Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | SÉRGIO CORVACHO | ||
Descritores: | PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE INCUMPRIMENTO REVOGAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 04/12/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | I - O mecanismo de substituição, previsto no n.º 6 do artigo 59.º do Código Penal, não se aplica a casos de mera recusa de prestação do trabalho, mas antes pressupõe uma impossibilidade duradoura, tanto quanto seja possível prever, de o condenado prestar esse trabalho. II - Com efeito, se o condenado deixar de prestar o trabalho a que está obrigado, sem justificação, a consequência será a revogação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, com repristinação pura e simples da pena de prisão aplicada em sede de sentença, sem a possibilidade de operar a substituição prevista no n.º 6 do citado art. 59º. III - Pelo contrário, se se verificar que a falta de prestação do trabalho não é censurável ao condenado, cumprirá ao Tribunal não revogar a pena substitutiva e determinar o prosseguimento da execução desta, tão pouco havendo lugar ao acionamento do mecanismo a que nos vimos reportando. IV - Diferentemente sucederá na hipótese de o condenado ficar em situação que o impossibilite, duravelmente, de prestar trabalho, em cumprimento da pena prevista no art. 58.º do Código Penal. Caso o arguido se tenha colocado intencionalmente nessa situação, opera a causa de revogação da pena prevista na al. a) do nº 2 do art. 59.º e só na eventualidade de a impossibilidade de prestação de trabalho não lhe ser imputável, poderá funcionar o mecanismo de substituição a que se refere n.º 6 do mesmo artigo. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I - Relatório No processo comum nº 2852/08.7GBABF, que corre termos no antigo 1º Juízo do Tribunal Judicial de Albufeira, actual Tribunal da Comarca de Faro, Instância Local de Albufeira em que é arguido R, pela Exª Juiz titular dos autos foi proferido, em 28/1/14, um despacho do seguinte teor: «R, condenado por sentença transitada em julgado em 05.01.2011, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão, substituída por 425 (quatrocentos e vinte e cinco) horas de trabalho a favor da comunidade, apenas cumpriu 30 horas de trabalho a favor da comunidade, não tendo cumprido mais nenhuma das horas de prestação de trabalho a favor da comunidade determinadas, não obstante as diligencias efectuadas pelo Tribunal e a elaboração do respectivo relatório pela DGRS, apos diversas vicissitudes (fls. 219, 220 e 225). Notificado pessoalmente para justificar o incumprimento (fls. 232), não foi apresentada qualquer justificação. Desta forma, o arguido revelou com a sua conduta de falta de colaboração e ausência de justificação, atitude reiterada no próprio cumprimento das horas de trabalho, conforme decorre da leitura do relatório junto pela DGRS a fls. 225, uma total indiferença pela pena que lhe foi imposta. Ou, dito de outra forma, o não cumprimento dos dias de trabalho é imputável ao arguido. Face ao exposto, nos termos do artigo 59.º, n.º 2, alínea b) e n.º 2 do Código Penal, declaro revogado o plano de execução da pena por prestação de trabalho a favor da comunidade aplicada ao arguido R. e determina-se que este cumpra a pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão que lhe foi aplicada na sentença proferida nos presentes autos. Notifique pessoalmente o arguido e, após trânsito deste despacho, emita os competentes mandados de detenção e condução ao estabelecimento prisional Comunique ao registo criminal (art. 5.º, n.º 1, al. a) da Lei n.º 57/98 de 18/08) Informe a DGRS que deixou de interessar a sua intervenção, enviando cópia da presente decisão». O despacho agora transcrito foi notificado à ilustre defensora do arguido Ricardo Alexandre Colaço Narciso por carta registada expedida em 30/1/14 e ao arguido pessoalmente, por contacto pessoal, em 17/2/14 (fls. 237, 239 e 240). Em 25/2/14, o arguido R, fez dar entrada nos autos um requerimento assinado por seu próprio punho, que fez concluir com o seguinte pedido: «Neste termos e nos melhores de direito que V.Exª muito doutamente aplicará, requer-se ao abrigo dispositivo da al. a) do nº 6 do art. 59º a substituição da pena de prisão, aplicada ao arguido, em estabelecimento prisional, por uma pena de multa, em quantitativo que V.Exª fixará, ou, caso assim não se entenda, que cumprimento da pena privativa da liberdade seja em regime de permanência na habitação sujeita a fiscalização por meios técnicos de controlo, nos termos do artigo 44º nº 2 do CPenal, por se entender, atentas as circunstâncias de natureza pessoal e familiar, que a substituição em primeiro lugar por pena de multa realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição» (fls. 241 a 243). Sobre o requerimento junto pelo arguido recaiu um despacho judicial datado de 11/4/14, constante de fls. 247 a 249, com o seguinte teor: R., condenado na pena de um ano e dois meses de prisão, substituída por 425 horas de TFC, não tendo cumprido as horas determinadas, para além de 30 horas, nem justificado o seu incumprimento, não obstante ter sido notificado pelo Tribunal nesse sentido, foi revogado o plano de execução da pena por prestação de TFC e determinado o cumprimento da pena de prisão principal. Notificado pessoalmente, veio o arguido requerer a substituição da pena de prisão em pena de multa, nos termos do art. 59.º, n.º 6, al. a) do CP ou que o cumprimento da pena privativa da liberdade seja feita em regime de permanência de habitação, nos termos do art. 44.º, n.º 2 do CP, alegando para tal efeito que o incumprimento da prestação de TFC deveu-se a um período financeiramente conturbado sofrido no seu agregado familiar, o que o obrigou a efectuar biscates para além do horário laboral normal. Notificado, veio a Digna Magistrada do Ministério Público requerer o indeferimento do requerido pelo condenado, por manifesta carência de fundamento legal. Apreciando. Dispõe o art. 59.º do CP: 1 - A prestação de trabalho a favor da comunidade pode ser provisoriamente suspensa por motivo grave de ordem médica, familiar, profissional, social ou outra, não podendo, no entanto, o tempo de execução da pena ultrapassar 30 meses. 2 - O tribunal revoga a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e ordena o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença se o agente, após a condenação: a) Se colocar intencionalmente em condições de não poder trabalhar; b) Se recusar, sem justa causa, a prestar trabalho, ou infringir grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado; ou c) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade não puderam, por meio dela, ser alcançadas. 3 - É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 57.º 4 - Se, nos casos previstos no n.º 2, o condenado tiver de cumprir pena de prisão, mas houver já prestado trabalho a favor da comunidade, o tribunal desconta no tempo de prisão a cumprir os dias de trabalho já prestados, de acordo com o n.º 3 do artigo anterior. 5 - Se a prestação de trabalho a favor da comunidade for considerada satisfatória, pode o tribunal declarar extinta a pena não inferior a setenta e duas horas, uma vez cumpridos dois terços da pena. 6 - Se o agente não puder prestar o trabalho a que foi condenado por causa que lhe não seja imputável, o tribunal, conforme o que se revelar mais adequado à realização das finalidades da punição: a) Substitui a pena de prisão fixada na sentença por multa até 240 dias, aplicando-se correspondentemente o disposto no n.º 2 do artigo 43.º; ou b) Suspende a execução da pena de prisão determinada na sentença, por um período que fixa entre um e três anos, subordinando-a, nos termos dos artigos 51.º e 52.º, ao cumprimento de deveres ou regras de conduta adequados. Ora, não obstante as invocadas dificuldades económicas do agregado familiar em que o arguido se encontra inserido, o facto é que não se infere dos autos que tal motivo justifique o incumprimento das prestações de horas de TFC em que foi condenado. Pelo contrario, é o próprio arguido quem admite que poderia ter comunicado tais dificuldades, contudo e não obstante as diversas diligências de contacto efectuadas pela DGRS, desde 14 de Fevereiro de 2013 (fls. 225) e a notificação pessoal efectuada nos presentes autos para justificar tal incumprimento datada de 13.10.2013 (fls. 231 e 232), nada o mesmo veio dizer, apenas tendo se manifestado mais de um ano apos o inicio do seu incumprimento, quando foi notificado da revogação do TFC. Ora, a substituição da pena de prisão fixada na sentença pela pena de multa (artigo 59.º, nº 6, a) do Código Penal) pressupõe que o incumprimento da prestação de trabalho a favor da comunidade não seja culposo, o que não foi manifestamente o caso. Mais acresce que afigura-se ao Tribunal que as ora justificações apresentadas, visam apenas desresponsabilizar o arguido pelas falhas que demonstrou no decurso da prestação de TFC em substituição da pena de prisão em que havia sido condenado, revelando falta de sentido crítico e um manifesto desinteresse pelo cumprimento das obrigações de que dependia tal substituição, infringindo e desrespeitando repetidamente os deveres que lhe foram impostos na sentença, atitude reiterada no próprio cumprimento das horas de trabalho a favor da comunidade. Com efeito as alegadas dificuldades económicas não impediam o arguido contactar quer com a DGRS, quer com o Tribunal com vista a, no mínimo, comunicar as suas dificuldades. A simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão não realizaram, assim, de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão daquela pena substitutiva. Por fim, e quanto ao cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação, revela-se a impossibilidade de tal, por não se verificar um dos pressupostos formais para a sua aplicação – ser a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano (artigo 44.º, nº 1, a) e b) do Código Penal) sendo certo que não se verificam as situações excepcionais elencadas no nº 2 do mesmo normativo, que teriam que ser aferidas, como se depreende pela leitura do normativo, à data da condenação. Face ao supra exposto, indefere-se o requerido cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação, nos termos do artigo 44.º do Código Penal, por inadmissibilidade legal e manifesta extemporaneidade, assim como se indefere a substituição da pena de prisão fixada na sentença substituída por multa (artigo 59.º, nº 6 do Código Penal), por inadmissibilidade legal. Notifique. * Da análise do despacho a fls. 233 e ss., resulta que por lapso, não foi procedido ao desconto das horas de TFC cumpridas pelo arguido na pena principal de prisão em que o arguido foi condenado. Em suma, e ao abrigo do disposto no art. 380.º do CPP, procede-se à rectificação do despacho e determina-se que o arguido R. cumpra a pena de 1 (um) ano e 1 (um) mês de prisão. Notifique e após trânsito, emita os competentes mandados de detenção e condução ao E.P.». Este segundo despacho foi notificado à ilustre defensora do arguido por carta registada remetida em 21/8/14 e ao próprio em 31/8/14, por contacto pessoal (fls. 251, 254 e 255). Por meio de peça processual remetida a juízo por correio registado em 30/9/14, o arguido R. declarou interpor recurso do «despacho de fls. 233 e 243», com a competente motivação, tendo formulado as seguintes conclusões: 1 - Por sentença proferida pelo Tribunal a quo, foi o arguido R. condenado pela prática como autor material de um crime de tráfico para consumo de estupefacientes, p.e p. pelo artigo 26º, nº 1 do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão substituída por 425 (quatrocentas e vinte e cinco) horas de prestação de Trabalho a Favor da Comunidade (TFC). 2 - Resulta do Douto despacho de fls. 233 e 234 dos autos: "não tendo cumprido as horas determinadas, para além de 30 horas, nem justificado o seu incumprimento, não obstante ter sido notificado pelo Tribunal nesse sentido, foi revogado o plano de execução da pena por prestação de TFC e determinado o cumprimento da pena de prisão principal. " 3 - O Douto Tribunal de Primeira Instância procedeu à revogação da pena de substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade determinando o cumprimento pelo arguido da pena de prisão de 1 (um) ano e 1 (um) mês, descontadas as 30 (trinta) horas relativas ao trabalho prestado pelo arguido. 4 - O condenado, ora recorrente, não se conforma com o teor da decisão de fls. 233 e 234 dos autos e dela vem interpor o presente recurso por entender que aquela decisão revogatória viola as disposições constantes dos arts. 40°, 42°, 58°,59° todos do Código Penal, art. 61º, nº 1, al. a), 119°, al c), art° 495° n° 2, por remissão do art. 498º, nº 3, arts. 374º nº 2, do C.P.P., e art. 32°, nº 5 da Constituição da República Portuguesa. 5 - Resulta da letra do art. 495, nº 2, que se aplica no caso em apreço por remissão feita pelo arts. 498º, nº 3, ambos do Código de Processo Penal, que o Tribunal antes de proferir o douto despacho deveria ter ouvido o arguido condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições de suspensão. 6 - O que não se verificou nos presentes autos. 7 - A prestação de trabalho a favor da comunidade é uma pena autónoma, não privativa da liberdade que visa evitar a execução de penas de prisão. 8 - Ora quando o tribunal a quo se viu confrontado com a possibilidade de revogar esta pena de substituição, antes de proferir o douto despacho de fls. 233 e 234, que revogou a pena de substituição, deveria, por força da exigência legal do nº 2 do artigo 495º do Código Penal, ter procedido à audição do arguido na presença do técnico que acompanhou o seu processo nos Serviços de Reinserção Social. 9 - Consta dos autos que houve algumas dificuldades de comunicação entre os Serviços da Direcção Geral de Reinserção Social (DGRS) e o ora recorrente. 10 - É do conhecimento comum que, por vezes ocorrem essas falhas de comunicação não só entre o arguido e a DGRS, entre o arguido e a Instituição onde presta trabalho e também, não menos comum, entre a Instituição e a DGRS. 11 – Por diversas vezes o recorrente contactou a instituição, quer presencial, quer telefonicamente, no sentido de executar atividades e por via dar cumprimento ao plano de horas que lhe tinha sido aplicado e, por diversas vezes também, foi a própria instituição que, invocando ter ocorrido períodos de chuva, comunicou ao arguido que não havia nada (trabalhos de jardinagem) que ele ali pudesse fazer. 12 - Também não resulta dos autos, salvo melhor opinião, quais as atividades prestadas pelo arguido na instituição (Fundação …)... 13 - Porque as falhas de comunicação são certamente de origem diversa e não exclusivamente como causa única imputável ao arguido, seria de todo o interesse ouvir o arguido na presença do técnico que apoiou e fiscalizou o seu processo para que, desta forma, o Tribunal assente a sua convicção relativamente à verdadeira dimensão dos incumprimentos relatados nos autos. 14 - Já esse Venerando Tribunal da Relação de Évora, se pronunciou no mesmo sentido através do Douto Aresto datado de 18-06-2013, " ... poderá ser essa presença e os esclarecimentos que dela se poderão produzir, que melhor poderão esclarecer o Tribunal sobre a importância de uma decisão que, muitas vezes, leva o arguido à prisão, preceituando-se assim que a mesma seja levada a cabo com sensatez, equilíbrio e sentido de responsabilidade, ponderados que sejam todos os factores em jogo, como a natureza do crime, o lapso temporal já decorrido desde o seu cometimento, a dimensão da pena, a personalidade do agente e o seu sentido de interiorização do desvalor social da conduta e do juízo de censura que lhe é imanente." in www.gde.mj.pt/jtre (itálico nosso). E conclui aquele aresto que a presença do técnico dos serviços de reinserção social "poderá ser fundamental para habilitar o tribunal à melhor decisão” e é obrigatória aquando da audição presencial do arguido para efeitos de eventual revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade, conforme resulta do nº 2 do artigo 495ª do C.P.P. 15 - O douto despacho que revogou o plano de execução da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade é ilegal porque o arguido nunca foi convocado pelo douto Tribunal a quo para nele comparecer para ser ouvido pessoalmente, como direito que lhe assistia por força do preceituado no arts. 61º, nº 1, alínea a) do C.P.P., nem na presença do técnico dos serviços de reinserção social. 16 - A decisão que revogou a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade violou o preceituado no nº 2 do art. 374º do Código de Processo Penal, pelo que, por força do disposto no art. 379º, nº 1, alínea a) do C.P.P. tal decisão está ferida de nulidade insanável (art. 119º c) do C.P.P.) e afecta todo o processado posterior à promoção do Ministério Público de fls. 226 dos autos (no sentido da revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade e do cumprimento dos 1 ano e um mês de prisão). 17 - O despacho recorrido deverá ser substituído por outro que designe data para audição do arguido R., nos termos exigidos em obediência ao princípio do contraditório e direito de audição (art. 61º alínea a) C.P.P.) e pela imposição do nº 2 do artigo 495º do Código de Processo Penal, com a presença do técnico dos serviços de reinserção social que apoiou e fiscalizou o cumprimento da medida, para que o Tribunal possa formar a sua convicção que lhe permitirá decidir sobre a eventual substituição ou revogação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade aplicada ao ora recorrente. 18 - Caso este não seja o entendimento de V.EXAS. VENERANDOS DESEMBARGADORES, por dever de patrocínio, importa ainda salientar o seguinte: 19 - O Tribunal a quo fundamenta a decisão de revogação da pena de substituição aplicada ao arguido no facto deste não ter cumprido as horas determinadas, nem justificado o seu incumprimento, considerado por aquele Tribunal como culposo não obstante ter sido notificado pelo Tribunal nesse sentido. 20 - Discorda-se, com o devido respeito, do douto entendimento do Tribunal a quo e existe, no nosso entender, uma contradição no douto despacho recorrido. 21 - Assim, consta do despacho de fias 233 e 234 que o arguido não justificou o seu incumprimento e, no parágrafo seguinte refere que "Notificado pessoalmente, veio o arguido requerer a substituição da pena de prisão em pena de multa, os termos de art. 59º. n º6, al. A) do CP ou que o cumprimento da pena privativa da liberdade seja feita em regime de permanência de habitação, nos termos do art. 44º. nº 2 do CP, alegando para tal efeito que o incumprimento da prestação de TFC deveu-se a um período financeiramente conturbado sofrido no seu agregado familiar, o que o obrigou a efectuar biscates para além do horário laboral normal", (itálico e negrito nossos). 22 - Entendeu o Tribunal a quo que as "justificações apresentadas visam apenas desresponsabilizar o arguido pelas falhas que demonstrou no decurso da prestação de TFC em substituição da pena de prisão em que havia sido condenado, revelando falta de sentido crítico e um manifesto desinteresse pelo cumprimento das obrigações de que dependia tal substituição, infringindo e desrespeitando repetidamente os deveres que lhe foram impostos na sentença, atitude reiterada no próprio cumprimento das horas de trabalho a favor da comunidade." 23 - E conclui o Tribunal a quo que "a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão não realizaram, assim, de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão daquela pena substitutivo. 24 - Discorda-se, com o devido respeito, do douto entendimento do Tribunal a quo, na medida em que o arguido justificou ao Tribunal a que se deveu o não cumprimento da totalidade das horas de TFC. E fê-lo de forma sincera, admitindo que "poderia ter comunicado tais dificuldades", porém se o arguido não comunicou antecipadamente ao Tribunal essas mesmas dificuldades foi, seguramente, devido ao facto da situação familiar e económica do seu agregado familiar ter sofrido graves revezes, o que afectou a própria saúde e bem estar físico e emocional do arguido. 25 - Os pais do arguido viveram momentos de grandes dificuldades económicas, pois estavam ambos desempregados e com inúmeras dívidas a seu cargo, não restou outra alternativa ao arguido senão, para além do seu normal horário de trabalho, dedicar-se a executar trabalhos extra, vulgo biscates, para fazer face ao seu próprio sustento e de seus pais, suportando as despesas domésticas e ajudando-os no pagamento de dívidas a credores. 26 - A conduta do arguido, no que se refere ao incumprimento da prestação de trabalho a favor da comunidade, não foi culposa. 27 - O arguido não se colocou em condições de não poder trabalhar; não recusou a prestação do trabalho, nem infringiu grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado; não cometeu quaisquer crimes após o trânsito em julgado e não revelou que as finalidades da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade não puderam, por meio dela, ser alcançadas. 28 - O douto despacho ora recorrido não concretiza porque é que os motivos apresentados pelo arguido não justificam o incumprimento da prestação de TFC, como também não está comprovado nos autos os fundamentos de facto e de direito referidos no nº2 do artº. 59º do Código Penal que conduzam à revogação da pena de substituição aplicada ao arguido. 29 - O arguido praticou os factos de que foi acusado e condenado em 2008, quando tinha 18 anos de idade e quando os problemas económicos e familiares já agudizavam tendo inclusive a casa de morada de família sido penhorada pelas finanças o que obrigou os pais do arguido a arrendar um outra casa para viver. 30 - Desde essa data e até à presente o arguido não praticou quaisquer actos ilícitos decorridos cerca de 6 (seis) anos sobre a data da prática dos factos o que sempre se poderá dizer que o arguido pautou a sua vida por uma conduta respeitadora dos valores da vida em sociedade. 31 - Está actualmente familiar, social e profissionalmente bem integrado. 32 - Ambos os pais trabalham, encontrando-se o pai do arguido a trabalhar em Angola e é o arguido quem dá todo o apoio à mãe, com quem reside. 33 - O recorrente trabalha como empregado de mesa num hotel em Albufeira. 34 - Não constam dos autos quaisquer fundamentos para o cumprimento da pena de prisão aplicada até porque não houve incumprimento da pena de substituição de forma não justificada. 35 - A decisão de revogação da pena de trabalho a favor da comunidade e a consequente condenação a cumprir prisão efectiva mostra-se desproporcionada, violando assim o princípio da proporcionalidade e adequação. 36 - Deste modo fará todo o sentido, que o Tribunal conceda essa última oportunidade ao arguido de cumprir a pena a que foi condenado em liberdade, de modo que, agora com 22 anos, com outra maturidade e com a vida familiar mais equilibrada em virtude de os pais já se encontrarem a trabalhar. 37 - Pelo que se entende que é de manter a pena subsidiária de trabalho a favor da comunidade por ser aquela que permite alcançar as finalidades da punição, ainda que submetida ao cumprimento de deveres nos termos do arte. 59º nº6 alínea b) do Código Penal. 38 - Sem prescindir, na hipótese de se entender que a revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade deve persistir, hipótese que por mero dever de patrocínio se acautela, desde já se requer que a pena de prisão seja substituída por multa ou suspensa na sua execução conforme dispõe o arts. 59º nº6 alíneas a) e b) do Código Penal. 39 - Com o douto despacho ora recorrido, foram violadas as disposições constantes dos arts. 40°, 42°, 58°, 59° todos do Código Penal, art. 61°, nº 1, al. a), 119°, al c), art. 495º nº 2 por remissão do art. 498º, nº 3 todos do C.P.P., e art. 32º nº 5 da Constituição da República Portuguesa. Nestes termos e nos demais de direito sempre com o mui douto suprimento de V. Exas. deve o presente recurso ser recebido por tempestivo, declarado procedente por provado e em consequência alterar-se a decisão recorrida em conformidade com o que ficou supra alegado, ou seja, ser o douto despacho recorrido substituído por outro que designe data para audição do arguido R., nos termos exigidos em obediência ao princípio do contraditório e direito de audição (art. 61º alínea a) C.P.P.) e pela imposição do nº 2 do artigo 495º do Código de Processo Penal, com a presença do técnico dos serviços de reinserção social que apoiou e fiscalizou o cumprimento da medida, para que o Tribunal possa formar a sua convicção que lhe permitirá decidir sobre a eventual substituição ou revogação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade aplicada ao ora recorrente. Caso este não seja o entendimento de V.EXAS. VENERANDOS DESEMBARGADORES, deverá o douto despacho ser substituído por outro que mantenha a pena subsidiária de trabalho a favor da comunidade por ser aquela que permite alcançar as finalidades da punição, ainda que submetida ao cumprimento de deveres nos termos do arts. 59º nº 6 alínea b) do Código Penal. Sem prescindir, na hipótese de se entender que a revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade deve persistir, hipótese que por mero dever de patrocínio se acautela, desde já se requer que a pena de prisão seja substituída por multa ou suspensa na sua execução conforme dispõe o art. 59º nº 6 alíneas a) e b) do Código Penal. O recurso interposto foi admitido com subida imediata, nos próprios autos, e efeito suspensivo. O MP respondeu à motivação do recorrente, pugnando pela manutenção do decidido, sem formular conclusões. Pelo Digno Procurador-Geral Adjunto em funções junto desta Relação foi emitido parecer sobre o recurso em presença, no sentido da sua procedência, quanto à arguição da nulidade insanável decorrente da omissão da audição pessoal do arguido, previamente à prolação do despacho que declarou revogada a pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade. O parecer emitido foi notificado ao arguido, a fim de se pronunciar, não tendo ele exercido o seu direito de resposta. Pelo Desembargador relator foi proferida decisão sumária com o seguinte dispositivo: a) Não admitir o recurso interposto pelo arguido R, por intempestivo, na parte em que impugnou o despacho judicial proferido em 28/1/14; b) Determinar a continuação da tramitação do mesmo recurso, na parte em que impugnou o despacho judicial de 11/4/14. A decisão sumária proferida foi notificada aos sujeitos processuais, não tendo o recorrente dela reclamado para a conferência. Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência. II - Fundamentação Nos recursos penais, o «thema decidendum» é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, as quais deixámos enunciadas supra. No caso presente, o arguido R veio interpor recurso, através de uma única peça processual, de dois despachos judiciais, um datado de 28/1/14, que lhe revogou a pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade e repristinou a pena de prisão aplicada em sede de sentença, e outro de 11/4/14, que indeferiu um requerimento posteriormente apresentado pelo arguido, no sentido de a pena privativa de liberdade repristinada pelo despacho anterior ser substituída nos termos previstos no art. 59º nº 6 als. a) e b) do CP ou, subsidiariamente, fosse permitido o seu cumprimento em regime de permanência na habitação, de acordo com o disposto no nº 2 do art. 44º do CP. A decisão sumária proferida nos autos de rejeição parcial do recurso, na parte em que impugnou o despacho judicial proferido em 28/1/14, consolidou-se, na medida em que o recorrente dela não reclamou para a conferência, nos termos previstos no nº 8 do art. 417º do CPP. Assim, na parte não afectada pela decisão sumária, a sindicância da decisão recorrida, que transparece das conclusões do recorrente, resume-se à pretensão de substituição da pena de prisão repristinada pelo despacho judicial de 28/1/14 por qualquer dos regimes previstos nas als. a) e b) do art. 59º do CP. Os pressupostos de aplicação da pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade vêm previstos no nº 1 do art. 58º do CP: Se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Por sua vez, o art. 59º do CP dispõe sobre aquilo a que poderemos chamar as «anomalias» no cumprimento da referida pena de substituição: 1 - A prestação de trabalho a favor da comunidade pode ser provisoriamente suspensa por motivo grave de ordem médica, familiar, profissional, social ou outra, não podendo, no entanto, o tempo de execução da pena ultrapassar 30 meses. 2 - O tribunal revoga a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e ordena o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença se o agente, após a condenação: a) Se colocar intencionalmente em condições de não poder trabalhar; b) Se recusar, sem justa causa, a prestar trabalho, ou infringir grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado; ou c) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade não puderam, por meio dela, ser alcançadas. 3 - É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 57.º 4 - Se, nos casos previstos no n.º 2, o condenado tiver de cumprir pena de prisão, mas houver já prestado trabalho a favor da comunidade, o tribunal desconta no tempo de prisão a cumprir os dias de trabalho já prestados, de acordo com o n.º 3 do artigo anterior. 5 - Se a prestação de trabalho a favor da comunidade for considerada satisfatória, pode o tribunal declarar extinta a pena não inferior a setenta e duas horas, uma vez cumpridos dois terços da pena. 6 - Se o agente não puder prestar o trabalho a que foi condenado por causa que lhe não seja imputável, o tribunal, conforme o que se revelar mais adequado à realização das finalidades da punição: a) Substitui a pena de prisão fixada na sentença por multa até 240 dias, aplicando-se correspondentemente o disposto no n.º 2 do artigo 43.º; ou b) Suspende a execução da pena de prisão determinada na sentença, por um período que fixa entre um e três anos, subordinando-a, nos termos dos artigos 51.º e 52.º, ao cumprimento de deveres ou regras de conduta adequados. O nº 1 do art. 40º do CP define como finalidades da aplicação de penas a protecção de bens jurídicos, que consiste, no fim de contas, na prevenção geral e especial da prática da crimes, e a reinserção social do arguido, estatuindo o nº 2 do mesmo artigo que a pena não pode ultrapassar a culpa do agente. Como pode verificar-se, o n.º2 do art. 59º do CP prevê as seguintes causas autónomas de revogação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade: - Colocação intencional em situação de não poder trabalhar; - Recusa injustificada de prestação do trabalho; - Violação grosseira dos deveres inerentes à pena; - Condenação pela prática de outro crime, que revele que a finalidade da aplicação da pena não pôde ser alcançada através dela. Qualquer das causas enumeradas não é «automática» no sentido de que o funcionamento depende sempre da emissão de um juízo de valor pelo Tribunal. O despacho judicial proferido em 28/1/14, cujo teor se encontra transcrito no relatório do presente acórdão, revogou a pena substitutiva aplicada ao arguido, com fundamento em este ter deixado, injustificadamente, de prestar o trabalho a que estava vinculado. Ora, se bem interpretamos o normativo do art. 59º do CP, o mecanismo de substituição previsto no nº 6 deste artigo não se aplica a casos de mera recusa de prestação do trabalho, mas antes pressupõe uma impossibilidade duradoura, tanto quanto seja possível prever, de o condenado prestar esse trabalho. Com efeito, se o condenado deixar de prestar o trabalho a que está obrigado, sem justificação, a consequência será a revogação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, com repristinação pura e simples da pena de prisão aplicada em sede de sentença, sem a possibilidade de operar a substituição prevista no nº 6 do art. 59º. Pelo contrário, se se verificar que a falta de prestação do trabalho não é censurável ao condenado, cumprirá ao Tribunal não revogar a pena substitutiva e determinar o prosseguimento da execução desta, tão pouco havendo lugar ao accionamento do mecanismo a que nos vimos reportando. Diferentemente sucede na hipótese de o condenado ficar em situação que o impossibilite, duravelmente, de prestar trabalho, em cumprimento da pena prevista no art. 58º do CP. Caso o arguido se tenha colocado intencionalmente nessa situação, opera a causa de revogação da pena prevista na al. a) do nº 2 do art. 59º e só na eventualidade de a impossibilidade de prestação de trabalho não lhe ser imputável, poderá funcionar o mecanismo de substituição a que se refere nº 6 do mesmo artigo. Na motivação do recurso e suas conclusões, o arguido não veio invocar qualquer circunstância que, de forma duradoura, o impossibilitasse de prestar trabalho em cumprimento da pena substitutiva que lhe foi aplicada, mas sim uma situação que, em seu entender, teria justificado a não prestação de trabalho que motivou a prolação do despacho que revogou aquela sanção e repristinou a pena privativa de liberdade. Contudo, a partir do momento em que o despacho judicial de 28/1/14 transitou em julgado, por dele não ter sido tempestivamente interposto recurso, o ajuizamento do caracter justificado ou não da falta de prestação de trabalho, atestada nessa decisão, encontra-se subtraído ao poder cognitivo deste Tribunal da Relação. Nesta conformidade, teremos de concluir que a pretensão recursiva carece de viabilidade legal, estando votada à improcedência. III. Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida. Custas a cargo do recorrente, fixando-se em 2 UC o valor da taxa de justiça. Notifique. Évora, 12/4/16 (processado e revisto pelo relator) Sérgio Bruno Povoas Corvacho João Manuel Monteiro Amaro |