Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | GAITO DAS NEVES | ||
Descritores: | COMPETÊNCIA MATERIAL REGISTO PREDIAL | ||
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Data do Acordão: | 09/22/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | AGRAVO CÍVEL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | Após a vigência do Decreto-Lei nº 273/01, de 13 de Outubro, os Tribunais Comuns deixaram de ser materialmente competentes para conhecer dum pedido de justificação judicial visando a primeira inscrição dum prédio na Conservatória do Registo Predial. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA “A”, viúva, reformada, residente no Bairro …, na Rua …, nº …, em …, instaurou a presente acção contra “B”, cuja identidade e residência desconhece, alegando:* No dia 10 de Setembro de 1982, a Autora comprou a “C”, por contrato verbal, o prédio onde reside, pelo preço de 950.000$00, que pagou. O Prédio encontra-se omisso na C.R.P. e está registado na matriz predial, sob o artigo 5853 – freguesia … Desde a data de aquisição, que a Autora entrou na posse do prédio, nele vivendo com o seu agregado familiar, aí pernoitando, tomando as suas refeições, recebendo correspondência e amigos, procedendo a obras de conservação, manutenção e ampliação, utilizando o quintal. A Autora e falecido marido sempre suportaram as despesas de fornecimento de água, luz e contribuições, embora ainda figure o nome da vendedora, bem como a taxa de esgoto. Não consegue, porém, registar o prédio em seu nome, dado que não foi lavrada a escritura pública de compra e venda, embora várias vezes tenha insistido com a vendedora, para o efeito. E já não o pode fazer, pois que a vendedora faleceu, no dia 13 de Março de 1987 e desconhece quem são os seus herdeiros. Sempre actuou a Autora, ininterruptamente, à vista de todas as pessoas, de forma pacífica, sem sentir oposição de quem quer que fosse, sendo considerada como proprietária do prédio e estando disso mesma convencida. Adquiriu, pois, a Autora o prédio por usucapião. Termina pedindo que, após citação edital dos Réus para contestarem, seja reconhecido o seu direito de propriedade sobre o prédio. * Foi a pretensão liminarmente indeferida, por o Exmº Juiz, na Primeira Instância, ter entendido ser o Tribunal incompetente em razão da matéria, pois que o pedido deve ser apresentado na Conservatória da localização do prédio.* Não concordou a Autora com tal posição, tendo interposto o respectivo recurso, onde formulou as seguintes CONCLUSÕES:1 - Os Tribunais Judiciais comuns são materialmente competentes para conhecer da acção proposta pela alegante. 2 - Na acção proposta não há qualquer infracção das regras da competência do Tribunal em razão da matéria. 3 - A forma de processo comum é a correcta. 4 - Mesmo na vigência do DL 284/84, de 22 de Agosto (que regulamentava o processo de justificação judicial), nada impedia os interessados de também recorrerem aos Tribunais comuns, para, através do processo comum, alcançarem o mesmo reconhecimento - o reconhecimento da aquisição do seu direito de propriedade sobre determinado imóvel, com fundamento no instituto da usucapião. 5 - Com a entrada em vigor do DL n.º 273/2001, de 13 de Outubro, foi revogado o processo de justificação judicial (vide artigo 8. °, n.º 2 do DL n.º 273/2001, de 13 de Outubro). 6 - Mas com a entrada em vigor do DL n.º 273/2001, de 13 de Outubro, não é afastada a competência dos Tribunais comuns para, através do processo comum, reconhecerem a aquisição do direito de propriedade sobre determinado imóvel, com fundamento na usucapião. 7 - O artigo 116. ° do C.R.P. não impede o adquirente de recorrer aos Tribunais comuns para, através do processo comum, obter o reconhecimento judicial do seu direito de propriedade sobre determinado imóvel, através do instituto da usucapião. 8 - Tal como da redacção do artigo 116. ° do C.R.P. anterior à entrada em vigor do DL n.º 273/2001, de 13 de Outubro, resultava que se podia recorrer aos processos nele previstos para obter a primeira inscrição ou aos Tribunais Judiciais, através do processo comum. 9 - Com efeito, no n.º 1 do artigo 116. ° do C.R.P., o legislador utiliza a expressão "pode". 10 - Pelo que resulta claramente que o adquirente pode recorrer ao processo previsto no artigo 116. ° do C.R.P. para obter a primeira inscrição, mas não resulta que só o possa fazer através desse processo. 11 - Tal conclusão também resulta das alíneas a) e c) do artigo 3. ° do C.R.P., que determina que estão sujeitas a registo, para além das demais, as acções que tenham por fim o reconhecimento, a constituição, a modificação ou a extinção do direito de propriedade. Ou seja, este preceito legal não deixa dúvidas quanto à existência de acções comuns nesta matéria, pois exige o seu registo. 12 - Refira-se, ainda, que o reconhecimento do direito de propriedade sobre um determinado imóvel, com fundamento na usucapião, não está seguramente atribuído a outra ordem jurisdicional que não os tribunais judiciais, e logo, estas causas são da competência dos tribunais judiciais - artigo 66. ° do C.P.C. 13 - E nada garante que os RR. não se venham a opor à pretensão da A., o que, só por si, justifica o recurso à acção judicial, com o objectivo de obter uma decisão com força de caso julgado, existindo, pois, interesse em agir por parte da A., visto existir uma situação de incerteza do direito e necessidade de tutela. 14 - Sendo certo que uma decisão judicial com força de caso julgado tem um alcance muito mais amplo que a mera presunção elidível, por prova em contrário, que resultaria do registo previsto no artigo 7° do Código do Registo Predial. 15 - O processo comum é o adequado à pretensão, ou pedido, deduzido pela A, ora agravante, na acção, pois a esse pedido não corresponde, actualmente, qualquer processo especial que regule a sua tramitação nos Tribunais Judiciais comuns (artigo 460. ° do C.P.C.). 16 - Pelo exposto, a Mma. Juiz a quo fez uma interpretação incorrecta, salvo o devido respeito, das seguintes disposições conjugadas - artigos 101º, n.º 1, do 102. °, n.º 1, do 105º, 199. °, n.º 4, alínea c) do 234. °, n.º 1 do 234. ° - A e 460. ° todos do C.P.C., e os artigos 116. ° e 117º- B do C.R.P - violando os preceitos legais invocados, bem como o artigo 66. ° do C.P.C., ao considerar o Tribunal a quo absolutamente incompetente, em razão da matéria, para conhecer do reconhecimento da aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre um determinado imóvel. 17 - Das disposições legais indicadas, resulta que os Tribunais Judiciais são competentes para conhecer do pedido formulado pela alegante (reconhecimento do direito de propriedade sobre um determinado imóvel, com fundamento na usucapião) através da forma de processo comum. 18 - Deve, por isso, dar-se provimento ao recurso, revogando-se a douta decisão e ordenando-se o prosseguimento da acção, assim se fazendo JUSTIÇA. * Foram citados editalmente os Réus, que não apresentaram contra-alegações.* Foi proferido despacho de sustentação.* Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.* Para podermos apreciar se a posição tomada na Primeira Instância fez ou não algum agravo à Recorrente, importa atentar à evolução legislativa.O Decreto-Lei nº 224/84, que aprovou o Código de Registo Predial, diz no seu preâmbulo: “5.1 – Quanto a aspectos teóricos, serão assim de referir como de especial importância o trato sucessivo como pressuposto do processo registral…”. No artigo 1º precisa-se que, o registo predial se destina a “dar publicidade à situação jurídica dos prédios tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário” e, no artigo 2º, nº 1, alínea a) obriga a registo os factos jurídicos que determinem a constituição, o reconhecimento, a aquisição ou a modificação dos direitos de propriedade. Por força do princípio do trato sucessivo, o artigo 9º, nº 1 dispõe que “Os factos de que resulte transmissão de direitos … não podem ser titulados sem que os bens estejam definitivamente inscritos a favor da pessoa de quem se adquire o direito …”. E a mesma orientação encontramo-la no artigo 34º. Depois, no artigo 36º, quem tem legitimidade para requerer o registo dos prédios em seu nome, cujo pedido deverá ser feito em impresso próprio – artigo 41º. Pois bem. Poderia, então, acontecer que aquele que pretendesse inscrever o bem em seu nome, não dispusesse de documento com força bastante para o efeito. E isto até por o ter, inclusivamente, adquirido por usucapião, que implicava um novo trato sucessivo. E, assim, dispunha o artigo 116º: “pode obter a primeira inscrição por meio de acção de justificação judicial”. Posteriormente, surgiu o Decreto-Lei nº 284/84, de 22 de Agosto, que regulou o processamento de tal justificação judicial. E, logo no artigo 1º dizia que o requerimento devia ser dirigido ao Juiz da Comarca da situação dos bens. Pois bem. Veio este Diploma a ser expressamente revogado pelo Decreto-Lei nº 273/01, de 13 de Outubro, no artigo 8º, nº 2. Entrou este Decreto-Lei em vigor no dia 01.01.2002 – artigo 9º - pelo que é ele que regulamenta a pretensão da Autora, cujo pedido entrou em Juízo aos 14.09.04. Transcrevamos, então, o início do preâmbulo: “O presente diploma opera a transferência de competências em processos de carácter eminentemente registral dos tribunais judiciais para os próprios conservadores de registo, inserindo-se numa estratégia de desjudicialização de matérias que não consubstanciam verdadeiro litígio. … a maioria dos processos em causa eram já instruídos pelas entidades que ora adquirem competência para os decidir, garantindo-se, em todos os casos, a possibilidade de recurso”. E no artigo 3º, este Diploma altera o artigo 116º do Código de Registo Predial, que agora ficou a constar: “O adquirente que não disponha de documento para a prova do seu direito pode obter a primeira inscrição mediante escritura de justificação notarial ou decisão proferida no âmbito do processo de justificação previsto neste capítulo”. Depois, no artigo 4º, aditou vários artigos ao Código de Registo Predial, entre eles, o artigo 117º - B, nº 1, onde diz: “O processo inicia-se com a apresentação do requerimento dirigido ao conservador competente, em razão do território, para efectuar o registo … em causa”. E, para que dúvidas não surgissem, é expressamente referido os casos de usucapião – confrontem-se alínea c) e nº 3. E este Decreto-Lei prevê, depois, a possibilidade de recurso para os Tribunais. Posto isto, podemos agora dizer, ao contrário do que conclui a Recorrente, que os Tribunais Comuns deixaram de ser materialmente competentes, a partir de 01.01.02, para conhecer da acção proposta, mesmo que tenha por base a usucapião. Por certo que a Recorrente não atentou na alteração de redacção do artigo 116º do C.R.P. “decisão proferida no âmbito do processo de justificação previsto neste capítulo” quando formulou a conclusão 7ª. E a expressão “pode” tem que ser interpretada como pode preferir uma das formas previstas no corpo do artigo e não uma terceira via: acção judicial. Pretende a Agravante recolher o argumento de que pode surgir oposição. Efectivamente pode, mas neste caso, tudo se processa em conformidade com o artigo 117º H, nº 2: “Se houver oposição, o conservador declara o processo findo, sendo os interessados remetidos para os meios judiciais”. DECISÃO Atentando em tudo quanto se procurou deixar esclarecido, acorda-se nesta Relação em negar provimento ao recurso e confirma-se a posição consagrada na Primeira Instância. Custas pela Agravante. * Évora, 22.09.05 |