Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2644/16.0T8PTM.E1
Relator: MARIA JOÃO SOUSA E FARO
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
HERDEIRO
QUINHÃO
HERANÇA
Data do Acordão: 01/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I - O art.º 2130º do Cód.Civil consagra o direito preferencial dimanante da alienação de quinhão hereditário e não de alienação de bens compreendidos em herança indivisa;
II - O motivo determinante dessa preferência nasce do interesse que a lei tem de reunir nas mãos do menor número de herdeiros a titularidade dos diversos quinhões em que a sucessão fraccionou a unidade da herança, potenciando assim uma agilização da partilha;
III - Nenhum interesse desse jaez se descortina no caso em que se procede (por acordo de todos os herdeiros) à venda de um bem da herança a um terceiro.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

I- RELATÓRIO

1. AA, veio recorrer do despacho de 27.8.2017 no qual se entendeu não ser a mesma titular do direito de preferência na alienação do imóvel, objecto da carta precatória, à luz do disposto no art.º2130º do Código Civil, formulando, na apelação, as seguintes conclusões:

“1 – A Recorrente pretende exercer o direito de preferência na venda do bem imóvel objeto dos autos;

2 – Declarou tal intenção no Tribunal recorrido e no Tribunal deprecante;

3 – O quinhão hereditário abrange quer toda a quota-parte a que um herdeiro seja chamado a suceder, quer apenas uma parte ou porção dessa quota (cfr. Rabindranath Capelo de Sousa, Sucessões, I-89, nota 117);

4 – Mas a dicotomia quinhão hereditário/bens da herança nem sequer tem aplicação no caso concreto;

5 – Isto porque a ora Recorrente tendo já adjudicado para si os bens móveis (verba n.º 2 do activo), pretende agora compor o seu quinhão com a totalidade do acervo, ou seja, com o bem em venda (verba n.º 1);

6 – A Recorrente tem, assim, direito a que lhe seja reconhecida a preferência na alienação do bem em venda que compõe a verba n.º 1 do Activo do Inventário;

7 – Este é o entendimento da mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, afastado pela decisão ora em crise;

8 – Decidindo como decidiu a decisão ora recorrida violou o disposto no artigo 2130.º do Código Civil, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que reconheça o direito de a Recorrente preferir, nos termos por ela requeridos nos autos.

É o que se espera, por ser de JUSTIÇA.”.

2. Não houve contra-alegações.

3. Dispensaram-se os vistos.

4. Ponderando que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 608º, nº2, 609º, 635º nº4, 639º e 663º nº2, todos do Código de Processo Civil - a única questão que importa dirimir consiste em saber se a recorrente é, ou não, titular de um direito legal de preferência: in casu do co-herdeiro na venda a terceiro de um quinhão hereditário à luz do que dispõe o art.º 2130º do Código Civil.

II- FUNDAMENTAÇÃO

1. Os factos a considerar no âmbito deste recurso são os que se deixaram exarados no antecedente relatório e bem assim que o despacho recorrido – cujos pressupostos de facto não são postos em crise – tem o seguinte teor:

“ A presente carta precatória foi expedida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Seixal – Instância Local – Secção Cível – J2, com vista à venda do prédio urbano destinado à habitação, sito na Rua …, Freguesia de …, Concelho de Portimão, inscrito na matriz predial sob o n.º … e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …/20…6, da Freguesia de Alvor.

Realizadas as diligências tendentes à venda solicitada foi apresentada uma proposta de aquisição (cfr. fls. 65) na sequência da qual AA veio declarar pretender exercer o seu direito de preferência em conformidade com o art. 2130.º do CC.

Em tal quadro, a questão que se impõe resolver é a seguinte: encontram-se reunidos os pressupostos para o exercício do direito de preferência invocado por AA, com base no previsto no art. 2130.º do CC?

Adiantando a resposta diremos que não.

Com efeito, estatui-se no art. 2130.º do CC que “1. Quando seja vendido ou dado em cumprimento a estranhos um quinhão hereditário, os co-herdeiros gozam do direito de preferência nos termos em que este direito assiste aos comproprietários. 2. O prazo, porém, para o exercício do direito, havendo comunicação para a preferência, é de dois meses”.

Ora, salvo melhor juízo, definindo-se o quinhão hereditário como a corporização de um direito a uma quota parte de uma herança (que, depois e digamo-lo de forma simplificada, em sede de partilha judicial ou extrajudicial é preenchida com os bens deixados pelo de cujus, ou, se for o caso, integrada por dinheiro), o escopo da Lei ao estabelecer tal preferência parece ser o de, por um lado, evitar, tanto quanto possível, a dispersão dos bens e, por outro lado, o de evitar, sobretudo naqueles casos em que o processo segue a via judicial, que um terceiro se “intrometa” nas partilhas com todas as dificuldades inerentes (pois há que reconhecer que se muitas vezes é difícil o acordo no seio familiar, tal confluência de vontades torna-se ainda mais complicada de obter perante a intervenção de um terceiro, não raramente percepcionado como um completo estranho).

Neste conspecto refira-se que (diversamente do que ocorre na simples aquisição de um dado bem da herança) a aquisição de um quinhão hereditário (seja por que meio for) legitima o terceiro adquirente a requerer que se proceda ao inventário e a nele intervir como parte principal (assim, o Ac. do STJ de 21/10/2003, no proc. n.º03A2599, disponível em www.dgsi.pt), o que não acontece, segundo cremos, quando se opera uma pura e simples aquisição de um dos bens da herança por um terceiro.

Aqui chegados, não se olvidando o conteúdo do Ac. do STJ de 27/05/2008 invocado pela interessada na preferência como forma de validar o enunciado direito de preferência, o facto é que julgamos que tal direito inexiste.

Respaldando tal conclusão (e recuperando o já referido) temos em primeiro lugar um argumento literal; com efeito a Lei, no art. 2130.º do CC, atribui tal direito no contexto específico da alienação de um quinhão hereditário (a terceiros) e não quando se trata da alienação de um (ou mesmo mais) bem da herança, tratando-se notoriamente de realidades diferentes.

Por outro lado, em segundo lugar, teremos um argumento teleológico; na verdade, reconhecido que é que a finalidade do artigo em causa “nasce do interesse que a lei tem de reunir nas mãos do menor número deles a titularidade dos diversos quinhões em que a sucessão fraccionou a unidade da herança” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. VI, pág. 211, citados no aresto do STJ invocado pela interessada na preferência), a preferência compreende-se, à luz dessa finalidade, quando atribuída apenas e tão só no quadro da alienação do quinhão hereditário, pois que caso tal alienação ocorra, como já se salientou, o adquirente virá a estar legitimado a um conjunto de direitos relevantes no domínio da partilha da herança (mormente no contexto de um inventário, que terá legitimidade para desencadear e no qual poderá intervir), o que não sucederá quando se proceda a um bem (ou bens) especificado(s) da herança, já que o adquirente não ficará, neste caso, na mesma posição do beneficiário da alienação do quinhão hereditário.

Por todas estas razões consideramos que inexiste o convocado direito de preferência, motivo pelo qual se indefere o requerido por AA”.

2. Como é consabido, as preferências, quer legais, quer convencionais, integram-se na categoria de direitos reais de aquisição, ou seja direitos que conferem aos respectivos titulares o poder de adquirir sobre determinada coisa, quando ocorrem outros pressupostos, um direito real de gozo.

Por seu turno, os direitos legais de preferência conferem ao titular a faculdade de, em igualdade de condições, se substituírem a qualquer adquirente da coisa sobre que incidam, em certas formas de alienação (venda, dação em cumprimento de prédio sujeito a preferência).

No caso, a recorrente arroga-se titular de um direito de preferência na alienação de um imóvel que integra a relação de bens por óbito de uma pessoa de cuja herança a mesma é co-herdeira.

Não se está, por conseguinte, em presença de uma venda de uma quota ou quinhão hereditário como a norma convocada – o art.º 2130ºdo Código Civil - expressa.

Além do mais tal venda, como não podia deixar de ser, foi levada a efeito na sequência de deliberação assim tomada pelos interessados, dentre os quais a recorrente, na conferência que teve lugar no âmbito do processo de inventário (cfr. art.º 1353º nº1 c) do pretérito Código de Processo Civil).

Se a recorrente pretendia que o bem lhe fosse adjudicado não deveria ter anuído na sua venda, que constitui um dos modos de composição dos quinhões hereditários, como resulta das várias alíneas do citado normativo.

Caso não tivesse ocorrido acordo no que tange à adjudicação dos quinhões por qualquer dos modos previstos nas várias alíneas do nº1 do citado normativo, abrir-se-ia licitação entre os interessados o que efectivamente poderia permitir à recorrente obter para si o bem ( art.º 1363º nº1 e art.º 1374º e do mesmo Código).

3. Aqui chegados, está bem de ver que o art.º 2130º do Cód.Civil não serve o propósito de a recorrente adquirir o imóvel em causa.

Na verdade, aí se consagra o “direito preferencial dimanante da alienação de quinhão hereditário.

E, note-se bem, dizemos da alienação de quinhão hereditário e não de alienação de bens compreendidos em herança indivisa (…)”.[1]

Como se salienta na decisão recorrida, o motivo determinante dessa preferência nasce do interesse que a lei tem de reunir nas mãos do menor número de herdeiros a titularidade dos diversos quinhões em que a sucessão fraccionou a unidade da herança, potenciando assim uma agilização da partilha.

Nenhum interesse desse jaez se descortina no caso em que se procede (por acordo de todos os herdeiros) à venda de um bem da herança a um terceiro.

O que subsequentemente será objecto de partilha é o produto da alienação do dito bem.

Em suma: Carece de qualquer fundamento legal a pretensão da recorrente[2].

III- DECISÃO

Por todo o exposto, julga-se a apelação totalmente improcedente e se mantém na íntegra a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

Évora, 11 de Janeiro de 2018
Maria João Sousa e Faro (relatora)
Florbela Moreira Lança
Elisabete Valente