Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
354/08-3
Relator: SÉRGIO ABRANTES MENDES
Descritores: PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
RESPOSTA A CONTRA-ALEGAÇÕES
Data do Acordão: 07/08/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
Suscitada nas contra-alegações de recuso a questão da admissibilidade do mesmo, não é de admissível a resposta a essas contra-alegações, ainda que limitada à questão da admissibilidade do recurso, porquanto o tempo e o modo de assegurar o contraditório são os previstos nos art.º 702º e 704º do CPC ou seja já no Tribunal de recurso e não na primeira instância.
B.D.
Decisão Texto Integral:
Agravo Cível n.354/08-3


Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora



Nos autos pendentes no 2. º Juízo do Tribunal Judicial da comarca do Cartaxo sob o n. 274/06.3TBCTX em que é autora MARIA ...................... e ré MARIA DA CONCEIÇÃO ........................, veio a demandada, através do requerimento de fls. 106, interpor recurso da decisão de fls. 103 dos autos, através da qual se considerou inadmissível a apresentação (pela ré) do articulado de fls. 75 a 99.
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Admitido o recurso por despacho de fls.158, a recorrente apresentaria as competentes alegações em cujas conclusões sustentam:
1a O presente recurso vem interposto do Despacho de 24.10.2007 (fls. 103 dos autos) que determinou o desentranhamento da Pronúncia da Ré, ora Recorrente, de 17.10.2007, por considerar que "não é processualmente admissível a parte responder às contra-alegações apresentadas pela Autora, sendo nula a apresentação deste articulado, o que aqui se declara".
2a O Despacho recorrido não fez uma correcta interpretação e aplicação das normas jurídicas conexas com a situação que se apresentou ao Tribunal, ignorando de todo o disposto nos art. 3°, 3°-A e 266° do CPC (Princípios do Contraditório, da Igualdade das Partes e da Cooperação), que violou.
3a Com efeito, o Despacho recorrido enferma de um manifesto erro nos pressupostos, que podia e devia ter sido evitado, pois ignorou o facto de a Pronúncia sub judice apenas ter abordado as duas questões prévias suscitadas nas Contra-Alegações da Recorrida, não se tendo pronunciado novamente sobre o mérito do recurso. Assim, uma resposta às questões prévias invocadas nas referidas Contra-Alegações e não uma resposta às Contra-Alegações, pelo que, ao abrigo dos princípios do contraditório (art. 3° do CPC), da igualdade das partes (art. 3°-A do CPC) e até do princípio da cooperação dos mandatários judiciais para com os Tribunais no sentido de ser assegurada uma justa composição do litígio (art. 2660 do CPC), a Recorrente podia pronunciar-se sobre essas questões.
4a As questões prévias suscitadas nas Contra-Alegações da Recorrida às quais a Recorrente se pronunciou foram as seguintes: (a) a inadmissibilidade do recurso interposto pela
Recorrente pelo facto de a decisão ser irrecorrível - págs. 1 a 5 das Contra-Alegações; e a deserção daquele recurso por falta das Alegações da Recorrente - págs. 5 a 7 das Contra- Alegações.
5.ª Ao ter determinado o desentranhamento da pronúncia da Recorrente, o Tribunal a quo não respeitou as exigências constitucionais aplicáveis, pois, para além do mais, (a) não foi assegurada disciplina processual equitativa, igual e leal, tutelada no art. 20° da Constituição, tendo-se permitido a uma das partes (Recorrida) a invocação de excepções/questões/factos pela primeira vez no processo, sem admitir que a outra parte se pronunciasse relativamente às mesmas; e (b) impediu a Recorrente de cooperar com o Tribunal e com o processo no sentido de alertar para os erros ou afirmações em que a Recorrida incorreu e que poderiam contaminar a decisão a proferir (arts. 3°, 3°-A e 266° do CPC e 20° da Constituição).
6.ª Este direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais, a um processo justo e à tutela jurisdicional efectiva (que envolve naturalmente o contraditório, a igualdade das partes e a cooperação) é um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, o que implica, desde logo, a sua submissão ao regime desta categoria constitucional (art. 170 da Constituição).
7a Para além desta força jurídica, directa e imediata, pode ainda retirar-se do quadro constitucional português a seguinte dimensão essencial na abordagem e interpretação das normas legais - interpretação conforme à Constituição: "em caso de dúvida, deve prevalecer a interpretação que, conforme os casos, restrinja menos o direito fundamental, lhe dê maior protecção, amplie mais o seu âmbito, o satisfaça em maior grau" (GOMES CANOTILHONITAL MOREIRA, loc. cit., JORGE MIRANDA, loc. cit. e GOMES CANOTILHO, loc. cit.).
8.ª Se necessário fosse, sempre seria de invocar o princípio da adequação formal consagrado no art. 265°-A do CPC. De facto, como se escreveu também no Preâmbulo do Decreto-Lei n. 329-A/95, de 12 de Dezembro, este preceito estabelece, como principio geral do processo, "o princípio da adequação, facultando ao juiz, ouvidas as partes, e sempre que a tramitação processual prevista na lei não se adeqúe perfeitamente às exigências da acção proposta, a possibilidade de adaptar o processado à especificação da causa, através da prática dos actos que melhor se adeqúem ao apuramento da verdade e acerto da decisão".
9.ª A norma aplicada na Decisão recorrida (não é processualmente admissível a parte responder às contra-alegações apresentadas pela outra parte, mesmo que nessas contra-alegações se tenham invocado pela primeira vez no processo questões prévias que obstam ao conhecimento do objecto do recurso, como a inadmissibilidade do recurso e a deserção do mesmo por falta de alegações) é inconstitucional por violação do direito fundamental dos cidadãos a um processo equitativo, que envolve, necessariamente, o princípio do contraditório, da igualdade das partes e da cooperação (art. 20° da Constituição).
10.ª Deve, assim, ser revogado o despacho recorrido e, em consequência, ser admitido o articulado considerado inadmissível.
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Não foram apresentadas contra alegações, tendo sido sustentada a decisão recorrida (fls.205).
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Foram colhidos os vistos legais.
Tudo visto e ponderado, cumpre decidir:

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas pelos recorrentes (art.684.º n.3, 690.º n.3 e 660.º n.2, todos do Código de Processo Civil), a questão fundamental que importa decidir centra-se em saber se é ou não legal a decisão recorrida que considerou inadmissível o articulado apresentado pela ré ora agravante relativamente às contra alegações produzidas pela A. de fls. 44 a 56 dos autos.
Em primeiro lugar, importa fazer notar que o despacho recorrido (fls. 103), ao pronunciar-se sobre a apresentação do aludido articulado ou requerimento de fls. 87 a 98, considerou que “ . . não é processualmente admissível a parte responder às contra alegações apresentadas pela autora, sendo nula a apresentação deste articulado . .”.
Se o princípio então consignado e agora transcrito não nos oferece qualquer tipo de dúvida atento o preceituado no art. 201.º do CPCivil em conjugação com o disposto nos art. 749.º, 698.º e 699.º do mesmo diploma legal, importa considerar que a ré ora agravante, ao fazer a apresentação do articulado ou requerimento considerado extemporâneo (fls. 87 a 98) recondu-lo ao preceituado nos art. 3.º e 3.º-A do CPCivil e com referência a duas questões prévias suscitadas pela autora recorrida nas contra alegações apresentadas: uma, relativa à inadmissibilidade de recurso, e outra referente à inobservância do ónus de alegar (vd. fls. 44 a 56).
Dentro do contexto agora exposto e contrariamente ao enunciado na decisão ora agravada, o articulado não admitido não pode nem deve ser considerado como uma “resposta” às contra alegações consideradas na sua globalidade, mas antes como uma tomada de posição sobre 2 questões prévias ao objecto do recurso interposto.
Deste modo, a problemática suscitada prende-se, assim, em saber se as especiais circunstâncias do caso concreto, justificavam a admissão do contraditório relativamente a dois aspectos novos da lide que a autora agravada entendeu por bem fazer introduzir.
E, desde já, não hesitamos em afirmar que, na nossa modesta opinião, “de jure constituendo”, o requerimento apresentado de fls. 87 a 98 poderia ser atendido, muito embora não acompanhemos grande parte dos considerandos avançados pelo ilustre patrono da agravante nas doutas alegações apresentadas, sobretudo, na parte em que defende um formalismo exacerbado para o processo civil em nada de acordo com as modernas concepções doutrinárias que, no fundo, visam atacar a tão propalada falta de celeridade da administração da Justiça.
Em todos os aspectos da vida, deve imperar o bom senso, o equilíbrio e a ponderação, conceitos estes tantas vezes de extrema indefinição que só as circunstâncias especiais das situações concretas ajudam a desenhar.
E na procura das soluções mais consentâneas com a justiça equitativa que o mundo do Direito visa alcançar, basta, por vezes, procedermos a uma leitura simples e objectiva dos preceitos normativos aplicáveis, sem qualquer tipo de reserva mental ou desconfiança sobre propósitos que o legislador nunca perfilou no seu espírito.
Atentemos, por exemplo, no que dispõe o art. 3.º n. 2 do CPCivil, preceito este que, como é sabido, constitui um dos pilares essenciais do processo civil:
O Juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem “.
Traduzindo o preceito agora transcrito o denominado princípio do contraditório, podemos afirmar, sem qualquer tipo de dúvida, que no mesmo se acha consagrada uma efectiva garantia das partes em participarem ao longo de todo o processo judiciário em plena igualdade de direitos e deveres, em termos de poderem influenciarem a própria decisão judicial que dirimirá o litígio submetido a juízo (a este propósito, vide o Prof. Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil anotado, vol I, pg. 8), sendo de salientar que, neste particular, o DL n. 180/96 de 25 de Setembro, acabaria, de forma mais expressa, de proibir a chamada “decisão surpresa”, excepcionando os casos de manifesta desnecessidade.
Como defende o Prof. Miguel Teixeira de Sousa, o princípio em causa consubstancia verdadeiramente “ . . um direito a conhecer todas as condutas assumidas pela contraparte e a tomar posição sobre elas, ou seja, um direito de resposta “, entendido este como “ . . .faculdade concedida a qualquer das partes de responder a um acto processual (articulado, requerimento, alegação ou acto probatório) da contraparte, tanto no que respeita aos aspectos de direito, como no que se refere à matéria de facto[1] .
Vertendo os princípios expostos para o caso em análise, começamos por fazer notar que, relativamente às alegações produzidas pela agravante quanto à questão da extemporaneidade da contestação (fls. 14 a 25), a agravada suscita, como se disse, 2 questões jurídicas prévias (inadmissibilidade de recurso e inobservância do ónus de alegar) que, embora nada tendo a ver com o objecto do recurso oportunamente interposto, poderiam repercutir-se na solução final do agravo.
E, assim sendo, ao abrigo dos princípios atrás expostos, poderia encarar-se a possibilidade de ser sido permitido à agravante pronunciar-se sobre tais questões, sobretudo, quanto à questão da admissibilidade do recurso, de modo a evitar que, mais tarde, pudesse vir a ser confrontada ou surpreendida com uma decisão cujos fundamentos estava longe de poder considerar.
No entanto, e embora tratando-se de 2 questões novas suscitadas pela agravada sobre as quais (e só sobre elas) se pronunciou a agravante – uma tal posição até poderá ser entendida como um meio de colaborar com a administração da justiça, tal como determina o art. 266.º n. 1 e 519.º do CPCivil – o indeferimento recorrido não poderá ser perspectivado, “de jure constituto”, como uma denegação do princípio do contraditório já que, nos termos dos art. 702.º n.2 e 704.º n. 1 do CPCivil, a agravante teria sempre oportunidade de fazer valer a sua argumentação relativamente aos pontos suscitados pelas agravadas.
Neste contexto, sem necessidade de outros considerandos, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso interposto e, em consequência, confirmar a douta decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique e Registe.

Évora, 8 de Julho de 2008




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[1] Introdução ao Processo Civil, pgs. 53 e 54