Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
567/07.2TBSTR.E1
Relator:
TAVARES DE PAIVA
Descritores: DANOS NÃO PATRIMONIAIS DECORRENTES DE RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
Data do Acordão: 09/10/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO CÍVEL
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário:
Na área da responsabilidade contratual é lícito ao credor a reparação de danos não patrimoniais.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

I - Relatório:
“A” e mulher “B” intentaram no Tribunal Judicial de … acção com processo sumário, contra “C” pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 4.000,00, a título de indemnização por danos morais, pela angústia, humilhação, embaraço e desgosto provocados pelos serviços que a R no dia da festa do casamento dos AA, no âmbito de um contrato de prestação de serviços, que haviam celebrado com a Ré.
A Ré contestou, começando por alegar que a presente causa estava dependente de um processo crime e, nessa conformidade requereu a suspensão da instância ao abrigo do art. 279 n° 1 do CPC.
A Ré suscitou também a sua própria ilegitimidade, invocou uma situação de
abuso de direito e, no mais impugnou os factos alegados pelos A concluindo pela improcedência da acção.
A Ré deduziu ainda reconvenção com base no enriquecimento sem causa, por os AA terem conseguido uma festa de casamento clássica e tradicional por um preço irrisório, tendo ainda na sua posse € 2.300,00 que pertencem à Ré e que devem ser restituídos à R acrescidos a título de indemnização do montante de € 1.150,00 pelo não pagamento do cheque emitido entregue e vencido em 10.9.2006.
Os AA responderam à contestação - reconvenção, pugnando pela improcedência das excepções suscitadas e da reconvenção deduzida.

Seguiu-se o despacho saneador, no qual se indeferiu a requerida suspensão da instância, julgou-se improcedente a excepção de ilegitimidade suscitada e absolveu-se da instância os AA do pedido reconvencional.
Procedeu-se à selecção da matéria de facto assente e controversa que integrou a base instrutória, que não mereceu das partes qualquer reclamação.
Entretanto a Ré interpôs recurso de agravo do despacho que indeferiu a requerida suspensão da instância, recurso esse que foi admitido a subir com o primeiro que houvesse de subir imediatamente, recurso este que veio ser julgado extinto por inutilidade superveniente ( art. 287 al. e) do CPC) (cfr. despacho de fls. 305/305v).
Procedeu-se a julgamento e após a decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a Ré a pagar aos autores a quantia de € 3.500,00, acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde a data da citação até integral pagamento.
A Ré não se conformou com esta decisão e apelou para este Tribunal.
Nas suas alegações de recurso a apelante formula as seguintes conclusões:
1- Como se referiu, no douto despacho recorrido fez-se uma errada interpretação dos factos e não menos errada aplicação da lei.
2- A Ré após ter produzido alegações de agravo com o comprovativo do pagamento da taxa de justiça aguardou pelo despacho a admitir o recurso como agravo para subir imediatamente nos próprios autos e com efeito suspensivo.
3- Em tais circunstâncias sempre teria a Mmª Juiz a quo de considerar suspenso o andamento do processo em virtude de estar em causa o art. 279 nº 1 do CPC aliás de acordo com o pedido na formulação do requerimento de recurso pelo agravante.
4- Daí resulta a ilegalidade do despacho recorrido já que não admitiu no devido tempo o agravo com efeito suspensivo e face à matéria da suspensão o processo teve um andamento normal, sem que o Juiz a quo se pronunciasse devidamente.
5- Desta forma e porque não foi reparado o agravo, parece-nos face ao andamento dos autos o «Tribunal a quo » afastou-se do caminho que a lei lhe permitiria adoptar quanto à suspensão, solução diversa da que foi considerada no despacho final referente ao recurso de agravo .
6- Ignorando-se a matéria objecto de alegação e pendente de recurso de agravo violou o despacho recorrido diversos preceitos legais e designadamente os arts. 740, 741 e art. 744 todos do CPC.
7- De qualquer forma e embora o pedido de danos morais devesse ter uma causa de pedir numa base extracontratual, os AA reconhecem não terem danos patrimoniais e accionam o seu pedido apenas em aspectos subjectivos e no âmbito da responsabilidade contratual.
8- E a prova é que como foi provado por confissão dos próprios AA a seguir ao banquete instalaram-se na suite do hotel onde pernoitaram.
9- Nestes termos à luz da lei, da doutrina e da jurisprudência não assiste aos AA qualquer indemnização a título de danos morais, pois, as circunstâncias do caso nem o justificam, como está preceituado no art. 494 do CC.
10- Mas admitindo por hipótese que assistisse algum direito aos AA, hipótese inadmissível, o montante que lhes foi arbitrado é exageradíssimo e desajustado à situação sócio económica da Ré e além do mais os juros de mora só poderiam ser devidos a partir da citação ( art. 663 nº 1 do CPC e 566 do CC )
11- Consequentemente foram violadas as disposições legais precedentemente citados
12- Deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se o despacho e
sentença recorridos, absolvendo-se a Ré.

Os AA apresentaram contra-alegações, pugnando aí pela improcedência dos recursos.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II- Fundamentação:
Na 1ª instância provaram-se os seguintes factos:
1- A Ré dedica-se, entre outras actividades, à produção de eventos, nomeadamente, realização de casamentos e baptizados. A) dos factos assentes;
2- Os autores são casados entre si, tendo celebrado matrimónio no dia 9.09.2006- B) dos factos assentes;
3- Com o propósito de festejar o seu casamento, os autores contrataram a ré em 26/04/2006, a fim de tomarem conhecimento dos serviços desta - C) dos factos assentes;
4- No decurso das negociações, a Ré informou os autores que lhes era possível elaborar a própria ementa, sendo que os mesmos optaram pela proposta 5 e que se encontra junta a fls, 38 e 39 para 120 convidados com o preço acordado de € 65,00 por pessoa com IVA incluído - al. D) dos factos assentes;
5- Os autores entregaram € 1.500.00 a título de pré-sinalização e, mais tarde a pedido da ré, entregaram mais € 4.000,00- al. E dos factos assentes;
6- Os autores entregaram outro cheque no valor de € 2.300,00 a fim de ser depositado depois da realização da boda - com o esclarecimento que foi devolvido com a menção de extraviado- 1 ° da BI;
7- No dia do casamento, logo de manhã, o autor deslocou-se ao hotel e verificou que não estava nada montado o que o deixou bastante preocupado. 2° da BI;
8- O autor falou com “D”, que lhe garantiu que na hora acordada estaria tudo pronto - 3° da BI;
9- Depois da cerimónia, o autor marido telefonou a um dos sócios informando-o de que os convidados se dirigiam para o hotel, tendo o sócio respondido que era melhor não se deslocaram de imediato para o hotel, que ainda era cedo- com o esclarecimento que a cerimónia terminou mais cedo do que o previsto. 4° da BI;
10- Tendo ao autor marido dito que nada podia fazer pois que muitos dos convidados já se tinham dirigido para o local que aí chegados depararam-se com a porta fechada- 5° da BI;
11- Os convidados ficaram mais de 30 minutos à entrada do hotel ao sol. 6° da BI
12- E as bebidas depositadas em mesa não dispunham de nenhum empregado -7° da BI;
13- Quando os convidados pediam água, a mesma era retirada pelos empregados das torneiras da casa de banho para jarros onde era colocado gelo- 8° da BI;
14- Na recepção não havia qualquer empregado a servir os convidados - 11 ° da BI;
15- Os convidados ficaram mais de 20 minutos à espera sem lhes ser permitido o acesso ao interior da tenda - 12° da BI;
16- O autor marido abriu a tenda e deparou-se com dois empregados ainda a montar as mesas, colocar pratos, bebidas, copos e talheres- 13° da BI;
17- A sopa de peixe não chegou para todos os convidados- 19° da BI;
18- Foi servida sopa de feijão verde aos convidados que preferiam sopa de peixe. 20° da BI;
19- O bacalhau era desfeito em puré de batata- 17° e 21 ° da BI;
20- O serviço de espera entre um prato e outro foi de cerca de uma hora - 22° da BI;
21- O gelado e a fruta não chegaram para todos os convidados e as bebidas colocadas em cima da mesa estavam quentes – 23º da BI;
22- Quando chegou a hora do buffet, os empregados instaram alguns convidados a desocuparem as mesas onde tinham tomada a refeição por serem precisas para o buffet- 27° da BI:
23- E os produtos que constituíam o buffet não foram repostos à medida das necessidades e foram insuficientes- 28° da BI;
24- As casas de banho ao serviço dos convidados alagaram, nunca tendo sido limpas ao longo do evento -29° da BI ;
25- O papel higiénico acabou, tendo sido substituído por rolos de papel de cozinha - 30 da BI;
26- Os autores sentiram vergonha e embaraço durante toda a boda e tiveram de se desdobrar em justificações e pedidos de desculpa aos convidados- 310 da BI;
27- A seguir ao banquete os autores instalaram-se na suite do hotel onde pernoitaram - 35° da BI;

Apreciando:
No que concerne ao recurso de agravo, atento o regime de subida que lhe foi fixado o mesmo perdeu toda a sua utilidade, conforme ficou consignado no nosso despacho de fls. 305/305v. e, que, aqui, se sublinha apenas por uma questão de enquadramento e metodologia.

No que concerne ao recurso de apelação, o seu objecto prende-se fundamentalmente com a obrigação de indemnização relacionada com os danos não patrimoniais.
Neste domínio importa salientar que a questão de saber se o dano contratual moral deve ser objecto de satisfação, tal como o dano extracontratual moral, ou seja, por outras palavras, se a reparação por danos morais se deve limitar ao domínio da responsabilidade extracontratual ( também designada extraobrigacional, aquiliana ou delitual, que deriva da violação de um dever geral de abstenção contraposto a um direito absoluto ( direito real, direito de personalidade).
Por seu turno, a responsabilidade contratual, resulta da violação de um direito de crédito ou obrigação em sentido técnico; vide por todos Mota Pinto in Teoria Geral do Direito Civil, 3a edição actualizada, p ag. 1 23) ou, se pelo contrário, abrangerá essa reparação também os danos não patrimoniais de natureza contratual.
É bem conhecida a posição de Pires de Lima e A. Varela no sentido de considerarem que o princípio da ressarcibilidade dos danos morais se acha circunscrito à responsabilidade civil extracontratual (fundada na culpa ou simplesmente no risco) cfr. (C. Civil Anotado voI. I 4a ed. pags. 501 e 502 )
Na mesma linha, Manuel Andrade in Teoria Geral das Obrigações, pag. 170 e 171 considerou tal extensão desaconselhada, invocando fundamentalmente razões de prudência.
Embora sejam razões ponderosas importa referir que não é esta a posição hoje prevalecente, tanto na doutrina como na jurisprudência.
Aliás, já em tempos Cunha Gonçalves in Tratado de Direito Civil Vol. IV pag. 510 e Vaz Serra BMJ 83 pag. 102 e segs. se inclinaram para a aceitação da reparação do dano moral, mesmo na esfera contratual.
Mais recente também Pinto Monteiro in Sobre a Reparação dos Danos Morais, in Revista Portuguesa do Dano Corporal, Set. 1992, nº 1, 1° Ano, pag. 21 e segs .. se pronunciou nesse sentido.
Em sede de jurisprudência, a posição dominante segue também esta última
orientação (cfr. entre outros Ac. STJ de 4/6/1974 e Ac. STJ de 17/1/1993 e de 17/11/1998 e da Rel. Porto de 18/1/99 respectivamente in CJ Ano I (STJ) T 1, pag. 61, T 3, pag. 124 e Ano XXIV T. 1 pag. 186.
No entanto, importa referir que não será certamente, a falta de cumprimento de um qualquer contrato que, por si, só, imporá tout court a indemnização por estes danos. A reparação só se justificará quando a especial natureza da prestação o exija, ou quando as circunstâncias que acompanharam a violação do contrato hajam contribuído decisivamente para uma grave lesão susceptível de causar, segundo a experiência da vida, danos não patrimoniais merecedoras da tutela jurídica, ( cfr. sobre esta problemática De Cupis in El Dano ed. Bosch pag. 152 e segs.).
Também Almeida Costa in Direito das Obrigações, 5a ed. Pag. 486 refere a este respeito: Efectivamente, embora no domínio do incumprimento das obrigações em sentido técnico se produzam tais danos com menor frequência e intensidade, podem verificar-se hipótese em que bem se justifique uma compensação por danos não patrimoniais, dentro do critério do art. 496 ; é pouco convincente a alegação de uma dificuldade acrescida que exista, porventura em certos casos, na prova e apreciação desses danos, ou a de eventuais factores de insegurança que se introduzam no comércio jurídico. Com efeito sempre funciona requisito de que os danos não patrimoniais apresentem suficiente gravidade. Muito menos se aceita a procedência do argumento sistemático derivado da colocação do art. 496 . De resto a lei refere-se apenas ao prejuízo causado ao credor pelo inadimplemento, sem que estabeleça distinção entre danos patrimoniais e não patrimoniais ( arts. 798° e 804 nº 1 )" ..
Portanto, em jeito de conclusão consideramos que na área da responsabilidade contratual é lícito ao credor a reparação de danos não patrimoniais.
No caso em apreço, vem provado que os autores sentiram vergonha e embaraço durante toda a boda e desdobraram-se em justificações e pedidos de desculpa aos convidados com os incidentes que foram sucedendo ao longo do evento.
Tratando-se de uma festa de casamento, essas situações quando ocorrem são muito melindrosas e afectam negativamente o ambiente geral de festa e de bem estar, que é comum nessas cerimónias, o que empresta à situação uma gravidade que merece a tutela do direito em conformidade com o art. 496 do CC.
A sentença encontrou o montante de € 3.500,00 como valor justo e equilibrado e que a nosso ver não merece reparo e está em conformidade e ajustada à situação ocorrida.
Improcedem, deste modo, as conclusões da recorrente.

III- Decisão:
Nestes termos e considerando o exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação interposta, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela Ré.
Évora, 10.09.09