Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
153/14.0TMFAR-E1
Relator: SILVA RATO
Descritores: REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
INTERESSE DO MENOR
Data do Acordão: 04/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
1. Num quadro de total desinteresse do progenitor pela menor, revelado pelo facto de do último contacto presencial com aquela ter ocorrido em Dezembro de 2013, limitando-se a enviar mensagens no aniversário da menor e no dia da mãe e sem contribuir para o seu sustento, apesar de auferir um rendimento mensal de € 3.829,32, afigura-se-nos pouco curial que o progenitor seja chamado a pronunciar-se sobre questões de particular importância para a vida da menor.
2. Deve, nesse caso, conferir-se à mãe da menor, em exclusividade, as responsabilidades parentais relativas a questões de particular importância para a menor.
Decisão Texto Integral:
Acordam, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

I. O Ministério Público, em representação da menor AA intentou a presente acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais contra os seus pais BB e CC, alegando a inexistência de acordo entre os progenitores quanto a esse exercício.

Realizado julgamento, foi proferida sentença, em que se decidiu o seguinte:
…”
a) Fixa-se a residência do menor junto da mãe;
b) O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do menor incumbe à mãe;
c) O exercício das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do menor (v.g. intervenção cirúrgica programada, opção pelo ensino público ou privado, residência no estrangeiro) incumbe aos progenitores, sendo tais questões decididas, de comum acordo, por ambos os progenitores.
2. Visitas:
a) O progenitor poderá estar e conviver com a menor mediante prévia combinação com a progenitora, desde que respeite os horários de descanso da menor.
3. Alimentos:
a) O pai contribuirá mensalmente com a prestação de 100 euros, a título de alimentos devidos ao filho, que deverá depositar na conta bancária da mãe até ao dia 8 de cada mês e que será actualizada, anualmente em Janeiro (de acordo com o índice de variação de preços ao consumidor relativo ao ano anterior, conforme publicado pelo Instituto Nacional de Estatística).
…”.

Inconformada com tal decisão, veio a Requerida interpor recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões:
I. O presente recurso vem interposto da douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, a qual fixou o regime de exercício das responsabilidades parentais da filha da ora Recorrente.
II. Mais precisamente, o presente recurso versa sobre a decisão do Tribunal a quo de atribuir o exercício conjunto a ambos os progenitores das responsabilidades parentais sobre as questões de particular importância.
III. Tal decisão viola o disposto no n.º 2 do artigo 1906.º do Código Civil, porquanto contrária aos interesses da criança, conforme factualidade provada no próprio processo de regulação das responsabilidades parentais.
IV. Com efeito, no âmbito do processo, foi dado como provado que o progenitor da filha da Recorrente não a visita presencialmente desde Dezembro de 2013, sendo que apenas estabelece contactos ocasionais com a mesma.
V. Mais ficou patente nas declarações prestadas pela Recorrente na conferência de pais realizada a 25.06.2014, que a Recorrente desconhece quer o paradeiro do progenitor da sua filha, quer qualquer outro contacto telefónico.
VI. Acresce, ainda, que mesmo no decorrer do processo de regulação das responsabilidades parentais, o progenitor da filha da Recorrente demonstrou o seu completo desinteresse em todas as questões relativas às responsabilidades parentais.
VII. Mais concretamente, o progenitor da filha da Recorrente, não obstante ter sido regularmente citado, com aviso de receção assinado pelo próprio em 25.06.2014, não compareceu na conferência de pais agendada pelo douto Tribunal a quo, nem mesmo justificou a sua ausência.
VIII. Dada a ausência daquele, o processo prosseguiu os seus termos, e quando devidamente convocado pela Segurança Social para comparecer naqueles serviços a fim de ser elaborado o relatório social, o progenitor da filha da Recorrente, mais uma vez, não compareceu nem justificou a sua ausência (doc. fls 20).
IX. Ora, o n.º 1 do artigo 1906.º do Código Civil prescreve o regime regra para as questões de particular importância através do seu exercício conjunto por ambos os progenitores.
X. Porém, o n.º 2 do mesmo aresto legal, permite o afastamento do regime regra de atribuição conjunta das responsabilidades parentais sobre questões de particular importância, caso o mesmo seja contrário aos interesses da criança em causa.
XI. Na medida em que não existe na lei nenhuma definição do interesse da criança, tal noção ter-se-á que ir procurar na doutrina e jurisprudência que se debruçaram sobre tal matéria.
XII. Nesse sentido, tem sido entendido pela doutrina e jurisprudência, que é manifestamente contrário aos interesses da criança, a atribuição conjunta das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância, em caso de desinteresse por parte do progenitor com quem o filho não reside habitualmente.
XIII. O mencionado entendimento é defendido por HELENA GOMES DE MELO e OUTROS, em Poder Paternal e Responsabilidades Parentais, pág. 160, os quais defendem, que em caso de desinteresse do progenitor não residente «o exercício conjunto das responsabilidades parentais constitui quase uma impossibilidade prática».
XIV. Também a jurisprudência, tem decidido neste sentido, podendo verificar-se, a título de exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 15.05.2014, no âmbito do processo n.º 675/11.5TBTVD.Ll-2, disponível em relativas às questões de particular importância para a vida do filho, será contrário aos interesses deste, em caso de desinteresse por parte do progenitor com quem o filho não reside habitualmente.».
xv. Ora, no caso sub judice é por demais evidente e notório que existe um claro e manifesto desinteresse do progenitor da filha da Recorrente.
XVI. O qual é patente quer nos contactos estabelecidos com a filha, o último presencial ocorreu em Dezembro de 2013, quer na sua falta de intervenção no processo de regulação das responsabilidades parentais, apesar de ter sido regular e devidamente notificado para o efeito.
XVII. Ora, a manter-se o atual regime conjunto de responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância, tal apenas poderá ser prejudicial para a criança em causa, cujas decisões importantes da sua vida terão que ficar a aguardar por uma decisão do Tribunal a esse respeito, já que o pai não tem qualquer interesse, nem disponibilidade para assumir tal responsabilidade,
XVIII. A acrescer, a Recorrente desconhece nem tem forma de estabelecer qualquer contacto com o pai, no sentido de agilizar qualquer decisão que possa vir a ser relevante no futuro da filha, que ainda nem 3 anos de idade tem.
XIX. Termos em que deve a sentença recorrida ser revogada e, em consequência, ser atribuído o exercício das responsabilidades parentais quanto às questões de primordial importância em exclusivo à Recorrente.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. douta mente suprirão, deverá o presente Recurso ser considerado procedente e, em consequência, ser atribuído o exercício das responsabilidades parentais quanto às questões de primordial importância em
exclusivo à Recorrente, só assim se fazendo a tão costumada JUSTiÇA! “

O M.º P.º deduziu contra-alegações em que concluiu pela manutenção do julgado.

Cumpre decidir.
II. Em 1ª instância, foi dada como provada a seguinte matéria factual :
1. A menor AA nasceu em 24 de Janeiro de 2013 e é filha dos requeridos;
2. Os requeridos vivenciaram relação de namoro sem coabitação, tendo a menor permanecido desde o seu nascimento aos cuidados da progenitora;
3. A progenitora integra agregado familiar de características monoparentais abrangente da menor, residindo em apartamento pertença da avó materna da menor, com adequadas condições de habitabilidade, dispondo a menor de quarto próprio, devidamente mobilado em função do nível etário da menor.
4. A progenitora está desempregada, a frequentar curso de formação profissional.
5. A menor frequenta creche (cuja mensalidade corresponde a € 111), onde se apresenta com os cuidados assegurados, sendo a progenitora definida como uma mãe disponível e empenhada.
6. O progenitor estabelece contactos ocasionais com a descendente, situando-se o último contacto presencial em Dezembro de 2013; além disso, o progenitor enviou mensagens no aniversário da menor e no dia da mãe.
7. O progenitor não contribui para o sustento da filha.
8. Em 2013, o progenitor apresenta um rendimento global de €3829,32 (cf. fls. 20).

***
III. Nos termos do disposto nos art.ºs 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, ambos do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do art.º 608º do mesmo Código.

A questão a decidir resume-se, pois, a saber se, no caso em apreço, existe fundamento para que haja exclusão do exercício conjunto das responsabilidades parentais.

Nos termos do n.º1 do art.º 1906º do Cód. Civ., aplicável ex vi o disposto no art.º 1912º do Cód. Civ., as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores, como vivessem em comum, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
No entanto, se tal partilha de responsabilidades parentais for considerada perniciosa para a vida do filho, por se mostrar contrária aos seus interesses, pode o Tribunal decidir que essas responsabilidades sejam exercidas apenas por um dos progenitores (n.º2 do art.º 1906º do Cód. Civ.)
São exemplos dessas situações, entre outras, a grande litigiosidade entre os progenitores, a violência doméstica entre os mesmos, o afastamento geográfico entre os progenitores e a falta de contactos entre ambos, a ausência em parte incerta e o desinteresse por parte do progenitor que não tem o filho ao seu cuidado.
Da parca matéria de facto vazada nos autos, retira-se, com evidência, que o progenitor da menor Júlia é um pai ausente, embora resida em Olhão e a menor, com sua mãe, em Faro.
Sendo os contactos entre o progenitor e a menor escassos (ocasionais Ponto 6 da matéria de facto), tendo o último dos contactos presenciais ocorrido em Dezembro de 2013 (Ponto 6 da matéria de facto reportando-se à data da sentença proferida em 16/09/2015), tendo o progenitor enviado mensagens no aniversário da menor e no dia da mãe (Ponto 6 da matéria de facto), sendo certo que o progenitor não contribui para o sustento da filha (Ponto 7 da matéria de facto) pese embora aufira um rendimento mensal de €3.829,32 (Ponto 8 da matéria de facto).
Acresce que, como se retira do presente processo, o Requerido não compareceu à Conferência de Pais, nem justificou a sua falta à mesma, apesar de convocado pelo ISS para a realização do competente Relatório Social, não compareceu nem justificou a sua falta, e não constitui mandatário nos autos.
Tudo a demonstrar um total desinteresse na participação da definição dos destinos da menor, só interrompido, fugazmente, pelas mensagens pontuais a que acima nos referimos.
Perante este quadro, e apesar dos progenitores viverem em cidades próximas, e puderem contactar pelo telefone, afigura-se-nos pouco curial, em face do completo distanciamento do progenitor relativamente à menor, que este seja chamado a pronunciar-se sobre questões de particular importância para a vida da menor, nomeadamente intervenção cirúrgica programada, escolha da creche ou do estabelecimento de ensino a frequentar pela menor, percurso académico da menor, alteração da residência da menor para local distante da residência actual, deslocações da menor ao estrangeiro, etc.
Daí que, considerando que o grande desinteresse do progenitor pela menor, pelo menos neste momento, é pernicioso para o normal desenrolar da vida da mesma em questões de particular importância, como as acima enunciadas, somos levados a conferir à mãe da menor, em exclusividade, as responsabilidades parentais relativas a questões de particular importância para a menor.

E, assim sendo, procede o presente recurso.
***
IV. Decisão
Pelo acima exposto, decide-se pela procedência do presente recurso, e, consequentemente:
a)Revoga-se parcialmente a Sentença recorrida, no que respeita à alínea c), do seu n.º1 (Responsabilidades Parentais);
b)Determina-se que as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da menor AA sejam exercidas, exclusivamente, pela mãe da menor, BB.
Custas pelo Recorrido/Requerido.
Registe e notifique.
Évora, 07 de Abril de 2016
--------------------------------------
(Silva Rato - Relator)


--------------------------------------
(Mata Ribeiro – 1º Adjunto)


---------------------------------------
(Sílvio Sousa – 2º Adjunto)