Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ANTÓNIO JOÃO LATAS | ||
Descritores: | FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO NULIDADE DO ACÓRDÃO QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DIVERSA ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA RELATÓRIO PERICIAL | ||
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Data do Acordão: | 03/18/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE | ||
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Sumário: | 1. A imagem do que vem sendo entendido relativamente à prova documental e aos meios de obtenção de prova (vd, por todos, o Ac. TC 87/99), o disposto no art. 355.º do CPP não exige a efectiva leitura e exame do relatório pericial em audiência, bastando-se com o acesso ao mesmo desde que é junto aos autos e a possibilidade de exercício de alguma das faculdades reconhecidas aos sujeitos processuais no art. 157.º, nº1 (pedido de esclarecimento aos peritos) ou no art. 158.º do CPP (pedido de realização de novas perícias). 2. Apesar do art. 379.º, nº1, al. b) do CPP referir na sua letra apenas a condenação por factos diversos, tem-se entendido a favor do arguido e, portanto, sem que se lhe oponha a proibição constitucional e ordinária de analogia “malam partem”, que aquela al. b) do n.º1 do art. 379.º vale igualmente para os casos de condenação do arguido com base em qualificação jurídica diversa da constante da acusação, sem cumprimento do disposto no art. 358.º do CPP. É esta a doutrina a extrair do Acórdão de Fixação de Jurisprudência (AFJ) nº 7/2008 de 25 de Junho, de acordo com o qual o incumprimento do disposto no art. 358.º nestes casos reconduz-se à nulidade de sentença prevista no art. 379º nº1 b) do CPP. Como aí se diz, ao condenar-se o arguido “…em pena acessória cuja indicação da disposição legal que a prevê e estabelece a sua medida foi omitida na acusação contra ele deduzida, sem que da respectiva alteração tivesse sido prevenido nos termos do art. 358º nºs 1 e 3, há que concluir que se incorreu em nulidade prevista na al. b) do nº1 do art. 379º”, posição igualmente assumida pelo STJ quando está em causa a pena acessória de expulsão. | ||
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Decisão Texto Integral: | Em conferência, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I. Relatório 1. – Nos presentes autos, que correm termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Elvas, foi acusado em processo comum com intervenção do tribunal colectivo J.R., …divorciado, empresário, residente …., em Elvas, a quem o MP imputara a prática, na forma consumada, de cinco crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256º, nº1, alínea a), do Código Penal, com referência ao conceito de documento constante da alínea a) do artigo 255º do mesmo diploma, na redacção vigente à data da prática dos factos. 2. - Realizada a Audiência de discussão e julgamento, decidiu o tribunal a quo: a) Absolver o arguido J.R. da prática de 4 (quatro) crimes de falsificação de documento, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 255º, alínea a) e 256º, nº 1, alínea a), do Código Penal. b) Condenar o arguido J.R. pela prática de 1 (um) crime de falsificação de documento, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 255º, alínea a) e 256º, nº 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de €4 (quatro euros), no total de €800 (oitocentos euros), a que correspondem subsidiariamente 133 (cento e trinta e três) dias de prisão. 3. – Inconformado, recorreu o arguido, formulando as seguintes conclusões: «CONCLUSÕES 1º O Acórdão recorrido ao considerar provada a matéria de facto constante da rubrica II- Fundamentação, seus pontos 2.1.6., 2.1.7, 2.1.10 e 2.1.12., a qual não constava do libelo acusatório de fls. 173/176 dos autos, violou o disposto nos Artigos 323 alínea f), 327, 339, nº4, 340, nº2, 343, 345, nº 1, 358 e 359, todos, do C.Proc.Penal, incorrendo em NULIDADE insuperável na elaboração da decisão recorrida por força do Art. 379, nº 1 alínea b) do C.Proc.Penal. 2º O Acórdão recorrido ao considerar provada a matéria de facto constante da rubrica II - Fundamentação seus pontos 2.1.8 e 2.1.9 (imitação de assinaturas desenhadas pelo arguido) incorreu em "erro notório na apreciação da prova" (Art. 410º, nº2 alínea c) do C.Proc.Penal) quer pela incorrecta apreciação e interpretação dos depoimentos das testemunhas e do próprio arguido (Transcrição integral junta) quer pela valoração indevida do Relatório Pericial (folhas 160¬170) o qual, para além de se limitar a formular um juízo de probabilidade, é inconclusivo e irrelevante para efeitos de prova (Não foi produzido nem examinado em audiência) por força do disposto nos Artigos 355, nºs 1 e 2 e 356, nº 9, ambos, do C.Proc.Penal; 3º A matéria de facto que no Acórdão recorrido foi considerada provada nos aludidos pontos 2.1.6., 2.1.7, 2.1.8, 2.1.9, 2.1.10 e 2.1.12. da rubrica 11- Fundamentação, pelos invocados motivos, de facto e de direito, deve ser considerada como não provada (art. 327, 339, nº4, 340, nº2, 343, 345, nº1, 355, 356. nº9, 358,359, 379, nº1, alínea b) e 410, n°2 alínea c), todos do C.Proc.Penal e, como tal, como inexistente e / ou irrelevante para a decisão final a proferir. 4° Não se provou, por isso, que o arguido tivesse Imitado/Falsificado a assinatura da testemunha M. (1), que não desenhou, tal como não se provou que tivesse obtido, para si ou para outra pessoa, beneficio ilegítimo (2) ou causado prejuízo (2), a outra pessoa ou ao Estado, circunstâncias, estas últimas (2), que nem sequer foram feitas constar da douta acusação pública integrando tal matéria de facto o conceito de decisão surpresa, nos termos e para os efeitos do Art. 358 e 359 do C.Proc.Penal, e como tal Nula e de Nenhum efeito (Art° 379, nº 1 alínea b) do C. Proc.Penal 5° O arguido não cometeu, por todos os motivos invocados de facto e de direito, o crime por que foi acusado e injustamente condenado (Art. 256, nº 1 alínea a) do C.Penal), em qualquer caso por o libelo acusatório de folhas 173/176 não lhe imputar, de forma completa, factos que integrassem este tipo legal de crime, nomeadamente, no que concerne à (in)existência do requisito do beneficio prejuízo para si, para outra pessoa ou para o Estado, cuja verificação o ilustre magistrado do Ministério Público não considerou no libelo acusatório. 6º O arguido, por não ter cometido o crime, por que foi acusado e julgado, deve ser absolvido e mandado em paz. Nestes termos e nos demais de direito que V.Exas doutamente Suprirão deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se o Acórdão Recorrido e substituindo-se por um outro Acórdão que absolva o arguido recorrente e o mande em paz, assim se fazendo JUSTIÇA» 4. – O MP junto do tribunal a quo apresentou a sua resposta, pugnando pela total improcedência do recurso. 5. - Nesta Relação, a senhora magistrada do MP emitiu parecer no sentido da procedência do recurso por se verificar a nulidade de sentença prevista no art. 379º nº1 b) do CPP, em virtude de o tribunal a quo ter procedido a qualificação jurídica dos factos diversa da acusação, sem ter dado cumprimento ao disposto no art. 358º nº3 do CPP. Conclui que a sentença recorrida deve ser declarada nula, remetendo-se o processo à 1ª instância para cumprimento daquele preceito legal. 6. – Notificado da junção daquele parecer, nos termos do art. 417º nº2 CPP, o arguido veio reafirmar o teor das conclusões da sua motivação. 7. A decisão recorrida (transcrição parcial) «2.1- Matéria de facto provada: Da discussão da causa e com interesse para a responsabilidade penal do arguido resultaram provados os seguintes factos: 2.1.1- M. e J.R. foram casados entre si. Na sequência de dissídios conjugais surgidos no início do ano de 2004, os cônjuges separaram-se em Outubro desse mesmo ano e mantiveram esse afastamento até à data da dissolução do respectivo casamento. 2.1.2- M. e J.R. eram em 2004 sócios da sociedade “P. .., Ldª”, empresa que se dedica à administração de condomínios, prestação de serviços técnicos, reparações de electricidade, manutenção de jardins e espaços verdes, electrónica, pinturas, canalizações, electrodomésticos. 2.1.3- M. foi nomeada gerente por deliberação da Assembleia-Geral datada de 07/07/2003, que decidiu ainda fixar-lhe a remuneração mensal de €356,60 (trezentos e cinquenta e seis euros e sessenta cêntimos), posteriormente actualizada. Por deliberação datada de 30/06/2004, a M. deixou de receber a dita remuneração, com efeitos a partir de 01/07/2004. 2.1.4- A referida sociedade era administrada e gerida pelo arguido J.R. que, no exercício das suas funções, recorria aos serviços de um Técnico Oficial de Contas, para tratar contabilisticamente da documentação relativa à actividade da mesma, designadamente para processar os documentos relacionados com os “custos com pessoal” – onde estava incluída a remuneração auferida por M. –, que eram apresentadas à Administração Fiscal. 2.1.5- Por força desses dissídios conjugais, a dita sócia-gerente deixou de facultar ao arguido a sua assinatura em diversa documentação relativa à aludida sociedade, designadamente não assinou diversas actas de Assembleias-Gerais [actas nºs 4, 5 e 10] e os recibos de vencimento relativos aos meses de Maio e Junho de 2004. 2.1.6- O arguido necessitava dessa assinatura (nas actas das Assembleias-Gerais e nos recibos de vencimento) para regularizar a situação fiscal da “P.., Ldª” junto da Administração Tributária. 2.1.7- Então, em data não concretamente determinada, mas subsequente ao mês de Junho de 2004, o arguido tomou a resolução de imitar a assinatura da sua mulher nos documentos em que essa firma fosse necessária, com o objectivo de fazer aparentar a regularidade dessa documentação e justificar parte das despesas associadas aos custos de pessoal. 2.1.8- Na sequência dessa decisão, o arguido apôs uma assinatura que imitava a da sua esposa nos “recibos de vencimento” relativos aos meses de Maio e Junho de 2004 e nas três actas que ostentavam os nºs 4, 5 e 10 do Livro de Actas apenso, que não estavam firmados pela sua mulher M. 2.1.9- Para tanto, o arguido desenhou, pelo seu próprio punho, as “assinaturas” que imitavam as da sua esposa M., conseguindo assim que as mesmas se assemelhassem com a firma verdadeira desta. 2.1.10- O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, no propósito de alcançar a vantagem decorrente de dispor na contabilidade da “P…Ldª” daqueles documentos [os quais aumentavam a rubrica dos custos com pessoal (conta 6411), alteravam a matéria colectável e permitiam obter assim um benefício fiscal ilegítimo], como se os mesmos fossem na verdade assinados pela M. 2.1.11- O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei. 2.1.12- Realizada uma fiscalização pelos Serviços de Inspecção Tributária, constatou-se que as remunerações relacionadas com os rendimentos auferidos na Categoria A pela sócia-gerente M. não foram efectivamente recebidas nos meses de Maio e Junho de 2004. Como tal, esses custos não foram suportados pela “P… Ldª” e acabaram por ser desclassificados para efeitos fiscais. * 2.1.13- O arguido J.R. não tem antecedentes criminais. 2.1.14- O arguido provém de uma família de média condição social e cultural, oriunda da zona da sua residência. A mãe do arguido não exercia qualquer actividade remunerada e actualmente encontra-se reformada. O pai, já falecido, trabalhou na Aeronáutica Civil nos Açores durante vinte anos e, após regressar a Elvas, desenvolveu uma actividade industrial. 2.1.15- Do casal nasceram quatro filhos, dos quais o arguido é o terceiro. A vivência familiar era estável, coesa e o relacionamento harmonioso. 2.1.16- A infância do arguido foi repartida entre os Açores, onde permaneceu até aos 6 anos e Elvas, localidade onde ainda reside. O arguido frequentou a escolaridade até ao antigo 7º ano dos liceus. Posteriormente, na qualidade de trabalhador-estudante, retomou os estudos e concluiu o 12º ano de escolaridade. 2.1.17- Por exigência paterna, trabalhava habitualmente nos períodos de férias escolares. Aos 22 anos de idade iniciou a actividade de venda de produtos decorativos. Decorridos 7 anos, trabalhou durante 9 anos na empresa do pai. A partir daí retomou a actividade de vendedor na firma “R.,.., Ldª”, da qual era sócio-gerente, conjuntamente com um irmão. Em 2002, fundou a empresa “P… Ldª”. Desde 2007 que o arguido não exerce qualquer actividade específica, embora desenvolva trabalho de apoio numa empresa imobiliária detida por um dos seus irmãos. 2.1.18- Aos 22 anos constituiu família e dessa relação nasceram dois filhos, que têm actualmente 15 e 12 anos de idade. Após a separação de facto do casal, o arguido passou a coabitar com a progenitora. As responsabilidades parentais são desenvolvidas na modalidade de guarda conjunta. 2.1.19- A residência da mãe fica localizada na zona histórica de Elvas. A casa é arrendada, de antiga construção, mas dispõe de boas condições de habitabilidade. 2.1.20- O arguido tem rendimentos mensais da ordem dos €400 (quatrocentos euros) e, por isso, regista algumas dificuldades económicas, sendo a sua subsistência apoiada por familiares. 2.1.21- No plano social a sua postura é discreta e reservada. O arguido tem hábitos de cariz acentuadamente familiar e laboral e não revela condutas socialmente reprováveis. Os tempos livres estão associados à intervenção que desenvolve, desde há vários anos, junto de movimentos católicos locais. No meio da residência, possui uma imagem favorável. Evidencia competências profissionais e capacidade empreendedora. 2.2- Matéria de facto não provada: Inexiste. 2.3- Fundamentação da matéria de facto provada: A consulta da certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial de Elvas (fls. 4-5) comprova as matérias relacionadas com as participações sociais e o objecto social da “P…, Ldª”. A análise da Acta nº 7 (datada de 7/7/2003) – constante de fls. 10 verso a 11 verso do Livro de Actas que constitui apenso documental a estes autos – comprova a nomeação de M. como sócia-gerente da “P…, Ldª” e a fixação da remuneração referida em 2.1.3. A acta nº11 do livro que se encontra apenso permitiu apurar que os pagamentos da remuneração fixada à M. cessaram em 01/7/2004. Estas actas foram assim importantes para dar como assente a factualidade referida em 2.1.3. O extracto de remunerações sociais junto a fls. 6-7, os extractos de conta corrente de fls. 34-36 e os recibos de vencimentos incorporados a fls. 124 e 125 demonstram que foi emitida a documentação relacionada com a remuneração relativa aos meses de Maio e Junho de 2004. O arguido reconheceu todos os factos inscritos em 2.1.1 a 2.1.6, mas negou que tivesse aposto a assinatura da esposa nos recibos e nas actas referenciados na peça acusatória. Neste campo, a convicção do tribunal foi formulada com base na análise do relatório pericial, na informação prestada pelos Serviços de Inspecção Tributária (fls. 15-23) e nos depoimentos tomados M. J.V. e E. A testemunha M., antiga esposa do arguido, demonstrou credibilidade quando afiançou que não tinha subscrito nenhum dos documentos atrás assinalados. Esta afirmação é confirmada pelas conclusões do exame de letra (a fls. 166 dos autos admite-se como muitíssimo provável que a escrita suspeita não seja da sua autoria) e pela informação prestada pelos Serviços de Inspecção Tributária. A par da informação prestada pelos Serviços de Inspecção Tributária, o depoimento isento, rigoroso e tecnicamente diferenciado tomado a J.V., técnico da Direcção Geral dos Impostos, serviu para apurar a natureza do prejuízo potencialmente causado ao erário público e para legitimar a conclusão exarada em 2.1.12. As diligências instrutórias relatadas pela referida testemunha sustentam a tese que a única entidade interessada no processamento dos rendimentos da M., na qualidade de gerente da pessoa colectiva, era a sociedade “P., Ldª”. Mais ficou salientado que esta era a única entidade que poderia beneficiar dos referidos custos com pessoal na respectiva declaração de rendimentos e que a figura do arguido emergia como o titular do interesse social relevante para a matéria aqui em causa. Também a testemunha E., Técnica Oficial de Contas, teve uma colaboração relevante para a fixação da factualidade considerada provada, ao assumir que os livros de actas e, bem assim, a restante documentação contabilística eram de acesso reservado. Explicitou de forma convincente que o seu interlocutor privilegiado no tratamento da informação e fornecimento de elementos de suporte era o próprio arguido. Ao mesmo passo, reconheceu que, por vezes, eram os funcionários da “P..–.., Ldª” que faziam o transporte dos elementos de organização contabilística entre o seu escritório e as instalações da sua entidade patronal, sendo que foram nesses percursos que eram colhidas as assinaturas em falta. O relatório pericial (fls. 160-170) elaborado pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária admite como “muitíssimo provável” que a escrita suspeita das assinaturas de M. apostas nas actas nº4, 5 e 10 e nos recibos de vencimento de fls. 124 e 125 dos autos seja da autoria de J.R. Deste modo, as sinergias probatórias existentes entre o dito relatório pericial, a informação prestada Direcção de Finanças de Portalegre e os depoimentos colhidos a M., J.V. e E. responsabilizam a fixação dos factos enumerados em 2.1.7 a 2.1.11. São as considerações, extrapolações e explicações encerradas nestas últimas fontes probatórias que permitem concluir com absoluta segurança que a escrita suspeita foi feita pelo punho do arguido, completando aqui o alcance da suspeita contida no exame à letra realizado pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária. A matéria atinente à ausência de antecedentes criminais está certificada nos autos (informação de fls. 192). A fixação dos factos relacionados com os dados de socialização do arguido e com o respectivo tipo de inserção pessoal, familiar e social teve na sua base a análise do relatório social junto aos autos. As testemunhas L., irmão do arguido, e H., S. e J., antigos colaboradores da “P., Ldª”, abonaram o comportamento do arguido e tinham conhecimento directo da matéria relacionada com a quebra do vínculo matrimonial entre o arguido e a esposa. III – Enquadramento jurídico: Do crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256º, nº1, al. a) do Código Penal, com referência ao artigo 255º, al. a) do mesmo diploma, na redacção vigente à data da prática dos factos: A lei define documento como a declaração corporizada em escrito, ou registada em disco, fita gravada ou qualquer meio técnico, inteligível para a generalidade das pessoas ou para um certo círculo de pessoas, que, permitindo reconhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua emissão quer posteriormente; e bem assim o sinal materialmente feito, dado ou posto numa coisa para provar facto juridicamente relevante e que permitia reconhecer à generalidade das pessoas ou a um certo círculo de pessoas o seu destino e a prova que dele resulta (artigo 255º al. a) do Código Penal). A partir desta definição pode-se concluir que, em sede de direito penal, documento «não é o material que corporiza a declaração mas a própria declaração independentemente do material em que está corporizada; e declaração enquanto representação de um pensamento humano (função de perpetuação)», assim, e ao contrário do direito civil, aqui contempla qualquer documento, seja ele «escrito, registo em disco, fita gravada, ou qualquer outro meio técnico – que integre uma declaração idónea a provar facto juridicamente relevante» [1] . Assim, segundo a jurisprudência mais qualificada, enquanto objecto material de crime de falsificação de documentos, este consubstancia-se na própria declaração, independentemente do material em que esteja corporizada, como representação de um pensamento humano [2] . No domínio do Código Penal vigente à data da prática dos factos, o artigo 256º, nº1, ditava que: «quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo: a) fabricar documento falso, falsificar ou alterar documento ou abusar da assinatura de outra pessoa para elaborar documento falso; b) fizer constar falsamente de documento facto juridicamente relevante; ou c) usar documento a que se referem as alíneas anteriores, fabricado ou falsificado por outra pessoa; é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa» (artigo 256º, nº1, al. a) do Código Penal). A revisão do Código operada pela Lei nº59/2007, de 04/09, no que concerne aos crimes de falsificação, não trouxe alterações substanciais ao desenho legal, limitando-se a concretizar de forma mais impressiva e detalhada o alcance da protecção criminal e para isso socorreu-se para este efeito de algumas das contribuições doutrinais e jurisprudenciais que já constituíam a prática corrente e se apresentavam como a fonte privilegiada da evolução legislativa. Actualmente, o nº1 da norma em debate tem a seguinte redacção: «1- Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime: a) fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo; b) falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram; c) abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento; d) fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante; e) usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou f) por qualquer meio, facultar ou detiver documento falso ou contrafeito é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa». O crime em apreço pode ser cometido através de uma falsificação material ou de uma falsificação intelectual (ou falsidade). Com a edição da norma em questão o legislador pretendeu proteger «a verdade intrínseca do documento enquanto tal. Considerando-se que o crime de falsificação de documentos afecta toda a sociedade, entendeu-se desde sempre que o bem jurídico protegido por este tipo legal de crime era a fé pública, traduzida num sentimento geral de confiança nos actos públicos. (…) Na verdade, a fé pública não é um bem jurídico criminal, mas uma característica que emana de certos documentos, e a fé pública, a confiança pública na autenticidade e veracidade dos documentos será tanto maior quanto maior for a força probatória do documento. É este documento enquanto meio de prova que o direito quer proteger». E, por outro prisma, também se salienta que «o direito penal não pretende proteger apenas certo tipo de documentos, mas todos os documentos cuja falsidade venha a colocar em risco a segurança e credibilidade no tráfico jurídico-probatório, em especial dos meios de prova documentais. Não é toda a segurança no tráfico jurídico que se pretende proteger mas apenas a relacionada com os documentos» [3] . Na leitura de Marques Borges [4] a lei penal pretende salvaguardar «o valor probatório dos documentos de forma, a indirectamente, se protegerem, igualmente, os interesses cuja existência só é possível certificar através dos meios de prova. Ao proteger o valor probatório dos documentos acautela-se o desenrolar de vida em sociedade, garantindo a confiança mútua nas relações sociais. O documento é uma “voz morta” que prolonga a vontade e o pensamento do homem para além da sua vida. É essa confiança na prova documental que tem de ser tutelada pelo Estado para que os documentos possam merecer fé pública». Vejamos: Em data não concretamente determinada, mas subsequente ao mês de Junho de 2004, o arguido tomou a resolução de imitar a assinatura da sua mulher nos documentos em que essa firma fosse necessária, com o objectivo de fazer aparentar a regularidade dessa documentação e justificar parte das despesas associadas aos custos de pessoal. Na sequência dessa decisão, o arguido apôs uma assinatura que imitava a da sua esposa nos “recibos de vencimento” relativos aos meses de Maio e Junho de 2004 e nas três actas que ostentavam os nºs 4, 5 e 10 do Livro de Actas apenso, que não estavam firmados pela sua mulher M. Para tanto, o arguido desenhou, pelo seu próprio punho, as “assinaturas” que imitavam as da sua esposa M., conseguindo assim que as mesmas se assemelhassem com a firma verdadeira desta. O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, no propósito de alcançar a vantagem decorrente de dispor na contabilidade da “P… Ldª” daqueles documentos [os quais aumentavam a rubrica dos custos com pessoal (conta 6411), alteravam a matéria colectável e permitiam obter assim um benefício fiscal ilegítimo], como se os mesmos fossem na verdade assinados pela M. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei. Perscrutada a matéria assente verifica-se que, tanto na matriz objectiva como na sua dinâmica subjectiva, a conduta do arguido preenche a previsão do crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256º, nº 1, alínea a), do Código Penal, com referência ao conceito de documento constante da alínea a) do artigo 255º do mesmo diploma, na redacção vigente à data da prática dos factos. O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente (artigo 30º, nº1, do Código Penal). A realização plúrima do mesmo tipo de crime pode constituir: a) um só crime, se ao longo de toda a realização tiver persistido o dolo ou a resolução inicial; b) um só crime na forma continuada, se toda a actuação não obedecer ao mesmo dolo, mas este estiver interligado por factores externos que arrastam o agente para a reiteração de condutas; c) um concurso de infracções, se não se verificar qualquer dos casos anteriores [5] . Se tiver havido um só desígnio criminoso, o crime há-de ser necessariamente único, já que subsumível a um mesmo tipo criminal, ou seja, ofensivo de idêntico bem jurídico. Ao invés, se o comportamento do arguido revelar uma pluralidade de resoluções poder-se-ão pôr – e então só – as hipóteses de pluralidade de infracções ou de crime continuado [6] . As violações plúrimas devem ser objecto de distintas resoluções criminosas. Se o agente tiver tomado uma só decisão criminosa de realização de violações plúrimas do bem jurídico, há um só crime [7] . No presente caso, não obstante a falsificação de documentos ser plural, no plano da vontade e do conhecimento existe apenas uma decisão inicial de repetição da prática criminosa que persistiu ao longo de toda a realização do facto delituoso. De maneira que não há lugar à pluralidade de juízos de censura e a reprovação penal do comportamento deve ser feita unicamente relativamente a um comportamento típico, devendo, por isso, o arguido ser sancionado apenas pela prática de um crime de falsificação de documento. (…)» Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentação 1. Delimitação do objecto do recurso. É pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo da decisão das questões de conhecimento oficioso. São as seguintes as questões suscitadas pelo arguido recorrente nas suas conclusões: - Nulidade de sentença prevista no art. 379º nº 1 al. b) do C.P.P., por violação do disposto nos arts 358º e 359, do C.P.P., ao julgar provada a factualidade descrita sob os nºs 2.1.6., 2.1.7, 2.1.10 e 2.1.12. da factualidade provada, que não constava da acusação; - Erro notório na apreciação da prova (art. 410º nº2 al. c) do C. P. Penal ao considerar provada a matéria de facto descrita nos pontos 2.1.8 e 2.1.9 (imitação de assinaturas desenhadas pelo arguido); - Das consequências dos eventuais vícios da decisão, pois o recorrente pretende que toda aquela factualidade deve ser considerada como não provada e, como tal, como inexistente/e ou irrelevante para a decisão final a proferir; Por ser de conhecimento oficioso, impõe-se conhecer ainda da nulidade de sentença prevista no art. 379º nº1 b) do CPP, a que se refere o MP nesta Relação, ou seja, ter o tribunal a quo procedido a qualificação jurídica dos factos diversa da acusação, sem ter dado cumprimento ao disposto no art. 358º nº3 do CPP. Vejamos, então, começando por conhecer do vício de erro notório na apreciação da prova, cujos efeitos podem ser mais abrangentes que os derivados das apontadas nulidades de sentença sem que, em todo o caso, o seu conhecimento ficasse prejudicado pela eventual procedência daquelas nulidades. 2.1. – Do apontado erro notório na apreciação da prova. Conforme pode ler-se no 2º ponto da sua conclusão, o recorrente considera que o tribunal a quo errou notoriamente ao julgar provada a factualidade descrita sob os nºs 2.1.8 e 2.1.9 do acórdão recorrido (imitação de assinaturas desenhadas pelo arguido), quer pela incorrecta apreciação e interpretação dos depoimentos das testemunhas e do próprio arguido (Transcrição integral junta) quer pela valoração indevida do Relatório Pericial (folhas 160¬170). Por comodidade de exposição e leitura, transcreve-se de novo o teor dos nºs 2.1.8 e 2.1.9., da factualidade provada: “ 2.1.8- Na sequência dessa decisão, o arguido apôs uma assinatura que imitava a da sua esposa nos “recibos de vencimento” relativos aos meses de Maio e Junho de 2004 e nas três actas que ostentavam os nºs 4, 5 e 10 do Livro de Actas apenso, que não estavam firmados pela sua mulher M.. 2.1.9- Para tanto, o arguido desenhou, pelo seu próprio punho, as “assinaturas” que imitavam as da sua esposa M., conseguindo assim que as mesmas se assemelhassem com a firma verdadeira desta.”. Na apreciação crítica da prova, o tribunal a quo explica que julgou provados estes factos com base na análise do relatório pericial, na informação prestada pelos Serviços de Inspecção Tributária (fls. 15-23) e nos depoimentos tomados a M., J.V. e E., analisando de forma cabal e detalhada a relevância de cada um destes elementos de prova no juízo formulado. Ora, conforme é pacificamente entendido e consta expressamente da letra do art. 410º nº2, corpo, os vícios previstos nas suas três alíneas, devem resultar, unicamente, do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, pelo que contrariamente ao pretendido pelo recorrente, o teor dos depoimentos das testemunhas não pode ser invocado para fundamentar o alegado vício de erro notório que, igualmente de forma pacífica, é tido como o erro manifesto, grosseiro, perceptível para a generalidade das pessoas a partir, precisamente, do texto da decisão, como aludido. Dada a multiplicidade de meios de prova que contribuíram para a formação da convicção do tribunal a quo relativamente aos pontos de factos 2.18 e 2.1.9, sempre o carácter alegadamente inconclusivo da perícia de fls 160-170 e mesmo a pretendida irrelevância da mesma seria insuficiente para poder concluir-se pela verificação do apontado vício. Sempre se diga, porém, que as conclusões do relatório pericial se mostram devidamente integradas e complementada pelos restantes meios de prova, conforme explicado na apreciação crítica da prova, em termos que não só não suscitam qualquer reparo como merecem a nossa concordância. Não obstante o seu especial valor probatório (cfr. art. 163º do CPP) a prova pericial vale nos termos e com os limites intrínsecos à própria perícia, sem que se lhe exija, necessariamente, resposta inequívoca em qualquer dos sentidos. Em casos como o presente – exame e comparação de letras – é mesmo mais comum que a perícia não seja conclusiva, impondo-se conjugar o respectivo resultado com os demais meios de prova, para que o tribunal possa formar convicção fundamentada em qualquer dos sentidos, à imagem do que, exemplarmente, parece-nos, foi feito no caso presente. Por outro lado, não tem o recorrente razão, numa dupla perspectiva, quando afirma que o relatório pericial é irrelevante porque não foi produzido nem examinado em audiência. Em primeiro lugar porque, à imagem do que vem sendo entendido relativamente à prova documental e aos meios de obtenção de prova (vd, por todos, o Ac TC 87/99), o disposto no art. 355º do CPP não exige a efectiva leitura e exame do relatório pericial em audiência, bastando-se com o acesso ao mesmo desde que é junto aos autos e a possibilidade de exercício de alguma das faculdades reconhecidas aos sujeitos processuais no art. 157º nº1 (pedido de esclarecimento aos peritos) ou no art. 158º do CPP (pedido de realização de novas perícias). Em segundo lugar, porque se entende que o art. 356º não regula a leitura dos autos e relatórios do perito, os quais podem ser lidos em audiência - nomeadamente a requerimento – independentemente da fase processual em que foram realizados e da presença do autor na audiência [8] . Assim sem outros comentários, por desnecessários, improcede o recurso do arguido nesta parte. 2.2. – Das invocadas nulidades de sentença. a) Comecemos por conhecer da nulidade de sentença por falta de comunicação de alegada alteração da qualificação jurídica dos factos, pois apesar de esta não ter sido arguida por via de recurso – não pode considerar-se como tal o parecer do MP nesta Relação – impõe-se ao tribunal o seu conhecimento oficioso. Na verdade, temos entendido que são de conhecimento oficioso as nulidades de sentença previstas no art. 379º do CPP, pois como pode ler-se no Ac RP de 30.03.05, «… não restam dúvidas que as nulidades de sentença enumeradas no n.º 1 desse artigo são oficiosamente cognoscíveis, uma vez que têm regime próprio e diferenciado do regime geral das nulidades dos restantes actos processuais, estabelecendo-se no n.º 2 do mesmo que as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso (cfr. Acórdão do S.T.J, de 31-05-2001, SASTJ, n.º 51, 97, citado por Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal Anotado e Comentado, 13ªEdição-2002, pág.749).» Ao alterar a redacção do nº2 do art. 379º, a Lei 58/98 de 25 de Agosto terá pretendido deixar claro o entendimento do legislador em duas matérias que tinham dividido a jurisprudência: a possibilidade de arguição da nulidade de sentença na motivação de recurso (tal como entendera o Acórdão do STJ para Fixação de Jurisprudência nº 1/94, de 2.12.93, DR I-A de 11.02.94) e o conhecimento oficioso da nulidade, ou seja, o seu conhecimento em recurso mesmo que não arguida (pois só assim constitui uma verdadeira alternativa. - arguidas ou conhecidas em recurso), contrariamente ao entendimento que obteve vencimento no Acórdão do STJ para Fixação de Jurisprudência de 6 de Maio de 1992, DR I-A de 6.8.92, o qual caducou [9] por efeito da referida Lei 58/98. Vejamos então. b) No plano objectivo constatamos que, efectivamente, a acusação pública proferida em 20.07.2008 imputa ao arguido a prática de 5 crimes de falsificação de documento p. e p. pelo art. 256º nº1 al. d) do C. Penal, com referência ao conceito de documento constante da al. d) a) do art. 255º do mesmo diploma. Uma vez que à data da acusação vigorava já a actual redacção do art. 256.º do C.Penal que, contrariamente à versão anterior à introduzida pela Lei 59/2007 de 4 e Setembro, incluía a actual al. d) do seu nº1 e que o MP nada refere em matéria de aplicação da lei penal no tempo, tem que considerar-se ser aquela a qualificação jurídica dos factos feita pelo MP na acusação, pelo que diferente qualificação feita pelo tribunal – ainda que, hipoteticamente, com base na consideração de que a referência à al. d) na acusação pode ter ficado a dever-se a mero lapso do MP – implicava o cumprimento do disposto no art. 358º nºs 1 e 3, do CPP, para assegurar os direitos de defesa do arguido. Assim, ao condenar o arguido pela prática de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo art. 256º nº1 a) do C.Penal, na sua actual versão, entendemos que o tribunal a quo alterou a qualificação jurídica dos factos, tanto mais que cada uma das alíneas corresponde a modalidades de falsificação bem distintas entre si, referindo-se a al. a) à falsificação material e a al. d) à falsidade ou falsificação intelectual e que ao condenar o arguido nestes termos sem comunicar-lhe a alteração em causa, foi efectivamente violado o disposto nos artigos 358º nºs 1 e 3 do C.P.P. Deste modo e apesar de o art. 379º nº1 al. b) referir na sua letra apenas a condenação por factos diversos, tem-se entendido a favor do arguido e, portanto, sem que se lhe oponha a proibição constitucional e ordinária de analogia “malam partem”, que aquela al. b) do nº1 do art. 379º vale igualmente para os casos de condenação do arguido com base em qualificação jurídica diversa da constante da acusação, sem cumprimento do disposto no art. 358º do CPP. É esta a doutrina a extrair do Acórdão de Fixação de Jurisprudência (AFJ) nº 7/2008 de 25 de Junho, de acordo com o qual o incumprimento do disposto no art. 358º nestes casos reconduz-se à nulidade de sentença prevista no art. 379º nº1 b) do CPP. Como aí se diz, ao condenar-se o arguido “…em pena acessória cuja indicação da disposição legal que a prevê e estabelece a sua medida foi omitida na acusação contra ele deduzida, sem que da respectiva alteração tivesse sido prevenido nos termos do art. 358º nºs 1 e 3, há que concluir que se incorreu em nulidade prevista na al. b) do nº1 do art. 379º”, posição igualmente assumida pelo STJ quando está em causa a pena acessória de expulsão. Nos termos do nº2 do art. 379º as nulidades de sentença, que pela sua natureza o admitam, podem ser supridas pelo tribunal de recurso, podendo ainda ser previamente supridas pelo tribunal recorrido, nos termos adaptados do art. 414º nº4 do CPP. Independentemente da questão de saber se, em geral, o tribunal de recurso apenas pode suprir a nulidade que consista no conhecimento pelo tribunal recorrido de questão de que não podia tomar conhecimento, sob pena de supressão de um grau de jurisdição [10] , no caso presente sempre a nulidade é insusceptível de suprimento por este tribunal de recurso. Na verdade, conforme se decidiu no Assento nº 3/2000 de 15.12.1999 (DR I série de 11.02.2000, em conformidade com as decisões do Tribunal Constitucional nele citadas, v.g. no Ac TC de 15 de Julho de 1998, a declaração de nulidade da sentença por falta de cumprimento do disposto no art. 358º do CPP implica que se anule a decisão viciada e se dê ao arguido a possibilidade de exercer cabalmente o seu direito de defesa. Tal implica a anulação da decisão condenatória e a reabertura da audiência pelo mesmo tribunal para que, antes de proferidas alegações e do encerramento da mesma audiência, seja comunicada ao arguido a alteração em causa e demais termos previstos no nº 1 do art. 358º do CPP, proferindo-se, após, nova decisão [11] , de acordo com o que eventualmente vier a produzir-se em audiência relativamente à matéria da alteração. Comunicação da alteração da qualificação jurídica que, no caso concreto, abrange igualmente a eventual aplicação da norma prevista na redacção do art. 256º do C. Penal anterior à Lei 59/2007, se procedendo à ponderação global e concreta dos regimes legais que se sucedem no tempo (questão que o tribunal a quo não apreciou) concluir que é mais favorável ao arguido o regime legal em vigor à data da prática dos factos. c) Quanto à alegada condenação do arguido por factos não constantes da acusação, igualmente geradora do vício de nulidade de sentença previsto na al. b) do nº1 do art. 379º do CPP, parece-nos ter o arguido razão no que respeita a parte da factualidade descrita sob os números 2.16. “…para regularizar a situação fiscal da “P…, Ldª” junto da Administração Tributária”, 2.1.7- “… e justificar parte das despesas associadas aos custos de pessoal.”, 2.1.10.”… [os quais aumentavam a rubrica dos custos com pessoal (conta 6411), alteravam a matéria colectável e permitiam obter assim um benefício fiscal ilegítimo], como se os mesmos fossem na verdade assinados pela M.”, e todo o nº 2.1.12.. Trata-se, efectivamente, de factualidade relevante para a decisão da causa não constante da acusação, na medida em que especifica e complementa afirmações conclusivas contidas na acusação e que a cabal satisfação do princípio do acusatório impõe que seja comunicada previamente ao arguido para que este possa, querendo, apresentar a sua defesa quanto a tais factos, ainda que apenas em sede de alegações. A alteração factual em causa, porém, constitui alteração não substancial de factos (art. 358º do CPP – e não alteração substancial dos mesmos (art. 359º C.P.P.), pois não tem como efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, mantendo-se o tipo penal e a moldura abstracta que lhe vêem imputados na acusação - sem prejuízo da analisada alteração da qualificação jurídica desses mesmos factos em que, lembremo-lo, apenas estão em causa diferentes alíneas do mesmo nº1 do art. 256º do C.Penal. Não tem igualmente razão o arguido quanto às consequências jurídicas que pretendia retirar da referida nulidade de sentença, pois estas não se traduzem na absolvição do arguido, mas antes na remessa dos autos ao tribunal a quo para reabertura da audiência e demais termos supra referidos e que são, aliás, os efeitos conformes com o genericamente estabelecido no art. 122º do CPP, de acordo com o qual deve ordenar-se a repetição dos actos inválidos, sempre que possível e necessário, aproveitando-se todos os actos que puderem ser salvos do efeito da nulidade. [12] e possível, pelos mesmos juízes. Procede, pois, parcialmente o recurso interposto pelo arguido. III. Dispositivo Nesta conformidade, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em julgar parcialmente procedente o recurso, declarando nulo o acórdão recorrido e determinando, em consequência, a reabertura da audiência pelo mesmo tribunal que procedeu à audiência de julgamento para que, antes de proferidas alegações e do encerramento da mesma audiência, sejam comunicadas ao arguido as supra descriminadas alterações da factualidade e da qualificação jurídica, de harmonia com o preceituado no art. 358.º do C.P.P, prosseguindo-se, após, os demais termos, incluindo nova decisão de acordo com o que eventualmente vier a produzir-se em audiência de julgamento, sem prejuízo dos limites impostos pelo respeito do caso julgado e pela proibição da reformatio in pejus. Custas pelo arguido, pelo decaimento parcial, fixando-se em 2 UC a taxa de justiça devida – cfr. art.s 513º e 514º, do CPP e 87 nº1 b) do CCJ. Évora, 18 de Março de 2010 (Processado em computador. Revisto pelo relator.) ------------------------------------------------------------- (António João Latas) ---------------------------------------------------------------- (Carlos Jorge Viana Berguete Coelho) ______________________________ [1] Helena Moniz, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, pág. 667. [2] Ac. RL de 19/07/2001, CJ XXVI, III, 153. [3] Helena Moniz, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, págs. 679 e 680. [4] Dos crimes de falsificação de documentos, moedas, pesos e medidas, pág. 28. [5] Ac. do STJ de 25/06/1986, in BMJ 358-267. [6] Ac. do STJ de 30/01/1986, in BMJ 353-240. [7] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 138. [8] Assim, Pinto de Albuquerque, Comentário do C.P.P.-2007, p. 877. [9] Assim, expressamente, o Ac. RE de 17.10.2006, acessível em www.dgsi.pt. No sentido do conhecimento oficioso podem ver-se ainda, por todos, os Ac. STJ de 2.02.2005, CJ STJ I/p. 189 e 9.11.05, CJ STJ, T. III/p. 209 e Ac RL de 13.01.2005, CJ XXX - I/p. 123. Entre muitos outros acórdãos, das Relações e do STJ, que implicitamente entendem serem as nulidades de sentença de conhecimento oficioso, ao conhecer das mesmas sem prévia arguição, podem ver-se os Ac. STJ de 16.11.05, CJ STJ, T. III/p 210 e de 11.01.06, CJ STJ I/p. 160. [10] Assim Pinto de Albuquerque, Comentário ao CPP, 2007 p. 948 [11] Assim Pinto de Albuquerque ob. e loc. citados. [12] - Também no AFJ nº 5/95 de 19.10.1995 (DR I Série de 28.12.1995) se refere, a propósito de vícios da sentença, que a consequência da sua verificação é a repetição do acto final de julgar (sentença ou acórdão) feita pelo mesmo tribunal que a proferiu e, se possível, pelos mesmos juízes. |