 6.461.000$00 (seis milhões quatrocentos e sessenta e um mil escudos) a qual foi creditada na conta com o n.º 021000581500, que se encontrava em nome da autora e do réu, única que o casal possuía.
17. Ficou retida a quantia de 3.539.000$00 até que a autora e ao réu fizessem prova do averbamento da construção no registo.
18. Nos termos do contrato, o referido empréstimo destinava-se “à construção do imóvel hipotecado para habitação secundária da parte devedora”, ora autora e ao réu.
19. O empréstimo foi efectuado pelo prazo de 12 anos a contar de 18.05.1999.
20. E o pagamento das prestações seria efectuado por débito na conta de depósitos à ordem acima referida em 16, o que se verificou no período compreendido entre 18.05.1999 e 18.05.2011, altura em que o mesmo terminou.
21. Até 01.09.2005 sempre foram depositados os vencimentos da autora e do réu na conta identificada em 16, mas a partir daquela data a autora deixou de ali depositar o seu vencimento, pois nessa altura esta e o réu separaram-se de facto.
22. A partir de 01.09.2005 foi o réu CC que procedeu ao pagamento das prestações do empréstimo, tendo pago entre 01.09.2005 e 18.05.2011 a quantia de € 32 640,74.
23. A moradia referida em 8 foi construída com base num projecto entregue na Câmara Municipal de Mação, em nome do réu CC o qual foi aprovado por deliberação da Câmara Municipal de Mação datada de 28.10.1998.
24. Em relação ao citado projecto foi emitida pela Câmara Municipal de Mação em 23.11.98 o alvará de licença de construção da moradia com o n.º 79- A/98 válida até 23.11.99, sendo empreiteiro da referida obra L....
25. Posteriormente, em 28.12.1999 foi para o prédio em causa emitido pela Câmara Municipal de Mação em nome do réu CC o alvará de licença de construção com o n.º 320/99 tendo como objectivo a prorrogação do prazo do alvará de licença de obras 79-A/98 de 23/11/98 cujo prazo tinha terminado em 23.11.99.
26. A citada prorrogação foi efectuada até 24.05.2000 sendo empreiteiro da referida obra L....
27. Foi o réu CC que em 21.11.98 ajustou com o empreiteiro L... a edificação da referida moradia, pelo preço de 6.500.000$00 (seis milhões e quinhentos mil escudos) para que este efetuasse toda parte da estrutura em tosco da moradia.
28. Preço este que além da construção da moradia incluía ainda outros trabalhos tais como movimentação de terras e entulhos, fazer muralha e construir o resto da empena da casa velha.
29. Foi o réu CC quem acordou com o empreiteiro a forma de pagamento do preço ajustado para os referidos trabalhos.
30. Foi o réu CC quem adjudicou os trabalhos de eletricidade a L... pelo preço aproximado de 500.000$00 (€ 2 500,00).
31. Foi ainda o réu CC quem ajustou com o M…, todos os trabalhos e materiais de canalização para a referida moradia pelo preço de cerca de 600.000$00 (€ 3 000,00).
32. Foi ainda o réu que ajustou e acertou o preço para a aplicação na moradia de todas as portas interiores, aduelas, móveis de cozinha, com J…, pelo preço aproximado de 500.000$00 (€ 2 500,00).
33. Foi o réu CC quem procedeu ao pagamento ao empreiteiro L… do preço acordado para os referidos trabalhos.
34. Foi o réu CC que emitiu os respectivos cheques para pagamento aos restantes trabalhadores que contratou para efectuar serviço de colocação de toda a parte em madeira, canalização e eletricidade, cheques estes que pertenciam a uma conta conjunta de depósitos à ordem da Caixa Geral de Depósitos, balcão de Odivelas, existente em nome do réu CC e da autora com o n.º 05….
35. Todos os pagamentos que foram necessários à construção da referida moradia foram efetuados com dinheiro que se encontrava depositado na conta referida.
36. Era na referida conta que eram depositados os vencimentos quer da autora, quer do réu CC.
37. Na construção dessa moradia foi gasta a quantia de cerca de 7.100.000$00.
38. Na construção da casa de habitação referida em 9 foi gasta a quantia de 3.100.000$00.
39. Pela Ap. 3, de 1998/09/18, foi inscrita a aquisição sem determinação de parte ou direito a favor de J... e da autora AA do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Mação sob o n.º 13..., por dissolução da comunhão conjugal e sucessão hereditária, sendo sujeito passivo M....
40. Pela Ap. 1858, de 2010/09/08, foi inscrita a aquisição a favor da autora AA do prédio misto, sito em , descrito na Conservatória do Registo Predial de Mação sob o n.º 13..., inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Mação, Penhascoso e Aboboreira sob o artigo ... da secção AX, e inscrito na matriz predial urbana sob os artigos 37... e 51... da freguesia de Mação, Penhascoso e Aboboreira, por sucessão hereditária, sendo sujeito passivo J....
41. Os pais da autora eram titulares da conta n.º 05…, da Caixa Geral de Depósitos.
42. Entre 10 de fevereiro de 1998 e 11 de abril de 2005 foram efetuadas transferências bancárias da conta n.º 05…, da Caixa Geral de Depósitos, titulada pelos pais da autora, para a conta n.º 05…, da Caixa Geral de Depósitos, balcão de Odivelas, titulada pelo réu CC e pela autora, no valor total de € 41 914,69.
43. A ré BB e o réu CC habitam/ocupam a moradia identificada em 8 quando este se encontra na localidade de … .
44. A autora, por intermédio de Advogado, endereçou ao réu CC a carta de fls. 29 dos autos cujo teor dou por reproduzido.
45. O réu CC endereçou ao Advogado da autora a carta de fls. 30 dos autos cujo teor dou por reproduzido.
46. A autora apresentou contra os réus queixa – crime tendo o respetivo inquérito sido arquivado por prescrição do direito de queixa.
47. O valor de transação do prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de Mação sob o n.º 13..., com a atual composição, é de e 125 000,00 (cento e vinte e cinco mil euros).
48. Em 2014, um vendedor da R…, contactou por telefone o réu CC, explicando que estava mandatado pela proprietária do imóvel para promover a sua venda, mas o mesmo respondeu que não autorizava o acesso ao mesmo.
Foram considerados factos não provados:
1. A autora e o réu separaram-se de facto em 1995.
2. Desde 2008 que a ré BB habita com permanência o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Mação sob o n.º 13..., com a composição referida em 8.
3. A ré é proprietária de casa própria que dista da moradia identificada em 8 cerca de 50 metros, que corresponde ao n.º … da Rua da …, onde residia até que ocupou a referida moradia.
4. O réu CC frui sem autorização o imóvel como casa de férias e fim de semana, sendo que, desde que está reformado, desde há ano e meio, que alterna, habitando a referida casa de Mação e a casa que era a casa de morada do casal até à separação do mesmo, em Caneças.
5. A autora nunca concordou com a situação comunicando a sua discordância aos réus.
6. A autora diligenciou junto dos réus, várias vezes por contato pessoal, exigindo que desocupassem a casa.
7. Tentou a ainda a autora junto das entidades fornecedoras dos serviços de água e eletricidade, solicitar o corte desses serviços, por a casa estar a ser habitada por terceiros, sem autorização da proprietária, e sem legitimidade para outorgarem os contratos de fornecimento de água e eletricidade.
8. Quanto ao fornecimento da eletricidade a autora ainda não conseguiu o seu objectivo, devido à acção do réu junto ao fornecedor.
9. E quanto ao fornecimento de água, a Câmara Municipal de Mação, cancelou o contrato que tinha com o réu CC, e retirou o contador relativo a esse contrato, mas a casa da ré, continua a ter água canalizada, por ação dos réus que fizeram uma puxada ilegal da água de um anexo propriedade da ré contíguo à casa da autora.
10. Há sensivelmente 3 anos, contatou a autora agência imobiliária R… do Entroncamento, tendo enviado ao vendedor toda a documentação da casa, com o intuito de a por à venda.
11. Quando o referido vendedor da R... se deslocou à casa, que pretendia conhecer para promover a sua venda, foi impedido de entrar pela ré BB, mesmo após aquele explicar que estava autorizado pela proprietária.
12. O valor de mercado do prédio identificado em 9 é de € 9 000,00.
13. As prestações do empréstimo identificado em 15 dos factos provados foram pagas pelo pai da autora até ao momento do seu falecimento, em 14.05.2005.
14. Os réus têm impedido a autora de fruir e exercer os seus direitos relativamente ao imóvel identificado em 8 dos factos provados.


2 – Objecto dos recursos.

Questões a decidir tendo em conta o objecto dos recursos delimitado pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações, nos termos do artigo 684.º, n.º 3 do CPC, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso:
1.ª Questão - Da nulidade da sentença, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC - Saber se a sentença é nula por omissão de pronúncia (recurso do R).
2.ª Questão - Saber se os factos não provados 2, 3, 4, 5, 7, 8, 9 e 14, devem ser considerados assentes (recurso da A).
3.ª Questão – Saber qual o valor que a A deve pagar ao R corresponde aos pagamentos que este fez do empréstimo (recurso do R)
4.ª Questão – Saber se se verificam os requisitos para que os o R receba indemnização por benfeitorias no valor em causa (recurso da A).
5.ª Questão - Saber se é pedido de pagamento de parte do empréstimo para obras (recurso da A).
6.ª Questão - Saber se se verificam os requisitos para que os RR indemnizem a A pelo uso /habitação dos RR não autorizada e contra a vontade da A do imóvel dos autos (recurso da A).

3 - Análise dos recursos.

1.ª Questão - Da nulidade da sentença, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC - Saber se a sentença é nula por omissão de pronúncia (Recurso do R).
O recorrente defende que a sentença é nula por omissão de pronúncia, por não se ter pronunciado sobre a alínea c) do pedido reconvencional pois, como não considerou o bem como bem comum do casal, deveria ter condenado a A a pagar ao R a totalidade do que este pagou pelo empréstimo após a separação de facto e não apenas metade desse valor como fez.
Ora, na realidade o recorrente não está a alegar uma omissão de pronúncia mas a discordar da própria solução de mérito.
Com efeito, nos termos do art.º 615º, n.º 1, alínea d), I parte, do CPC e no que ora nos interessa, “é nula a sentença quando”:
- omissão de pronúncia (alínea d), I parte) - “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.”
Há, porém, que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes (para sustentar a solução que defendem a propósito de cada questão a resolver) e o que está aqui em causa é um argumento lógico (razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista) para a decisão ser outra e não a omissão do tratamento da questão ou assunto juridicamente relevante.
Ora, na sentença recorrida, o tribunal a quo apreciou todas as questões colocadas, embora o recorrente não concorde com o sentido da decisão, mas isso traduz um problema de mérito e não qualquer nulidade.
Improcede o recurso nesta parte.

2.ª Questão – Saber se os factos não provados 2, 3, 4, 5, 7, 8, 9 e 14, devem ser considerados assentes (recurso da A).
É a seguinte a fundamentação da sentença a tal propósito:
“No que tange à restante factualidade não provada e acima não referenciada especificamente, não se fez qualquer prova, seja por declarações de parte, confissão, documental ou testemunhal, razão pela qual o tribunal emitiu um juízo probatório negativo.
Ou seja, em sede de factualidade “não provada” os meios de prova foram insuscetíveis de criar a devida convicção judiciária. É que a prova nunca é a realidade naturalística das coisas, apenas aquela realidade probabilística, além da dúvida razoável, suficiente para as necessidades práticas da vida.
Por isso, quando houve, quanto à realidade de alguns factos, dúvida relevante, houve que fazer recurso ao critério estabelecido no artigo 414.º do Código de Processo Civil.”
Defende a A que tais factos devem ser considerados provados.
Vejamos:
- Facto não provado 2: ”Desde 2008 que a ré BB habita com permanência o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Mação sob o n.º 13..., com a composição referida em 8.”
- Facto não provado 3: ”A ré é proprietária de casa própria que dista da moradia identificada em 8 cerca de 50 metros, que corresponde ao n.º … da Rua da …, onde residia até que ocupou a referida moradia.”
- Facto não provado 4: “O réu CC frui sem autorização o imóvel como casa de férias e fim de semana, sendo que, desde que está reformado, desde há ano e meio, que alterna, habitando a referida casa de Mação e a casa que era a casa de morada do casal até à separação do mesmo, em Caneças.”
Argumenta a recorrente que tais factos devem ser considerados factos assentes, pois a prova resulta das declarações dos RR CC e BB, contidas no doc. 11 junto com a petição inicial e do documento de fls. 13, do documento 14 junto à petição inicial, dirigido à EDP, subscrito pela advogada do R (Sr.ª Dr.ª E..., mandatária de CC nos autos de processo de inventário, conforme certidão judicial junta aos autos após réplica).
Alega ainda que o facto 3 deve ser considerado parcialmente facto assente, face ao art.º 79.º da contestação, que confirma a morada da casa da R em Mação no n.º ... da Rua da …, a mesma rua onde se situa o imóvel dos autos.
É que, quanto ao facto 4, a falta de autorização A resulta do facto provado 44, 46, e documentos 9 a 14 juntos com a petição inicial.
Cumpre decidir:
A prova que a A invoca é manifestamente insuficiente para a demonstração dos factos em causa. Invoca os documentos 11, 13 e 14 juntos com a petição inicial relativamente aos quais, depois de analisados, não se vislumbra por que razão são demonstrativos de tais factos, nem a recorrente explica porquê.
O local onde residia a R antes da alegada ocupação é totalmente irrelevante para a decisão.
O mencionado documento 11 é cópia de um despacho de arquivamento num inquérito, que, obviamente, nada demonstra.
Os referidos documentos 13 e 14 são cópias de correspondência, que, por si sós, também nada demonstram.
Quanto ao facto não provado 5:A autora nunca concordou com a situação comunicando a sua discordância aos réus.” (diz a recorrente que deve ser considerado facto assente, face aos factos provados 44, 45, 46) é claro que a A discorda da alegada ocupação, por isso existe esta acção, mas o facto em causa é demasiado abrangente – nunca…” e, nessa medida, nada o censurar ao juízo de não prova.
Quanto aos factos não provados 7, 8, 9, 11 “7. Tentou a ainda a autora junto das entidades fornecedoras dos serviços de água e eletricidade, solicitar o corte desses serviços, por a casa estar a ser habitada por terceiros, sem autorização da proprietária, e sem legitimidade para outorgarem os contratos de fornecimento de água e eletricidade. 8. Quanto ao fornecimento da eletricidade a autora ainda não conseguiu o seu objectivo, devido à acção do réu junto ao fornecedor. 9. E quanto ao fornecimento de água, a Câmara Municipal de Mação, cancelou o contrato que tinha com o réu CC, e retirou o contador relativo a esse contrato, mas a casa da ré, continua a ter água canalizada, por ação dos réus que fizeram uma puxada ilegal da água de um anexo propriedade da ré contíguo à casa da autora.11.Quando o referido vendedor da R... se deslocou à casa, que pretendia conhecer para promover a sua venda, foi impedido de entrar pela ré BB, mesmo após aquele explicar que estava autorizado pela proprietária”, sobre os quais a recorrente argumenta que devem ser considerados factos assentes face aos mencionados documentos 12 a 14 e confissão dos RR no art.º 86.º da contestação e o facto 11, pela confissão dos RR nos artigos 87.º e 88.º da contestação, é de referir que não sendo os mesmos relevantes para uma eventual alteração da decisão, é inútil a apreciação da alteração pretendida.
Quanto ao facto não provado n.º 14 (14. Os réus têm impedido a autora de fruir e exercer os seus direitos relativamente ao imóvel identificado em 8 dos factos provados) sendo o mesmo uma (mera) conclusão e não um facto, não deve, evidentemente, constar da matéria em causa.
Finalmente considera ainda a A que o facto vertido no art.º 27.º da petição inicial é omisso no julgamento da matéria de facto - faz referencia à existência de processo de inventário pendente para partilha dos bens comuns da A e R, após divórcio, tendo o R. na qualidade de cabeça de casal incluído o imóvel dos autos na relação de bens Comuns e devia ter sido incluindo nos factos assentes, face à admissão por acordo pelos RR. no Art. 90 da contestação, e face à certidão do processo de inventário junta ao processo após a replica – também não se vislumbra a sua relevância para uma eventual alteração da decisão, revelando-se inútil a apreciação da alteração pretendida, até porque e próprio R assumiu na acção que tinha o direito de acessão quanto ao prédio em causa.
Em suma:
Improcede totalmente a impugnação da matéria de facto.

Questões interligadas:
3.ª Questão – Saber qual o valor que a A deve pagar ao R correspondente aos pagamentos que este fez do empréstimo (recurso do R).
4.ª Questão – Saber se se verificam os requisitos para que os o R receba indemnização por benfeitorias no valor em causa (recurso da A).
5.ª Questão – Saber se e pedido de pagamento de parte do empréstimo para obras (recurso da A).

A sentença condena a A a pagar ao R a quantia de € 16 320,37, correspondente à metade do valor por este pago, após a separação do casal, a título de prestações do empréstimo por ambos contraído.
O R discorda e pretende que a A seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 41.260,26, correspondente ao valor total da parte restante do empréstimo, pago pelo recorrente após a separação do casal (pois se o Tribunal concluiu que a A. é proprietária do imóvel é manifesto que esta tem que reembolsar o recorrente pela totalidade do que este liquidou após a separação de facto do ex-casal, ocorrida em 1/9/2005 e até 18/05/2011, no citado montante de 32.640,74€ e não pela metade, poi não pode ficar desonerada pela totalidade, após a separação de facto) e de metade do valor também pago por este no período após a data da contratação do empréstimo e da data da separação do casal (pois no período compreendido entre 18/05/1999 (data da contração do empréstimo), e 01/9/2005 (data da separação de facto do casal), o empréstimo foi pago com dinheiro da autora e do réu, o qual era depositado na conta referida no ponto 16, que se encontrava em nome do Recorrente e recorrida e que era a única que o casal possuía pelo que neste período temporal o recorrente tem direito a receber metade, e já não a totalidade do valor pago), defendendo que é esse o valor com que injustamente a A se locupletou.
Conclui o R que se o valor do empréstimo foi de 10.000.000$00 / € 49.879,78 (ponto n.º 15) e, se após 01/9/2005, o recorrente pagou, em exclusivo, € 32.640,74, o montante que foi pago durante o período de vivência conjugal corresponde à diferença de € 17.239,04 (49.879,78 – 32.640,74 = 17.239,04), montante em relação ao qual o recorrente tem direito a ser ressarcido de metade, ou seja, € 8.619,5.
Defende que, com a dissolução da união de facto, extinguiu-se a causa jurídica da referida contribuição monetária, deixando de ter justificação a privação da contribuição monetária prestada para a construção da habitação considerada propriedade exclusiva da recorrente, pelo que ocorreu uma clara situação de enriquecimento sem causa por parte da A, ficando esta sujeita, por isso, à obrigação de restituir.
Por outro lado a A - não pondo em causa o direito do R em ser indemnizado por metade das obras feitas no imóvel dos autos a título de benfeitorias - insurge-se contra a sua condenação a pagar ao R o valor de € 25.688,09 quanto a benfeitorias, invocando que não há qualquer prova documental nos autos a esse propósito e é incorrecto que se dê como assente tal valor com base apenas na prova testemunhal que efectuou trabalhos de construção civil volvidos quase 20 anos.
Defende que deve ser absolvida desse pedido.
A A também discorda da sua condenação a pagar ao R o valor de € 16.320,37, correspondente a metade do valor pago pelo R após a separação do casal pelo empréstimo para obras ao imóvel dos autos, argumentando que esta parte do pedido do R não pode ser considerada procedente pois, cumulado com o pedido das benfeitorias, implica a injustiça de a A pagar o mesmo em duplicado, pois se a A foi condenada a pagar metade do valor das obras ao R, como pode ser condenada a pagar ao R metade de parte do empréstimo para pagar as mesmas obras.
Todas estas questões estão interligadas, na medida em que expressam a situação relativa ao enriquecimento sem causa e a sua relação com a indemnização por benfeitorias.
Vejamos:
No caso dos autos, estamos perante a construção de uma casa levada a cabo na pendência do casamento da A e do R, mas implantada em terreno que era bem próprio da A e, na sentença, foi afastado o entendimento de que se trata de bem comum, ao abrigo do instituto da acessão industrial imobiliária (como pretendia o R) e considerado que é bem próprio da A e o R tem direito a uma indemnização por benfeitoriaso que não é posto em causa nos recursos.
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 479.º do Código Civil “a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”.
Isto significa, em primeiro lugar e nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela (in Código Civil Anotado, 2.ª edição), em anotação ao citado artigo, que “o beneficiado não é obrigado a restituir todo o objecto da deslocação patrimonial operada (ou o valor correspondente quando a restituição em espécie não seja possível)” mas “deve restituir apenas aquilo com que efectivamente se acha enriquecido (…)”.
“O enriquecimento assim determinado corresponderá à diferença entre a situação real e actual do beneficiado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria, se não fosse a deslocação patrimonial operada.”
Também neste sentido, pode ver-se o Acórdão do STJ de 15.11.1995, acessível em www.dgsi.pt e BMJ n.º 451, página 387 e seguintes.
O beneficiado deve entregar, em princípio, na medida do respectivo locupletamento, mas nunca mais que do que o quantitativo do empobrecimento do lesado (ou, caso não haja um empobrecimento, ao dano real do lesado) – vide Mário Júlio de Almeida Costa in Direito das Obrigações, 5.ª edição, Almedina, página 410.
Diverge Antunes Varela (Ob. cit., páginas 512 e seguintes), apenas no que respeita ao segundo requisito, dizendo que, para além de o beneficiado ser apenas obrigado a restituir aquilo com que efectivamente se acha enriquecido, importa que a restituição tenha por objecto tudo aquilo que foi obtido à custa do lesado (pois a função do enriquecimento sem causa não é a de reparar o dano do lesado, que é a função da responsabilidade civil, mas suprimir ou eliminar o enriquecimento de alguém à custa de outrem).
Na impossibilidade de recurso a cálculos estritamente matemáticos, deve fazer-se uso da equidade, conforme o disposto no n.º 3 do artigo 566.º do Código Civil, chegando a um valor correcto por evitar o enriquecimento do R mas também evitar o enriquecimento da A.
Importa repor o equilíbrio económico das partes.
Ora bem, no caso dos autos sabemos que o R deve receber um valor relativo às benfeitorias.
A A não impugna devidamente a matéria de facto quanto a esta questão e, por isso, os factos a ter em conta são os fixados na 1.ª instância, não tendo razão quando pretende a sua absolvição deste pedido.
Então, que valor deve o R receber pelas “benfeitorias”?
Trata-se de compensar o esforço do cônjuge não proprietário pela contribuição para a construção por ter resultado do esforço dos dois.
Logo, afigura-se-nos correcto o entendimento da sentença de que, se na construção da moradia e na casa de habitação, A e R gastaram as quantias, respectivamente de 7.100.00$00 e 3.100.000$00, é essa a valorização pelo que haverá a obrigação de compensação do património do R, na proporção de metade dos valores gastos por este num bem próprio da A, o que ascende a € 25.688,09 (vinte e cinco mil seiscentos e oitenta e oito euros e nove cêntimos).
Quanto à questão dos pagamentos do empréstimo, importa ter presente que:
Até 01.09.2005 - durante o período de vivência conjugal ambos pagaram o encargo (facto 21) - as prestações do empréstimo foram suportadas por ambos (facto 21).
A partir de 01.09.2005 foi o R que procedeu ao pagamento das prestações do empréstimo, tendo pago, entre 01.09.2005 e 18.05.2011, a quantia de € 32.640,74.
Ora, também aqui se afigura correcta posição da sentença que condenou a A a pagar-lhe a quantia de € 16.320,37, correspondente à metade do valor por este pago, após a separação do casal, a título de prestações do empréstimo por ambos contraído.
Tendo em conta que a despesa correspondente ao valor pago pelo empréstimo “gerou” a valorização correspondente às benfeitorias, ambas as partes devem suportar e receber metade para que não haja enriquecimento de qualquer delas.
É isso que faz a sentença, pelo que a A não tem razão, ao pretender pagar menos nem o R, ao pretender receber mais.

6.ª Questão – Saber se se verificam os requisitos para que os RR indemnizem a A pelo uso /habitação dos RR, não autorizada e contra a vontade da A, do imóvel dos autos (recurso da A).
Finalmente, importa analisar a questão da indemnização à A acima descrita e, quanto à mesma, recorde-se que a A pede uma indemnização pela privação do uso do imóvel, no valor mensal de € 150,00, desde Janeiro de 2008 altura em que se alega que se iniciou a ocupação ilegal dos RR.
A A insurge-se quanto ao facto da sentença afastar tal indemnização com o argumento de que não se verifica o requisito do art.º 483.º do Código Civil, correspondente à existência de um facto ilícito, por a actuação dos RR não constituir facto ilícito, face a matéria de facto provada e não provada e ainda porque a A não alega factos, mas apenas conclusões, afirmando que invocou na petição inicial os factos reveladores da situação de ocupação ilícita e que os factos considerados provados impõem decisão inversa e os considerados não provados deviam ser provados e conduzir à uma decisão diferente.
É verdade que já não havia economia comum e o cônjuge não proprietário e a sua mãe beneficiaram da habitação (sem suportar qualquer pagamento de renda), mas o divórcio só ocorreu em 18.02.2011 e à data da petição inicial ainda estava pendente o inventário para partilhas, como a A admite no art.º 27.º da sua petição inicial.
É com o divórcio que cessa a generalidade das relações patrimoniais entre os ex-cônjuges, mas é com a partilha que cada um dos cônjuges recebe os seus bens próprios e a sua meação nos bens comuns, se os houver (art.º 1689.º, n.º 1 do Código Civil).
Ora, é nesse momento que se deverá proceder às compensações entre os patrimónios próprios e comuns.
A partilha do casal não se limita à partilha do património comum, antes se desdobra em várias operações distintas: entrega dos bens próprios, liquidação da comunhão, na qual se inclui o apuramento e o pagamento das dívidas, avaliação e cálculo das compensações e, por fim, a partilha dos bens comuns (art.º 1689.º, números 1 a 3 do Código Civil), ou seja, é nesse momento que se procede às compensações entre os patrimónios próprios dos cônjuges e a massa patrimonial comum sempre que um deles, no momento da partilha, se encontre enriquecido em detrimento do outro.
Se um cônjuge utilizou bens ou valores próprios do outro, isso deverá ser considerado no momento da partilha.
Ora, no caso dos autos, tendo em conta que, à data da propositura da acção, ainda não estavam feitas as partilhas, não se pode dizer que este estava a ser ocupado ilicitamente pelos RR e, por isso, afigura-se que não há lugar a uma indemnização por facto ilícito (sem prejuízo de poder apurar-se um dever de compensação quanto ao uso do imóvel em sede de partilhas, com a relacionação do valor correspondente, de modo a permitir aquela compensação), mantendo-se, por isso, a sentença.
Improcede assim nesta parte o recurso da A.

Em suma:
Improcedem ambos os recursos.

Sumário:
I - Para evitar o enriquecimento sem causa, importa repor o equilíbrio económico das partes e, na impossibilidade de recurso a cálculos estritamente matemáticos, deve fazer-se uso da equidade.
II - Tendo em conta que a despesa correspondente ao valor pago por um empréstimo para construção “gerou” a valorização do imóvel, correspondente às benfeitorias, ambas as partes devem suportar e receber metade (do encargo e das benfeitorias) para que não haja enriquecimento de qualquer delas.
III - Antes de efectuadas as partilhas, não se pode dizer que qualquer dos cônjuges ocupe ilicitamente o imóvel - ainda que se venha a considerar bem próprio do outro – e, por isso, afigura-se que não há lugar a uma indemnização por facto ilícito (sem prejuízo de poder apurar-se um dever de compensação quanto ao uso do imóvel em sede de partilhas, com a relacionação do valor correspondente, de modo a permitir aquela compensação).

4 – Dispositivo.

Pelo exposto, acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedentes os recursos de apelação interpostos pela A e pelo R, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas pelos recorrentes.
Évora, 09.11.2017
Elisabete Valente
Ana Margarida Leite
Bernardo Domingos