Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
836/07-3
Relator: CHAMBEL MOURISCO
Descritores: ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE DESPEDIMENTO
Data do Acordão: 05/15/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO SOCIAL
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário:
A vontade de pôr termo ao contrato de trabalho tem de ser inequívoca, cabendo ao trabalhador alegar as circunstâncias factuais tendentes a revelar a convicção da vontade do seu despedimento, alegadamente promovido pela entidade patronal.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

A. …, interpôs acção declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra B. …, pedindo a declaração de ilicitude do seu despedimento e a condenação da ré nas seguintes quantias:
- €3.219,54, a título de indemnização em substituição da reintegração, caso venha a fazer esta opção;
- No montante das remunerações que deixou de auferir em virtude do despedimento, no montante de 575,00 euros à data da entrada da acção em juízo e as remunerações que deixou de auferir até à data da sentença final;
- €643,69, a título de subsídio de férias;
- €321,85, de férias não gozadas;
- €1.448,31, de proporcionais.
Para o efeito alega em síntese:
Ter sido admitida ao serviço da ré em 11 de Novembro de 2000 com a categoria de vigilante estática no Hipermercado … e Loja …situada no …;
Cabia-lhe vigiar a entrada e saída de clientes e verificar se saíam com compras sem pagar e que entravam com os sacos fechados e selados por ela;
Auferia €536,59 e subsídio de refeição no montante de 107,10 euros mensais;
Era o seu chefe T. … quem fazia os seus horários e definia as escalas;
Foi mãe em 18 de Outubro de 2003 passando a observar um horário mais reduzido que iria observar até 18 de Outubro de 2004, conforme usos da empresa;
No dia 30 de Setembro de 2004 o Chefe de Grupo disse-lhe para ir falar com T. … às 11.00 horas não lhe tendo sido entregue a escala de serviço de modo a que pudesse saber o plano de 1 a 15 de Outubro;
Quando se apresentou ao serviço a 1 de Outubro não constava na escala. Foi falar com o seu chefe que lhe disse que constava da lista do chefe de segurança interna do J. ... de pessoas a dispensar e que tinha que fazer uma carta de despedimento;
Como recusou tal proposta foi-lhe dito que podia ser mandada para a Guia;
Nunca mais lhe foi permitida a entrada no seu local de trabalho ou recebeu notícias da ré apesar de a instar.
No ano de 2004 apenas gozou férias de 15 a 30 de Setembro não lhe tendo a ré pago o subsídio de férias respectivo nem a retribuição devida pelo não gozo de 11 dias úteis de férias e proporcional de subsídio de Natal.

A ré contestou, tendo alegado em resumo:
A autora auferia o montante mensal de €575,00 e €5,10 a título de subsídio de alimentação;
No exercício das suas funções deixou passar, por várias vezes, pessoas pela porta das instalações onde prestava serviço sem que tais instalações estivessem abertas tendo o gestor da zona sido chamado à atenção pelo cliente;
O gestor de zona chamou à atenção da autora várias vezes, mas esta não cumpriu, pelo que foi comunicado à ré que não queriam mais aquela nas instalações;
Por isso, no dia 1 de Outubro, quando a autora se apresentou, após gozo de férias, no trabalho foi-lhe proposta a mudança de posto de trabalho para Albufeira assumindo a ré os custos de deslocação tendo a autora respondido que ia para casa pensar, até na hipótese de rescindir porque já tinha concorrido para uma empresa concorrente da ré;
Respondeu às cartas enviadas pela autora por telegrama, concedendo-lhe até 8 de Outubro para regressar ao trabalho;
Como a autora não mais a contactou a ré enviou-lhe a carta de abandono de trabalho;
A autora gozou férias de 16 a 30 de Abril de 2003 tendo recebido o subsídio de férias em Março e férias em Maio no montante de €287,10, bem como recebeu subsídio de férias de 16 a 31 de Setembro no montante de €287,50;
Foram processados os proporcionais de férias e subsídio de férias de 2004 no montante de 440,83 euros e subsídio de Natal do mesmo montante mas a autora não recebeu porque nunca mais se deslocou à empresa.
A ré, em reconvenção, pede a condenação da autora no pagamento da quantia de €1.150,00 por falta de aviso prévio;
Finalmente pede a ré a condenação da autora por litigância de má-fé indemnização no montante de €1.500,00.
A autora respondeu sustentando não ter recebido o telegrama nem a ordem de transferência e as cartas recebidas da ré já o foram depois de intentada a presente acção.
Defende a improcedência da reconvenção, mas admite ter recebido duas quantias a título de subsídio de férias.

Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento tendo sido proferida sentença que decidiu:
1. Julgar a acção parcialmente procedente por provada declarando ilícito o despedimento da autora promovido pela ré condenando esta a pagar à primeira as seguintes quantias:
a) € 3.119,54 (três mil cento e dezanove euros e cinquenta e quatro cêntimos) a título de indemnização em substituição da reintegração;
b) € 965,54 (novecentos e sessenta e cinco euros e cinquenta e quatro cêntimos) a título de proporcionais de subsídio de férias e de Natal de 2004;
c) €10.942,73 (dez mil novecentos e quarenta e dois euros e setenta e três cêntimos) a título de retribuições vencidas até à presente data e ainda nas retribuições vincendas até ao trânsito em julgado da presente decisão deduzidas as importâncias que tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse despedida, a liquidar em execução de sentença nesta parte;
2. Absolver a ré quanto ao restante pedido;
2. Julgar a reconvenção improcedente por não provada absolvendo consequentemente a autora do pedido reconvencional.
Inconformada a ré apresentou recurso de apelação tendo concluído:
a) Os factos provados constantes do item II – DOS FACTOS da Douta Sentença “a quo” não revelam uma vontade clara e inequívoca da Apelante em despedir a Apelada.
b) Outro sim, a análise de tais factos, apenas revelam a vontade da Apelante de que a Apelada apenas não trabalharia mais nas instalações do cliente Hipermercado J. ... e na Loja X ... ambos situados no Centro Comercial ... em ..., por imposição daquele cliente, situação bem diversa da figura do despedimento unilateral.
c) O envio da Apelante à Apelada das cartas de fls. 52 e fls. 55, que esta recebeu (alínea CC) DOS FACTOS), configuram um acto da Apelante que consubstancia a existência de um vínculo laboral que aquelas visam terminar.
d) A Apelada não interpretou que os actos da Apelante gotejados nas alíneas do item II - DOS FACTOS da Douta Sentença “a quo” configurassem o despedimento.
e) Pelos factos provados, nomeadamente na alínea U do item II - DOS FACTOS, e pelo teor das cartas - de fls. 19 e fls. 20- nela referidas, conclui-se que a Apelada, pela actuação da Apelante, nunca configurou, nem interpretou a vontade desta como uma intenção de despedimento, tendo inclusivamente nas mesmas cartas solicitado a definição de um dos elementos integradores do contrato de trabalho - o seu horário de trabalho -, o que é incompatível com uma interpretação de despedimento.
f) A Apelada não alegou, nem provou factos donde se pudesse de alguma forma concluir que ela tenha interpretado a vontade da Apelante em proceder ao seu despedimento, sendo certo que tal ónus lhe cabia.
g) Face ao exposto nas alíneas de a) a f) destas conclusões, a Apelante não despediu unilateralmente a Apelada nos termos da 1ª parte do artº 217º do Cód. Civil e da jurisprudência actual e corrente donde se destaca o recente Ac. do STJ de 5 de Abril de 2006 – Proc. 0553822 in www.dgsi.pt/jstj.nsf., preceito e aresto que a Douta Sentença “a quo” violou.
h) A Apelante enviou à Apelada as cartas de fls. 52 e fls. 55, respectivamente em 10 e 15 de Novembro de 2004, que esta recebeu, por motivo de Abandono de Trabalho para os efeitos da comunicação prevista no artº 450º do Cód. do Trabalho (alínea CC) do item “DOS FACTOS” da Douta Sentença)
i) A Apelada não respondeu a tais comunicações não logrando ilidir a presunção nos termos do nº 3 do artº 450º do Cód. do Trabalho.
j) Caso se considere que não houve lugar ao Abandono do Trabalho por parte da Apelada nos termos das alíneas h) e i) supra, o que se admite por mera hipótese académica sem conceder, e sendo certo que as cartas de fls. 52 e 55 não podem configurar uma manifestação de despedimento unilateral da Apelada face ao disposto nos artºs 264º nº 2, 513º, 664º , nº 1 do artº 661º e alin. e) do nº 1 do artº 668º do Cód. do Proc. Civil, e tendo em atenção a conclusão referida na alínea g) supra, resulta que o vinculo laboral entre Apelante e Apelada se mantém, e que, dados os contornos da presente questão, as faltas dadas foram autorizadas pela Apelante ainda que de forma tácita, pelo que nos termos da alínea d) do nº 2 do artº 230º do Cód. do Trabalho determinam a perda de retribuição.
Nestes termos; e nos melhor de Direito que V. Excªs, Venerandos Desembargadores, Doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso de apelação, revogando-se a Douta Sentença “a quo”, substituindo-a por outra que;
a) considere que a Apelante não despediu unilateralmente e de forma ilícita a Apelada, absolvendo-a de todas as consequências legais referentes ao despedimento ilícito.
b) que a Apelada procedeu ao Abandono do Trabalho com as consequências legais daí resultantes;
c) Caso assim não se entenda quanto à questão referida em b), o que se admite por hipótese académica, que se considere que vínculo entre Apelante e Apelada se mantém sendo que as faltas por esta ultima dadas ao trabalho determinam a perda de retribuição nos termos da alínea d) do nº 2 do artº 230º do Cód. do Trabalho.

A autora contra-alegou pugnando pela improcedência da apelação.
Neste Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da confirmação da sentença recorrida.
Os autos foram com vista aos Ex.mos Juízes adjuntos.
***
Nos termos dos art. 690º nº1 e 684º nº3 do CPC, ex vi art. 1º, nº2 al.a) do CPT as conclusões das alegações delimitam o objecto do recurso.
No presente recurso suscitam-se as seguintes questões:
1. Saber se a ré procedeu ao despedimento da autora;
2. Saber se houve lugar ao abandono de trabalho por parte da autora.

Na sentença recorrida foram consignados como provados os seguintes factos:
A. A autora foi admitida ao serviço da ré em 11 de Novembro de 2000 para sob a suas ordens, direcção e fiscalização lhe prestar, mediante contrapartida monetária, os serviços correspondentes à categoria de vigilante estática;
B. A autora foi admitida para exercer as funções no Hipermercado J. ... e na “Loja X ...”, ambos situados no Centro Comercial ….;
C. Cabia-lhe vigiar as entradas e saídas dos clientes e verificar que não saíam com compras sem pagar e que não entravam sem terem os respectivos sacos fechados e selados por ela, cabendo-lhe ainda as demais tarefas afins desta;
D. Ultimamente auferia o salário base mensal de 536,59 euros e o subsídio de refeição de 107,10 euros, recebendo contrapartida pecuniária desde 11 de Novembro de 2000;
E. O horário de trabalho da autora, com hora de início e termo de prestação diária de trabalho, e os dias de descanso sempre foram determinados pela ré;
F. Era o chefe da autora, T. …, quem fazia os horários e quem escalava a autora e os demais colegas;
G. As escalas abrangiam dois períodos mensais, de 1 a 15 de cada mês e de 16 até ao fim do mês em causa;
H. As escalas eram entregues a cada um dos trabalhadores na véspera ou na manhã do dia 1 e no dia 15;
I. Desse modo cada um ficava a saber qual o horário que tinha a cumprir de 1 a 15 e de 16 até ao final do mês;
J. A autora teve um filho em 18 de Outubro de 2003;
K. Por causa da maternidade vinha observando o horário das 09.00 às 15.00 horas;
L. E de acordo com os usos da empresa iria observa-la até 18 de Outubro de 2004;
M. No dia 30 de Setembro de 2004 R. … (chefe de grupo) disse à autora para ir falar com T. … (superior hierárquico) às 11 horas do dia seguinte;
N. A autora perguntou-lhe “como se eu entro às 09.00 horas” e ele respondeu “é mesmo por causa disso”;
O. Nenhuma escala de serviço foi entregue à autora, de modo a que ela pudesse saber o planeamento do seu horário de 1 a 15 de Novembro, bem assim como os dias de descanso;
P. Não lhe foi entregue nem em 30 de Setembro de 2004 nem em 1 de Outubro de 2004;
Q. Quando se apresentou ao serviço às 09.00 horas do dia 1 de Outubro de 2004 a autora pôde ver pela escala que foi entregue a outro colega que o seu nome não constava da escala de 1 a 15 de Outubro de 2004;
R. A autora constava da lista elaborada pelo chefe de segurança interna do J. ..., M. ..., de pessoas a dispensar porque um dia entraram sete pessoas na X ..., antes das 09.00 horas e a autora não viu e em 2 de Setembro saíram pessoas sem ser pela saída das compras e a autora não viu;
S. A autora não tem carro e não pode ir para a Guia;
T. Até à presente data não mais foi permitida a entrada da autora ao serviço no J. ... e na Loja X ... do Centro Comercial …;
U. A autora dirigiu à ré e à C. as cartas juntas a fls. 19 e 20 que aqui tenho por integralmente reproduzidas para os devidos e legais efeitos;
V. No ano de 2004, a autora gozou férias de 15 a 30 de Setembro;
W. As condições de vida económicas e sociais da autora eram do conhecimento de T. …;
X. O J. ... – cliente da ré – chamou a atenção do responsável das instalação e superior hierárquico da autora – gestor de zona T. … – que a autora não podia deixar passar pessoas para o interior do estabelecimento antes da hora de abertura;
Y. T. … deu ordens expressas à autora que não podia agir em contrário do mencionado em X.;
Z. A autora deixou passar para o interior da Loja J. ..., 7 pessoas antes da hora de abertura do estabelecimento;
A.A. O J. ... em Setembro de 2004 comunicou à ré na pessoa de T. … que não queria que a autora prestasse mais serviço nas suas instalações;
B.B. No dia 1 de Outubro de 2004 de manhã, quando a autora voltou de férias e se apresentou ao trabalho, a ré, através de T. …, transmitiu-lhe que não podia trabalhar mais nas instalações do J. ...;
C.C. A ré enviou à autora as cartas de fls. 52 e 55 que as recebeu;
D.D. A autora gozou férias de 16 a 30 de Abril de 2004.

Feita esta enumeração, e delimitado como está o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da recorrente, passaremos a apreciar as questões a decidir.

Em primeiro lugar, importa referir, que não tendo sido impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos do art. 690º-A do Código de Processo Civil, a factualidade a considerar para a decisão da questão suscitada tem de ser apenas a que consta da sentença recorrida. Assim, será perante esses factos que temos de apurar se a ré procedeu ou não ao despedimento da autora ou se houve abandono de trabalho por parte desta última.
Como refere Bernardo da Gama Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, Verbo, pág. 478, o despedimento, que se define como ruptura da relação de trabalho por acto de qualquer dos seus sujeitos, constitui a mais importante forma de cessação do contrato de trabalho. É estruturalmente um acto unilateral do tipo do negócio jurídico, de carácter receptício (deve ser obrigatoriamente levado ao conhecimento da outra parte), tendente à extinção ex nunc ( isto é para o futuro) do contrato de trabalho.
Tanto a doutrina como a jurisprudência têm salientado que a vontade de pôr termo ao contrato de trabalho há-de ser inequívoca e que é ao trabalhador que compete alegar as circunstâncias tendentes a revelar a convicção da vontade do seu despedimento (Cfr. Ac. STJ de 14/4/1999, CJ, ASTJ, Tomo II, Ano VII, pág. 254).
No caso concreto provou-se apenas que no dia 1 de Outubro de 2004 de manhã, quando a autora voltou de férias e se apresentou ao trabalho, a ré, através de T. …, transmitiu-lhe que não podia trabalhar mais nas instalações do J. ....
Esta declaração do chefe directo da autora não pode, de forma alguma, configurar um despedimento.
A referida declaração é inequívoca de que a autora não podia trabalhar mais nas instalações do J. ..., não podendo ser interpretada no sentido de que a ré estava a manifestar uma vontade de que a autora não podia mais trabalhar para si.
É certo que a autora foi admitida para exercer as funções no Hipermercado J. ... e na “Loja X ...”, ambos situados no Centro Comercial …, mas isso não significa que se possa atribuir à declaração do chefe da autora o sentido de que a despediu.
O circunstancialismo em que essa declaração foi proferida está bem patente na matéria de facto dada como provada e mais não foi do que uma exigência do J. ..., um cliente da ré.
Se o J. ..., em Setembro de 2004, comunicou à ré, na pessoa de T., que não queria que a autora prestasse mais serviço nas suas instalações, a ré só podia fazer o que fez que era transmitir à autora que não podia trabalhar mais nas referidas instalações.
O futuro do contrato de trabalho que ligava a autora à ré é uma outra questão que cabia a esta última solucionar.
De qualquer forma, o que se pode peremptoriamente afirmar é que a autora não foi despedida pela ré, pelo que tem de se revogar a sentença na parte em que declarou o despedimento ilícito.
Importa agora apurar se houve abandono de trabalho por parte da autora.
Com relevância para apreciar esta questão apurou-se que no dia 1 de Outubro de 2004 de manhã, quando a autora voltou de férias e se apresentou ao trabalho, a ré, através de T. …, transmitiu-lhe que não podia trabalhar mais nas instalações do J. ....
Na sequência desses factos a autora, em 1/10/2004, dirigiu à ré e à C. ... as cartas juntas aos autos a fls. 19 e 20, ambas do mesmo teor que é o seguinte:
“ …
Com os meus melhores cumprimentos, sirvo-me da presente para comunicar-vos que pretendendo apresentar-me ao serviço no dia 1 de Outubro de 2004, no meu local de trabalho habitual no J. ... do ... ... em ..., consultei, como é usual, as escalas de serviço para saber qual o meu horário e verifiquei que o meu nome não consta das mesmas, ao contrário do que sucedia até 30 de Setembro de 2004 e desde que iniciei a prestação de trabalho para essa empresa.
Agradeço a V. Excelências deste modo que me seja comunicado por escrito o que devo fazer e qual o meu horário ou horários daqui em diante.
…”
A presente acção judicial veio a ser proposta pela autora contra a ré em 9/11/2004, tendo a citação ocorrido em 03/12/2004.
Em 10/11/2004 a ré enviou à autora uma carta registada com A/R do seguinte teor:
“ Assunto: Abandono de Trabalho
Art. 450º do DL nº 64-A/89, de 27/02/89
Exmo Senhor
Dado que V.Exa não comparece ao serviço desde 8 de Outubro de 2004, nem justificou as faltas ao mesmo, até à presente data, serve a presente para informar que, passados 48 (quarenta e oito) horas da data de recebimento desta carta sem que esta entidade empregadora receba qualquer comunicação do motivo dessa ausência, afigura-se que estão preenchidos os requisitos do abandono de trabalho nos termos do art. 450º do Código de Trabalho do DL nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro, o que vale como denúncia do contrato de trabalho.
Nestes termos, considera esta empresa que a partir dessa data cessa o contrato de trabalho de V.Exa, com todas as demais legais consequências resultantes do abandono ao trabalho acima referenciado.

Em 15/11/2004 a ré enviou nova carta registada com A/R à autora do seguinte teor:
“ Assunto: Abandono de Trabalho
Art. 450º do DL nº 64-A/89, de 27/02/89
Exmo Senhor
Dado que V.Exa não comparece ao serviço desde 8 de Outubro de 2004, nem justificou as faltas ao mesmo, nem contactou a empresa por qualquer forma ou meio até à presente data, afigura-se que estão preenchidos os requisitos do abandono de trabalho nos termos do art. 450º do Código de Trabalho do DL nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro, o que vale como denúncia do contrato de trabalho.
Nestes termos, considera esta empresa que a partir dessa data cessa o contrato de trabalho de V.Exa, com todas as demais legais consequências resultantes do abandono ao trabalho acima referenciado.

O art. 450º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27/08, sob a epígrafe “ Abandono do Trabalho” estatui:
1 — Considera-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador ao serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelem a intenção de o não retomar.
2 — Presume-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador ao serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador tenha recebido comunicação do motivo da ausência.
3 — A presunção estabelecida no número anterior pode ser ilidida pelo trabalhador mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência.
4 — O abandono do trabalho vale como denúncia do contrato e constitui o trabalhador na obrigação de indemnizar o empregador pelos prejuízos causados, não devendo a indemnização ser inferior ao montante calculado nos termos do artigo 448º.
5 — A cessação do contrato só é invocável pelo empregador após comunicação por carta registada com aviso de recepção para a última morada conhecida do trabalhador.
Como refere António Monteiro Fernandes [1] a lei constrói a figura do abandono do trabalho sobre um certo complexo factual, constituído pela ausência do trabalhador e por factos concludentes no sentido da existência da intenção de o não retomar (450.º/1).
A não comparência ao serviço por dez ou mais dias úteis seguidos, sem comunicação do motivo da ausência, oferece suporte a uma presunção iuris tantum de abandono do lugar; o afastamento dessa presunção pode ser obtido mediante “ prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência” (450º/2 e 3).
No caso concreto dos autos, a autora logo no dia 1/10/2004 dirigiu à ré a carta junta aos autos a fls. 19 em que solicitava instruções, por escrito, acerca do que devia fazer.
Assim, parece-nos legítima a atitude da autora de ficar a aguardar a resposta solicitada, sendo certo que, pelo meio referido, tinha vincado a sua posição de pretender retomar o trabalho.
Neste contexto, parece-nos que as cartas envidas pela ré à autora, invocando o abandono de trabalho, já depois da acção ter sido proposta, mas ainda antes da respectiva citação, surgem de uma forma despropositada.
Na verdade, a ré estava informada da situação da autora e sabia que esta estava a aguardar as suas instruções tendo até manifestado vontade de retomar o trabalho.
Perante esta factualidade não se podem considerar preenchidos os requisitos exigidos pelo art. 450º do Código do Trabalho para se declarar que ocorreu uma cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, no caso por abandono do trabalho.
Neste quadro, não tendo ocorrido despedimento nem se verificado o abandono do trabalho temos de assentar que a relação laboral entre a autora e a ré ainda se mantém.
No entanto, a autora quando recebeu a carta datada de 10/11/2004, invocando o abandono do trabalho, ficou bem ciente do propósito da ré, pelo que o princípio da boa-fé impunha que manifestasse a sua disponibilidade para prestar o seu trabalho.
Como não prestou trabalho nem manifestou a sua disponibilidade para o fazer assiste apenas à autora o direito às retribuições até 12/11/2004 (data em que a referida carta foi recebida- fls. 54).

Pelo exposto, acordam os Juízes na Secção Social deste Tribunal da Relação de Évora em julgar parcialmente procedente a Apelação decidindo:
1. Revogar a sentença na parte em que declarou o despedimento ilícito e consequentemente na parte em que condenou a ré a pagar à autora as quantias de € 3119,54 a título de indemnização em substituição da retribuição e € 10.942,73 a título de retribuições vencidas e nas vincendas;
2. Declarar que não se encontram preenchidos os requisitos exigidos pelo art. 450º do Código do Trabalho para se declarar que ocorreu uma cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhadora, no caso por abandono do trabalho;
3. Condenar a ré a pagar à autora as retribuições devidas até 12/11/2004, a liquidar em execução de sentença;
4. Manter a sentença recorrida na parte restante.

Custas pela autora e pela ré na proporção do decaimento.
Évora, 2007/05/15
Chambel Mourisco




_____________________________

[1] Direito do Trabalho, Almedina,13ª edição, pág. 614.