Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
127/14.1T8ALR-A.E1
Relator: MATA RIBEIRO
Descritores: LITISCONSÓRCIO
INTERVENÇÃO PROVOCADA
ARTICULADOS
Data do Acordão: 05/19/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
Na situação de litisconsórcio voluntário o chamamento no âmbito de intervenção principal provocada pode ser requerido até ao termo da fase dos articulados, mais precisamente até à prática do ato processual que imediatamente suceda a essa fase.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


No âmbito da ação comum n.º 127/14.1T8ALR a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém (Almeirim – Instância Local – Secção de Competência Genérica – J1) em que Transvircel – Transportes Rodoviários, lda, demanda Zuruch Insurance Plc – Sucursal em Portugal, Agro Roque Bento – Sociedade agricultura de Grupo Sag. Lda., e Fundo De Garantia Automóvel peticionando, além do mais que, a ré Agro Roque Bento, Lda. seja condenada no pagamento de quantia devida a título de danos sofridos em acidente de viação no qual teria sido interveniente viatura da qual esta ré era proprietária.
Notificada da contestação do réu F.G.A. e para, querendo, expor o que tivesse por conveniente quanto à exceção dilatória invocada por este réu, veio a autor requerer a intervenção provocada do condutor do veículo, João Manuel Correia Duarte, invocando ser este responsável pelos danos que cometer na condução.
Notificados, vieram as rés Zurich, e Agro Roque, invocar que aquele pedido de intervenção foi formulado fora de qualquer dos prazos previstos no artº 318º do CPC.
Em 26/11/2016 foi proferido despacho julgando procedente o pedido de intervenção principal provocada do chamado, como associado das rés.
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Irresignadas com tal decisão vieram as rés Zurich e Agro Roque interpor o presente recurso, terminando nas suas alegações por formular as seguintes conclusões:
1 – O A. requereu a intervenção provocada de João Manuel Correia Duarte,
2 – Mas o artº 318º-1-b) do CPC só permite tal até ao termo da fase dos articulados.
3 – Opuseram-se por isso as Rés àquele chamamento,
4 – Mas o Mº Juiz a quo admitiu a dita intervenção porque, no seu entender, quando foi feito o respetivo pedido ainda não estava ultrapassada a fase dos articulados, porque não fora ainda proferido qualquer despacho ao abrigo das normas dos artºs. 590º e ss. do CPC.
5 – Contudo, as disposições dos artºs. 590º e ss. do CPC regulam atos de saneamento ou condensação que só podem ser praticados depois de terminada a fase dos articulados.
6 – Carece de relevo a afirmação feita pelo Mº Juiz a quo de que ainda não estava ultrapassada a fase dos articulados quando do pedido de intervenção por não ter sido ainda proferido nenhum despacho de condensação ou saneamento do processo, porque a lei só permite aquele pedido até ao termo da fase dos articulados – necessariamente terminada quando começa a dita fase da condensação (nos termos dos artºs. 590º e ss. do CPC).
7 – O sistema do CPC também não consente a argumentação do douto despacho recorrido: a fase dos articulados e a da condensação estão clara e nitidamente demarcadas, tendo Títulos próprios no Livro III do Código: Título I para a fase dos articulados e Título II para a da condensação.
8 – Ao elemento histórico também repugna o douto despacho recorrido: da permissão até à marcação do Julgamento ou até ser proferida a sentença na 1ª instância (artº 323º do Cód. anterior) passou-se rigidamente para até ao termo da fase dos articulados.
9 – Finalmente: o douto despacho recorrido contraria, sem razão, o entendimento uniforme da jurisprudência e da doutrina.
10 – Objetivo da A. com a requerida intervenção: introduzir no processo meios de prova que doutra forma não poderia produzir.
11 – Este recurso foi interposto por isso mesmo, e por se não poder utilmente aguardar, para o interpor, por recurso que porventura se interpusesse da decisão final.
12 – O douto despacho recorrido violou o disposto no artº 318º-1-b) do CPC.
13 – Deve por isso revogar-se, substituindo-se por decisão que não admita, por extemporaneidade, a intervenção requerida pela A.

Não foram apresentadas contra alegações.
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Apreciando e decidindo

O objeto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso.
Assim, a questão essencial que importa apreciar, resume-se em saber, se bem andou o Julgador a quo em deferir o pedido de intervenção principal provocada.

Os factos a ter em conta, para apreciação da questão, são essencialmente os descritos no relatório, que nos dispensamos de reproduzir de novo.
Conhecendo da questão
De acordo com a lei o chamamento para intervenção de terceiro na instância, nos casos de litisconsórcio voluntário só pode ser requerido “até ao termo da fase dos articulados” (cfr. artº 318º n.º 1 al. b) do CPC.
O Julgador a quo entendeu ser o chamamento, requerido pela autora, tempestivo “uma vez que não se encontra ultrapassada a fase dos articulados, não tendo sido proferido qualquer despacho ao abrigo das normas dos artºs 590º e ss. do CPC”.
As recorrentes discordam deste entendimento sustentando que a fase dos articulados, fase dependente das partes, não se pode considerar não terminada, só pelo facto do juiz ainda não ter iniciado a fase seguinte do processo, que podemos designar de intermédia, seguindo o entendimento de Paulo Pimenta[1] que na tramitação da ação declarativa comum reconhece a existência de três fases (fase inicial, fase intermédia e fase final).
Do preceituado legal as duas interpretações são possíveis, uma mais literal, seguida pelas recorrentes, e outra, mais racional, seguida pelo Julgador a quo.
Como salientam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[2] a interpretação “mais literal aponta para que o termo do prazo para o último articulado do processo preclude a intervenção do terceiro” enquanto a “mais racional aponta para que a preclusão se dá com a prática do ato seguinte à apresentação do último articulado, que é na tramitação normal do processo e consoante os caso, o despacho pé-saneador (artº 590º n.º 2), a marcação da data da audiência précia (artº 591º n.º 1), o despacho que a dispense (artºs 593º n.º 1) ou o primeiro dos despachos do artº 593º n.º 2”.
Como bem referem os aludidos autores a interpretação preferível é que se estriba no elemento racional, sendo que a questão interpretativa referente à fase ou período dos articulados já havia sido alvo de debate entre Lopes Cardoso e Alberto dos Reis a propósito do artº 359º do CPC de 1939, defendendo este que referindo a lei que a intervenção teria lugar “durante o período dos articulados” tal significava que só podia ter lugar até ao termo do prazo do último articulado, enquanto aquele entendia que o limite para a intervenção era o momento em que era proferido o despacho saneador, ato que na altura sucedia ao último articulado (v. Alberto dos Reis in CPC anotado, 1980, vol. I, 522).
Reconhecemos a existência de perturbação da tramitação processual se fosse reconhecida a possibilidade de intervenção de terceiros, indiscriminadamente depois da fase dos articulados, mas comungamos da posição daqueles autores, na interpretação mais racional do preceito de modo que o chamamento, apenas, não poderá ser admitido depois do termo da fase dos articulados, ou seja “mais precisamente após a prática do ato processual que imediatamente se suceda a essa fase”[3] independentemente de já se encontrar esgotado o termo do prazo para o último articulado.
Nestes termos, e porque nos autos, ainda, não havia sido proferido qualquer despacho marcando o início da segunda etapa da ação, a fase intermédia do processo, não havia óbice a que fosse requerida a intervenção provocada nos termos pretendidos pela autora, pelo que temos por correto o despacho recorrido.
Irrelevam, assim, as conclusões apresentadas pelas recorrentes sendo de julgar improcedente o recurso.

Para efeitos do disposto no n.º 7 do artº 663º do CPC, em conclusão:
- Na situação de litisconsórcio voluntário o chamamento no âmbito de intervenção principal provocada pode ser requerido até ao termo da fase dos articulados, mais precisamente até à prática do ato processual que imediatamente suceda a essa fase.
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DECISÂO
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
Custas pelas apelantes.

Évora, 19 de Maio de 2016
Mata Ribeiro
Sílvio Teixeira de Sousa
Rui Machado e Moura

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[1] - in Processo Civil Declarativo, 2014, pág. 132, 211 e 301.
[2] - in Código de Processo Civil, Anotado, 3ª edição, vol. I, 612-613.
[3] - v. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in Código de Processo Civil, Anotado, 3ª edição, vol. I, 622.