Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ALBERTO MIRA | ||
Descritores: | EXTINÇÃO DO DIREITO DE QUEIXA PRAZO DE CADUCIDADE | ||
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Data do Acordão: | 11/08/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO | ||
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Sumário: | I - O segmento inicial do n.º 1 do art. 115.º do Código Penal, contempla um simples conhecimento naturalístico, e não judicial, ou seja, uma apreensão do sentido ou significado social do comportamento em causa - não sendo necessária qualquer valoração dirigida à subsunção jurídica que posteriormente seja adequada -, por regular um momento processual em que não existe ainda acção penal pendente. II - O prazo de 6 meses para o exercício do direito de queixa é substantivo e de caducidade e não processual ou judicial, cuja contagem deve, por isso, ser feita com observância das regras contidas no art. 279.º do Código Civil e não com recurso às regras dos arts. 103.º e 104 do Código de Processo Penal e/ou às dos arts. 144.º, 145.º e 150.º do Código de Processo Civil. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juizes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I. Em 20 de Dezembro de 2002 a assistente A. … apresentou nos Serviços do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de … queixa-crime contra B. …para que contra este fosse instaurado procedimento criminal «pela prática de um crime de burla qualificada e de um crime de abuso de confiança» (cfr. fls. 3 a 11 dos autos). * No decurso do inquérito, o Magistrado do Ministério Público proferiu o despacho que consta de fls. 256 a 258, determinando o arquivamento dos autos, ao abrigo do disposto no art. 277.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, por a matéria indiciária poder, eventualmente, integrar tão só um crime de “danificação ou subtracção de documento e notação técnica”, p. p. pelo 259.º, n.º 1 do Código Penal, para o conhecimento do qual entendeu serem territorialmente competente os Serviços do Ministério Público no Tribunal Judicial da Comarca do ….* Em tempo, veio a assistente A. … requerer a abertura de instrução, alegando a matéria de facto e de direito constante do requerimento de fls. 276 a 282, pugnando pela pronúncia de B. … pela prática dos denunciados crimes de burla e abuso de confiança e ainda do crime p. p. pelo art. 259.º, n.º 1 do CP.Realizado debate, foi proferida decisão instrutória de não pronúncia, por se mostrar extinto, por caducidade, o direito de queixa exercido pela assistente A. …, assente nos fundamentos que de imediato, e em síntese, se passam a expor. Dos elementos de inquérito (a instrução não comportou quaisquer diligências), resultam indícios suficientes de que o arguido B. … praticou os seguintes factos: 1. O referido arguido prestou trabalho, como motorista de veículos pesados, para a assistente, sob as ordens e direcção desta, até 28 de Setembro de 2001. 2. Os veículos pesados de mercadorias que o arguido B. … conduzia dispõem de um aparelho de comutação dos tempos de condução, vulgarmente designado por “tacógrafos”, destinando-se os mesmos a exercer o controlo da condução efectuada por cada motorista em cada dia de trabalho. 3. A utilização do aparelho antes referido depende da colocação e renovação diária de uma folha de registo, de forma circular, na qual se encontram inscritos os elementos relativos a horas, velocidade de condução e os diferentes grupos de tempo. 4. Dado que incumbia à assistente A. …, esta procedeu à entrega ao arguido B. … das referidas folhas de registo. 5. Após a referida utilização, o arguido B. … tinha a obrigação de, diariamente, entregar à sua entidade patronal, A. …, as referidas folhas de registo. 6. O arguido B. … utilizou todos os discos papel, cujas cópias se mostram juntas aos autos, nos respectivos “tacómetros” instalados nos veículos que conduziu, por conta e ordem da assistente A. …, e não procedeu à sua entrega diária a esta entidade. 7. Das cópias dos discos de registo juntas aos autos, da mais recente consta a data de 26 de Setembro de 2001. 8. O arguido B. …, passados 10 meses sobre a data em que deixou de trabalhar por conta e sob as ordens da assistente, intentou acção judicial no Tribunal do Trabalho de ... contra a assistente, tendo utilizado como meio de prova os originais dos discos de registo que havia mantido na sua posse. Os factos que se indiciam praticados pelo arguido B. … integram a prática de um crime de danificação ou subtracção de documento e notação técnica, p. p. pelo art. 259.º, n.ºs 1 do CP, o qual é semi-público quando, como no caso concreto, o ofendido é um particular (n.º 4 do mesmo artigo). Ao longo de todo o período de tempo em que o arguido não fez a entrega dos discos de registo do “tacógrafo”, a assistente teve conhecimento de que o mesmo se apoderara de tais discos, dado que não procedia à sua entrega diária. Estando o último disco de registo datado de 26-09-2001, é esta a data a partir da qual o titular do direito de queixa o poderia exercer, de acordo com o disposto nos arts. 115.º, n.º 1 do CP e 49.º do CPP: O direito de queixa foi exercido pela queixosa A. … em 20-12-2002, data em que extinto estava já o direito de queixa. * Inconformada, recorreu a assistente A. …, formulando na sua motivação as seguintes conclusões (transcrição):«A - Em 30 de Setembro de 2004, foi proferido pelo Tribunal a quo douto despacho de não pronúncia, designadamente, por se considerar que se encontrava extinto o direito de queixa da assistente, muito embora fosse consignado que existiam indícios suficientes da prática do crime de danificação ou subtracção de documento e notação técnica, p. p. pelo art. 259.º do Código Penal; B - Para tanto, considerou o Tribunal a quo que a assistente não poderia ignorar que o arguido havia omitido a obrigação de entrega das folhas de registo de tacógrafo, pelo que a data relevante para efeitos de contagem de prazo para o exercício do direito de queixa seria o dia 26 de Setembro de 2001, a qual corresponde ao último dia de prestação de trabalho do arguido por conta da assistente; C - Pelo que, à data de apresentação da queixa-crime junta aos autos (20 de Dezembro de 2002) já se encontrava há muito expirado o prazo estabelecido para o efeito; D - Discorda a aqui recorrente do entendimento plasmado na doutra decisão instrutória, designadamente porque dos autos não resulta prova concludente que a mesma tivesse tomado conhecimento dos factos que consubstanciam a prática do crime p. p. no art. 259.º do CP, no momento em que se verifica a cessação da relação laboral mantida entre o arguido e a assistente; E - Com efeito, mesmo que algum dos funcionários da Recorrente tivesse verificado a omissão do dever do arguido, tal só seria relevante se o mesmo comunicasse tal facto aos legais representantes da Recorrente, únicas pessoas com legitimidade para agir judicialmente contra o arguido; F - Na realidade, a Recorrente ignorava que o arguido tivesse efectivamente mantido na sua posse, à revelia daquela, as folhas de registo de tacógrafo, só tendo tomado conhecimento de tal facto em 16 de Outubro de 2002, data em que se realizou a audiência de partes no âmbito de uma acção judicial intentada pelo arguido contra a assistente e que correu termos no Tribunal do Trabalho de ...; G - De todo o modo, a simples omissão do dever de entrega de tais documentos à assistente, e a consequente manutenção dos mesmos na posse do arguido, não consubstancia, por si só, a prática do crime previsto e punido pelo art. 259.º do CP; H - Para tanto, é mister que o arguido, ao subtrair tais documentos, tenha intenção de causar prejuízo a outrem ou de obter para si ou para outra pessoa um enriquecimento ilegítimo; I - Ora, salvo melhor e douta opinião, o único momento em que a ora Recorrente toma conhecimento de que o arguido visava obter um enriquecimento ilegítimo para si, utilizando para o efeito, os documentos que ilegitimamente havia mantido na sua posse é o da realização da audiência de partes, realizada no dia 16 de Outubro de 2002, onde se encontrava obrigatoriamente presente o legal representante da aqui Recorrente; F - Pelo que, face ao disposto no art.º 115.º do Código Penal, será a partir desta data que a ofendida, ora Recorrente, tomou conhecimento dos factos que integram a prática do crime de danificação ou subtracção de documento ou notação técnica, p. p. no art. 259.º do Código Penal; K - Nesta conformidade, deveria o Tribunal a quo ter considerado tempestivo o exercício do direito de queixa, o qual ocorreu em 20 de Dezembro de 2002, proferindo, nessa conformidade, despacho de pronúncia quanto à prática do crime de danificação e subtracção de documento e notação técnica». Manifesta-se, a final, pelo provimento do recurso, “pronunciando-se o arguido” B… pela prática do supra indicado crime do art. 259.º, n.º 1 do CP. * Na sua resposta, o Ex.mo Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de 1.ª Instância formulou as conclusões que constam de fls. 348 a 351 (transcrição):«1. Para que o comportamento do agente integre a prática do crime de danificação ou subtracção de documento ou notação técnica, p. e p. pelo art. 259° do C.P., é necessário que no momento da destruição, danificação, inutilização, desaparecimento, dissimulação ou subtracção o agente proceda com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado ou com a intenção de obter para si ou para outra pessoa um benefício ilegítimo. 2. A necessidade de existir essa intenção concomitante à subtracção resulta do facto de a norma se bastar com essa intenção, não exigindo, ao contrário do que pretende a recorrente, a efectiva verificação do prejuízo ou do benefício ilegítimo. 3. A apresentação em juízo de documento por uma das partes não prejudica, de qualquer forma, a parte contrária quer porque consubstancia o exercício de um direito, quer ainda porque considerando o princípio da aquisição processual, a valoração dos factos que o documento insere e a sua pertinência para a discussão da causa é efectuada pelo juiz, independentemente de beneficiar ou prejudicar a parte que o apresentou. 4. Este entendimento corresponde, aliás, ao pensamento do comum dos cidadãos que encara o recurso aos tribunais como uma forma de fazer valer os seus legítimos direitos. 5. Da circunstância de o arguido ter apresentado no Tribunal de Trabalho as folhas de registo que tinha o dever de entregar diariamente à assistente não podemos retirar, como fez a recorrente, que o arguido no momento em que subtraiu o documento teve a intenção de obter um benefício ilegítimo. 6. Por razões de segurança jurídica, o art. 115.° do C.P. coloca à disposição do ofendido um prazo para exercer o seu direito de queixa - 6 meses - sob pena de caducidade do seu direito. 7. No caso dos presentes autos esse prazo começa a contar da data em que o titular do direito de queixa tem conhecimento do facto e de quem são os seus autores. 8. É a partir da data em que o arguido saiu da sociedade para que trabalhava, no dia 28 de Setembro de 2001, com as folhas de registo que devia entregar diariamente à assistente que esta adquiriu o conhecimento do facto que na sua óptica, e na da pessoa comum, consubstanciaria a prática de um crime de subtracção de documento. 9. É dessa data que se contam os 6 meses disponíveis para exercer o direito de queixa de que era titular; não exercendo nesse período de tempo esse direito ocorreu a sua extinção, por caducidade. Nestes termos, andou bem a decisão recorrida ao não pronunciar B. …, por se mostrar extinto o direito de queixa quando exercido pela assistente A. …. * Por sua vez, o arguido, no uso do seu direito de resposta, conclui do seguinte modo (transcrição):«1. Não se mostram indiciados os elementos constitutivos da prática do crime p. p. pelo artigo 259.º do CP. 2. Nada nos autos permite concluir que o arguido possa ter agido com intenção de causar prejuízo à assistente ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo. 3. Os discos de tacógrafo foram utilizados apenas para prova do trabalho suplementar efectuado pelo arguido ao serviço da assistente e que esta não tinha pago nos termos legais, destinando-se, por isso, apenas a fazer prova de um direito do arguido reclamado em Tribunal do Trabalho e não para obter qualquer benefício ilegítimo. 4. Caso a assistente pretendesse reaver os discos para controlar os seus tempos de serviço ou para qualquer outro fim, poderia e deveria ter exercido esse direito, ainda mesmo durante a vigência laboral, o que nunca fez. 5. E também nunca exerceu o direito de queixa, apenas o fazendo muito tempo após a data de cessação do contrato, ou seja após a última utilização dos discos, a qual se registou em 26-09-2001. 6. Para efeito do exercício do direito de queixa, a data a partir da qual de deve contar o prazo é a do último disco utilizado pelo arguido, ou seja 26-09-2001, pelo que tendo a assistente apresentado queixa em 20-12-2002, fê-lo muito depois do decurso do prazo legal para esse efeito. 7. Encontra-se extinto o direito de queixa da assistente, como muito bem decidiu o M.mo Juiz de Instrução, pelo que tal decisão não merece qualquer reparo, devendo ser mantida na íntegra.» * Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, na sua douta promoção, quando da vista a que se refere o art. 416.º do Código de Processo Penal, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, pelos fundamentos de facto e de direito enunciados na motivação do M.º P.º em 1.ª Instância e na resposta do arguido.Notificado, então, a Recorrente, nos termos e para os efeitos consignados no art.º 417.º, n.º 2, do C. P. Penal, nada disse. Colhidos os vistos, o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir. *** II. Conforme Jurisprudência constante e pacífica, são as conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações que delimitam o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso (cfr. Ac. do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro). No caso sub-judice, o recurso interposto pela assistente A. … está limitado à questão da caducidade do exercício, por si, do direito de queixa, que o M.mo Juiz de Instrução teve por verificada, ao proferir o despacho de não pronúncia ora impugnado. Para a rigorosa compreensão do objecto do recurso, elencaremos ab initio os elementos de facto para tanto relevantes, decorrentes do inquérito: - Em 20-12-2002, a assistente A. … apresentou queixa contra o arguido B. …, no entendimento de ter este cometido um crime de abuso de confiança e um crime de burla, suportada na descrição factual que consta de fls. 3 a 11; - O denunciado prestou serviço para a assistente, sob as ordens e direcção desta, até 28-09-2001, exercendo as funções de motorista de veículos pesados de mercadorias; - Os veículos pesados de mercadorias que o arguido conduziu, ao serviço da assistente, dispunham de aparelhos de comutação de tempos de condução, vulgarmente designados “tacógrafos” -, destinados ao controlo da condução efectuada por cada motorista em cada dia de trabalho, cuja utilização dependia da colocação e renovação diária de uma folha de registo, que a assistente, por ser sua incumbência, sempre entregou ao arguido; - Após a respectiva utilização, devia o arguido entregar diariamente à assistente as referidas folhas de registo; - Não obstante, o arguido utilizou os discos/papel que, por cópia, constam de fls. 12 a 229, os quais haviam sido colocados nos “tacómetros” instalados nos veículos que aquele conduziu por conta e ordem da assistente; - Na mais recente cópia de disco, de entre as indicadas no antecedente número consta a data de 26-09-2001; - O arguido B…., passados 10 meses sobre a data em que cessou a sua actividade laboral, por conta e ordem da assistente, propôs contra esta, no Tribunal Judicial de …, acção judicial, tendo utilizado como meio de prova os originais dos discos de registo que havia mantido na sua posse, supra referidos. * Em análise está o crime de danificação ou subtracção de documento e notação técnica, com assento legal no art. 259.º do CP, o qual prescreve:«1. Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, destruir, danificar, tornar não utilizável, fizer desaparecer, dissimular ou subtrair documento ou notação técnica, de que não pode ou não pode exclusivamente dispor, ou de que outra pessoa pode legalmente exigir a entrega ou apresentação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa. 2. (....) 3. (....) 4. Quando sejam particulares os ofendidos, o procedimento criminal depende de queixa». No caso em apreciação, sendo a queixosa uma sociedade comercial, o referenciado crime assume-se semi-público, ou seja, a queixa constitui, no plano funcional, uma condição prévia para o desencadeamento do processo penal. Dispõe o art. 115.º, n.º 1 do Código Penal revisto pelo DL 48/95, que: «O direito de queixa extingue-se no prazo de 6 meses a contar da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores, ou a partir da morte do ofendido, ou da data em que ele se tiver tornado incapaz». Nos termos em que se configura a questão a dilucidar, o segmento inicial da citada norma é o único que interessa ter em conta. E contempla ele «um simples conhecimento naturalístico, e não judicial», ou seja, uma apreensão do sentido ou significado social do comportamento em causa - não sendo necessária qualquer valoração dirigida à subsunção jurídica que posteriormente seja adequada -, por regular «um momento processual em que não existe (...) ainda acção penal pendente» [1] . Embora a Recorrente manifeste nas suas motivações de recurso a posição de que o “conhecimento do facto” só se atinge com a exacta valoração jurídica da conduta, com o que não concordamos, como acima ficou expresso, não deixa de ser paradoxal, no seu plano de ideias, a constante alteração de qualificação jurídica por si tida no decurso do processo. A queixa denuncia os crimes de burla e de abuso de confiança. O requerimento de instrução, reagindo ao despacho de arquivamento do Ministério Público - no qual foi entendido que os factos indiciados não integravam os referidos crimes, mas, eventualmente, tão só o previsto no art. 259.º do CP -, passou também a visar este domínio normativo. Posteriormente, só a questão objecto do recurso interposto pela assistente, atinente ao crime de subtracção de documento, foi ventilada. Em função do que se deixou consignado, a data relevante para o início do prazo de 6 meses fixado para o exercício do direito de queixa é aquele em que o legal representante da assistente teve conhecimento da retenção pelo arguido dos discos de registo dos “tacógrafos”. No entanto, mesmo que, por hipótese, prevalecesse a interpretação que da norma a assistente faz, ainda assim o dies a quo do prazo estabelecido no art. 115.º, n.º 1 do CP não se alteraria. O crime previsto no art. 259.º do CP é um delito de intenção, porquanto nele assumem igualmente relevância elementos subjectivos do tipo, que fundamentam e reforçam o juízo de desvalor do facto, exigindo-se que o agente aja com a específica “intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo”. Deste modo, quando o agente, ao subtrair o documento (única modalidade de conduta ilícita que in casu importa considerar), não actua com essa intenção preenchidos não ficam todos os elementos do tipo de ilícito. A utilização posterior do documento (nomeadamente, em acção judicial que o agente venha a propor) e o prejuízo/benefício alcançados estão fora do círculo de realização plena do aludido tipo de crime, pertencendo, tão só, ao momento do seu exaurimento ou consumação material («além da consumação formal, a doutrina refere também a consumação material ou exaurimento do crime. Diz-se o crime exaurido (ou esgotado plenamente) quando o agente vem a alcançar o fim pretendido», além dos elementos que consumam o crime [2] . Posto o que ficou dito, cabe agora determinar a data em que a assistente, através dos seus legais representantes, teve conhecimento da “subtracção” dos documentos (folhas de registo do “tacógrafo”). A simples leitura das declarações prestadas em inquérito (fls. 244/245 dos autos) por Filipe José Madeira Galvão Videira, na qualidade de sócio-gerente da assistente [3] , só permite concluir que o referido conhecimento teve lugar em cada um dos dias a que cada folha de registo de “tacógrafo” correspondia, sendo de considerar, para aferir da caducidade do direito de queixa, a data do disco de registo mais recente, que é 26 de Setembro de 2001. * Como é sabido, o previsto prazo de 6 meses para o exercício do direito de queixa é substantivo e de caducidade e não processual ou judicial, cuja contagem deve, por isso, ser feita com observância das regras contidas no art. 279.º do Código Civil e não com recurso às regras dos arts. 103.º e 104 do Código de Processo Penal e/ou às dos arts. 144.º, 145.º e 150.º do Código de Processo Civil.Sendo o momento a quo do prazo 26 de Setembro de 2001, o dito prazo de seis meses há muito havia atingido o seu termo quando a assistente, em 20 de Dezembro de 2002, apresentou queixa contra o denunciado B. ... Nestes termos, nenhum reparo há que dirigir à decisão recorrida, sendo o recurso totalmente improcedente. * III - Assim, por todo o exposto, acordam os Juizes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora, em negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar na íntegra a decisão recorrida. Custas pela assistente, com 5 (cinco) UC´s de taxa de justiça (arts. 515.º, n.º 1, al. b), do CPP, 82.º, n.º 1 e 87.º, n.º 1, al. b) do C. C. Judiciais). ***** Processado e revisto pelo relator, o primeiro signatário, que assina a final e rubrica as restantes folhas (art. 94.º, n.º 2 do CPP).Évora, 8 de Novembro de 2005 Alberto Mira ______________________________ [1] (cfr., quanto às passagens a “itálico”, M. Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, 8.º Edição - 1995, pág. 490). [2] Germano Marques da Silva, Código Penal Português, Parte Geral, II volume, pág. 235/236; Cavaleiro Ferreira, Direito Penal Português, 1982, volume II, págs. 11-13. [3] “Como o denunciado não procedia à entrega diária dos discos de tacógrafo na empresa, esta não procedia ao pagamento das horas extraordinárias que o denunciado efectuava”. |