Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
602/09.0TBBJA.E1
Relator:
MARIA ALEXANDRA SANTOS
Descritores: EMBARGO EXTRAJUDICIAL DE OBRA NOVA
Data do Acordão: 12/09/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO CÍVEL
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário:
I – O embargo de obra nova, como providência cautelar que é, visa apenas acautelar o efeito útil da acção que tenha por fundamento o direito, ofendido ou ameaçado do embargante,
No que concerne à titularidade do direito, em sede de providência cautelar não é necessário que a prova produzida fundamente um juízo de certeza, bastando que permita formular um juízo de verosimilhança ou de forte probabilidade acerca dessa titularidade.

II – O "prejuízo" a que se refere o art° 412° nº 1 não tem o mesmo sentido da "lesão grave e dificilmente reparável" que constitui fundamento dos procedimentos cautelares não especificados (art° 381 ° n° 1 do CPC).
Basta a ilicitude do facto, basta que este ofenda o direito de propriedade, a posse ou a fruição; o prejuízo consiste exactamente nessa ofensa.

III – No requerimento inicial dum procedimento cautelar de embargo de obra nova, deve o requerente alegar não só os factos de onde deriva o seu direito e a ilicitude da actuação do requerido, como os que constituem a realização do embargo extrajudicial nos termos legais, isto é, o dia em que foi efectuado, a indicação da pessoa a quem foi feita a notificação, com a observância da hierarquia legal (1° - o dono da obra; 2° - Na sua falta, isto é, se não estiver na obra, o encarregado; 3° - Se este também não estiver presente, a pessoa que o substituir), e a indicação da presença das duas testemunhas e respectiva identificação.

IV – O prazo de 30 dias, referido no artigo 412º, nº 1,do CPC reveste-se de natureza substantiva, estando sujeito ao regime de contagem resultante do art° 144° nºs 1 a 3 do CPC, cuja inobservância tem como consequência a caducidade do direito, ao contrário do prazo de cinco dias para requerer a ratificação que é um prazo judicial cuja inobservância importa a ineficácia do embargo extrajudicial efectuado.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

“A” e mulher “B” intentaram contra “C” o presente procedimento cautelar especificado, pedindo a ratificação do embargo extrajudicial dos trabalhos em curso com os quais a requerida pretende ocupar parte do prédio que identificam, sendo que desde 21 de Maio do corrente ano circulava na mesma parte do prédio o encarregado da obra a proceder à limpeza e terraplanagem do terreno e que desde 25 do mesmo mês ocuparam e com uma retroescavadora procederam à abertura de valas, alinhamento e escavações na barreira de suporte da estrada camarária a norte do mesmo prédio. Que o requerente marido, no dia 1 de Junho do corrente ano "contactou o dito encarregado, intimando-o a retirar os trabalhadores e a paralisar os trabalhos, assim embargando extra-judicialmente a obra com os formalismos do n° 2 do artº 412º do CPC.
A descrita actuação da requerida "envolve grave violação do direito de propriedade dos requerentes e causa-lhes, obviamente, prejuízos a cuja reparação têm os requerentes direito".
Citada, a requerida deduziu oposição nos termos de fls. 42 e segs., impugnando, no essencial, o alegado no requerimento inicial, contrapondo, além da inexistência de indícios do direito dos requerentes, que as obras em causa (muros, pavimentação de logradouros e passeios públicos) estão a decorrer dentro dos limites do prédio loteado da requerida e sem ofensa do prédio dos requerentes, e excepciona a falta de formalismos legais previstos no art° 412° do CPC para o embargo extra-judicial, pois não foi feito na presença de duas testemunhas e deve supor uma declaração determinada, clara e inequívoca, no sentido da paragem imediata das obras e o enunciado de um fundamento, não se confundindo com uma conversa de café, um desabafo entre vizinhos ou manifestação de desagrado apelando para a boa vontade do autor das obras, e no presente caso, o requerente marido tão só informou a requerida de que aquele terreno era seu, e, a entender-se como embargo qualquer conversa feita nos finais de Maio, dever-se-ia considerar tal embargo ter ocorrido em Abril e concluir-se pela extemporaneidade do pedido de ratificação feito muito além dos cinco dias previstos na lei, pois, como resulta da documentação junta, há anos que os requerentes tinham conhecimento da operação de loteamento, que a execução desta pressuporia as obras em causa, sendo certo que, pelo menos desde Abril do corrente ano, os trabalhos objecto do embargo decorriam já no terreno com conhecimento dos requerentes, como se conclui pela troca de correspondência junta por estes, e o embargo deve ser feito no prazo máximo de 30 dias desde o conhecimento do facto, pelo que no presente caso é extemporâneo.

A Exmª Juíza, entendendo não ser necessária a produção de mais provas, proferiu imediatamente decisão nos termos de fls, 103 e segs. indeferindo o presente procedimento cautelar, não ratificando o embargo de obra nova em causa nos autos.

Inconformados, apelaram os requerentes, alegando e formulando as seguintes conclusões:
1 - O decretamento de certa providência cautelar depende, em regra, da verificação cumulativa de dois requisitos: a existência (provável) de um direito e o dano ou perigo de dano desse direito, sendo este requisito directamente correspondente a cada tipo especial de providência.
2 - Ao embargo de obra nova não resulta a aplicação de um dos requisitos do procedimento cautelar comum, o periculum in mora, ou seja, a necessidade de o requerente alegar e provar indiciariam entre o fundado receio de que o seu direito sofrerá lesão grave e de difícil reparação, se não for de imediato tutelado pela providência peticionada. Na verdade,
3 - O prejuízo não carece de valoração autónoma, pois de alguma forma já está ínsito na ofensa do direito, e o prejuízo consiste exactamente nessa ofensa, não sendo necessário alegar a existência de perdas e danos, por o dano ser jurídico. Desde que o facto tem a feição de ilícito, porque contrário à ordem jurídica concretizada num direito de propriedade, numa posse ou fruição legal, tanto basta para que haja de considerar-se prejudicial para efeitos de embargo de obra nova - cfr. Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. 2°, p. 63 e segs.; Moitinho de Almeida, Embargo ou Nunciação de Obra Nova, p. 30; Ac. RC de 8/01/91, C.J. 1°,42 e Ac. RE de 29/11/2001, CJ, 5°,253.
Com efeito,
4 - Admitir-se a adopção da posição contrária e defender-se a exigibilidade de uma qualquer demonstração qualitativa dos prejuízos sofridos pelo apelante, decorrentes do comportamento abusivo da apelada, significaria, na prática, determinar o proprietário a assistir, serenamente, à invasão da sua propriedade por um terceiro, que estaria, pelo menos até ao trânsito em julgado da decisão dos autos principais, perfeitamente legitimado a aí permanecer e edificar o que bem entendesse.
5 - Tal posição redundaria, obviamente, numa manifesta violação do direito fundamental à propriedade privada, constitucionalmente garantido e consagrado (art° 62° da CRP, que o Código Civil bem define no art° 1305°, eliminando, sem mais, a possibilidade de quem quer que seja, que não o proprietário, a usar exclusivamente do bem) e bem assim do princípio da segurança jurídica (art° 2° da CRP). Pelo que,
6 - O requisito do receio de "lesão grave e dificilmente reparável", previsto no art° 381° nº 1 do CPC para as providências cautelares não especificadas, não é aplicável às providências especificadas, designadamente ao embargo de obra nova (art° 392° n° 1 e 412° n° 1 do CPC)
7 - No momento do embargo, o Administrador da requerida não se encontrava presente, não sendo exigível aos apelantes que se deslocassem a Lisboa e procurassem pelo “D” para efeitos de o notificarem de um embargo de obra em … e o que a lei estabelece é que "( ... ) notificando verbalmente ... o dono da obra, ou, na sua falta o encarregado ou quem o substituir para não continuar" - art° 412° n° 2 do CPC.
8 - Os procedimentos cautelares devem ser articulados de forma simples, sumária e concisa, só assim se justificando a sua natureza, que é urgente, sendo que, no caso, do que se trata é da ratificação por competente juiz do embargo efectuado extrajudicialmente perante duas testemunhas. Daí que,
9 - Os apelantes se tenham limitado a tal alegação deixando para o requerimento probatório, integrante da própria petição dirigida ao tribunal a quo, donde na realidade constam as identificações das testemunhas, que aliás, eram do conhecimento da apelada.
10 - Não podendo, salvo o devido respeito, indeferir-se o pedido de ratificação do embargo pelo facto das testemunhas só virem identificadas no final do requerimento inicial sem que tal conste do articulado propriamente dito, tão pouco o contrário resulta do disposto no art° 412° do CPC.
11 - É verdade que já em Abril do corrente ano de 2009 os apelantes se haviam dirigido à apelada no sentido de solicitar que a simples e mera utilização precária do prédio dos autos, sem lhe introduzir alterações (obras), não passasse disso mesmo. Ou seja,
12 - Em Abril a apelada limitava-se a "usar" parte do terreno em causa como "albergue" de maquinaria e material de obra, nada aí tendo edificado ou introduzido qualquer alteração. Nem o contrário resulta ou pode resultar das comunicações efectuadas pelos apelantes nesse mês.
13 - E, a verdade é que, só em Maio de 2009 é que a apelada iniciou os trabalhos de escavação ilustrados pelos docs. 10 a 27 juntos ao requerimento inicial, assim patenteando ostensivos propósitos de violação/usurpação do direito de propriedade dos apelantes, que com a presente providência se visa acautelar. Mais,
14 - O n° 3 do art° 412° do C.P.C. dispõe que o "embargo previsto no número anterior (extrajudicial) fica, porém, sem efeito se, dentro de cinco dias, não for requerida a ratificação judicial". Ora,
15 - O embargo extrajudicial foi realizado pelos apelantes em 1 de Junho e o requerimento de ratificação do mesmo deu entrada em juízo em 8 de Junho: em tempo. Assim,
16 - Dispõe a al. b) do art° 279° do C.C. que "na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia ... em que correr o evento a partir do qual o prazo começa a correr" pelo que, a contagem dos aludidos cinco dias iniciou-se em 2 de Junho. Assim, o termo do prazo ocorreria em 6 de Junho (sábado). E,
17 - "Quando o prazo para a prática do acto processual terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte" - n° 2 do art° 144º do C.P.C., ou seja, o termo do prazo para a apresentação do pedido de ratificação do embargo transferiu-se para o dia 8 de Junho - dia em que praticaram o acto!
18 - Devendo, por tudo, e em consequência, deferir-se a ratificação do embargo extrajudicial requerida pelos apelantes.
Pelo exposto,
Ao decidir-se como se decidiu, foi violada, por errada interpretação, a disciplina referente ao embargo de obra nova, nomeadamente, a prevista no artº 412° do CPC e bem assim, a disciplina dos art°s 1305° do C.C. e 62° e 2° da C.R.P ..

A apelada contra-alegou nos termos de fls. 129 e segs., concluindo pela
confirmação da decisão recorrida, ou, em qualquer caso, julgando-se a providência requerida improcedente.
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Com a concordância dos Exmºs Adjuntos dispensei os vistos.
Delimitando-se o âmbito do recurso pelas conclusões da alegação do recorrente, abrangendo apenas as questões aí contidas (artºs 685-A nº 1 e 690° nº 3 do CPC), verifica-se que a questão a decidir é a de saber se, in casu, se mostram verificados os pressupostos de ratificação do embargo extrajudicial de obra nova peticionado pelos requerentes.
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A factualidade a ter em consideração é a descrita no antecedente relatório, bem como os documentos juntos aos autos.
Considerando que os requerentes não concretizaram em que é que consiste "grave violação do direito de propriedade dos requerentes" e o "grave prejuízo" alegados no requerimento inicial; não explicaram ou justificaram a razão porque "contactaram" o encarregado da obra e não em primeiro lugar, a requerida dona da obra; não alegaram no mesmo requerimento que a notificação do embargo foi feito perante duas testemunhas, nem as identificaram ali; e que sabendo os requerentes da alegada ocupação do terreno em causa, pelo menos desde 2/04/2009, ao requererem a ratificação do embargo em 8/06/2009, estava largamente ultrapassado o prazo de 30 dias estabelecido para o efeito, a Exmª Juíza indeferiu o presente procedimento cautelar não ratificando o embargo de obra nova intentado pelos requerentes.
Conforme resulta do disposto no art° 412° nº 1 do CPC, o embargo de obra nova pode ser requerido por quem se sentir ofendido no seu direito de propriedade (ou de compropriedade), num outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência de obra trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo e deve ser requerido no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do facto.
O interessado pode também fazer directamente o embargo por via extrajudicial, notificando verbalmente, perante duas testemunhas, o dono da obra, ou, na sua falta, o encarregado ou quem o substituir para a não continuar, devendo, neste caso, requerer a ratificação judicial do embargo no prazo de cinco dias, sob pena de o embargo ficar sem efeito – nºs 2 e 3 do mesmo normativo.
O embargo de obra nova, como providência cautelar que é, visa apenas acautelar o efeito útil da acção que tenha por fundamento o direito, ofendido ou ameaçado do embargante,
No que concerne à titularidade do direito, em sede de providência cautelar não é necessário que a prova produzida fundamente um juízo de certeza, bastando que permita formular um juízo de verosimilhança ou de forte probabilidade acerca dessa titularidade.
O "prejuízo" a que se refere o art° 412° nº 1 não tem o mesmo sentido da "lesão grave e dificilmente reparável" que constitui fundamento dos procedimentos cautelares não especificados (art° 381 ° n° 1 do CPC).
Como refere A. dos Reis, "( ... ) basta a ilicitude do facto, basta que este ofenda o direito de propriedade, a posse ou a fruição; o prejuízo consiste exactamente nessa ofensa. Trata-se de dano jurídico, isto é, de dano derivado, pura e simplesmente, da violação do direito de propriedade, da posse ou da fruição. Desde que o facto tem feição de ilícito, porque é contrário à ordem jurídica concretizada num direito de propriedade, numa posse ou numa fruição legal, tanto basta para que haja de considerar-se prejudicial para os efeitos do embargo de obra nova; o embargante não precisa de filiar o seu prejuízo noutra razão que não seja a ofensa da sua situação jurídica subjectiva, não precisa de alegar que, na realidade das coisas, a obra lhe acarreta perdas e danos" (CPC Anotado, Vol. II, 3a ed., p. 64/65)
No embargo de obra nova o requerente não tem de qualificar e quantificar os prejuízos, ao invés do que sucede nos procedimentos comuns não especificados em que recai sobre o requerente o ónus de provar a gravidade e a dificuldade de reparação da lesão do seu direito. Basta-lhe alegar e provar a ilicitude do facto e a ofensa ao seu direito (cfr. Acs. da RP de 28/10/98 e 03/04/2000 in www.dgsi.pt. nºs conv. 24886 e 28398 respectivamente, e da R.E.de 29/11/01, CJ T. 5, p. 253).
A expressão "que acuse ou ameace causar prejuízo" contida no art° 412° nº 1 serve para vincar a ideia de que o embargo é admissível, quer como meio de reacção contra prejuízo já produzido, quer como meio de prevenção contra prejuízo iminente (A. dos Reis, ob. cit., p. 65)
Voltando ao caso dos autos, não tem, pois, razão a Exmª Juíza na sua decisão ao considerar que não se verifica o requisito do prejuízo ou ameaça de prejuízo ao embargante, pois "Tais prejuízos devem ser alegados concretamente, especificando-se no que se traduzem para o embargante indicando-se quais os inconvenientes ou incómodos que lhe causam, não bastando, salvo melhor juízo, invocar como os requerentes fazem, que <<A descrita actuação da requerida envolve grave violação do direito de propriedade dos requerentes e causa-lhes, obviamente, graves prejuízos» pois dessa actuação, tal qual a descrevem os requerentes, não se extrai com o mínimo de clareza e precisão, muito menos «obviamente», em que é que consiste o «grave prejuízo» meramente alegado".
Conforme resulta do supra exposto, no requerimento inicial deve o requerente, alegar os factos de onde deriva o seu direito e a ilicitude da actuação do requerido, estando o prejuízo ínsito na ofensa do direito, não sendo necessário alegar perdas e danos, pois o dano é jurídico.
Assiste, pois, razão aos recorrentes no que a esta questão se refere.

Quanto à questão da verificação dos requisitos do embargo extrajudicial realizado.
Como supra se referiu, considerou a Exmª Juíza que os embargantes não cumpriram as formalidades legais a que a realização do embargo extrajudicial deve obedecer, pois não explicaram ou justificaram a razão porque "contactaram" o encarregado da obra e não em primeiro lugar, a requerida dona da obra e não alegaram no mesmo requerimento que a notificação do embargo foi feito perante duas testemunhas, nem as identificaram ali.
Com efeito, conforme resulta do nº 2 do art° 412° do CPC, no embargo extrajudicial o interessado notifica verbalmente, perante duas testemunhas, o dono da obra, ou, na sua falta, o encarregado ou quem o substituir para não a continuar.
Elucidando sobre o conteúdo desse comando, diz A. dos Reis que o embargo extrajudicial de obra nova se faz dirigindo-se o titular do direito ofendido ao local da obra e aí notificando verbalmente, perante duas testemunhas, o dono dela, ou, na sua falta, o encarregado ou quem o substituir, para a não continuar.
E após advertir que a expressão "notificando" está empregada no sentido de aviso extrajudicial - consubstanciado numa declaração de vontade, destinada a produzir efeitos judiciais, mediante a qual o embargante faz saber que embarga a obra, esclarece que "A declaração de vontade não pode ser dirigida a qualquer operário ou a pessoa que se encontre no local; a lei estabelece uma hierarquia de destinatários: 1° - o dono da obra; 2° - Na sua falta, isto é, se não estiver na obra, o encarregado; 3° - Se este também não estiver presente, a pessoa que o substituir".
E, rematando a sua exposição diz: "Há que observar cuidadosamente esta hierarquia" ( ob. cit. p. 76)
A notificação em apreço e a imposição legal da sua realização perante duas testemunhas (pois trata-se de uma comunicação verbal) constituem formalidades do embargo cuja não verificação obsta à procedência do pedido de ratificação. Ora, optando pelo embargo extrajudicial, em que o pedido formulado é o da sua ratificação, deve o requerente alegar no requerimento inicial (que equivale ao requerimento dirigido ao juiz no embargo judicial), não só os factos de onde deriva o seu direito e a ilicitude da actuação do requerido, como os que constituem a realização do embargo extrajudicial nos termos legais, isto é, o dia em que foi efectuado, a indicação da pessoa a quem foi feita a notificação, com a observância da hierarquia legal, e a indicação da presença das duas testemunhas e respectiva identificação.
Assim, não sendo a notificação efectuada na pessoa do dono da obra, cabe ao requerente alegar no requerimento inicial a razão porque o não foi.
Conforme se decidiu no acórdão desta Relação de 14/07/2004 "Se a notificação for feita na pessoa do encarregado da obra, ou de quem o substitua, deve ser alegado que o dono da obra não estava presente" (Proc. n° 1040/04-3 in www.dgsi.pt)
ln casu, conforme resulta do seu requerimento inicial, os requerentes limitaram-­se a alegar que no dia 1 de Junho do corrente ano, o requerente marido "contactou" o encarregado da obra, "intimando-o a retirar os trabalhadores e a paralisar os trabalhos, assim embargando extrajudicialmente a obra com os formalismos do n° 2 do artº 412º do CPC," (cfr. art° 8°)
Ora, tal alegação, limitando-se a remeter para os termos a lei é manifestamente insuficiente porque destituída da correspondente alegação dos factos que o tribunal necessita conhecer para aferir da regularidade do embargo extrajudicial realizado e da sua consequente validade e eficácia.
Não só os recorrentes não explicaram a razão porque não notificaram o dono da obra (primeira na hierarquia a observar), como não alegaram que a notificação foi feita na presença de duas testemunhas e a respectiva identificação.
E, tratando-se de factualidade constitutiva do direito do autor, cabe-lhe o ónus da sua alegação e prova, também o exigindo o princípio do contraditório, (designadamente, como refere a apelada, para lhe ser possível contraditar sobre a presença ou ausência de determinadas pessoas, o que não é possível sem o conhecimento de quem são as mesmas).
De resto, tratava-se de simples alegação de factos praticados pelos requerentes que em nada interferem com a natureza urgente do procedimento, ao contrário do que parece sugerirem os recorrentes nas conclusões 7ª a 9a da sua alegação. Assim sendo, não assiste razão aos recorrentes quanto a esta questão, pelo que a presente providência não pode desde logo, proceder.

Mas, também, adianta-se já sempre a mesma estaria condenada ao malogro pois é manifesta a extemporaneidade do embargo.
Com efeito, conforme resulta do art° 412° n° 1, o embargo (tanto judicial como extrajudicial) deve ser accionado dentro de 30 dias a contar do conhecimento do facto, sendo ainda que, no caso do embargo extrajudicial, tem o interessado ainda o ónus de requerer a sua ratificação no prazo de cinco dias (nº 3).
O prazo de trinta dias começa a contar-se a partir do momento em que o titular do direito tenha efectivo conhecimento da verificação do dano ou do perigo da sua ocorrência, isto é, a partir do conhecimento de que a obra era lesiva do seu direito ou que o iria prejudicar.
Trata-se de um prazo de natureza substantiva, estando sujeito ao regime de contagem resultante do art° 144° nºs 1 a 3 do CPC, cuja inobservância tem como consequência a caducidade do direito, ao contrário do prazo de cinco dias para requerer a ratificação que é um prazo judicial cuja inobservância importa a ineficácia do embargo extrajudicial efectuado.
Ora, em sede de oposição a embargada excepcionou a extemporaneidade do embargo porquanto "desde há muito (há anos) que os requerentes tinham conhecimento da operação de loteamento e que a execução desta pressuporia as obras em causa, sendo certo que, pelo menos desde Abril que os trabalhos objecto do "embargo" decorriam já no terreno com conhecimento dos requerentes" (art° 41) e que "Isso mesmo se conclui, também, da troca de correspondência junta aos autos pelos requerentes e é também indiciado pela data do denominado "levantamento topográfico" junto com o R.I., que é de Maio".
Ora, como bem refere a Exmª Juíza e resulta do requerimento inicial, são os próprios requerentes que alegam que "Já em Abril do corrente ano houve contactos entre o requerente marido e o “D”, administrador da requerida e o encarregado de obra da mesma, “E”, a propósito da ocupação de parte do prédio em causa (cfr. docs. 6 e 7)" segundo os quais, por carta de 2 de Abril de 2009, alertavam a requerida para o facto de que "estão a ocupar um terreno que não é da vossa propriedade e cuja caderneta e escritura estão bem claras no sentido de provarem a quem pertence, pelo que agradecemos tudo o que está a ocupar o terreno e que o mesmo fique exactamente como estava".
Não pode deixar de se concordar com a embargada quando refere que os embargantes tinham conhecimento que a execução da operação de loteamento que a embargada levava a cabo pressuporia a realização de obras no terreno em causa que esta ocupava já (e que é por ambas as partes reivindicado), sabendo que a mesma era lesiva ou ameaçava prejudicar o seu alegado direito. E tal conhecimento reporta-se, pelo menos, a 2 de Abril do corrente ano.
E assim sendo, tem razão a Exmª Juíza a quo ao considerar extemporâneo o procedimento, por ter sido excedido o prazo de 30 dias estabelecido no art° 412° nº 1 do CPC, pelo que também por esta razão teria o presente procedimento cautelar especificado de improceder.

Do exposto, extraem-se as seguintes conclusões:
- O prejuízo como requisito de embargo de obra nova, está ínsito na ofensa do direito, não sendo necessário alegar perdas e danos (o dano é jurídico)
- No procedimento cautelar de ratificação do embargo de obra nova, cabe ao requerente alegar no requerimento inicial, porque constitutiva do seu direito, a factualidade referente à observância do formalismo prescrito no art° 412° n° 2 do CPC para a realização do embargo extrajudicial.
- O prazo de 30 dias referido no art° 412° nº 1 do CPC, começa a contar-se a partir do momento em que o requerente teve conhecimento de que a obra era lesiva do seu direito ou do momento em que soube que aquela o iria prejudicar.

DECISÃO
Nesta conformidade, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Évora, 09.12.09