Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | JOÃO GOMES DE SOUSA | ||
Descritores: | CRIME PÚBLICO AMEAÇA AGRAVADA OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA QUALIFICADA | ||
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Data do Acordão: | 10/14/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
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Sumário: | O crime de ameaça agravada, previsto e punido pelo art. 155.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, e o crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo art.145.º, alínea a), do mesmo Código, revestem natureza pública. | ||
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Decisão Texto Integral: | Proc. nº 2.057/12.2TAFAR.E1 Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: A - Relatório: Nestes autos de processo comum perante tribunal singular supra numerado que corre termos no Tribunal Judicial de Faro – 2º Juízo Criminal - por despacho lavrado em 11 de Fevereiro de 2014, a Mmª. Juíza homologou as desistências de queixa apresentadas e declarou extinto o procedimento criminal contra o arguido A pelos factos susceptíveis de integrarem a prática de um crime de ameaça agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a) do Código Penal e de um crime de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal e contra o arguido B pelos factos susceptíveis de integrarem a prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 143.º, n.º 1 e 145.º, al. a), com referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. c) do Código Penal e de um crime de um crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 180.º, n.º 1 do Código Penal, nos termos dos artigos 113º e 116º do Código Penal e artigo 51º do Código de Processo Penal. * Inconformado com aquela decisão dela interpôs recurso a Digna Procuradora-adjunta da República junto do Tribunal da Comarca de Faro pedindo a sua procedência pela revogação do despacho recorrido, com as seguintes conclusões: 1ª No despacho de recebimento da acusação, a Mmª Juiz considerou que, quer o crime de ofensa à integridade física qualificado, previsto e punido pelos artigos 143º, nº 1 e 145º, nº 1, al. a) e nº 2, por referência ao artigo 132º, nº 2, al. c) e quer o crime de ameaça agravado, p. e p. pelos artigos 153º, nº 1 e 155º, nº 1, al. a) ambos do Código Penal, constantes da acusação publica, eram ambos de natureza semi-pública, e admitiu as desistências da queixa apresentadas pelos arguidos. 2ª No direito penal substantivo, quando não se estabelece a necessidade de queixa para prosseguir o procedimento criminal relativamente a um crime, é porque o crime tem natureza pública. 3ª Relativamente à questão de saber se o crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto no artigo 145º, nº 1 e nº 2, do Código Penal, depende de queixa, e uma vez que o crime contém uma circunstância modificativa agravante especial, a qual é retirada através de uma especial censurabilidade do agente, e por isso, o ilícito é agravado relativamente ao ilícito base contido no artigo 143º, nº 1 desse diploma, entendemos que o crime é de natureza publica, e que essa natureza se mantém mesmo após a revisão que foi operada através da Lei nº 59/2007 de 4 de Setembro. 4ª E tal natureza pública do crime de ofensa à integridade física qualificada, justifica-se até pela gravidade desse crime, como crime mais grave que é, relativamente ao crime de ofensa à integridade física simples, este, de natureza semi-pública. 5ª Na decisão recorrida, ao ter sido deduzido despacho de acusação pela pratica de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 145º, nº 1, al. a) por referencia aos artigos 143º, nº 1 e 132º, nº 2, al. c) todos do Código Penal, e sendo este crime de natureza publica, o mesmo não admite desistência da queixa, nos termos do disposto no artigo 51º, nº 1 e 49º ambos do Código de Processo Penal. 6ª Relativamente ao crime de ameaça agravado, previsto no artigo 155º, nº 1, al. a) do Código Penal, nada se referindo aí, sobre a necessidade de queixa, só se pode concluir que esse crime tem também natureza pública. 7ª) Ao invés do que sucede no crime de ameaça, previsto no artigo 153º, do Código Penal, ao estabelecer-se no nº 2, que o procedimento criminal depende de queixa, no artigo 155º, desse diploma, quanto à ameaça agravada, que estabelece punição para uma conduta agravante relativamente ao tipo simples de ameaça, nada se refere quanto à necessidade de queixa. 8ª) Por isso, o Ministério Publico pode promover oficiosamente o procedimento criminal pela pratica de crime de ameaça agravado, sem que, para tal inicio de procedimento, seja necessário qualquer impulso do titular do direito de queixa, e pela mesma ordem de ideias, não é pois, admissível desistência da queixa. 9ª) Entende-se que não assiste razão à Mmª Juiz, e pretende-se que o despacho recorrido seja revogado e substituído por outro que receba a acusação e designe data para julgamento * Respondeu o arguido A ao recurso, com as seguintes conclusões:1. A Mma. Juíza de Direito ao receber a acusação pública considerou que, quer o crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1 al. a) do C.P., quer o crime de ofensa à integridade física agravada, p. e p. pelos artigos 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1 al. a), com referência ao disposto no artigo 132.º, n.º 2 al. c), todos do C.P., assumiam natureza semi-pública, e homologou as desistências de queixa apresentadas, posição contra a qual está a Digna Procuradora do M.P. que pretende a revogação do despacho proferido e a prolação de despacho que admita o despacho de acusação e designe data para a realização da audiência de discussão e julgamento. 2. No que ao crime de ameaça diz respeito, verifica-se que a factualidade conforme está imputada nos autos ao respectivo arguido, apenas caberia na previsão do artigo 153.º (ameaça simples) e não no artigo 155.º, n.º 1 al. a) (ameaça agravada) do C.P., porquanto a ameaça, tal qual está configurada, não encerra em si qualquer “anúncio de morte”, muito menos concretiza os meios a empregar, o que redunda na sua natureza semi-pública. 3. Mesmo sufragando-se entendimento no sentido de que o crime conforme está imputado encontra cabimento no artigo 155.º, n.º 1 al. a) do C.P., configurando uma ameaça agravada, assumirá, ainda assim, natureza semi-pública, carecendo o Ministério Público de legitimidade para promover, por si, o procedimento criminal. 4. Desde a redacção originária do Código Penal de 1982, o crime de ameaça, mesmo verificada a circunstância agravante imputada ao arguido, sempre revestiu natureza semi-pública e as alterações legais promovidas com a Revisão de 2007 foram resultantes de meras razões de “utilitarismo sistemático”, para evitar a repetição de normas que continham circunstâncias agravantes idênticas para tipos diferentes. 5. Pelo que a leitura de que o art.º 155.º do C.P. constitui um tipo autónomo, “destacado” da previsão típica do crime de ameaça do art.º 153.º do C.P., de onde se parte para atribuir natureza pública ao crime de ameaça agravada, assenta, salvo o devido respeito, numa interpretação da lei fundamentalmente formal e literal. 6. No que concerne ao crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1 al. a), com referência ao disposto no artigo 132.º, n.º 2 al. c), todos do C.P., considera-se que, após a reforma de 2007 ao Código Penal, passou a assumir natureza semi-pública, não dispondo o Ministério Público de legitimidade para promover, por si, o procedimento criminal. 7. Da actual técnica legislativa, tem que se concluir que a remissão efectuada pelos artigos 145.º e 146.º para os artigos 143.º e 144.º do C.P. é uma remissão para todo o regime legal desses preceitos, incluindo o n.º 2 do artigo 143.º que prevê que o procedimento criminal depende de queixa, uma vez que entendimento diverso levaria à conclusão que o crime de ofensa à integridade física privilegiada, p. e p. pelo artigo 146.º do C.P., menos gravoso em termos de culpa do que o tipo base ínsito no art.º 143.º do C.P., teria natureza pública, o que seria incoerente e incompreensível. 8. O processo penal tem como finalidade a realização da Justiça, que pressupõe a descoberta da verdade material e o restabelecimento da paz jurídica. 9. Constituindo a palavra de ordem actual, no seio jurídico-penal, a «prevenção» da criminalidade, começa-se a referir, cada vez mais insistentemente, a erupção de uma nova e autónoma finalidade da pena: o propósito de através desta se operar a possível concertação agente-vítima através da reparação dos danos. 10. No caso dos autos, conclui-se que, se, por um lado, os bens jurídicos em causa são iminentemente pessoais, não sendo directa e imediatamente violados bens jurídicos fundamentais da comunidade, inexistindo consequentemente razões de ordem pública e colectiva que imponham o início ou a continuação do procedimento penal contra a vontade das vítimas, mesmo que os bens jurídicos se mostrem violados sob a forma agravada ou qualificada; por outro lado, a “mediação” efectivada pelos defensores das partes conseguiu conciliá-las incondicionalmente. 11. Não se mostrando prejudicadas a confiança, a paz e a segurança jurídicas, nada obstará à extinção do procedimento penal por vontade das vítimas. 12. Esta concepção, consentânea com a manifestação de vontade expressa pelas vítimas, é igualmente compatível com o princípio da subsidiariedade e da acessoriedade do Direito Penal, e impede a perpetuação da contenda que deu causa ao procedimento criminal, não melindrando – antes pelo contrário – as finalidades do Direito Penal nem os direitos e interesses que com ele se pretendem acautelar. Nestes termos, não se concordando com a posição sufragada pela Digna Procuradora do Ministério Público no despacho que não homologou as desistências de queixa (despacho de fls. 152) e no recurso de apelação interposto e ao qual ora se responde, sustenta-se a manutenção do despacho recorrido e a consequente extinção do procedimento penal contra ambos os arguidos. * Nesta Relação a Exmª Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.Observou-se o disposto no nº 2 do art. 417° do Código de Processo Penal. **** B - Fundamentação:B.1 - São elementos de facto relevantes e decorrentes do processo, para além dos que constam do relatório, os seguintes, decorrentes da análise dos autos: Em 21 de Junho de 2013 o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido A pelos factos susceptíveis de integrarem a prática de um crime de ameaça agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a) do Código Penal e contra o arguido B pelos factos susceptíveis de integrarem a prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 143.º, n.º 1 e 145.º, al. a), com referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. c) do Código Penal. Em 11 de Fevereiro de 2014 - a fls. 9163-175 - foi lavrado o despacho recorrido, do seguinte teor: «Nos presentes autos o Ministério Público deduziu acusação contra A e B, imputando ao primeiro factos susceptíveis de integrarem a prática de um crime de ameaça agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 153.º, n.º 1e 155.º, n.º 1, al.a) do Código Penal e, ao segundo, factos susceptíveis de integrarem a prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 143.º, n.º 1 e 145.º, al.a), com referência ao artigo 132.º, n.º 2, al.c) do Código Penal. B constituiu-se assistente nos autos, aderiu à acusação do Ministério Público e deduziu acusação particular contra A imputando-lhe factos susceptíveis de integrarem a prática de um crime de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal. A constituiu-se assistente nos autos, aderiu à acusação do Ministério Público e deduziu acusação particular contra B imputando-lhe factos susceptíveis de integrarem a prática de um crime de um crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 180.º, n.º 1 do Código Penal. O Ministério Público acompanhou ambas as acusações particulares deduzidas. A e B vieram aos autos declarar que desistiam das respectivas queixas e que não se opunham à desistência das queixas contra si apresentadas – fls. 149 a 151. O Ministério Público não homologou as desistências de queixa por considerar que os crimes em causa têm natureza pública. Cumpre apreciar e decidir. No que concerne aos crimes de injúria e difamação, dúvidas não subsistem que face à natureza particular dos referidos crimes, a desistência de queixa é admissível – artigo 188.º do Código Penal. Relativamente ao crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 143.º e 145.º, n.º 1, al.a) do Código Penal, tem vindo a ser defendido por este Tribunal entendimento diverso do plasmado no despacho de fls.152. Na redacção do Código Penal anterior à revisão operada em 2007, a jurisprudência era quase unânime que o crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto no artigo 146.º do Código Penal, era um crime de natureza pública. Todavia, com a reforma do Código Penal, em 2007, o legislador introduziu uma profunda reforma no que respeita ao crime de ofensa à integridade física. Antes da entrada em vigor da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, dispunha o artigo 146.º do Código Penal que: “1 - Se as ofensas previstas nos artigos 143.º, 144.º ou 145.º forem produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, este é punido com a pena aplicável ao crime respectivo agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo. 2 - São susceptíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade do agente, entre outras, as circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 132.º”. E dispunha o artigo 147.º do mesmo código que: “A pena aplicável à ofensa à integridade física é especialmente atenuada quando se verificarem as circunstâncias previstas no artigo 133.º”. Actualmente, dispõe o artigo 145.º do Código Penal, na versão introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4.09 que: “1 - Se as ofensas à integridade física forem produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, este é punido: a) Com pena de prisão até quatro anos no caso do artigo 143.º; b) Com pena de prisão de três a doze anos no caso do artigo 144.º 2 - São susceptíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade do agente, entre outras, as circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 132.º”. E dispõe o artigo 146.º do mesmo código que: Se as ofensas à integridade física forem produzidas nas circunstâncias previstas no artigo 133.º, o agente é punido: a) Com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa no caso do artigo 143.º; b) Com pena de prisão de seis meses a quatro anos no caso do artigo 144.º”. A revisão do Código Penal de 2007 eliminou do âmbito da qualificação as ofensas à integridade física agravadas pelo resultado, restringindo-a às ofensas à integridade física simples e grave, porque se entendeu que não era possível proceder à qualificação das ofensas à integridade física negligentes com base nas circunstâncias previstas no artigo 132.º - neste sentido, Paula Ribeiro de Faria, in Comentário Conimbricense do Código Penal, pág. 369/370. Da actual técnica legislativa tem que se concluir que a remissão efectuada pelos artigos 145.º e 146.º para os artigos 143.º e 144.º, todos do Código Penal é uma remissão para todo o regime legal desses preceitos, incluindo o n.º 2 do artigo 143.º que prevê que o procedimento criminal depende de queixa. Não se entendendo assim, e porque o artigo 146.º do Código Penal, na sua actual redacção, também não prevê expressamente que o procedimento criminal depende de queixa, teríamos de concluir que o crime de ofensa à integridade física privilegiada, menos gravoso em termos de culpa que o tipo base do 143.º, também é um crime público, o que não se compreende. Com efeito, sustentando-se que o tipo do artigo 145º do Código Penal deve se encarado com plena autonomia em relação aos artigos 143º e 144º que o antecedem, é forçoso efectuar idêntico raciocínio em relação ao artigo 146º do Código Penal (ofensa à integridade física privilegiada), cujas condutas típicas se encontram igualmente previstas nos artigos 143º e 144º apenas sobrevindo, em relação a cada um destes tipos criminais, uma alteração da pena motivada por circunstâncias relacionadas com a culpa (exactamente como acontece ao nível do artigo 145º). Defendendo-se que o critério para determinar a natureza do crime (nomeadamente a sua natureza semi-pública ou pública) resulta do facto de, na norma que o prevê, se encontrar ou não estabelecido que o procedimento criminal depende de queixa, idêntico tratamento terão que merecer as normas dos artigos 145º e 146º, face ao absoluto paralelismo da sua construção (conduta típica definida nos artigos 143º, 144º e estatuição de uma pena diferente daquela que nestes se encontra em função de circunstâncias - num caso qual no outro atenuativas — ligadas à culpa). Nessa medida, ter-se-ia, por razões de lógica e coerência, que afirmar que, tal como quando estão em causa ofensas à integridade física qualificadas, também o procedimento criminal relativo a ofensas à integridade física privilegiada não depende de queixa. Ora, a alternativa a este raciocínio terá que passar por recolher a definição da natureza do crime no tipo de ilícito que esteja na sua base, decorrendo então a dependência ou não de queixa daquilo que estiver estabelecido nos artigos 143º e 144º, só que, neste caso, o raciocínio que se efectue a propósito do artigo 146º do Código Penal, ter-se-á também que efectuar perante os casos integráveis no artigo 145º do mesmo código. Em apoio deste entendimento, há que ter em consideração que noutros tipos criminais qualificados constantes do Código Penal (como o furto qualificado previsto e punido no artigo 204º, o abuso de confiança previsto e punido no artigo 205º, nº 4, o dano qualificado, previsto e punido no artigo 213º ou a burla qualificada previsto e punida no artigo 218º) é possível concluir pela sua natureza pública, com base na simples falta de menção à necessidade de queixa, pois aí são elementos ligados à ilicitude, e não à culpa, que determinam a agravação das penas que se encontram previstas nos tipos simples. Ou seja, o tipo de ilícito subjacente a estes crimes qualificados não é o mesmo de tais crimes na sua versão simples (diferentemente do que sucede com o artigo 145° do Código Penal, cujo tipo de ilícito se encontra definido nos artigos 143º e 144º que o antecedem); o que explica que a sua natureza não possa ser obtida por mera referência ao tipo de ilícito dos crimes na sua versão não qualificada. Assim, a natureza do crime de ofensa à integridade física qualificada há-de ser encontrada com base no ilícito em que se enquadram as ofensas causadas. Com efeito, dependendo o crime previsto no artigo 145º do Código Penal da construção efectuada nos artigos 143º e 144º do mesmo código, apondo-lhes apenas um elemento decorrente da sua produção em circunstâncias que revelam especial censurabilidade ou previsibilidade do agente (ou seja, circunstâncias relacionadas com a culpa), entende-se que a menção à necessidade ou desnecessidade de queixa deve ser encontrada nos ilícitos base inscritos nos artigos 143º e 144º do Código Penal. Como tal, por se considerar ser o mais consentâneo com a unidade do sistema jurídico-penal, tem vindo a ser entendimento deste tribunal que desde a entrada em vigor da Lei n.º 59/2007, de 4.09, a remissão que os artigos 145.º e 146.º fazem para os artigos 143.º e 144.º do Código Penal é uma remissão para todas os números desse artigo e, como tal, no caso da alínea a) do n.º 1 do artigo 145.º do Código Penal, deve ser admitida a desistência de queixa. No que concerne ao crime de ameaça agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al.a) do Código Penal, a questão da natureza do crime em causa tem vindo a ser discutida desde a alteração legislativa em 2007. O artigo 153º do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro, estabelece que: “1- Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias. 2- O procedimento criminal depende de queixa.”. Por sua vez, o artigo 155º do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro, com a epígrafe “Agravação”, dispõe que: “1- Quando os factos previstos nos artigos 153.º e 154.º forem realizados: a) Por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos; ou b) Contra pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez; c) Contra uma das pessoas referidas na alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º, no exercício das suas funções ou por causa delas; d) Por funcionário com grave abuso de autoridade; o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, no caso do artigo 153.º, e com pena de prisão de um a cinco anos, no caso do n.º 1 do artigo 154º”. Segundo TAIPA de CARVALHO, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, Coimbra, 2ª edição, 2012, pp. 588 e 589, “Uma vez que o n.º 1 do art. 153º considera como crime de ameaça (simples, e, não qualificada/agravada) a ameaça de morte ou de danificação de bens patrimoniais de considerável valor, levanta-se a questão teórica e sobretudo prático-punitiva de saber se a utilização destes meios (ameaça de morte ou de danificação de bens patrimoniais de considerável valor) para ameaçar ou para coagir deverão levar (na medida em que o crime de homicídio e o crime de dano qualificado são puníveis com pena de prisão superior a 3 anos) ou não (uma vez que o próprio legislador considera expressamente, no n.º 1 do art. 153º, estas ameaças como crime de ameaças simples) à qualificação/agravação do crime de ameaça e do crime de coacção- Entendo (…) que, tanto em relação ao crime de ameaça como ao crime de coação, o disposto nesta al. a) não tem aplicação”. Defende o referido autor que ocorreu uma situação de deficiente técnica legislativa na distinção entre ameaça simples e agravada, pelo que a ameaça de morte engloba apenas um crime de ameaça simples e logo é admissível a desistência de queixa, nos termos do disposto nos artigos 153º, nos 1 e 2 do Código Penal, posição com a qual se concorda. Por outro lado, não se vislumbram quaisquer razões de política criminal para não atribuir relevância à vontade da vítima atento o regime sancionatório aplicável (pena de multa até 240 dias ou pena de prisão de 1 mês a 2 anos), sendo que as circunstâncias agravantes previstas no artigo 155º, n.º 1 do Código Penal não alteram a natureza semi-pública do crime de ameaça, só assim se respeitando “a congruência interna do Código Penal, a hierarquia de valores de que é depositário e a concordância dos interesses humanos a que se destina” – neste sentido, PEDRO FRIAS, O Crime de Ameaça, Revista Julgar, Janeiro-Abril 2010, pp. 49 a 57. Neste sentido, também o recente acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 13 de Novembro de 2013, publicado em texto integral no site www.dgsi.pt, onde se conclui que o crime de ameaça agravado tem natureza semi-pública. Com efeito, aí se lê: “(…) Perante a actual previsão e a evolução que a ela conduziu, não é defensável que o art. 155º constitua um tipo autónomo relativamente à previsão típica do crime de ameaça do art. 153º – premissa de que parte o recorrente para atribuir natureza pública ao crime de ameaça agravada. Com efeito, a previsão que contém a descrição da conduta ilícita, dolosa, tipificada como crime, encontra-se, inequivocamente, no art. 153º, acrescentando o art. 155º circunstâncias que representam uma agravação do limite máximo da pena. (…) É isso o que considera P. P. de Albuquerque, no Comentário do Código Penal (Univ. Católica Ed., Lisboa, 2008, p. 419): “a disposição prevê, no n.º 1, crimes qualificados ao nível do tipo de ilícito, pois as circunstâncias agravantes revelam um maior desvalor da acção, são de funcionamento automático e constituem um elenco taxativo. No n.º 2, a lei prevê um crime agravado pelo resultado. A reforma de 2007 alargou o âmbito da agravação, determinando a aplicação ao crime de ameaças de todas as circunstâncias agravantes previstas para o crime de coacção, uma vez que anteriormente só a circunstância prevista na al.ª a) se aplicava ao crime de ameaças. A circunstância agravante da al.ª a) consiste na especial gravidade da ameaça”. É essa a interpretação que nos surge, também, no Código Penal Anotado de Maia Gonçalves (Almedina, 18ª Ed., 2007, p. 602): “as alterações introduzidas pela Lei n.º 59/2007 consistiram essencialmente em o crime de ameaça passar a ser qualificado em circunstâncias idênticas às previstas para a coacção”. (…) Permanecendo na evolução histórica da Lei, e juntando-lhe a intenção dos revisores de 2007, verificamos que o crime de ameaça, desde a redacção originária do Código Penal de 1982, sempre revestiu natureza semi-pública (mesmo – e este reparo reveste especial significado – se verificada a circunstância agravante, que é, no caso, imputada ao arguido). Nesta última revisão foram “aglutinadas” no art. 155º as circunstâncias agravantes dos crimes de ameaça e coacção, cujas previsões típicas se encontram, respectivamente, nos arts. 153º e 154º, colhendo-se da Exposição de Motivos da Proposta de Lei de alteração do Código Penal ter-se pretendido que o crime de ameaça passasse “a ser qualificado em circunstâncias idênticas às previstas para a coacção grave”. Foram, pois, razões de utilitarismo sistemático – evitando-se a repetição de normas contendo circunstâncias agravantes idênticas – que ditaram essas alterações. Daí não se pode extrair qualquer intenção do Legislador em alterar a pré-existente natureza semi-pública do crime de ameaça (incluindo a sua – apenas ampliada – forma agravada), ou pública do crime de coacção (com as excepções previstas no nº 4 do art. 154º), decorrente do respectivo tipo-base. Por último, e recorrendo ao elemento racional ou teleológico e à unidade do sistema jurídico-penal, a razão de ser da distinção entre crimes públicos, semi-públicos e particulares, situa-se na graduação da respectiva gravidade, tendo-se em conta os interesses jurídicos violados e a necessidade de ordem pública e colectiva em os proteger. Assim o referem Simas Santos e Leal Henriques, em Noções Elementares de Direito Penal (Rei dos Livros, 3ª ed., 2009, p. 332-333): “a exigência de queixa e de acusação particular vão buscar o seu fundamento: - à diminuta gravidade da infracção – certas infracções (v.g., ofensas à integridade física simples, dano, injúrias, etc.), atenta a sua pequena gravidade, não violam de modo directo e imediato bens jurídicos fundamentais da comunidade, que façam desencadear, por parte desta, uma reacção automática. Essa reacção só surge mediante expressa manifestação de vontade das pessoas directamente ofendidas”. Destacando essa perspectiva da pessoa ofendida (ou lesada), o Prof. Figueiredo Dias, em Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime (Coimbra Editora, 2005, p. 667) adverte que “a existência de crimes semi-públicos e estritamente particulares serve a função de evitar que o processo penal, prosseguido sem ou contra a vontade do ofendido, possa, em certas hipóteses, representar uma inconveniente (ou mesmo inadmissível) intromissão na esfera das relações pessoais que entre ele e os outros participantes processuais intercedem”. No tipo em causa, os bens jurídicos protegidos são a liberdade de decisão e de acção; a estes, secundária e reflexamente, entendemos ser de acrescentar a integridade psíquica da pessoa, nas suas componentes do direito à tranquilidade e segurança. Tratam-se, em todo o caso, de bens integrantes da esfera estritamente individual da pessoa ameaçada (ofendida), inexistindo – mesmo quando estes se mostrem violados sob a forma agravada – razões de ordem pública e colectiva que imponham ao ofendido o início ou continuação do procedimento penal, quando este o não queira (…)”. Por fim, nos termos do AUJ 7/2013, publicado no DR- Iª Série de 20 de Março de 2013, “A ameaça de prática de qualquer um dos crimes previstos no n.º 1 do artigo 153º do Código Penal, quando punível com pena de prisão superior a três anos, integra o crime de ameaça agravado da alínea a) do n.º 1 do artigo 155º do mesmo diploma legal”. No caso, está imputado ao arguido A a seguinte conduta: “O arguido A tirou dos bolsos das calças que trazia vestidas um canivete, abriu e empunhou o mesmo na direcção do arguido B, o qual fugiu do local e escondeu-se atrás de uns veículos automóveis que estavam ali estacionados, com receio da atitude do arguido A e por receio da sua vida e integridade física”. Ora, desde logo temos alguma dúvida que tais factos se possam considerar uma ameaça contra a vida do ofendido, mas podendo ser qualificados como uma ofensa à integridade física qualificada, logo, punida com pena superior a três anos, tendo em conta a ameaça supra transcrita tal como está imputada ao arguido, perfilha-se o entendimento de que “A ameaça com um anúncio de morte, genericamente formulado, sem qualquer concretização quanto aos meios a empregar, cabe apenas na previsão do nº1 do Artigo 153º do Código Penal” – neste sentido, Ac. RP de 25-03-2010, que tem como Relator Ricardo Costa e Silva e, no mesmo sentido, Ac. RG de 11-07-2012, que tem como Relator António Condesso, ambos com texto integral disponível em www.dgsi.pt. Nestes termos, concordando-se com as posições supra expostas, entende-se que o crime de ameaça em causa nos autos reveste natureza semi-pública. Pelo exposto, atendendo à natureza particular e semi-pública dos crimes em causa nos autos, decide o Tribunal, homologar as desistências de queixa apresentadas, considerando que não houve oposição dos respectivos arguidos e, em consequência, declarar extinto o procedimento criminal contra o arguido A pelos factos susceptíveis de integrarem a prática de um crime de ameaça agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 153.º, n.º 1e 155.º, n.º 1, al.a) do Código Penal e de um crime de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal e contra o arguido B pelos factos susceptíveis de integrarem a prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 143.º, n.º 1 e 145.º, al.a), com referência ao artigo 132.º, n.º 2, al.c) do Código Penal e de um crime de um crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 180.º, n.º 1 do Código Penal, nos termos dos artigos 113º e 116º do Código Penal e artigo 51º do Código de Processo Penal. Sem custas para os arguidos – artigo 513.º do Código de Processo Penal. Custas a cargo dos assistentes, nos termos do artigo 515.º, n.º 1, al.d) do Código de Processo Penal, fixando-se a taxa de justiça, para cada um, em 2 UC’s. Notifique». *** B.2 – Cumpre conhecer.O objecto do recurso penal é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação – art.º 403, nº1, e 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal. A questão abordada no recurso reconduz-se a apurar se o crime de ameaça agravado, previsto e punido pelo artigo 155.º, n.º 1, al. a) do Código Penal e o crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo artigo 145.º, al. a), do Código Penal revestem natureza pública ou semi-pública. Esta é questão já tratada jurisprudencialmente com natural pendor favorável à tese da natureza pública de tais crimes.[1] [2] A favor da tese do despacho recorrido apenas se descortinam os dois acórdãos da Relação do Porto de 07-12-2011 e 13-11-2013. Parece-nos, no entanto, que esta tese seguida pelo despacho recorrido assenta em argumentação de cariz legislativo e não judicial, pelo que é de afastar liminarmente, por óbvia usurpação do poder legislativo com o pretexto de operar uma “livre” interpretação da lei. * B.3 – E isso passa pela negação de relevo à tipicidade penal, já que os artigos indicados e por referência aos tipos simples são (passaram a ser) meras “circunstâncias agravantes das penas”, o que quer que isso seja, assim organizadas numa parte especial do Código Penal que passa a ter – é novidade de monta – tipos penais simples e “circunstâncias agravantes das penas” em tudo quanto antes se qualificava como “tipos penais” qualificados ou agravados. É que a “tipicidade” penal – de que assim se prescinde - era vista como o resultado de séculos de aprendizagem numa área de charneira do desenvolvimento humano, assumindo um papel essencial e delimitador de direitos e, inclusive, de delimitação de poderes, aqui a necessária delimitação entre o poder judicial e o poder legislativo. Era assim que a tipicidade também servia e serve para delimitar a área de actuação do legislador e do judicial através da definição do tipo de crime: o legislador dizia quais os crimes que assumiam determinada natureza e o poder judicial julgava em função dessa definição dos interesses assim tutelados pelas normas pré-existentes. Maior ou menor área de actuação do interesse público em determinados tipos de crimes, maior ou menor reconhecimento da individualidade do cidadão para gerir os seus interesses de acordo com o seu próprio juízo. E como? Pela clara delimitação dos vários tipos penais, simples, qualificados ou agravados e privilegiados, e pelo acrescento da vontade legislativa quanto à determinação da área de actuação em função do resultado da ponderação de interesses públicos/privados em crimes de três diferentes naturezas: particular, semi-pública e pública. Essa vontade legislativa é expressa de três formas consabidas, a exigência de existência de acusação particular nos crimes particulares, pela afirmação da necessidade de queixa nos crimes semi-públicos e pelo silêncio no caso de a opção legislativa ser pela natureza pública. Como já afirmámos no acórdão desta Relação de 20-11-2012 (proc. 1.831/10.9TAPTM.E1) «(4) - A diversa natureza dos crimes na nossa ordem penal é uma forma de o legislador regular e equilibrar interesses e bens jurídicos sem recorrer ao princípio da oportunidade … ». Ora, na defesa da tese do despacho recorrido e do acórdão do TRP a argumentação utilizada numa suposta interpretação da lei não passa de um “rever” das opções do legislador com o fito de as substituir por aquilo que se pensa deveriam ter sido as opções do legislador. Daí que se alinhavem argumentos que pouco adiantam à tese concreta - a referência ao comentário de Taipa de Carvalho [3], em momento anterior à publicação do AUJ nº 7/2013 que em boa medida consagra tese contrária ao comentário – que não esgotam os critérios a considerar (“a congruência interna do Código Penal, a hierarquia de valores de que é depositário e a concordância dos interesses humanos a que se destina” !!! [4]), pois que a natureza do crime e a configuração agravada dos factos que, não esqueçamos, são formas agravadas de violência, também é determinante na atribuição de diversa natureza ao tipo de crime. Também a circunstância de o crime de ameaça, desde a redacção originária do Código Penal de 1982, sempre ter revestido natureza semi-pública em nada altera a conclusão pois que o legislador é livre de alterar a sua política criminal. E não é igualmente aceitável fazer apelo a um suposto elemento racional ou teleológico e à unidade do sistema jurídico-penal, para argumentar com uma qualquer grelha de gravidade das penas para alterar a natureza dos crimes imputados. A grelha de gravidade das penas, repisa-se, não é o único critério de que o legislador se pode servir. De igual forma se não pode aceitar que se afirme não ser defensável que o art. 155º constitua um tipo autónomo relativamente à previsão típica do crime de ameaça do art. 153º quando se argumenta com o AUJ 7/2013, que afirma expressamente que o artigo 155º do Código Penal consagra um crime de ameaça agravada (“A ameaça de prática de qualquer um dos crimes previstos no n.º 1 do artigo 153º do Código Penal, quando punível com pena de prisão superior a três anos, integra o crime de ameaça agravado da alínea a) do n.º 1 do artigo 155º do mesmo diploma legal”). Que é lícito fazer interpretação da vontade do legislador na definição da natureza dos tipos de crime é insofismável. Que com essa suposta interpretação se altere a clara opção do legislador é que não é aceitável. Porque aqui não há qualquer dúvida. Os artigos 145.º, al. a) e 155.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, tipificando os crimes de ofensa à integridade física qualificada e ameaça agravada revestem natureza pública. Percebe-se que a opção do despacho recorrido e do acórdão da Relação do Porto seria outra. Até se percebe a racionalidade fundamentadora e a aceitabilidade de alguns, poucos, argumentos. Mas a ordem jurídica determina que as opções de política legislativa estão vedadas aos tribunais. E a interpretação jurídica, podendo ser abrogante, não tem um alcance que permita a usurpação de poderes ao legislativo. E a exigência de nunca usurpar funções é uma das primeiras garantias do judiciário na defesa das suas próprias funções. Por isso o recurso deve proceder na totalidade. * C - Dispositivo:Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso interposto e, em consequência determinam que seja lavrado despacho a ordenar o prosseguimento dos autos relativamente aos crimes constantes da acusação pública. Notifique. Sem custas. Évora, 14 de Outubro de 2014 (Processado e revisto pelo relator) João Gomes de Sousa Felisberto Proença da Costa __________________________________________________ [1] - Neste sentido, pelo menos, os acórdãos desta Relação de 12-11-2009 (Edgar Valente), 15-05-2012 (Ana Bacelar Cruz), da Relação de Lisboa de 13-10-2010 (Sérgio Corvacho) e da Relação do Porto de 02-05-2012 (Coelho Vieira). [2] - São irrelevantes para este tema os acórdãos, citados no processo, da Relação do Porto de 25-03-2010 (Ricardo Costa e Silva) e da Relação de Guimarães de 11-07-2012 (António Condeço) pois que não tratam o tema e se limitam – em função da matéria de facto apurada - a declarar a natureza semi-pública de um crime indubitavelmente semi-público, o previsto no artigo 153º do Código Penal. [3] - In Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, Coimbra, 2ª edição, 2012, pp. 588 e 589. [4] - Pedro Frias, in “O Crime de Ameaça, na Revista Julgar, Janeiro-Abril 2010, pp. 49 a 57. |