Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ANTÓNIO JOÃO LATAS | ||
Descritores: | DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA FLAGRANTE DELITO BUSCA DOMICILIÁRIA REQUISITOS | ||
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Data do Acordão: | 02/04/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO EM PARTE | ||
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Sumário: | I. A busca domiciliária no caso de flagrante delito (art. 177.º, nº2 c) do CPP) exige, para além da verificação do flagrante em qualquer das formas ou modalidades legalmente previstas, que se mostre cumulativamente indiciada a existência de objetos (ou pessoas) relacionados com o crime relativamente ao qual ocorreu o flagrante, que tornem necessária a busca no domicílio em causa II. Da conjugação da noção legal de flagrante delito e da caraterização legal da busca como meio de obtenção de prova, resulta que a busca domiciliária noturna apenas é legalmente admissível com fundamento em flagrante delito, nos termos do art. 177.º, nº 2 c) ex vi do nº3 b) do mesmo art. 177.º, se existirem indícios de que no domicílio em causa se encontram objetos ou pessoas relacionados com o crime, nas seguintes circunstâncias: - Quando puder considerar-se que o crime, punível com pena superior a 3 anos de prisão, está-se cometendo ou acabou de ser cometido no domicílio em causa, aquando da intervenção do OPC em que inserirá a realização da busca; - Quando o agente intercetado tenha sido perseguido desde o local da prática do crime e este corresponda ao domicílio em causa; - Quando o agente intercetado tiver sido encontrado com objetos ou sinais que mostrem claramente que o crime acabou de ser cometido no domicílio em causa. III. Embora o juízo de convicção nas fases preliminares seja equivalente ao de julgamento na medida em que a autoridade judiciária deve ter fundamento probatório que suporte a sua convicção sobre a existência do crime e a sua autoria, sem margem de dúvida, o juízo sobre a suficiência de indícios a que se reportam os arts 283º nº 2 e 308º não pode deixar de refletir as diferenças de ambiente probatório que se verificam entre as fases de Julgamento, Inquérito e Instrução. IV. Embora o auto de notícia não explicite todos os dados de facto em que o seu subscritor assenta a conclusão de que a arma e munições estavam na posse do arguido, isso não impede que, na fase de Instrução, o JI formule um juízo de suficiência dos indícios relativamente ao facto em causa, mesmo sem ouvir a testemunha ou declarante, se outros elementos probatoriamente relevantes, incluindo as regras da experiência comum, permitirem fundamentar a convicção respetiva. [1] | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora I. Relatório 1. Nos autos com o número em epígrafe que correm termos no Tribunal de Instrução Criminal de Évora em que é arguido e requerente da Instrução A., nascido em 18.08.1991, natural de Porches, Faro, residente em Lagoa, foi proferido em 3 de junho de 2012 despacho de não pronúncia pela totalidade dos crimes que haviam sido imputados na acusação do MP (cfr. fls. 594 a 603), aos arguidos B, A, D, E e C, ou seja, um crime de tráfico de estupefacientes agravado p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1 e 24.º, als. c) e j) do D.L. n.º 15/93, de 22/1, por referência à Tabela I-C anexa a este diploma, em concurso, no que concerne ao arguido Fábio Santos, com um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c), com referência aos arts. 2.º, n.º 1, als. q) e ar) e 3.º, n.º 3 do Regime Jurídico das Armas e Munições e um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. d), com referência ao art. 2.º, n.º 3. als. p), r) e 3.º, ns. 1 e 3 do mesmo diploma. 2. Daquele despacho de não pronúncia veio O MP interpor o presente recurso, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões: «EM CONCLUSÃO 1. Vem o presente recurso interposto do despacho que, finda a instrução, decidiu pela não pronúncia de todos os arguidos quanto a todos os crimes que lhe foram imputados na acusação, na parte em que declara nula a busca domiciliária realizada na Av. ..., em Évora, e considera não terem sido recolhidos indícios suficientes que a arma e munições apreendidas nos autos pertencessem ao arguido A.. 2. A declaração de nulidade da busca realizada na supra aludida morada, no dia 30/07/2011, fundamentou-se nos artigos 126º, n.º3, 177º, do CPP, 32º, n.º8, e 34º, n.º3, da CRP, tendo como consequência a nulidade das apreensões efectuadas no decurso da diligência. 3. Entende-se, no entanto, que a diligência não é nula, porquanto foi efectuada na sequência da detenção em flagrante delito do arguido A., pela prática de crime punível com pena superior a 3 anos. 4. O arguido A. foi detido em flagrante delito na posse de um de um revolver de calibre 357 Magnum, da marca Taurus, modelo 617, e 27 munições calibre 9mm, sem se encontrar devidamente licenciado para o uso e porte de arma, facto que integra a prática do crime de detenção de arma proibida, p. pelo artigo 86º, n.º1, alínea c), com referência aos artigos 2º, n.º1, alíneas q) e ar), e 3º, n.º3, do RJAM, e p. com pena de 1 a 5 anos de prisão, ou multa até 600 dias. 5. O tempo que mediou entre a intercepção dos arguidos e a realização da busca foi o necessário à realização das diligências com vista a apurar o local onde o arguido se encontrava a pernoitar, designadamente, inquirição de E, cerca da 01h07, e a G, agente imobiliário que havia cedido a casa aos arguidos para pernoitarem. 6. Não pode afastar-se o flagrante delito com fundamento em que o delito que deu lugar à detenção já se consumara e que o agente já estava detido, pois são precisamente esses os pressupostos legais que permitem a realização da busca nos termos efectuados: existir uma detenção em flagrante delito pela prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos. E só há flagrante delito, nos termos do artigo 256º do CPP, quando se está cometendo o crime ou se acabou de cometer, o que admite o crime já consumado. 7. A busca realizada tinha natureza urgente, atendendo a que era a única forma de obstar a que eventuais indícios da prática de crime fossem removidos do local, já que C e E não se encontravam detidos, sendo de suspeitar que os mesmos, logo que abandonassem a esquadra, pudessem dar o alerta sobre a detenção de A, o que muito provavelmente determinaria a remoção do estupefaciente do local, pelo que não se mostrava viável aguardar pela autorização do Juiz de Instrução. 8. O facto de o OPC ter sustentado a realização da busca domiciliária em consentimento prestado pelo agente imobiliário, e não pelo arguido, e de ter mencionado que se tratava de recinto desportivo (o que se deverá certamente a lapso), não são determinantes da nulidade da busca, já que o entendimento jurídico do OPC quanto ao enquadramento normativo da busca não é vinculativo. 9. A busca realizada nos autos encontra acolhimento legal no disposto no artigo 177º, n.º3, alínea b), do CPP, com referência ao n.º2 alínea c) do mesmo preceito, que admite a realização de busca domiciliária, pelo OPC, em período nocturno, nos casos de flagrante delito pela prática de crime punível, com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos, pelo que não poderia a mesma ser considerada nula, devendo ser valoradas as apreensões efectuadas para efeitos de indiciação suficiente da prática do crime de tráfico de estupefacientes. 10. Ao considerar nula a busca efectuada, a Mma. Juíza de Instrução fez errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 177º, do CPP, ao não aplicar ao caso concreto o disposto no n.º3, alínea b), com referência ao n.º2 alínea c) do mencionado preceito. 11. Na decisão recorrida sustenta-se ainda a insuficiência dos indícios recolhidos quanto aos crimes de detenção ilegal de arma, por não resultar dos autos explicação dos motivos pelos quais o OPC concluiu que a arma e munições apreendidas pertenciam ao arguido A. 12. Ora, de fls. 44 consta a fotografia da bolsa onde se encontrava a arma e munições, com a legenda “bolsa que se encontrava junto ao banco do condutor contendo no seu interior um revolver de marca Taurus, modelo 357, vinte e sete (27) munições de calibre 38 e dinheiro”. 13. Do auto de notícia consta igualmente que era o arguido quem ocupava o lugar do condutor. 14. O arguido não prestou declarações em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, sendo que nenhuma conclusão processual se pode extrair do seu silêncio. 15. Em sede de acusação foram indicados como testemunhas os agentes da PSP que procederam à abordagem do arguido, detenção, busca ao automóvel, e elaboração do expediente, a fim de deporem sobre os factos que observaram e verteram em auto. 16. A arma em causa encontra-se manifestada em nome de AS, com o livrete n.ºM---, emitido em 15/12/1999. 17. O arguido A. não tem qualquer arma registada em seu nome e não é detentor de licença de uso e porte de arma, conforme decorre de fls. 183. 18. Atendendo a que nesta fase processual apenas cumpre apreciar a suficiência dos indícios à luz do disposto no artigo 283º, n.º2 do CPP, e não a prova dos factos, a qual se remete para julgamento, deveria a Mma. Juíza de Instrução, ter apreciado conjugadamente, todos os indícios resultantes do inquérito, decidindo-se pela suficiência dos mesmos e, em consequência, proferido despacho de pronúncia nos exactos termos constantes da acusação, quanto aos crimes de detenção de arma proibida. 19. Assim, pugna-se pela substituição do despacho proferido por outro que não declare a nulidade da busca e apreensões subsequentes, considere a suficiência dos indícios recolhidos em inquérito, e pronuncie os arguidos pela prática do crime de tráfico de estupefacientes nos termos da acusação. Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA» 3. Notificados, os arguidos não apresentaram resposta ao recurso. 4. Neste Tribunal, a senhora Procuradora Geral Adjunta, depois de apreciar as questões jurídicas suscitadas, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso quanto à nulidade da busca e no sentido da sua procedência quanto à existência de indícios da prática, pelo arguido A., de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c), com referência aos arts. 2.º, n.º 1, als. q) e ar) e 3.º, n.º 3 do Regime Jurídico das Armas e Munições e um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. d), com referência ao art. 2.º, n.º 3. als. p), r) e 3.º, ns. 1 e 3 do mesmo diploma. 5. Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2, do C. P. P., nada foi dito. 6. Despacho recorrido (transcrição integral): «1 - Requerente da instrução: - Arguido: A, também conhecido por “X”, filho de..., natural da freguesia de Porches, concelho de Faro, nascido a 10-08-1991, residente..., em Lagoa, actualmente detido no EP de -- - Demais arguidos (não requerentes da instrução): B, filho de ..., natural da freguesia de S. Sebastião da Pedreira, concelho de Lisboa, nascido a 16/06/1992, residente ...Bairro da Bugalheira,...; C., filha de..., natural de Albufeira, concelho de Faro, nascida a 10/08/1987, solteira, residente..., em Albufeira; D., filho de..., natural de Cabo Verde, nascido em 15/11/1989, residente..., em Albufeira; e E., filho de..., natural de Évora (Sé), nascido em 15/03/1985, residente..., em Évora, actualmente detido no EPR ..., 2 - Decisão comprovanda: Despacho de acusação proferido pelo Ministério Público (cfr. fls. 594 a 603), que imputa a prática aos arguidos B, A, D, E e C de um crime de tráfico de estupefacientes agravado p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1 e 24.º, als. c) e j) do D.L. n.º 15/93, de 22/1, por referência à Tabela I-C anexa a este diploma, em concurso, no que concerne ao arguido A., com um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c), com referência aos arts. 2.º, n.º 1, als. q) e ar) e 3.º, n.º 3 do Regime Jurídico das Armas e Munições e um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. d), com referência ao art. 2.º, n.º 3. als. p), r) e 3.º, ns. 1 e 3 do mesmo diploma. Discorda o arguido do entendimento sufragado pela Digna Magistrada do Ministério Público, pugnando pela respectiva não pronúncia. Alega, em síntese, que o vertido na acusação não corresponde à verdade e que esta peça processual se fundamenta em meios de prova que não podem ser considerados válidos. A tal acresce que a qualificação jurídica é desadequada, não resistindo sequer à letra da lei. 3 - Diligências efectuadas: Por não terem sido requeridas e o Tribunal não o ter por necessário, não foram levadas a cabo diligências de instrução. Realizou-se debate instrutório, com observância das legais formalidades. II. SANEAMENTO O Tribunal é competente. O Ministério Público dispõe de legitimidade. a) Da nulidade da busca realizada na Av. ..., em Évora: Em sede de debate, veio o arguido A. invocar a nulidade da busca realizada na Av. ...em Évora, local onde haviam pernoitado os arguidos A, E. Para fundamentar a sua pretensão, alega que o opc levou a cabo tal diligência a coberto da autorização expressa do agente imobiliário, não tendo solicitado autorização ao proprietário da residência, nem a nenhum dos arguidos. Não foi, assim, solicitada e/ou obtida qualquer autorização da parte dos visados com a diligência – os arguidos A, E. Acresce que os arguidos foram abordados pelo opc cerca das 13H30 do dia 29 e a busca foi realizada já no dia seguinte pelas 5H00. A privacidade/intimidade só poderia estar na disposição dos arguidos que pernoitaram no local, sendo que o agente imobiliário tinha entregue as chaves ao arguido E. para lá dormirem. O agente imobiliário não tinha a disponibilidade da habitação porque a tinha emprestado há 5 dias e não era o proprietário. De igual forma não era o visado pela busca. Mostra-se, assim, violado o disposto no art. 174.º, n.º 3, al. b) e n.º 4 do Cód. Proc. Penal. A Digna Magistrada do M.º P.º pronunciou-se pela improcedência da arguição de nulidade, porquanto o arguido A. foi detido por crime em flagrante delito, tornando desnecessário o consentimento, nos termos do disposto no art. 177.º, n.º 3, als. b) e c) do Cód. Proc. Penal. Com interesse para a apreciação do vício arguido, compulsados os autos, verifica-se que: - O presente processo teve início, segundo o auto de notícia, na medida em que, em “sede de diligências que versam a investigação de crime diverso, sob a tutela do Departamento e Investigação e Acção Penal de Lisboa e, em função do contacto mantido com fonte no terreno fidedigna, chegou ao conhecimento” da PSP que A. iria promover um negócio de venda de produto estupefaciente, mais concretamente a venda de 2 quilos de haxixe a indivíduo não identificado, por volta da hora de almoço do dia 29/7/2013, no interior do restaurante MacDonalds, em Évora. - Mais se refere que da recolha de informações preliminares, se apurou que o “A. possui um longo percurso de envolvimento em acções dolosas violentas com recurso a utilização de armas de fogo, sendo conotado como extremamente violento”. - Montado dispositivo de vigilância, foi avistada a chegada do arguido A. ao volante da viatura BMW, modelo 525, matrícula xxx, cerca das 13H35 do dia 29/07/2011. - Tendo em conta a grande afluência de utentes no restaurante, foi abordado o suspeito no interior da viatura, transportando esta, também, no lugar do passageiro, a arguida C e, no banco de trás, o arguido E. - Na bolsa do A., que se encontrava na viatura, no chão, junto à consola central, verificou-se a existência de um revólver de calibre 357 Magnum, que tinha o punho a sobressair do interior da bolsa, pelo que lhe foi dada voz de detenção. - Da busca realizada à viatura não foi localizado qualquer tipo de produto estupefaciente. - Todos os intervenientes foram conduzidos para as instalações da PSP, onde se apurou que o A. e a namorada (a arguida C) haviam pernoitado nesta cidade. - Continuando com o auto de notícia, mais se refere que, inicialmente o A., numa postura de colaboração, por iniciativa própria, afirmou que havia pernoitado numa casa que um amigo seu lhe havia emprestado para passar a noite. - O arguido E. (ainda não constituído nessa qualidade) relatou à PSP que, por intermédio de um amigo seu – G - que é agente imobiliário, arranjou uma casa para que o arguido A. e a namorada ali pernoitassem. - Assim, foi o referido G. contactado e, inteirado da situação em apreço e confrontado se autorizava que fosse realizada busca à residência, este anuiu de forma expressa. - Assim, na companhia do G., foi realizada busca ao imóvel em causa, sendo localizada na divisão onde se encontravam haveres pessoais e documentos identificativos do A. e da sua namorada C., dois sacos em material sintético, um de cor azul e um outro de cor vermelho, os quais se encontravam cheios de placas rectangulares, de 11.335,50 quilos de haxixe. - Noutra divisão do imóvel encontravam-se os arguidos A e D. e em cima do colchão, dentro de um cesto em plástico de cor azul, encontrava-se uma placa de cor castanha, com 124,50 gramas de haxixe (cfr. auto de notícia de fls. 3 a 7). - A. foi constituído arguido no dia 29/07/2011, pelas 20H28 (cfr. fls. 9 a 11). - B. foi constituído arguido no dia 30/07/2011, pelas 04H45 (cfr. fls. 12 e 13) tendo, contudo, prestado TIR pelas 01H22 desse mesmo dia (cfr. fls. 14). - A detenção dos arguidos A. e B., pela posse de produto estupefaciente, foi comunicada ao M.º P.º de turno no dia 30/07/2011, pelas 6H05 (cfr. fls. 15 e 16). - No dia 29/07/2011, pelas 19H30 foi ouvida como testemunha C. (cfr. fls. 17 a 18), referindo a mesma, para além do mais, ser namorada do arguido A. e que este, há cerca de duas semanas, a questionou se possuía algum local para guardar um carro ao que lhe disponibilizou a quinta da sua mãe, onde o mesmo veio a guardar a viatura. No dia 27/07/2011, acompanhou-o quando foi adquirir a viatura xx, aceitando que esta ficasse registada em seu nome por o A. lho ter pedido. No dia 28/07/2011, deslocou-se na, companhia do A., de Albufeira para Évora e pernoitaram numa residência emprestada por um amigo do E. - O arguido E. foi inquirido como testemunha no dia 30/07/2011, pelas 01H07, afirmando conhecer o arguido A. por intermédio de um amigo comum, o G. Concordou em providenciar por uma residência em Évora onde o arguido A. pudesse pernoitar por algum tempo, o que fez. No dia 29/07/2011, acompanhou o arguido A. e a namorada deste até ao MacDonalds, tendo o A. lhe referido que o G. se encontrava nesse local à sua espera (cfr. fls. 19 a 20). - G. foi inquirido como testemunha no dia 30/07/2011, pelas 00H30, tendo relatado que disponibilizou um imóvel que tinha para promoção, devoluto, sito na Avenida..,em Évora, entregando as chaves do mesmo ao arguido E. no dia 25/07/2011, pelas 21H00. Uma vez que o E. não lhe devolvia as chaves e o depoente tinha interessados para irem ver o imóvel, no dia 29/07/2011 telefonou ao E. várias vezes. Este não o atendeu, mas pelas 20H00 devolveu-lhe a chamada dizendo que havia um problema. Nesse telefonema, um agente policial disse-lhe que era necessária a sua comparência junto do imóvel. - No dia 29/07/2011, pelas 19H58 foram apreendidos ao arguido A., os bens enumerados a fls. 24 a 26, entre os quais se encontra o revólver 357 Magnum e o revólver M44565 Taurus. - A fls. 29 dos autos consta o “Termo de Autorização de Busca Domiciliária” lavrado para os efeitos constantes da alínea b) do n.º 5 do art. 174.º do Cód. Proc. Penal, datado de 29/07/2011, assinado por G., declarando autorizar os elementos da 2.ª Esquadra de Investigação Criminal do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP “... a efectuar busca à minha residência, sita na Rua...., em Évora”. - A fls. 30 e 31, consta o “Auto de Busca e Apreensão” documentando a diligência que teve lugar no dia 30/07/2011, com início às 01H46 e termo às 01H57. Aí se refere terem efectuado busca em “recinto desportivo” sito na Avenida..., em Évora. Mais se consigna tratar-se de caso de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, nas condições do art. 174.º, n.º 5, al. a); foi autorizada pelo visado, de acordo com o art. 174.º, n.º 5, al. b) e houve detenção em flagrante delito por crime a que corresponde pena de prisão, de acordo com o art. 174.º, n.º 5, al. c). - Mais de documenta em tal acto a apreensão, entre outros objectos, de 11.460,20 gramas de pólen de haxixe, em placas. - Sujeitos os arguidos A.e B. a interrogatório judicial, foram validadas as detenções, não foi aplicada aos arguidos nenhuma medida de coacção e considerou-se indiciada a prática de crime de tráfico e de detenção de arma proibida, a carecer, contudo de ulterior e mais aturada investigação. Esquematizados os trâmites processuais, vejamos as normas processuais penais a que os mesmos se encontram sujeitos (na parte aplicável) e pelas quais se terá de aferir a respectiva validade. De acordo com o art. 174.º, n.º 2 do Cód. Proc. Penal, é pressuposto da busca a existência de indícios de que alguém oculta em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova à investigação. As revistas e as buscas são autorizadas ou ordenadas por despacho pela autoridade judiciária competente, devendo esta, sempre que possível, presidir à diligência (cfr. art. 174.º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal). Ressalvam-se destas exigências, as revistas e as buscas efectuadas por órgão de polícia criminal nos casos: a) de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em risco a vida ou a integridade física de qualquer pessoa; b) em que os visados consintam, desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma documentado; ou aquando da detenção em flagrante delito por crime a que corresponda pena de prisão (art. 174.º, n.º 5 do Cód. Proc. Penal). Nos casos previsto na alínea a) do n.º 5, a realização da diligência é, sob pena de nulidade, imediatamente comunicada ao juiz de instrução e por este apreciada em ordem à sua validação (cfr. art. 174.º, n.º 6 do Cód. Proc. Penal). Pese embora se tenha referido, no auto de busca domiciliária, que a diligência teve lugar em “recinto desportivo”, resulta de todos os demais elementos do processo que na realidade estava em causa uma habitação, sita na Avenida..., nesta cidade, emprestada ao arguido E. por G., a quem a casa fora entregue com vista a que tratasse da venda da mesma. Realizando-se a busca em casa de habitação ou numa sua dependência fechada, a mesma terá de obedecer aos requisitos estatuídos no art. 177.º, do Cód. Proc. Penal. Em concreto: # Só pode ser ordenada ou autorizada pelo juiz e efectuada entre as 7H00 e as 21H00, sob pena de nulidade (n.º1); # Entre as 21 e as 7H00, a busca domiciliária pode ser realizada nos casos de: a) terrorismo ou criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada; b) consentimento do visado, documentado por qualquer forma; c) flagrante delito pela prática de crime punível com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos; # Podem também ser ordenadas pelo M.º P.º ou ser efectuadas pelo opc, entre as 7H00 e as 21H00 nos casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em risco a vida ou a integridade física de qualquer pessoa; b) em que os visados consintam, desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma documentado; ou c) em flagrante delito por crime a que corresponda pena de prisão (art. 177.º, n.º 3, al. a) do Cód. Proc. Penal); # Podem também ser ordenadas pelo M.º P.º ou ser efectuadas pelo opc, entre as 21H00 e as 7H00 havendo consentimento do visado documentado por qualquer forma ou flagrante delito por crime a que corresponda pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos (art. 177.º, n.º 3, al. b) do Cód. Proc. Penal); Realizada a busca domiciliária por órgão de polícia criminal sem consentimento do visado e fora de flagrante delito a realização da diligência é, sob pena de nulidade, imediatamente comunicada ao juiz de instrução e por este apreciada em ordem à sua validação (art. 177.º, n.º 4 do Cód. Proc. Penal.). A competência para autorizar buscas domiciliárias durante o inquérito está atribuída ao juiz de instrução criminal – cfr. art. 269.º, n.º 1, al. c), do Cód. Proc. Penal – que decide a tal propósito, no prazo de 24H00, a requerimento do M.º P.º, ou da autoridade de polícia criminal em caso de urgência ou de perigo na demora, do arguido ou do assistente. “A exigência legal de uma autorização judicial prévia da busca domiciliária pretende assegurar uma ponderação casuística entre o valor do contributo previsível da diligência para o apuramento da verdade material e a violação da reserva da vida privada que a sua realização acarreta. Esta exigência de autorização comporta a garantia de uma prévia e casuística ponderação confiada a quem (...) é matricialmente assumido como o garante, por excelência, dos direitos fundamentais. É assim, nos termos da lei, ao juiz que incumbe decidir sobre se, perante as circunstâncias concretas, o interesse da procura da verdade material justifica a medida intrusiva da busca... Fica, deste modo, cometida ao juiz a tarefa de ponderar, casuisticamente, se, perante as circunstâncias concretas, nomeadamente o grau de indiciação da ocultação de bens, no local referenciado, se justifica a diligência intrusiva ” (Ac. TC n.º 216/2012, de 24/472012, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). A protecção da inviolabilidade do domicílio, sendo um direito fundamental, com consagração constitucional, não consubstancia um direito absoluto ou ilimitado. A lei ordinária, no art. 177.º do Cód. Proc. Penal, concretizou e densificou a garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio, garantia consagrada no art. 34.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), incluindo a medida em que a mesma terá de ceder para salvaguarda de outros direitos e interesses também constitucionalmente tutelados. Refere-se no n.º 3 do art. 34.º da CRP que ninguém pode entrar durante a noite no domicílio de qualquer pessoa, sem o seu consentimento, salvo em situação de flagrante delito ou mediante autorização judicial em casos de criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada, incluindo o terrorismo e o tráfico de pessoas, de armas e de estupefacientes, nos termos previstos na lei. Estabelecem-se algumas excepções ao regime jurídico da autorização judicial prévia, na medida em que a gravidade e celeridade dos interesses a proteger, com o consequente perigo social e colectivo, se não compadecem com a demora de obtenção da autorização ou consentimento (sobrelevando aqueles ao valor individual de inviolabilidade do domicílio), ou na medida em que o visado preste o seu consentimento (cfr. Ac. do STJ de 20/09/2006, Proc. n.º 06P2321, disponível em www.dgsi.pt). A noção de “domicílio” para efeitos deste artigo não se confunde com a constante dos artigos 82 a 88.º, do Cód. Civil, sendo a do art. 34.º da CRP mais abrangente. O Tribunal Constitucional (TC), no Ac. n.º 452/89, de 21 de Junho (DR, I Série, 22/7/1989) usou como critério de aferição de domicílio para efeitos do disposto no art. 34.º, da CRP, o de “habitação humana, ... espaço fechado e vedado a estranhos, onde recatada e livremente se desenvolve toda uma série de condutas e procedimentos característicos da vida privada e familiar”. “O direito à inviolabilidade do domicílio surge associado à protecção de vários bens jurídicos fundamentais, como a dignidade da pessoa, o direito ao livre desenvolvimento da personalidade e, sobretudo, a garantia da liberdade individual, autodeterminação existencial e garantia da reserva da vida privada (cfr. J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira,..., pág. 539... Sintetizando o sentido da jurisprudência constitucional, a propósito deste direito, pode ler-se no Ac. n.º 274/07 “(....) dir-se-á, agora, apenas, que a inviolabilidade do domicílio densifica um direito fundamental que garante à pessoa, numa precipitação que traduz o reconhecimento da sua dignidade ética e concretiza a tutela jusfundamental do seu livre desenvolvimento (cfr. artigo 26.º), um elementar espaço de vida” (Ac. TC n.º 216/2012, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). A este propósito, refere-se em anotação ao art. 177.º, do Cód. Proc. Penal (Código de Processo Penal, Comentário e Notas Práticas, Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto) que “... o conceito integrará todas as situações em que determinado espaço esteja funcionalizado para servir como habitação, ainda que de modo ocasional, transitório ou precário – a casa de residência, a tenda ou a auto-caravana que se usam como casa em tempo de férias, o quarto de hotel, o veículo automóvel usado temporariamente como residência – são assim espaços que integram a noção de domicílio para efeitos deste artigo. Não cremos que do conceito de “domicílio”, para o que aqui interessa, deva fazer-se uma interpretação tão abrangente que abarque o local de trabalho e a sede de pessoas colectivas, locais cuja inviolabilidade tutela outros direitos que não o direito à reserva da vida familiar e privada. O conceito de habitação não importa uma relação de exclusividade nem de durabilidade, como refere Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção dos Direitos do Homem, 3.ª Ed., p. 481). Uma casa de férias habitada temporária e esporadicamente ou um quarto de hotel é habitação para efeitos do art. 177.º do Cód. Proc. Penal (Ac. do STJ de 23/4/1992, in BMJ 416, p. 536), tal como uma cela de prisão ocupada pelo recluso (Ac. TRC de 7/12/2005, in CJ XXX, 5, p. 49). Também Paulo Pinto de Albuquerque (obr. cit.) considera que o âmbito de protecção conferido pela CRP não se estende ao domicílio profissional e locais de trabalho (sem prejuízo do regime específico dos escritórios de advogados, consultórios médicos e estabelecimento oficial de saúde), entendimento sufragado pelo TC no Acórdão n.º 7/87, por não estar aqui em causa a tutela da intimidade privada e familiar. Nos autos, estamos seguramente na presença de espaço habitacional ocupado pelos arguidos, ainda que a título precário, pelo que a realização da diligência teria de observar o que a tal propósito dispõe o art. 177.º do Cód. Proc. Penal (e não apenas o art. 174.º, do Cód. Proc. Penal, norma em que o opc alicerça a sua actuação). A busca foi levada a cabo pelo opc, sem autorização judicial, em casa de habitação e em período nocturno. Invoca a autoridade policial, no auto (cfr. fls. 30 e 31), actuar ao abrigo do disposto no art. 174.º, n.º 5, al. a), do Cód. Proc. Penal. Manifestamente sem razão, pois que não resulta de qualquer elemento do processo que estivesse iminente a prática de crime que pusesse a vida ou a integridade física de qualquer pessoa (independentemente da natureza do crime). Refere-se, ainda, que a busca foi autorizada, de acordo com o art. 174º e que houve detenção em flagrante por crime a que corresponde prisão. Como já vimos, o opc apenas pode levar a cabo buscas domiciliárias, sem a competente autorização judicial, entre as 21H00 e as 7H00, havendo consentimento do visado, documentado por qualquer forma, ou em caso de flagrante delito pela prática de crime punível com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos. Questiona o arguido, com inteira pertinência, a validade do consentimento prestado e ao abrigo do qual se realizou a diligência. De facto, o consentimento para a busca foi prestado pelo agente imobiliário a quem a casa fora entregue para promover a respectiva venda. A este propósito, desconhecesse qual a natureza do contrato celebrado entre o proprietário da habitação e o referido G. Aparentemente, foi facultada ao referido G. a disponibilidade do imóvel para o mostrar a interessados compradores e promover a respectiva venda. Não sabemos se no âmbito do acordado entre as partes, G. tinha a disponibilidade do local para efeitos de o emprestar a terceiros, como fez. Não obstante, mesmo que tivesse tal disponibilidade e actuasse no âmbito dos poderes que lhe advinham do acordo celebrado com o proprietário, é patente que o mesmo não era e nunca foi visado pela actuação policial. O visado pela busca era, então, o arguido A. ou, quanto muito, os demais arguidos que ali pernoitaram na companhia do A. Nenhum deu o seu consentimento para a busca. O Tribunal Constitucional (TC), no Ac. n.º 507/94, de 14/07/1994 (DR, II Série, de 12/12/1994), considerou que são inconstitucionais os arts. 174.º, n.º 4, al. b), 177.º n.º 2 e 178.º n.º 3 do CPP, na versão anterior à versão operada pela Lei n.º 48/2007, de 29/08, na interpretação de que a busca domiciliária em casa habitada e as subsequentes apreensões durante aquela diligência podem ser realizadas por órgão de polícia criminal, desde que se verifique o consentimento de quem, não sendo visado por tais diligências, tiver a disponibilidade do lugar de habitação em que a busca seja efectuada. Refere-se, nesta decisão, ter a protecção do domicílio a ver com uma projecção espacial da pessoa que reside em certa habitação e, por isso, com a afirmação da sua dignidade humana. Daí que em caso de várias pessoas partilharem a habitação deva ser exigido o consentimento de todos. Mais recentemente, o TC no Ac. n.º 126/2013, de 27/2/2013 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt) julgou inconstitucional, por violação do n.º 3 do art. 34.º da Constituição, a norma da alínea b) do n.º 3, com referência à al. b) do n.º 2, do art. 177.º, do Cód Proc. Penal, quando interpretada no sentido de que o “consentimento” para a busca no domicílio do arguido possa ser dado por pessoa diferente deste, mesmo que tal pessoa seja um co-domiciliado da habitação em causa. Refere o TC, nesta decisão, que “A noite é tempo e descanso da generalidade das pessoas e de maior vulnerabilidade dos cidadãos, sendo corrente nas ordens jurídicas do nosso horizonte civilizacional o reforço da tutela do domicílio contra intrusões dos agentes do Estado no período nocturno. Na revisão operada pela LC 1/2005 (5.ª revisão), estabeleceu-se uma restrição expressa à inviolabilidade do domicílio, passando o n.º 3 do art. 34.º da Constituição a prever a entrada no domicílio durante a noite, mas somente no caso de criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada e mediante autorização judicial ou, mesmo sem ela, em caso de flagrante delito. Fora destas duas hipóteses, apenas com consentimento do seu titular pode ocorrer a entrada de agentes do Estado no domicílio de qualquer pessoa”. Prossegue o TC referindo que “... diversas pessoas podem ter, e normalmente têm, sobretudo, no âmbito de relações familiares, domicílio no mesmo espaço de habitação. Mas cada uma delas é titular do direito fundamental à inviolabilidade do domicílio (da sua esfera espacial de privacidade e segredo), que não se transforma, em função da consciência do objecto material sobre o qual incide, num direito colectivo. Tendo este direito carácter instrumental de protecção da privacidade pessoal, e não do poder de disposição sobre a coisa ou do seu uso, não é constitucionalmente admissível entender que da convivência de diversas pessoas na mesma habitação deriva a co-titularidade do (de um mesmo) direito fundamental à inviolabilidade do domicílio. Nas situações de co-habitação o que existe é uma pluralidade de direitos individuais que incidem sobre o (ou se exercem através do) mesmo objecto material (o espaço de habitação compartilhado), cujo conteúdo essencial consiste na faculdade de excluir intrusões de terceiro nesse espaço reservado”. E termina o TC com a formulação do referido juízo de inconstitucionalidade, na medida em que a intrusão que significa a busca no âmbito de um processo criminal, o consentimento previsto no n.º 3 do art. 34.º da CRP tem necessariamente de provir do titular da residência que seja visado pela diligência processual. Também a R.L., no Ac. de 22/10/2008, Proc. n.º 6945/2008-3 (disponível em www.dgsi.pt), considerou que “A exigência de consentimento do visado nada tem a ver com a tutela da propriedade, do domínio ou da titularidade do domicílio, mas sim com a privacidade, direito de personalidade que apenas cabe ao próprio exercer”. Antes, já Manuel da Costa Andrade (Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra Editora, pág. 51) discorrera sobre a relevância processual penal do consentimento e a necessidade do mesmo provir dos diversos habitantes para legitimar a diligência de busca que vise os espaços por todos ocupados. Em qualquer caso, visado é o arguido ou suspeito da prática do crime. É assim, flagrante que não existe consentimento válido dos visados para realização da busca em causa nos presentes autos. Perante a arguição da nulidade da diligência, veio o M.º P.º sustentar que a busca é valida porquanto existia detenção em flagrante delito. Como já referimos, as buscas domiciliárias, realizadas entre as 21H00 e as 07H00 só podem ser efectuadas por órgão de polícia criminal no caso de consentimento do visado (que não existiu nos presentes autos) ou em flagrante delito pela prática de crime punível com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos. Não estamos aqui perante a situação plasmada no art. 174.º, n.º 5, al. c) do Cód. Proc. Penal – “aquando de detenção em flagrante” – mas sim perante a situação de flagrante delito. Constitui flagrante delito todo o crime que se está cometendo ou se acabou de cometer. Reputa-se, também de flagrante delito o caso em que o agente for, logo após o crime, perseguido por qualquer pessoa ou encontrado com objectos ou sinais que mostrem claramente que acabou de o cometer ou nele participar (art. 256.º, do Cód. Proc. Penal). Verificando a situação concreta, vemos que os arguidos foram abordados pelas 13H45 do dia 29/07/2011. Os elementos do auto de notícia não são claros a este propósito, pois indicam a abordagem dos suspeitos à apontada hora, no restaurante, sendo certo que também apontam como momento da intercepção horas distintas daquela e diferentes para cada um dos suspeitos. Relativamente ao arguido A., consigna-se ter sido interceptado às 20H38 do dia 29/07/2011. Considerando, contudo, que tal é a hora em que foi elaborado o expediente e formalizada a detenção, como se alcança do auto de constituição de arguido e TIR, concluímos que foi abordado mais cedo, portanto, pelas apontadas 13H35. Passaram cerca de 6 horas desde a abordagem até à formalização da detenção. Já os arguidos E,C e D terão sido abordados, de acordo com o auto de notícia, no dia 30/07/2011, após a busca. Os elementos dos autos, nomeadamente as inquirições que foram efectuadas aos arguidos C e E (sem que então fossem constituídos na qualidade processual de arguidos) no dia 29/07/2011, evidenciam claramente que tais arguidos foram interceptados conjuntamente com o arguido A. e mantidos na esquadra da PSP. A busca teve início pelas 1H46 do dia 30/07/2011 e termo pelas 01H57 do mesmo dia. Foi levada a cabo, por isso, mais de 10 horas após a abordagem do arguido A. na posse da arma (de acordo com o auto de notícia), quando o mesmo já se encontrava detido e não em situação que possa configurar flagrante, tal como o mesmo é definido pela lei processual penal. “Não estando em causa evitar a prática de um delito (já terminado...), nem necessidade urgente de actuação policial em causa para deter o seu autor (que já há muito estava detido...), a finalidade que poderia estar em causa era apenas a procura de objectos relacionados com o crime ou que pudessem servir para a sua prova.... já foi visto que um caso de extrema gravidade como é do terrorismo ou criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada não permite só por si, a busca domiciliária nocturna policial, pelo que não será qualquer tipo de investigação de situações de flagrante delito que poderia estar em causa. Por outro lado, o art. 177.º/3/a) do CPP só permite (...), nos casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, à autoridade policial, por sua iniciativa, a busca domiciliária diurna (entre as 21 e as 7H) quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa. Ou seja, mesmo em casos de extrema gravidade (terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada só é permitida a busca policial domiciliária diurna para evitar a prática de um crime (que está iminente). Assim, tendo em conta estes dois casos paralelos e que a busca domiciliária nocturna policial põe em causa, de um modo particularmente grave, os direitos fundamentais da inviolabilidade do domicílio (art. 34.º da CRP), a interpretação da norma que a possibilita terá sempre que partir do seu carácter excepcional e “a realização de uma busca tem assim (por ter de respeitar as exigências constantes do art. 18.º/2 da CRP), como regra fundamental, o cumprimento dos princípios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade” (Ana Luísa Pinto, Aspectos Problemáticos do Regime das Buscas Domiciliárias”, RPCC, 2005, págs. 415 a 456...)” – cfr. Ac. R.L. de 22/12/2009, Proc. n.º 60/09.0PJCSC-A.L1-5, disponível em www.dgsi.pt. Continua este Tribunal referindo, em posição que sufragamos, que requisitos do flagrante delito, numa interpretação constitucional do preceito, que permita a entrada policial no domicílio, em período nocturno, para busca, são a percepção evidente do delito, a actualidade do mesmo e a urgência da intervenção policial. Nos presentes autos é manifesto que o delito que deu lugar à detenção já se consumara (independentemente dos indícios da prática do crime, de que não cumpre agora indagar), o agente já estava detido e não consta dos autos motivo que impusesse a intervenção imediata da autoridade policial. É patente que o opc efectuou a busca sempre com o propósito de obter prova para o crime de tráfico de estupefacientes. E “Uma busca domiciliária só pode ser ordenada ou efectuada quando existirem indícios de que os objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova se encontram em casa habitada ou numa sua dependência fechada” (Ac. R.L de 22/10/2008, acima cit.). Compulsados os autos, não se detecta em que meio probatório se fundou os invocados indícios no que concerne ao tráfico. Refere-se informação apurada noutra investigação, mas o inquérito não logrou apurar qualquer outro processo em curso onde a actuação dos suspeitos fosse investigada (cfr. fls. 130 a 143). Já quanto à arma, não se depreende qual a necessidade e urgência em levar a cabo busca na habitação. Nunca se apurou no inquérito qual foi a investigação que teve lugar no DIAP de Lisboa e no âmbito da qual a PSP soube que o arguido A. ia, no dia em referência, efectuar uma transacção de produto estupefaciente em Évora. Desconhece-se qual o meio de prova ali produzido (e se o mesmo foi validamente obtido) em que se fundou tal informação. Não se refere, em momento algum, que a busca visasse a obtenção de meios de prova do crime de detenção de arma proibida pelo qual o arguido A. fora detido (nem se encontra justificação plausível para esse entendimento). O M.º P.º, ciente de que o consentimento prestado nos autos é inválido, sustentou, em sede de debate, que a busca se encontrava legitimada pela detenção em flagrante delito, nos termos, portanto, do disposto no art. 177.º, n.º 2, al. c) do Cód. Proc. Penal. Entende-se, como vimos, que não lhe assiste razão. É que o pressuposto básico e principal da realização de uma busca domiciliária é a verificação da suspeita de que no local se encontram objectos, ou são ocultados objectos cuja obtenção para o processo importa salvaguardar. A possibilidade de o opc levar a cabo buscas domiciliárias, sem a competente autorização judicial, em caso de flagrante delito pela prática de crime punível com pena de prisão superior, no seu máximo, a 5 anos, alicerça-se na especial necessidade de salvaguarda imediata e urgente da prova. Ora, nos presentes autos não se podem considerar válidos os indícios da prática pelos arguidos do crime de tráfico, em que se fundou a inicial actuação policial e inexistia, quando se deu início à busca, qualquer flagrante que justificasse a actuação policial. Por todo o exposto, não pode o Tribunal deixar de considerar nula a busca levada a cabo pela PSP na Avenida..., em Évora, no dia 30/07/2011. De acordo com o art. 126.º, n.º 3 do Cód. Proc. Penal, são nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão no domicílio, sem o consentimento do respectivo titular. Trata-se da concretização do art. 32.º, n.º 8 do Cód. Proc. Penal que dispõe que são nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações. A busca realizada constitui prova proibida, devendo esta proibição ser conhecida a todo o tempo, mesmo oficiosamente, implicando que a prova obtida por intermédio daquela não seja valorada. “Não estamos perante mera regra sobre a produção de prova, mas antes em face de verdadeira limitação à aquisição de material probatório, consagrado pelo legislador em atenção a interesses que reputou superiores à prossecução da verdade no processo penal, constituindo a certeza do consentimento elemento essencial para assegurar o carácter não abusivo da intromissão no domicílio (cfr. Ac. R.E. de 31/01/2012, Proc. 602/11.0JACBR-A.E2, disponível em www.dgsi.pt). A nulidade da busca domiciliária acarreta como consequência a nulidade das apreensões efectuadas durante a diligência, que não serão, assim, consideradas por este Tribunal. b) Da nulidade da busca realizada na Assomadas do Algoz, ..., Silves: Em sede de debate veio o arguido A. arguir a nulidade da busca realizada na Assomadas do Algoz, .., Silves. Fundamenta a arguição na falta de autorização para a diligência por parte dos visados – os arguidos A e C. O opc legitimou a realização da busca com fundamento na autorização da mãe da arguida, quando aquela não era visada com a diligência. Mostra-se violado o disposto no art. 174.º, nº 3, al. b) e n.º 4 do art. 174.º, do Cód. Proc. Penal. A Digna Magistrada do M.º P.º não se pronunciou sobre a nulidade arguida, porquanto desta busca não resultaram meios de prova em que se sustente a acusação. Compulsados os autos, verifica-se que no mesmo dia 29/07/2011, pelas 18H30, foi levada a cabo busca nas Assomadas do Algoz,... – Silves (cfr. fls. 85 a 94 e 114 a 116). A diligência foi autorizada por MC, mãe da arguida C. A acusação não apresenta como meio de prova tal diligência processual (cfr. fls. 601), retirando já as consequências processuais que se impõem da nulidade e proibição de prova. É que valem aqui todas as considerações acima expendidas a respeito do consentimento, pois que também neste caso foi obtido de quem não era visado pela diligência. Por todo o supra exposto, não pode o Tribunal deixar de considerar nula a busca levada a cabo pela PSP em Assomadas do Algoz..., Silves, no dia 29/07/2011. De acordo com o art. 126.º, n.º 3 do Cód. Proc. Penal, são nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão no domicílio, sem o consentimento do respectivo titular. A nulidade da busca domiciliária acarreta como consequência a nulidade das apreensões efectuadas durante a diligência, que não serão, assim, consideradas por este Tribunal (tal como também já não foram pelo M.º P.º quando proferiu a acusação). De qualquer forma, tais apreensões já foram levantadas pelo M.º P.º e ordenada a devolução das viaturas aos legítimos possuidores (cfr. fls. 310). c) Nulidade do depoimento de fls. 428/430: Invoca o arguido A. que a testemunha GC relatou no seu depoimento factos que indiciam a prática de crime de tráfico de estupefacientes em co-autoria com o arguido A. e que vão muito além dos factos pelos quais o GC foi detido e julgado em Silves. Nos termos do art. 59.º do Cód. Proc. Penal, quando uma pessoa esteja a ser inquirida e se crie fundada suspeita de ter cometido um crime, a entidade que procede ao acto deve, de imediato, constitui-la como arguida. O n.º 3 do art. 59.º do Cód. Proc. Penal remete as consequências da não constituição de arguido para os n.s 3 e 4 do art. 58.º, do mesmo diploma (sendo lapso a remessa para o n.º 4, já que a intenção do legislador seria a de remeter para o n.º 5 – que corresponde à anterior redacção do n.º 4). Requer, assim, que seja declarada a proibição de valoração da inquirição da referida testemunha. A Digna Magistrada do M.º P.º invocou a separação processual para fundamentar a legalidade de procedimento no que concerne à recolha de depoimento a GC. Apreciando o vício invocado, não tendo havido propriamente separação processual, não se operou a conexão, pelo que a actividade de tráfico de GC por conta do arguido A. (e não apenas parte da mesma, como pretende o arguido) foi, de facto, investigada e julgada no âmbito do Proc. n.º --/11.0PBPTM (como resulta da acusação ali proferida), não podendo, por isso, ser novamente investigada nestes autos. A circunstância de não se ter feito operar a conexão processual, não permite, contudo, a valoração neste processo do depoimento de GC como mera testemunha, valendo também aqui as regras de valoração dos depoimentos dos co-arguidos. Não se trata, por isso, de qualquer nulidade ou proibição de prova por violação das formalidades prescritas nos arts. 58.º e 59.º do Cód. Proc. Penal, pois que no momento em que foi inquirido à ordem deste autos (em 3/4/2012 – cfr. fls. 428 a 430) já havia sido constituído arguido no Proc. n.º --/11.0PBPTM, não tendo que o ser novamente neste processo. Não tendo sido advertido de qualquer dever de responder com a verdade, pese embora também não conste ter sido informado do direito que tinha a não responder a perguntas sobre os factos dos quais pudesse resultar a sua responsabilização penal (art. 132.º do Cód. Proc. Penal), padece a inquirição de GC de irregularidade processual (por não cominada com vício mais grave – cfr. arts. 118 a 123.º, do Cód. Proc. Penal) que, não tendo sido arguida em tempo, se encontra sanada. Improcede, nesta medida, a nulidade invocada. * Inexistem outras questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e obstem à apreciação de mérito. * III. DA INSTRUÇÃO E DA SUFICIÊNCIA DOS INDÍCIOS RECOLHIDOS Conforme estatui o artigo 286.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento. Dispõe o artigo 308.º, n.º 1 do Código de Processo Penal que o juiz deverá pronunciar o arguido se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos dos quais depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança. Caso assim não aconteça, deverá ser proferido despacho de não pronúncia. Na instrução bastará a mera prova indiciária, não se exigindo ainda a certeza quanto ao mérito da questão. Tal como sustenta Germano Marques da Silva in “Curso de Processo Penal”, III, Verbo, pág. 179, “a lei não exige (…) a prova no sentido de certeza moral da existência do crime, basta-se com a existência de indícios, de sinais de ocorrência de um crime, donde se pode formar a convicção de que existe uma possibilidade razoável de que foi cometido o crime pelo arguido. Esta possibilidade é uma probabilidade mais positiva do que negativa; o juiz só deve pronunciar o arguido quando pelos elementos de prova recolhidos nos autos forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que não o tenha cometido”. Importa, assim, averiguar se o processo contém indícios suficientes, isto é, elementos de facto aportados pelos meios legais probatórios, que conjugados e relacionados criam a convicção da séria probabilidade da condenação do arguido pelo crime que lhe é atribuído, a manter-se aquele acervo probatório em sede de julgamento. Escreve a este propósito o Prof. Figueiredo Dias que: “os indícios só serão suficientes e a prova bastante quando, já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando esta seja mais provável do que a absolvição” e ”(...) a alta probabilidade, contida nos indícios recolhidos, de futura condenação tem de referir-se no plano fáctico e não no plano jurídico”(in “Direito Processual Penal”, 1.º, 1974, página 133). Os indícios serão suficientes quando, das diligências efectuadas durante o inquérito e instrução, resultarem vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações suficientes e bastantes para convencer de que há crime e este é imputável ao arguido (cfr. Código Processo Penal, Comentários e notas práticas, Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, Coimbra Editora, pág. 715). “A instrução e inquérito devem pressupor a formação de uma verdadeira convicção de probabilidade de futura condenação” (cfr. Noronha da Silveira, in O Conceito de Indícios Suficientes no Processo Penal Português, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina, p. 171) funcionando a suficiência indiciária como garantia de que o cidadão não será sujeito a julgamento por mero capricho do titular da acção penal; a lei não se basta, porém, com um mero juízo subjectivo, mas antes exige um juízo objectivo fundamentado nas provas dos autos (cfr. Ac. do STJ de 20/06/2012, Proc. n.º 36/10.3TREVR.S1, disponível em www.dgsi.pt). Os arguidos vêm acusados da prática do crime de tráfico p. p. nos arts. 21.º, n.º 1 e 24.º, als. c) e j), do D.L. n.º 15/93, de 22/1, com referência à tabela I-C anexa ao mesmo diploma. O arguido A. vem, ainda acusado da prática de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c), com referência aos arts. 2.º, n.º 1, als. q) e ar) e 3.º, n.º 3 do RJAM e de um crime de detenção de arma proibida p. e p. no art. 86.º, n.º 1, al. d), com referência ao art. 2.º, n.º 3, als. p) e r) e 3.º, ns. 1 e 3, do RJAM (Lei n.º 5/2006, de 23/2). Dispõe art.º 21 n.º 1 do D.L. 15/93, de 22/1 que “Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art.º 40 (dispositivo legal que proíbe e pune o consumo), plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos”. O crime de tráfico é um crime formal ou de mera actividade, consumando-se com a mera conduta do agente, independentemente da verificação de algum resultado concreto, configurando-se ainda como um crime de perigo já que não se exige, para que esteja consumado, que se verifique a efectiva lesão de bens jurídicos. Tutela a incriminação em apreço uma pluralidade de bens jurídicos, tais como a vida, a saúde, a integridade física e a liberdade individual do próprio consumidor, a vida familiar e a vida em sociedade. No crime de tráfico haverá dolo quando o agente tenha consciência da natureza estupefaciente da substância em causa e da ilicitude da actividade que visa, ou que estava a desenvolver. Deverá ainda o agente ter consciência da genérica perigosidade da conduta por si adoptada, ou seja, da natureza perigosa do seu modo de execução. Não se exige, no entanto, que o agente actue com intenção de traficar drogas e consciência de que o está a fazer. Não sendo valorada a busca e apreensões subsequentes, resta apenas da investigação a abordagem policial, o depoimento de GC (a valorar com as limitações decorrentes da circunstância de não ter prestado juramento e de ter a qualidade de arguido (ainda que em outro processo) pela prática da actividade que está em causa nestes autos, e os elementos decorrentes da leitura da memória dos aparelhos de telemóvel. Tais elementos poderiam ser suficientes para justificar o desencadear de meios de investigação tendentes a apurar a prática do crime mas não são suficientes, em nosso entender, para sustentar em julgamento uma acusação (ou pronúncia) pela prática dos factos que indiciam. A igual conclusão se chega quanto aos crimes de detenção de arma proibida. De facto, relata-se no auto de notícia que aquando da abordagem policial “Na bolsa do A. que se encontrava na viatura, no chão, junto à consola central, verificou-se a existência de um revolver de calibre 357 Magnum, que tinha o punho a sobressair do interior da bolsa”. Admitindo que a actuação policial na abordagem dos suspeitos, revista dos mesmos e busca à viatura encontra fundamento no disposto no art. 251.º, do Cód. Proc. Penal, a diligência efectuada não se encontra documentada de modo a que o Tribunal chegue à conclusão, com o exigível grau de certeza na fase processual em curso, que a arma era pertença do arguido A. Este nunca admitiu tal posse. Na viatura seguiam, também, os arguidos C e E. As declarações destes arguidos na qualidade de testemunhas não podem ser valoradas (cfr. art. 58.º, n.º 5 do Cód. Proc. Penal). Refere o opc que a arma estava na “bolsa do A.” mas não explica o motivo pelo qual chegou à conclusão que tal bolsa pertencia a este arguido. Por isso, também aqui os autos não fornecem ao Tribunal elementos que possam levar a considerar que se encontra suficientemente indiciada a prática pelo arguido A. dos crimes de detenção de arma proibida. * Tendo em conta os elementos probatórios carreados para o processo e cuja validade não se encontra afectada (conforme supra exposto), resulta suficientemente indiciado apenas que: -Desde 25 de Julho de 2011 que os arguidos A, C, B, D e E se alojaram na cidade de Évora. - Para tanto, o arguido E, aproveitando-se do facto de ser natural de Évora e conhecer a cidade, logrou encontrar uma casa onde os arguidos pernoitaram, sem necessidade de efectuar qualquer identificação ou registo do alojamento, a qual se situava na Av...., em Évora, e lhes foi cedida por G. - No dia 30/07/2011, cerca das 13h35, os arguidos A, C e E, deslocaram-se ao estabelecimento de restauração Macdonalds, sito na variante do Parque Industrial, Horta das Figueiras, em Évora. - Faziam-se transportar no veículo da marca BMW, modelo 525, de cor azul, com matrícula XX, conduzido por A. e registado a favor da arguida C. Não resultam suficientemente indiciados os demais factos vertidos na acusação (para que se remete, nos termos previstos no art. 307.º, n.º 1 do Cód. Proc. Penal). * Consequentemente, e considerando o disposto no art. 308.º, n.º 1, do C.P.P., deverá ser proferido despacho de não pronúncia dos arguidos. * IV. DISPOSITIVO: Pelos fundamentos de facto e de direito supra expostos, o Tribunal: a) Não pronuncia os arguidos A, B, C, D e E pela prática de um crime de tráfico de produtos estupefacientes agravado, p. e p. pelos arts. 21.º, n.º 1 e 24.º, als. c) e j) do D.L. n.º 15/93, de 22/1, por referência à tabela I-C, anexa. b) Não pronuncia o arguido A. pela prática de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c), com referência aos arts. 2.º, n.º 1, als. q) e ar) e 3.º, n.º 3 do Regime Jurídico das Armas e Munições e de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. d), com referência ao art. 2.º, n.º 3. als. p) e r) e 3.º, ns. 1 e 3 do mesmo diploma.» Cumpre agora apreciar e decidir o presente recurso. II. Fundamentação 1. Delimitação do objeto do recurso. Como é entendimento pacífico, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso. O MP delimita o âmbito do recurso do despacho de não pronuncia relativamente a todos os crimes imputados e a todos os arguidos, deixando claro que, “ É desta decisão e dos argumentos nela aduzidos que o Ministério Público recorre, na parte em que declara nula a busca realizada na Av., em Évora, e considera não terem sido recolhidos indícios suficientes que a arma e munições apreendidas nos autos pertencessem ao arguido A”. São, assim, essencialmente duas as questões suscitadas no presente recurso, interposto pelo MP: - Da validade da busca domiciliária julgada nula pela decisão recorrida; - Da existência de indícios da prática de dois crimes de detenção de arma proibida pelo arguido A.. Assim sendo, são estas as questões a decidir. 2. Decidindo. 2.1.1 Da nulidade da busca e apreensão. Resultam suficientemente indiciados nos autos, conforme se fundamenta no despacho recorrido sem que tal seja posto em causa pelo MP recorrente, os seguintes dados de facto e de direito relativos à busca cuja validade está em causa: - A busca foi realizada na madrugada do dia 30.07.2011 entre a 01h46m e a 01h57m em prédio sito na Avenida..., local onde se encontravam a habitar, ainda que a título precário, pelo menos os arguidos A, C e E, a quem terá sido emprestado esse espaço por G, agente imobiliário a quem a casa terá sido entregue para promover a respetiva venda; - G assinou o Termo de autorização de busca domiciliária de fls 29; - Nenhum dos arguidos que se encontrava a habitar na casa deu autorização para a realização da busca, que não foi judicialmente ordenada ou autorizada, tendo sido levada a cabo por agentes da PSP; - O arguido A. foi intercetado por agentes da PSP, juntamente com os arguidos C e E, e subsequentemente detido, no dia 29.07.2011 pelas 13h35m. Assim, como refere na sua motivação, o MP recorrente não põe em causa a natureza de domicílio do local onde foram efectuadas as buscas. Efectivamente, indiciando-se que era aquele o local onde pernoitava o arguido A. …trata-se, naturalmente de uma busca domiciliária, tendo presente um conceito alargado de domicílio, que vem sendo sufragado pela jurisprudência, conforme bem expõe a Mma. Juíza de Instrução. No entanto, entende-se que a diligência levada a cabo pelo OPC não se encontra ferida de nulidade, porquanto efectuada na sequência da detenção em flagrante delito do arguido A., pela prática de crime punível com pena superior a 3 anos. A questão jurídico processual que se encontra no centro da decisão do recurso nesta parte é de saber se a Busca domiciliária noturna (entre as 21h e as 7h) realizada pelo OPC sem consentimento do arguido e sem mandado judicial, nas concretas condições verificadas, teve lugar nos termos do 177º nº2 c) CPP, ex vi do art. 177º nº3 b), CPP, que admite a realização de buscas domiciliárias entre as 21h e as 7h ordenadas pelo MP ou efetuadas por OPC, aquando de detenção em flagrante delito pela prática de crime punível com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos. a) Conforme devidamente fundamentado no despacho recorrido, decidiu-se aí não poder considerar-se que o OPC procedeu à busca em conformidade com aquela disposição legal, porquanto, na nossa síntese: - A busca não foi realizada em situação que possa configurar flagrante delito, uma vez que teve lugar mais de 10 horas após a abordagem do arguido A. na posse da arma que, de acordo com o auto de notícia, configurava a prática pelo arguido do crime de detenção de arma proibida relativamente ao qual se verificaria a única situação de flagrante delito considerada pelo OPC, conforme resulta dos autos, pois nenhum dos arguidos foi encontrado na posse de qualquer produto estupefaciente; - Na verdade, são requisitos do flagrante delito, numa interpretação constitucional do preceito, que permita a entrada policial no domicílio, em período noturno, para busca, a perceção evidente do delito, a atualidade do mesmo e a urgência da intervenção policial, sendo manifesto que o delito que deu lugar à detenção já se consumara (independentemente dos indícios da prática do crime, de que não cumpre agora indagar), o agente já estava detido e não consta dos autos motivo que impusesse a intervenção imediata da autoridade policial, sendo igualmente patente que o opc efetuou a busca sempre com o propósito de obter prova para o crime de tráfico de estupefacientes; - São ainda requisitos da busca domiciliária a existência de indícios de que os objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova se encontram em casa habitada ou numa sua dependência fechada, o que não se verificava, não se referindo em momento algum que a busca visasse a obtenção de meios de prova do crime de detenção de arma proibida pelo qual o arguido A. fora detido (nem se encontra justificação plausível para esse entendimento). Na sua motivação de recurso, o MP argumenta sobretudo que o lapso de tempo verificado entre a detenção do arguido A. e a realização da busca ficou a dever-se à necessidade de apurar onde residia aquele arguido e que a intervenção do JI - possível apenas “horas depois” – implicaria que o estupefaciente apreendido fosse retirado do local, pois apenas A. se encontrava detido e tanto C, que pernoitava na mencionada casa, como E, encontravam-se em liberdade. Vejamos então. b) Após a 5ª revisão constitucional (Lei 1/2001), a Constituição admite no seu art. 34º a entrada no domicílio durante a noite, sem consentimento do titular e sem autorização judicial, nomeadamente em caso de flagrante delito (no que aqui importa), com o que se consagrou expressamente a possibilidade de restringir a garantia da inviolabilidade do domicílio, de forma a proteger outros direitos fundamentais[2], incluindo a realização da justiça criminal, no que concerne ao flagrante delito. Conforme refere Ana Luísa Pinto, foi atendendo ao aludido conflito de interesses e ao facto de uma proibição rígida de realização de buscas domiciliárias durante a noite favorecer a prática de determinados crimes durante esse período – designadamente as atividades ligadas a tráfico de estupefacientes – que a revisão de 2001 introduziu as apontadas limitações à garantia da inviolabilidade do domicílio durante a noite[3]. Subsequentemente, a Lei 48/2007 introduziu as novas redações dos nºs 2 e 3 do artigo 177º do CPP que aqui nos ocupa, passando este a prever que as buscas domiciliárias noturnas (entre as 21h e as 7h) possam ser ordenadas pelo MP e realizadas por órgão de polícia criminal, nos casos de consentimento do visado e de flagrante delito pela prática de crime punível com prisão de máximo superior a 3 anos. Só então a busca domiciliária noturna passou a ser expressamente admitida, prescindindo-se de autorização judicial tanto nos casos de consentimento do visado como de flagrante delito por crime punível com pena superior a 3 anos, embora se mantenha aquela reserva para os casos de terrorismo ou criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada. Por outro lado e no que aqui mais importa, ficaram igualmente de fora da iniciativa dos OPC as buscas domiciliárias, noturnas ou diurnas, com fundamento em forte necessidade cautelar, pois este fundamento apenas vale para as buscas não domiciliárias (cfr art. 251º do CPP). Por comparação com o regime legal da iniciativa policial nos casos de buscas domiciliárias diurnas (art. 174º nº 5 ex vi do art. 177º nº3 a), ambos do CPP), exige-se que a busca domiciliária noturna respeite a crime punível com pena superior a 3 anos de prisão (e não somente com pena de prisão), para além de se referir apenas a “casos de flagrante delito”, enquanto o art. 174/5c) do CPP se reporta buscas efetuadas aquando de detenção em flagrante[4], justificando-se a maior restrição e exigência legais quanto à busca domiciliária noturna, dado que esta representa violação mais significativa do direito à intimidade da vida privada, protegido com o princípio da inviolabilidade do domicílio. Por outro lado, em face dos seus pressupostos, a busca domiciliária nos casos de flagrante delito (noturna mas também diurna, por maioria de razão), encontra-se praticamente subtraída à ponderação prévia ou à fiscalização posterior por parte do juiz[5] (cfr art. 177º nº4 do CPP), pelo que também por esta razão se impõe maior rigor na definição dos pressupostos legais respetivos, sendo certo que o artigo 177 nº2 b) do CPP refere-se aos casos de flagrante delito sem quaisquer particularidades, limitando-se a remeter para a respetiva noção legal que, assim, é decisiva para a correta interpretação do preceito. c) Ora, a noção legal de flagrante delito encontra-se atualmente no art. 256º do CPP, cujo texto corresponde praticamente sem alterações à versão originária do art. 251º do CPP de 1929, numa clara linha de continuidade com o sentido e conteúdo tradicionais da figura entre nós[6]. Nas palavras de Cavaleiro de Ferreira[7], “Flagrante delito é a actualidade do crime … o que importa é surpreender o crime na sua execução. O flagrante delito consiste assim na actualidade aparente, visível, do crime, em razão da qual se autoriza legalmente a imediata captura do infrator. (…) Ao flagrante delito, no seu sentido mais restrito, se equipara o quase flagrante delito, ou seja o facto punível que se acabou de cometer. (…) No primeiro caso é surpreendido durante a execução do crime, no segundo é surpreendido logo no momento em que findou a execução, mas sempre ainda no local da infração em momento no qual a evidência da infração e do seu autor deriva diretamente da própria surpresa. É difícil distinguir esta forma de quase flagrante delito da presunção de flagrante contida na segunda parte do art. 251 [correspondente ao nº2 do art. 256º do atual CPP]. Reputa-se flagrante delito em primeiro lugar o caso em que o infractor é, logo após,a infração, perseguido por qualquer pessoa e em segundo lugar o caso em que foi encontrado a seguir á infração com objetos ou sinais que mostrem claramente que a cometeu ou nela participou (…) Na presunção de flagrante delito, o infractor é surpreendido e capturado fora desse local, desde que tenha sido imediatamente após o crime perseguido por qualquer pessoa ou encontrado, embora sem perseguição, também logo a seguir à infração, com objetos ou sinais evidentes da autoria do crime.”. À figura do flagrante delito é, pois, essencial a atualidade aparente, visível do crime[8], caraterística que torna admissível a busca do mesmo modo que funda a possibilidade legal de detenção do agente. d) Necessário é, porém, que cumulativamente se verifiquem indícios de que, no que aqui importa, existem objetos relacionados com o crime no domicílio dos visados, pois a existência de tais indícios constitui pressuposto legal da Busca expressamente imposto pelo nº2 do art. 174º do CPP. Assim, para além de considerar-se que a busca, enquanto meio de obtenção de prova, encontra-se estruturalmente associada a uma entrada em espaço de acesso restrito ou vedado e a uma atividade direcionada à descoberta de algo – objetos ou indivíduo a deter – que se encontrará tendencialmente escondido ou dissimulado (cfr Ac TC 216/2012), decorre ainda do nº2 do art. 174º do CPP que esta finalidade estrutural da busca implica que a mesma apenas pode ter lugar quando existam indícios – e não meras suspeitas ou conjeturas – da existência de objetos relacionados com o crime em determinado local. Daí que se imponha concluir que a busca domiciliária no caso de flagrante delito (art. 177º nº2 c) CPP) exige, para além da verificação do flagrante em qualquer das formas ou modalidades legalmente previstas, que se mostre cumulativamente indiciada a existência de objetos (ou pessoas) relacionados com o crime, que tornem necessária a busca no domicílio em causa[9]. Assim sendo, podemos afirmar que da conjugação da noção legal de flagrante delito e da caraterização legal da busca como meio de obtenção de prova, resulta que a busca domiciliária noturna apenas é legalmente admissível com fundamento em flagrante delito, nos termos do art. 177º nº 2 c), se existirem indícios de que no domicílio em causa se encontram objetos ou pessoas relacionados com o crime, nas seguintes circunstâncias: - Quando puder considerar-se que o crime, punível com pena superior a 3 anos de prisão, está-se cometendo ou acabou de ser cometido no domicílio em causa, aquando da intervenção do OPC em que inserirá a realização da busca; - Quando o agente intercetado tenha sido perseguido desde o local da prática do crime e este corresponda ao domicílio em causa; - Quando o agente intercetado tiver sido encontrado com objetos ou sinais que mostrem claramente que o crime acabou de ser cometido no domicílio em causa[10]. e) Sendo este o quadro normativo em que nos movemos, afigura-se-nos não poder deixar de reconhecer-se que a senhora juíza a quo fez correta aplicação do mesmo no caso concreto, essencialmente por duas razões. Em primeiro lugar, conforme resulta do que deixámos exposto e é igualmente o entendimento do MP nesta Relação, a busca tem que ser justificada pelo propósito de encontrar objetos ou pessoas relacionados com o crime relativamente ao qual se verifica o flagrante delito e não crime diverso, pois é em função da atualidade inerente ao flagrante que a CRP e o CPP admitem a busca domiciliária noturna, nomeadamente quando realizada por OPC; Ora, não resulta expressa ou implicitamente dos elementos constantes do Inquérito que a busca visasse encontrar quaisquer objetos respeitante à prova dos crimes de detenção de arma proibida, pelos quais o arguido A. foi detido em flagrante delito. Tal como se diz no despacho recorrido, não se refere, em momento algum, que a busca visasse a obtenção de meios de prova do crime de detenção de arma proibida pelo qual o arguido A. fora detido (nem se encontra justificação plausível para esse entendimento), sendo patente que o opc efectuou a busca sempre com o propósito de obter prova para o crime de tráfico de estupefacientes, o que se conclui igualmente da motivação de recurso, ao invocar-se que o tempo necessário para tentar obter autorização do JI implicaria que o estupefaciente [posteriormente] apreendido fosse retirado do local por outros arguidos, não detidos, sendo certo que só no caso de se verificarem os pressupostos legais da busca em domicílio no caso de flagrante delito se colocaria a questão da relevância dos chamados conhecimentos fortuitos, relativamente à detenção de estupefacientes. Em segundo lugar, no caso presente não se verifica o requisito da atualidade e visibilidade do flagrante delito relativamente à busca (mesmo que esta tivesse sido determinada pela procura de objetos relacionados com os crimes de detenção de arma proibida), pois entre a interceção do arguido A. na posse da arma e munições em causa e o início da busca domiciliária mediaram cerca de 10 horas, como bem se explica no despacho recorrido, o que significa que não se verificou a necessária continuidade temporal e espacial entre a intromissão no domicílio própria da busca e a prática do crime que a torna legalmente admissível. Isto é, não pode concluir-se dos autos que a busca tenha sido realizada por OPC em caso de flagrante delito, nos termos e para efeitos do estabelecido no art. 177º nº2 c) do CPP ex vi do nº3 b), do mesmo preceito, pelo que é a mesma proibida com as consequências expressas no despacho recorrido, o que não é minimamente posto em causa pelo MP recorrente. Deste modo, improcede o recurso nesta parte, mantendo-se a decisão de não pronunciar nenhum dos arguidos pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1 e 24.º, als. c) e j) do D.L. n.º 15/93, de 22/1, por referência à Tabela I-C anexa a este diploma. Vejamos agora a segunda questão suscitada. 2.2. A questão dos indícios relativos aos crimes de detenção de arma proibida. Na data e demais circunstâncias aí mencionadas, narra-se sob os nºs 10 e 11 da acusação pública que os arguidos faziam-se transportar no veículo da marca BMW, modelo 525, de cor azul, com matrícula xx, conduzido por A. (...) e que Nessa ocasião o arguido A. trazia, na sua bolsa pessoal, de cor preta, da marca “Le cocq Sportif”, que se encontrava no chão da viatura, junto à consola central: a. um revolver de calibre 357 Magnum, da marca Taurus, modelo 617, com o nº de série QL 599626 e livrete nº M 44565, b. 17 munições de calibre. 38 SPL, equiparadas ao calibre 9 mm, de marca CBS e c. 10 munições de calibre .357 Magnum, equiparadas ao calibre 9 mm, de marca PMC. Conforme transcrito supra, considerou-se na decisão recorrida que, descrevendo-se no auto de notícia que a arma encontrava-se numa bolsa encontrada no interior do automóvel conduzido pelo arguido A., não explica o OPC o motivo pelo qual chegou à conclusão que tal bolsa pertencia a este arguido, sendo certo que no automóvel seguiam igualmente os outros arguidos, que as declarações destes não podem ser consideradas e que o arguido A. não prestou declarações. Na sua motivação de recurso, diz o MP a este propósito, no essencial: - De fls. 44 consta a fotografia da bolsa onde se encontrava a arma e munições, com a legenda “bolsa que se encontrava junto ao banco do condutor contendo no seu interior um revolver de marca Taurus, modelo 357, vinte e sete (27) munições de calibre 38 e dinheiro”, constando igualmente do auto de notícia que era o arguido quem ocupava o lugar do condutor; - O arguido não prestou declarações em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, sendo que nenhuma conclusão processual se pode extrair do seu silêncio; - Em sede de acusação foram indicados como testemunhas os agentes da PSP que procederam à abordagem do arguido, detenção, busca ao automóvel, e elaboração do expediente, a fim de deporem sobre os factos que observaram e verteram em auto. Conclui o MP que a Mma. Juíza de Instrução deveria ter apreciado conjugadamente, todos os indícios resultantes do inquérito, decidindo-se pela suficiência dos mesmos atendendo a que nesta fase processual apenas cumpre apreciar a suficiência dos indícios à luz do disposto no artigo 283º, n.º2 do CPP, e não a prova dos factos, a qual se remete para julgamento. No mesmo sentido se pronuncia a senhora Magistrada do MP nesta Relação. Vejamos, começando por tecer algumas considerações de ordem geral relativas ao conceito legal de indícios suficientes. 2.2.1. Da suficiência dos indícios - o critério legal Tanto no Inquérito como na Instrução, a existência de indícios suficientes significa que os indícios, com o sentido de conjunto da prova recolhida nas fases preliminares, são suficientes para submeter o arguido a julgamento e isso acontece quando a condenação for provável, como decorre da noção legal de indícios suficientes contida no art. 283 º nº 2 do CPP Sobre o significado da locução possibilidade razoável de condenação, utilizada neste preceito, podem distinguir-se três correntes fundamentais, como refere Jorge Noronha e Silveira: “- Uma primeira solução afirma que basta uma mera possibilidade, ainda que mínima, de futura condenação em julgamento; - Numa segunda resposta possível, é necessário uma maior probabilidade de condenação do que de absolvição; - Uma terceira via defende ser necessária uma possibilidade particularmente forte de futura condenação.”[11] Com Carlos Adérito Teixeira,[12] entendemos que “…apenas o critério da possibilidade particularmente qualificada ou probabilidade elevada de condenação, (…) responde convenientemente às exigências do processo equitativo, da estrutura acusatória, da legalidade processual e do estado de Direito democrático, e é o que melhor se compatibiliza com a tutela da confiança do arguido, com a presunção de inocência de que ele beneficia e com o in dubio pro reo”[13] O juízo ou convicção a estabelecer na fase de instrução, como no termo da fase de inquérito, há-de, pois, ser equivalente ao de julgamento, designadamente no que respeita à apreciação do material probatório e ao grau de convicção, que não se compadece com a ideia de verosimilhança ou de admissão da margem “razoável” de dúvida, para além da que é inerente à fase de Inquérito ou de Instrução, consoante o caso, pois, verdadeiramente só após a audiência de julgamento faz sentido exigir-se a certeza processual para além de toda a dúvida razoável, que tem de preceder um juízo condenatório após a realização de audiência oral e contraditória marcada igualmente pelo princípio da mediação. Os indícios ou prova suficiente há-de, assim, corresponder à que “… em julgamento levaria à condenação, se aquele ocorresse com o quadro probatório, no tempo e nas circunstâncias que determinam o libelo acusatório“[14] ou o despacho de pronúncia. 2.2.2. – Apreciação dos indícios no caso concreto. Antecipando a conclusão, entendemos que a razão está com o MP recorrente, embora em atenção à relevância e conjugação dos indícios constantes dos autos e não por atendermos a critério normativo sobre a noção legal de indícios suficientes distinto do exposto na decisão recorrida. Na verdade, segundo o auto de notícia, eram apenas três os ocupantes do veículo. O arguido A, que conduzia, E, que seguia no banco de trás, e C, que seguia no lugar do passageiro [que se presume, assim, ser o lugar dianteiro], a qual é referida no mesmo auto como namorada do arguido A. Refere-se no mesmo auto que a bolsa continha a arma em causa com a coronha de fora, o que permitia ficar apta a exibir ou disparar a qualquer momento, munições e maços de notas, sendo aquelas referências factuais complementadas com as fotos de fls 44 e 45 e respetivas legendas, donde se constata que - de acordo com os usos correntes - a bolsa é de modelo compatível com a sua utilização por elemento do sexo masculino, concluindo-se ainda da sua conjugação com o auto de notícia que a bolsa se encontraria no chão da viatura, junto ao banco do condutor e da consola central. Pressupondo, na falta de indícios em sentido diverso, que a bolsa era seguramente utilizada, pelo menos por um dos ocupantes do veículo, pode invocar-se regra da experiência no sentido de que a bolsa com a arma pronta a ser utilizada não seguia na posse e disponibilidade do ocupante do banco de trás e que de entre os ocupantes do banco da frente é conforme com a experiência comum que, naquele contexto, a bolsa pertencesse ao ocupante que se encontrava mais próximo da bolsa, que era ainda quem conduzia e dispunha do veículo. Para além disso, se a bolsa pertencesse à arguida C pode dizer-se ser mais plausível que a mesma a segurasse enquanto seguia no banco dianteiro do passageiro ou que a aguardasse mais junto de si, sendo coerente com a experiência comum que, em situações similares, a arma seja transportada naqueles moldes para ser facilmente acessível a quem vai ocupado na condução. Tanto basta para concluir-se, no plano indiciário, que a bolsa com a arma, munições e dinheiro, estava na posse do arguido A, tanto mais que os autos não refletem qualquer elemento probatório que infirme a inferência lógica que ora se expôs e que terá suportado igualmente a decisão de acusar naqueles termos, uma vez que sem quaisquer outros elementos em sentido diverso, concluímos haver prova indireta bastante de que era o arguido A. quem detinha a bolsa e o seu conteúdo. Não é, pois, determinante que, como se refere na decisão instrutória recorrida, o OPC não explique o motivo pelo qual chegou à conclusão que tal bolsa pertencia ao arguido A., dadas as inferências lógicas permitidas pelos elementos probatórios que integram o Inquérito, como vimos. Na verdade, mesmo quem entenda, como nós, que “o juízo ou convicção a estabelecer na fase de instrução, como no termo da fase de inquérito, há-de ser equivalente ao de julgamento” (vd supra), não esquece que não pode deixar de ter-se em conta a diferença de ambientes probatórios verificada entre as fases preliminares - marcadamente escrita e inquisitória a fase de inquérito e assumindo parcialmente essa mesma natureza a fase de instrução - e a fase de julgamento, oral e contraditória, caraterizada ainda por um princípio de investigação que impõe ao tribunal deveres oficiosos de instrução da causa bem mais fortes que na fase de Instrução. Logo, embora o juízo de convicção nas fases preliminares seja equivalente ao de julgamento na medida em que a autoridade judiciária deve ter fundamento probatório que suporte a sua convicção sobre a existência do crime e a sua autoria, sem margem de dúvida, o juízo sobre a suficiência de indícios a que se reportam os arts 283º nº 2 e 308º não pode deixar de refletir essas mesmas diferenças de ambiente probatório, o que nos parece bem expresso na formulação do legislador ao referir-se no nº2 do art. 283º do CPP à possibilidade razoável de ser aplicada ao arguido, em julgamento, uma pena ou medida de segurança. Isto é, retomando os termos do caso concreto, embora o auto de notícia não explicite todos os dados de facto em que o seu subscritor assenta a conclusão de que a arma e munições estavam na posse do arguido A., isso não impede o juízo de suficiência dos indícios relativamente ao facto em causa, mesmo sem ouvir a testemunha em causa, se outros elementos probatoriamente relevantes, incluindo as regras da experiência comum, permitirem fundamentar a convicção respetiva, sendo ainda aceitável e adequada a dedução de que as declarações daquela em julgamento irão no mesmo sentido (enquanto resultado probatório), como sucede no caso presente. Por outro lado, importa não esquecer que em quadros de dúvida sobre a indiciação suficiente de factos essenciais que possam ser esclarecidos sem ultrapassar os limites impostas pela natureza indiciária da prova na fase de instrução (cfr art. 301º nº3 do CPP), o juiz de instrução não está inibido nem dispensado de praticar ou ordenar oficiosamente os atos que interessem aos fins da instrução, incluindo a repetição de atos de inquérito (art. 291º CPP) ou a prática de outros mesmo que tenham natureza superveniente (cfr art. 299º do CPP). 2.2.3. Concluímos, assim, como aludido, pela procedência parcial do recurso, decidindo revogar o despacho recorrido na parte em que não pronunciou o arguido A. como autor de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c), com referência aos arts. 2.º, n.º 1, als. q) e ar) e 3.º, n.º 3 do Regime Jurídico das Armas e Munições e de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. d), com referência ao art. 2.º, n.º 3. als. p), r) e 3.º, ns. 1 e 3 do mesmo diploma. Consequentemente, aquele despacho deve ser substituído por outro que pronuncie aquele arguido pela autoria, em concurso efetivo, destes mesmos crimes. III. Dispositivo Nesta conformidade, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora, em conceder provimento parcial ao recurso interposto pelo MP e, em consequência, decidem: - Confirmar o despacho de não pronúncia de todos os arguidos - B, A, D, E e C - pela autoria de um crime de tráfico de estupefacientes agravado p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1 e 24.º, als. c) e j) do D.L. n.º 15/93, de 22/1, por referência à Tabela I-C anexa a este diploma; - Revogar o despacho de não pronúncia na parte em que não pronunciou o arguido A. como autor de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c), com referência aos arts. 2.º, n.º 1, als. q) e ar) e 3.º, n.º 3 do Regime Jurídico das Armas e Munições e de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. d), com referência ao art. 2.º, n.º 3. als. p), r) e 3.º, ns. 1 e 3 do mesmo diploma. Consequentemente, decidem ainda que aquele despacho deve ser substituído por outro que pronuncie o arguido A., pela autoria, em concurso efetivo, dos crimes de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c), com referência aos arts. 2.º, n.º 1, als. q) e ar) e 3.º, n.º 3 do Regime Jurídico das Armas e Munições e de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. d), com referência ao art. 2.º, n.º 3. als. p), r) e 3.º, ns. 1 e 3 do mesmo diploma, por resultarem suficientemente indiciados, para além dos factos descritos no despacho recorrido, os factos de ordem objetiva e subjetiva relativos a estes mesmos crimes, que integram a acusação. Sem custas. Évora, 4 de fevereiro de 2014 (Processado em computador. Revisto pelo relator.) António João Latas Carlos Jorge Berguete __________________________________________________ [1] - Sumariado pelo relator [2] Vd Ana Luísa Pinto, Aspetos problemáticos das buscas domiciliárias, RPCC 15 (2005), nº3 pp 428 e 427. [3] Idem, p. 427 [4] Vd o Ac RL de 22.12.2009 (relator Pedro Martins, dgsi.pt) que, para além do mais, chama a atenção para as diferenças verificadas na letra da lei. [5] O Ac TC 7/87, que se pronunciou em sede de fiscalização preventiva sobre a versão inicial do CPP, julgou inconstitucional o art. 177º do CPP na parte em que remetia para a al. c) do nº4 do artigo (detenção em flagrante) por considerar que, contrariamente ao que sucedia com as suas alíneas a) e b), não estava em jogo qualquer valor que devesse prevalecer sobre a garantia constitucional de reserva do juiz. [6] Vd, por todos, Luís Osório, Comentário ao Código do Processo Penal Português, IV – 1933, pp. 19 a 22. [7] Curso de Processo Penal, II – Reimpressão da Universidade Católica, Lisboa 1981, pp. 388-9 [8] Entendemos, porém, que apesar de a consagração legal da busca domiciliária noturna em casos de flagrante delito poder ser motivada pela necessidade ou vantagem da reação imediata para aceder e preservar meios de prova relativos ao crime percecionado em flagrante, não pode considerar-se que a necessidade urgente de preservação da prova constitua requisito ou pressuposto da busca a realizar em concreto. Não só o legislador não o consagra nesta sede, como afastou expressamente no art. 251º do CPP a possibilidade de os OPC procederem a buscas domiciliárias com fundamento no perigo de perda de objetos relacionados com o crime, suscetíveis de servirem de prova, embora o admita para as demais buscas. [9] Como refere, por todos, Ana Luísa Pinto, “A realização de uma busca tem assim, como regra fundamental, o cumprimento dos princípios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade” – cfr est. citado pág. 420. [10] Conforme se refere no citado Ac RL de 22.12.2009, “…sabendo-se a abrangência que o crime de “tráfico” de droga (art. 21 do Dec. Lei 15/93, de 22/1) tem, bastando para tal a simples detenção de droga, e sabido também que o arguido tinha saído de casa e tinha consigo cerca de 70 g de cocaína – se tudo isto for assim – pode-se aceitar que, imediatamente antes de ser detido, ele estava na prática de um crime de tráfico inclusive no período de tempo em que esteve ou passou por sua casa. Pelo que, nessa ocasião, havia um flagrante delito.”. [11] Cfr O Conceito de Indícios Suficientes no Processo penal Português in Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, coord. F. Palma, Almedina-2004, p. 161 [12] “ Indícios suficientes: parâmetro de racionalidade e “instância “ de legitimação concreta do poder-dever de acusar in Revista do CEJ, nº1 – 2004 p. 160. Vd, neste autor e em Noronha de Silveira, est. citado, a cabal exposição dos fundamentos da posição adotada e a criteriosa refutação das posições que, em menor ou maior escala, apelam a um menor grau de convicção que o exigido em julgamento.. [13] Princípio in dubio pro reo, cuja pertinência na decisão instrutória resulta da consagração constitucional das garantias de defesa, nomeadamente a presunção de inocência acolhida no art. 32º nº2 da CRP, conforme se reconheceu no Ac TC 439/2002 de 23 de Outubro- DR II de 29.11.2002, onde pode ler-se, “ … a interpretação normativa dos artigos citados [286º nº1, 298º e 308º nº1, do CPP] que exclui o princípio in dubio pro reo da valoração da prova que subjaz à decisão de pronúncia reduz desproporcionada e injustificadamente as garantias de defesa, nomeadamente a presunção de inocência do arguido, previstas no art. 32º nº2, da Constituição”. [14] Cfr Carlos Adérito Teixeira, est. cit. pp 161 e 160. Vd em sentido idêntico J. Noronha e Silveira, est. cit. pp. 171 e 172, 180 e 181; Dá Mesquita, Direcção do Inquérito Penal e Garantia Judiciária, Coimbra Editora-2003 pp. 90-4 e Castanheira Neves, Sumários de Processo Criminal (1967-1968) pp. 38 e 39. |