Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
184/06.4 GELLE.E1
Relator: MARIA ISABEL DUARTE
Descritores: CRIME DE CONDUÇÃO PERIGOSA DE VEÍCULO RODOVIÁRIO
ELEMENTOS ESSENCIAIS DO CRIME
DOLO
NEGLIGÊNCIA
Data do Acordão: 12/03/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - No que concerne ao tipo subjectivo de ilícito do crime de condução perigosa de veículo rodoviário contido no n.º 1 do art. 291º, é necessário o dolo relativamente a todos os elementos do tipo legal objectivo, incluindo, por conseguinte, a criação de perigo para os bens jurídicos enumerados. É suficiente, no entanto, o dolo eventual, pelo que basta que o agente tenha consciência do perigo decorrente da sua conduta para outras pessoas ou para bens alheios de valor elevado, e se tenha conformado com essa situação.
2 - Na medida em que se exige um perigo concreto, não bastando que ele represente que é fonte de um possível perigo (abstractamente entendido, portanto) ele terá que conhecer as circunstâncias das quais emana esse perigo e terá que o aceitar nos seus contornos concretos.

3 - De acordo com o n.º 2, do mesmo artigo (crime de combinação dolo-negligência em sentido próprio), o condutor terá que realizar de forma dolosa a intervenção que coloca em perigo o trânsito, mas criar esse perigo de forma negligente.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 1ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

I – Relatório
1 - No Proc. Comum com intervenção do Tribunal Singular N.º 184/06.4 GELLE, da Comarca de Faro, Loulé – Inst. Local – Secção Criminal – J1, foi julgado, o arguido:

DBG, (…) nascido em 11/10/1967, solteiro e residente em (…);

tendo sido proferida nova sentença (na sequência, de declaração de nulidade da anterior, proferida, por acórdão deste Tribunal da Relação de Évora, nos presentes autos, em sede de recurso, o qual determinou o cumprimento do disposto no artigo 358°, n.º l e 3 do CPP, e a subsequente prolação de nova sentença), que o condenou, pela prática em autoria material de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário p. e p. pelo artigo 291º n.º 2, por referência ao n.º 1, al, b) do Código Penal, e às contra-ordenações previstas nos artigos 4º, n.º 1, 13°, 16°, nº 1 e 145°, n.º 1, als. a) e e) (foi feita a correcção da consoante f, exarada, por lapso, para a vogal e, conforme resulta do ponto IV-“ Enquadramento jurídico penal”, da sentença recorrida e exige a correcta subsunção dos factos ao direito), todos do Código da Estrada:
- Na pena de multa de 100 (cem dias) dias, à razão diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz a quantia de € 500,00 (quinhentos euros);
- na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria pelo período de 3 (três) meses, nos termos do disposto no artigo 69, n.º 1, al. a) e n.º 2, do Código Penal.”

1.1 - No cumprimento do aludido acórdão deste Tribunal, o tribunal “a quo”, no decurso da audiência de discussão e julgamento, agendada para 06/02/2015, comunicou a alteração não substancial dos factos descrito na acusação, e deu a palavra ao mandatário do arguido, para se pronunciar, nos termos do n.º 1, do art. 358º, do CPP. Este requereu, apenas, prazo para a apresentação da defesa, sem qualquer discriminação numérica de dias.
De seguida, foi proferido o despacho seguinte: “Por ter sido requerido prazo para o exercício do direito da defesa, designa-se para continuação o próximo dia 13 de Fevereiro de 2015, pelas 14h e 30 minutos.”

2 - O arguido, inconformado, com estas decisões, delas interpôs recurso. Nas suas alegações, apresentou as seguintes conclusões:
2.1 - No que respeita ao recurso do despacho
a) Em 06.02.2015 o tribunal concedeu ao arguido prazo para o exercício do direito de defesa.

b) Em 13 de fevereiro de 2015 o prazo concedido, de 10 dias, ainda não se encontrava findo.

c) O despacho de 13 de Fevereiro de 2015 que deu por concluído nessa data o julgamento e proferiu sentença viola o direito de defesa do Arguido para cujo exercício lhe havia sido concedido prazo em 06 de Fevereiro.

Normas jurídicas violadas:
N.º 1, do art. 358º, do CPP;
N.º 1, do art. 105º, do CPP.”

2.2 - No que concerne ao recuso da sentença
“140.0 Tribunal deu como provado que devido ao facto de o arguido ter contornado a rotunda e entrado na Rua de F da forma supra descrita e, portanto, em sentido oposto ao legalmente estabelecido, vários condutores foram forçados a travar bruscamente os veículos que conduziam ( ... ) (sublinhado nosso).
141.Não resulta de todo provado, dos autos e da prova produzida em audiência de julgamento, que naquele dia, àquela hora, se encontrassem a circular vários veículos.
142.Existem dúvidas quanto à existência do veículo na citada rotunda onde o arguido circulou em sentido contrário ao legalmente estabelecido, que o arguido não viu nem ninguém viu, senão os militares da GNR, sendo que nem o condutor, nem o veículo foram identificados.
143.Ainda que, ao encontro da convicção do Tribunal, fosse de admitir a existência do referido veículo na rotunda, estaria em causa apenas um único veículo e não vários, como refere o Tribunal na douta sentença.
144.Não obstante, a versão do arguido é diferente, já que este afirma que só contornou a rotunda em sentido oposto ao legalmente estabelecido porque não se apercebeu da existência dessa mesma rotunda, já que anteriormente ela não existia naquele local, sendo que era hábito o arguido virar à esquerda quando ali passava.
145.O arguido apercebeu-se de que estava a entrar numa rotunda, quando já se encontrava a circular nela, porque não vinha nenhum veículo e para não ter um acidente, prosseguiu a marcha, só que em sentido contrário.
146.Afirma ainda que só contornou a rotunda em sentido oposto ao legalmente estabelecido porque não se apercebeu da existência dessa mesma rotunda, tendo em conta que anteriormente ela não existia naquele local, sendo que era hábito o arguido virar à esquerda quando ali passava.
147.É esta a versão dos factos apresentada pelo arguido ao minuto 00:11 da Gravação 20100518162453_150512_64705: - eu moro ali há vinte anos e há muito tempo que não passava ali devido a deveres profissionais e ao descer, antigamente aqui/o era uma estrada contínua, não havia rotunda e quando tava perto da rotunda já não deu para virar para o outro lado e para não ter um acidente passei para o lado esquerdo...
148.E ao minuto 00:30 refere - não vinha automóvel nenhum.
149.A questão de circularem vários veículos no percurso feito pelo arguido aquando da ocorrência dos factos, que, repita-se, o Tribunal deu como provado, suscitou algumas contradições e incertezas, bem patentes nos autos,
150.sendo certo que não se entende como é que o Tribunal sustentou a sua convicção para dar como provado que circulavam vários veículos. Senão vejamos,
151.Repita-se que a única viatura à qual os militares fazem expressa referência é à viatura que circulava na rotunda.
152.Neste sentido o depoimento de António N em audiência de julgamento, minuto 02:01­eu circulava numa viatura da Guarda Nacional Republicana acompanhado da testemunha o Guarda M quando ao aproximar-me numa rotunda lá em V eh ... circulava já uma viatura à nossa frente, portanto nós estávamos mesmo a entrar para a rotunda e circulava já uma viatura dentro da rotunda (...)
153.Neste sentido também a testemunha Nelson M no seu depoimento perante o Tribunal, ao minuto 01:41 - eu e o Sargento Ajudante, Comandante de Posto na altura, saímos do posto para fazer uma patrulha inopinada pela área de Vi/amoura. Chegámos a uma certa zona, deparamo-nos um citroen C3 azul, lembro-me disso, conduzido pelo Sr. Deodato, a efectuar uma rotunda em contra-mão, pondo em perigo na altura, como está escrito no auto de notícia, a circulação de uma viatura ali presente nessa rotunda (...)
154.Em auto de inquirição a fls. 32 o Sargento N refere que na data e hora da ocorrência não havia muito trânsito na via pública, mas circulavam alguns carros.
155.Sendo que posteriormente e já em sede de inquirição na audiência de julgamento não resulta do depoimento da testemunha António N que o arguido se tivesse cruzado com outros veículos naquele dia.
156.Por seu turno, também a testemunha Nelson M apresenta versões contraditórias a este respeito sendo que no auto de inquirição a fls. 29 referiu que o trânsito fluía normalmente.
157.Questionada sobre essa matéria, a testemunha Nelson M, responde peremptoriamente ao minuto 08:17 - não, não nos cruzámos com mais viaturas. E após alguma hesitação a mesma testemunha refere ao minuto 08:20 - julgo eu, se bem me lembro não nos cruzámos com mais viaturas.
158.a testemunha é peremptória na sua resposta, embora depois, por motivo desconhecido, hesite mas a resposta dada logo em seguida à pergunta é inequívoca.
159.0 Tribunal considerou provado que o arguido e consequentemente os militares da GNR que seguiam no seu encalce percorreram uma distância de cerca de 50 metros na Rua de F.
160.0ra, sendo verdade que seguiam na faixa contrária, certamente que ao cruzarem-se com outros veículos, estamos em crer que um embate ou um despiste seriam inevitáveis, quer da parte do arguido ou dos militares, que dos outros condutores, pela distância que foi percorrida, e como resulta dos autos, tal não sucedeu.
161.Segundo as regras da experiência, as pessoas tendem a memorizar situações nas quais se gerou um grande perigo de se verificar um acontecimento negativo nas suas vidas como seria o caso da possibilidade de ocorrer um acidente, portanto parece obvio que se os militares se tivessem cruzado com outros veículos durante o percurso realizado no encalce do arguido, e perante a possibilidade de se registar um acidente, certamente que os mesmos lembrar-se-iam do sucedido.
162.Seria aceitável que os militares não tivessem conseguido memorizar, por exemplo, as cores dos veículos com os quais eventualmente se tivessem, mas sem qualquer dúvida, não esqueceriam o facto de se terem cruzado com os mesmos,
163.sendo que do depoimento das duas testemunhas arroladas, repita-se, não resulta de todo que se tenham cruzado com outros veículos para além daquele que alegadamente circulava na rotunda.
164.Portanto desconhece-se e impugna-se o motivo pelo qual o Tribunal deu como assente que àquela hora, naquele percurso circulavam vários veículos, entendendo-se que o Tribunal não procedeu à devida fundamentação acerca do que o terá levado a fixar este facto como assente.
165.Sem olvidar a versão do próprio arguido que é bem diferente daquela apresentada em alguns momentos do processo pelos militares. Como já aqui foi referido, segundo o arguido, que o Tribunal considerou não ser credível, não se encontrava nenhuma viatura a circular na rotunda, nem no resto do percurso até à imobilização do veículo.
Porque não resulta provado que circulassem outros veículos, consequentemente também não resulta provado que a vida e o bem-estar físico dos outros condutores tenham sido postos em causa pela conduta do arguido.
167.Vê-se mal que a vida ou o bem-estar físico de alguém seja posto em causa por uma pessoa, num determinado local, se aquela primeira não se encontra nesse referido local.
168.Não se conforma igualmente o arguido com o ponto 5. da sentença pelos motivos já aqui referidos, sendo que, se não resultou provado que se encontrassem outros veículos a circular àquela hora e naquele local, certo é que também não existiu qualquer risco de destruição para esses veículos, simplesmente porque eles não se encontravam no local...
169.Nem se conforma com o ponto 6. da douta sentença porque o arguido não agiu deliberada, livre e conscientemente, com intenção de violar as regras (...) bem sabendo, nas palavras do tribunal, que tal conduta era susceptível de criar, como criou, risco para a vida ou de produção de lesões físicas, nos condutores dos veículos automóveis que consigo se cruzassem, assim como, de destruição de tais viaturas, que circulavam naquele local.
170.Com o devido respeito, com esta fundamentação "desfundamentada " o Tribunal retrata uma conduta que se afasta daquilo que realmente se passou, ficando no ar a ideia de que o arguido é uma pessoa fria e calculista que andou naquela zona dos caminhos do G em sentido contrário, sendo-lhe indiferente se matava ou feria alguém.
171.0ra não foi isso que se passou pois que se o Tribunal não considerou credível a versão dos factos apresentada pelo arguido, o mesmo deveria ter sucedido com as versões contraditórias apresentadas pelos militares da GNR, as quais foram determinantes para a formação da convicção do Tribunal e para a consequente condenação do arguido.
172.Mais, estamos em crer, salvo melhor opinião, que não há qualquer indício no processo que prove sequer uma conduta dolosa, em nenhuma das modalidades, por parte do arguido.
173.Aliás é o próprio Tribunal quem a fls. 128, já no âmbito da sentença, que considera o seguinte,­ no caso em apreço nos autos, o arguido não representou e afastou a possibilidade de criação de um perigo para os bens jurídicos em causa ao nível do perigo, pelo agiu com negligência, o que diminuía respectiva punição (...)
174.Mais, atento ao exposto pelo Tribunal sobre o arguido não ter representado e ter afastado a possibilidade de criação de um perigo para os bens jurídicos em causa, dir-se-á que, em bom rigor, e a existir negligência, será numa modalidade atenuada já que negligência é o elemento subjectivo do tipo de crime que consiste na violação do dever de diligência que sobre o agente (sobre todas as pessoas) impende, isto é, na omissão das cautelas necessárias para que o facto típico não ocorra. De acordo com o artigo 15º, do C.P., age com negligência quem - por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz ­representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime, mas actuar sem se conformar com essa realização (negligência consciente) ou não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto (negligência inconsciente) - in Dicionário Jurídico, Volume fi, Almedina, página 296.
175.Ora a grande diferença entre o dolo e a negligência é o elemento volitivo sendo que, in casu, esse elemento volitivo não existiu.
176.Não se compreende como é que o Tribunal, apesar de considerar ter existido negligência do arguido, dá por assente que o arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, com intenção de violar as regras (...) bem sabendo, que tal conduta era susceptível de criar, como criou, risco para a vida ou de produção de lesões físicas, nos condutores dos veículos automóveis que consigo se cruzassem, assim como, de destruição de tais viaturas, que circulavam naquele local.
177.Nada aponta nesse sentido e o próprio arguido nas declarações que foi fazendo ao longo do processo, admitindo embora ter circulado em sentido contrário na dita rotunda, sempre ressalvou que não o fez com intenção. Referindo o mesmo que tal se deveu a uma distracção.
178. O próprio arguido referiu não se encontrar qualquer veículo a circular na dita rotunda quando ele por lá passou, tendo frisado que embora reconhecendo corresponder à verdade ele ter contornado a rotunda em sentido contrário, tal apenas se deveu a uma distracção resultante do facto de anteriormente não existir ali nenhuma rotunda, sendo que, sempre que por ali passava, era hábito virar à esquerda.
179.0 próprio arguido imobilizou espontaneamente o seu veículo quando se apercebeu que a GNR seguia atrás de si,
180.Versão que foi confirmada pela testemunha Nelson M quando foi questionada sobre esta matéria, tendo respondido, ao minuto 06:14 - já não me lembro se foi nessa rua, se foi ... ele parou logo, ele depois quando se … percebeu da perseguição com as sirenes parou. (sublinhado nosso)
181.Portanto do que foi aqui exposto, estamos em crer que arguido não é aquela pessoa que agiu deliberada, livre e conscientemente, com intenção de violar as regras (...) bem sabendo, nas palavras do tribunal, que tal conduta era susceptível de criar, como criou, risco para a vida ou de produção de lesões físicas, nos condutores dos veículos automóveis que consigo se cruzassem, assim como, de destruição de tais viaturas, que circulavam naquele local.
182.Acresce o facto de o arguido nunca ter, anteriormente, cometido semelhante crime.
183.Circunstâncias que o Tribunal não levou em consideração quando decidiu condenar o arguido como fez.
184.OTribunal assentou a sua convicção com base nos autos e nos depoimentos contraditórios das testem unhas, sendo certo que muitas são as incongruências neste processo, do qual resultou a condenação do arguido.
18S.Dúvidas subsistem sobre o que verdadeiramente terá ocorrido naquele dia 28 de Março de 2006.
186.Foi neste contexto de incertezas e incongruências que o Tribunal formou a sua convicção.
187.Diremos ainda que atenta a prova reunida e produzida, não se deveria ter verificado a condenação do arguido, sendo que, perante tantas dúvidas, este deveria ter sido absolvido por aplicação do princípio basilar do direito processual penal - o princípio in dubio pro reo, o qual decorre do princípio constitucionalmente consagrado da presunção de inocência.
Mais, não sendo por aplicação do princípio in dubio pro reo, o arguido nunca deveria ter sido condenado por ter contornado a rotunda em sentido contrário, desde já porque esta situação em concreto não se encontra elencada no artigo 2912 do Código Penal,
189.Sendo que não pode haver lugar a uma interpretação extensiva da lei penal, nos termos do disposto n.2 1 do artigo 12 do Código Penal.
190.Se assim não se entender, sempre se dirá que decidindo como decidiu, o Tribunal a quo, não fez correcta interpretação dos factos, nem tão pouco uma correcta subsunção dos mesmos às normas jurídicas.
191.0 Tribunal dá como provados factos sobre os quais recaem as maiores reservas e contradições, alguns dos quais não lograram sequer provar-se.
192.E nesta sequência, dir-se-á que a própria fundamentação da sentença de condenação é nitidamente insuficiente, sendo imperceptível a forma como o Tribunal formou a sua convicção, desde já porque dá como assentes factos que em bom rigor ficaram longe de se considerar assentes em virtude da prova reunida e produzida, pense-se a este propósito o facto de ter sido dado por assente que circulavam vários veículos aquando da ocorrência dos factos, sendo que tal não resulta dos elementos de prova.
193.Mais o Tribunal dá como provada uma acusação toda ela apoiada em contradições que igualmente não lograram provar-se.
194.Acresce que não se entende como é que duas testemunhas que se encontravam na mesma viatura, naquele local, no mesmo dia, à mesma hora, relatam versões dos factos tão contraditórias.
195.Estamos em crer que, a análise do processo na íntegra com audição de gravações do julgamento, não deixam dúvidas do aqui alegado acerca das contradições deste processo.
196.Não se conforma o arguido com a condenação atento ao supra exposto,
197.0a qual resultou a aplicação de uma pena de multa e de uma pena acessória, sendo manifestamente excessiva.
198.Também não foi devidamente tomado em conta o facto de não terem sido causados quaisquer danos humanos e/ou materiais, e o facto de o arguido não ter antecedentes criminais e de nunca antes ter cometido este crime.
199.Pelas razões supra expostas, o arguido não deveria ter sido condenado.
NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS
Artigo 291º n.º 2 por interpretação extensiva deste normativo legal, uma vez que, em concreto, não se encontra prevista a hipótese de condução em sentido contrário numa rotunda
2. Artigo 291º n.º 1 al. b) ex vi do Artigo 291º n.º 2
Artigo 1º, n.º 1 do Código Penal na medida em que não foi respeitada a proibição de efectuar interpretações extensivas da lei penal.
Caso assim se não entenda:
Artigo 15º do Código Penal na medida em que tal norma jurídica não foi devidamente tomada em consideração aquando da aplicação da pena que se considera excessiva, sendo que a conduta negligente atenua (ou devia atenuar) a respectiva punição.
Artigo 71º n.º 1 daquele dispositivo legal na parte em que as exigências de prevenção especial eram reduzidas no caso em apreço.
Artigo 71º n.º 2 por se considerar que na determinação concreta da pena embora as tenha enumerado, o tribunal não atendeu a todas as circunstâncias, concretamente no tocante a:
al. a) na parte em que não foi devidamente levado em conta a inexistência de consequências da conduta;
II. al. b) na parte em que não foi devidamente tomada em consideração na aplicação da pena a negligência;
III. al. c) relativamente aos sentimentos manifestados no cometimento do crime, sendo que o arguido no caso em apreço manifestou não ser sua intenção causar qualquer dano ou prejuízo com a sua conduta;
IV. d) relativamente à total integração do arguido na sociedade;
al. e) na parte em que não foi devidamente levado em conta a inexistência de antecedentes criminais, não tendo sido levado em conta a conduta posterior.
Artigo 374º, n.º 2 do Código de Processo Penal na medida em que se considera não existir uma fundamentação completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal
Artigo 32º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (...), no sentido em que tendo havido violação do princípio in dubio pro reo, poder-se-à considerar ter havido violação da presunção de inocência.
Assim,
Deverá ser revogada a douta sentença proferida pela Meritíssima Juíza de Direito do Tribunal a quo que condenou o arguido DBG pela prática em autoria material de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário p. e p. pelo artigo 291º n.º 2 do Código Penal, na pena de multa de cem dias, à razão diária de cinco euros, perfazendo a quantia de 500,00 euros (quinhentos euros); condenado ainda na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria pelo período de três meses, nos termos do disposto no artigo 69º n.º al. a) e n.º 2 do Código Penal.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá ser revogada a sentença de condenação ora em crise.
ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA! ”.

3 - O M.ºP.º apresentou a sua resposta, concluindo:
3.1 - No que respeita ao recurso do despacho
1. O n°.1 do art. 358° do Código de Processo Penal não estipula a duração do prazo para a preparação da defesa.
2. Esse prazo deverá ser o estritamente necessário para aquela finalidade.
3. Não tem aplicação a esta situação o preceituado no n.º.1 do art. 105° do Código de Processo Penal.
4. Nada impede que o prazo concedido para preparação da defesa seja superior ou inferior a dez dias, dependendo da complexidade do processo e das necessidades da defesa.
5. O Tribunal concedeu ao arguido o prazo que entendeu suficiente.
6. O arguido nenhuma objecção apresentou quanto à duração desse prazo, pelo que terá de concluir-se que o reputou de suficiente.
7. Não se vislumbra em que possa ter sido beliscado o seu direito de defesa.
8. Por tudo o exposto/deve o despacho recorrido ser confirmado e, em consequência, negar-se provimento ao recurso.
No entanto, Vossas Excelências ponderarão e farão, como sempre, justiça.

3.2 - No que concerne ao recurso da sentença
“1. O Tribunal fez um correcto apuramento e valoração da matéria de facto, e a Mma. Juíz a quo fundamentou com suficiência e rigor de critério, fáctica e juridicamente, a sua decisão.
2. Não resulta, da matéria de facto, a existência de qualquer contradição entre depoimentos.
3. As testemunhas que foram inquiridas prestaram depoimentos coerentes e credíveis.
4. O arguido tem direi to ao silêncio e não se encontra sujeito ao dever de obediência à verdade.
5. A convicção do Tribunal alicerçou-se no conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, com apreciação crítica das provas documental e testemunhal, e de acordo com as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador.
6. A matéria de facto dada como provada não deixa quaisquer dúvidas quanto à qualificação jurídico-penal dos factos dados como provados pelo Tribunal.
7. Analisando os depoimentos das testemunhas, forçoso é concluir-se pela inexistência de qualquer discrepância com a matéria de facto dada como provada.
8. Por tudo o exposto, deve a sentença recorrida ser confirmada e, em consequência, negar-se provimento ao recurso.
No entanto, Vossas Excelências ponderarão e farão, como sempre, justiça.”

3 - Neste Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta após o seu visto.

4 - Foram colhidos os vistos legais.

5 - Cumpre decidir.


II - Fundamentação
2.1 – O teor da decisão recorrida, na parte que importa, é a seguinte:
“I. Factos provados
Produzida a prova e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
1- No dia 28 de Março de 2006, cerca das 16:00 horas, na zona dos Caminhos do G, em V, área desta Comarca, o arguido conduzia o veículo de matrícula 00-00-UJ, de marca Citroen, modelo C3, ligeiro de mercadorias.
2- Nessa ocasião e lugar, o arguido, ao volante daquele automóvel, contornou uma Rotunda ali existente, no sentido da movimentação dos ponteiros do relógio, vindo a entrar na Rua de F, também em sentido contrário ao do trânsito que percorreu, e entrou na Rua da A local onde imobilizou o veículo após ter sida interceptado pela GNR que seguia em perseguição.
3- Devido ao facto de o arguido ter contornado a rotunda e entrado na Rua de F da forma supra descrita e, portanto, em sentido oposto ao legalmente estabelecido, os condutores das viaturas que aí seguiam foram forçados a travar bruscamente os veículos que conduziam para evitar a ocorrência de um embate frontal com o veículo conduzido pelo arguido, mais concretamente, o veículo que antecedia o veículo de patrulha e este.
4- Agindo conforme descrito, o arguido infringiu regras de circulação rodoviária, tais como a de velocidade e do sentido de trânsito, colocando, desse modo, em risco a vida e o bem ­estar físico dos demais utentes daquela via, concretamente, do condutor do veículo que circulava na rotunda.
5- Gerou, ainda, um risco de destruição dos veículos automóveis que, nesse momento, circulavam naquele local, concretamente, o veículo que antecedia o veículo patrulha da GNR.
6- O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, violando as regras de trânsito acima mencionadas, nomeadamente, obrigação de paragem c circulação nas rotundas e de circulação na via pública quanto à obrigatoriedade de circulação pela direita e posição de marcha, regras que conhecia, bem sabendo que tal conduta era susceptível de criar, como criou, risco para a vida ou de produção de lesões físicas, nos condutores dos veículos automóveis que consigo se cruzassem, assim como, de destruição de tais viaturas, que circulavam naquele local.
7- O arguido agiu como descrito sabendo que se encontrava a conduzir a uma velocidade excessiva e desadequada para as condições da via e não desconhecendo que devia moderar especialmente a velocidade ao entrar numa rotunda o que optou por não fazer, podendo e devendo adoptar outra conduta, e sabendo ainda que tal conduta era apta a colocar em risco a integridade física do condutor do veículo com o qual se cruzou e bens patrimoniais de valor considerável tais como a viatura com que se cruzou e a viatura da GNR, todavia não se conformando com a sua verificação.
8- Isto é, o arguido sabia e estava consciente de que não podia conduzir da forma em que o fez, mas não representou, ou afastou a possibilidade de criação de perigo para os bens jurídicos em causa.
Mais se provou que:
9 - O arguido trabalhava à data dos factos na manutenção no Hotel Atis.
10 - Aufere € 600,00 e residia sozinho.
11 - Despendia mensalmente a quantia de € 160,00 com a amortização de um empréstimo.
12 - Tem o 10° ano de escolaridade.
13 - Não tem antecedentes criminais.
2. Não se provou que:
a) Os factos tivessem ocorrido às 16:30 horas.
b) Se encontrassem outros veículos a conduzir no interior da Rotunda.
c) Que tivesse conduzido em contramão cerca de 50 metros.
d) Que o arguido sabia que tal conduta era susceptível de criar, o que representou e quis, risco para a vida ou de produção de lesões físicas nos condutores dos veículos automóveis que consigo se cruzassem, assim como, de destruição de tais viaturas, que circulavam naquele local.

*
Nada mais se provou com relevância para a decisão da causa.
3. Motivação da decisão de facto
O Tribunal assentou a sua convicção no conjunto da prova produzida, nos documentos constantes dos autos, designadamente, no Auto de Notícia a fls. 5 e 6, conjugados com o depoimento das testemunhas (militares da GNR), António Campos N e Nelson M inquiridos em audiência de julgamento e ainda no CRC a fls. 186, quanto aos antecedentes criminais do arguido.
O arguido usou, inicialmente, do direito de não prestar declarações, tendo prestado declarações a final, não tendo contudo as mesmas consideradas credíveis as suas declarações pelas razões que adiante se apontarão.
Do depoimento das testemunhas arroladas na acusação que descreveram com bastante pormenor os factos em causa, o tribunal deu por provada a quase totalidade da acusação, com excepção da factualidade relativa ao número de veículos em circulação, a hora em concreto em que os factos ocorreram e a distância percorrida pelo arguido, conjugando tais depoimentos com o auto de notícia.
Quanto à data e local da ocorrência o tribunal fundou-se no auto de notícia, no ofício a fls. 2 e 3 qua dá conta que o arguido foi detido pelas 17:30 horas; pela data e hora constante do TIR assinado pelo arguido, a fls. 8; no auto de interrogatório assinado pelo arguido, a fls. 10; e ainda pelo ofício do INEM, de fls. l 6 onde consta que o pedido de assistência foi feito no dia 28.3.06, pelas 15:50 horas. Os factos terão ocorrido cerca das 16 horas do dia 28.3.06, não muito antes, sendo certo que o arguido nas declarações que posteriormente prestou se colocou nas circunstâncias de tempo e lugar referidas na acusação, não negando ter conduzido em contramão na rotunda a uma velocidade superior à legalmente permitida (referiu 55 km/h). Como se verá, o arguido apenas não admitiu ter-se cruzado com qualquer outra viatura, nem com o próprio carro patrulha.
A testemunha Nelson M foi esclarecedor e o seu depoimento muito pormenorizado. Descreveu o local onde os factos ocorreram, em V, conseguindo situá-los e descrevendo a condução do arguido desde a altura em que avistou o veículo até ao momento da intercepção. Identificou igualmente a marca e modelo da viatura do arguido e a respectiva cor. Afirmou que se encontrava de patrulha com o Sargento-Ajudante N, Comandante do Posto da GNR de Q e que avistaram o arguido a conduzir um Citroen C3 azul em alta velocidade e a entrar na rotunda situada nas proximidades dos Caminhos do Ge em contramão. Esclareceu que o arguido entrou na Rotunda na diagonal do lado esquerdo e à direita na via onde seguiam no carro patrulha, pelo que inverteu a marcha e seguiu em perseguição do arguido com os rotativos ligados, vindo o arguido a imobilizar o veículo após uma curva, cerca de 2 km depois, onde foi detido.
Com interesse para a decisão, referiu que o arguido se cruzou com um veículo que teve de travar bruscamente para evitar uma colisão frontal. Disse ainda que fora das rotundas, onde o arguido conduziu em contramão, conduzia ao cento da via ocupando as duas faixas de trânsito.
Referiu igualmente que a seguir à Rotunda se encontravam peões na estrada, que não tem passeios.
Esta testemunha disse ainda em julgamento não se recordar de se terem cruzado com outras viaturas, apenas pessoas, por já terem decorrido cerca de 4 anos desde os factos.
Porém, quando prestou depoimento em sede de inquérito, e portanto em data mais próxima dos factos, a testemunha afirmou que "àquela hora o trânsito fluía normalmente e havia inúmeros transeuntes a circularem na rua", (cfr. auto de inquirição da testemunha a fls. 29). Sucede que, não foi requerida a leitura do depoimento da testemunha (cfr. artigo 356°, n." 2, al. b) e 5 do CPP na redacção da Lei 20/2013) pelo que não poderá ser valorado pelo tribunal o depoimento prestado pela testemunha lavrada no auto em causa, de acordo com o disposto no artigo 355º, n.º 1 e 2, do CPP, na parte em que referia existir trânsito.
Assim, porque a testemunha não se recordou em julgamento de o arguido se ter cruzado com outros veículos e porquanto o depoimento do Sargento-Ajudante N não confirmou igualmente esta circunstância não poderá ser considerada assente tal factualidade.
Quando confrontada com o auto de notícia a testemunha Nelson M Nelson M explicou que entre os Caminhos do Ge e a Rua da A o arguido percorreu cerca de 2 km e que, no interior da rotunda e ao entrar na Rua da F, circulou em contramão, todavia, o tribunal não ficou seguro que o arguido tivesse percorrido e m contramão uma distância de 50 metros, por não terem sido realizadas medições.
Efectivamente, consta do auto de notícia - que embora não tendo força probatória plena, vale como prova documental, e cujo teor não foi validamente impugnado - que: "no dia 28 de Março de 2006, pelas 16H30, quando efectuava uma patrulha auto acompanhado da testemunha, ao circular nos Caminhos do G em direcção à Rua de Itália, estando já para iniciar a rotunda, circulando um veiculo à nossa frente a efectuar a rotunda, deparámo-nos com um veiculo que circulava em sentido oposto ao legalmente estabelecido e a uma velocidade fora do normal "em grande velocidade". O veículo que circulava à nossa frente, ao aperceber-se da presença de outro veículo em sentido contrário travou, tendo o veículo de marca Citroen, modelo C3, ligeiro de mercadorias, Citroen C3 de cor azul de matrícula 00-00-UJ, passado imediatamente à frente desse veículo. Até ser interceptado o condutor andou em sentido contrário na Rua dos Caminhos do G cerca de 20 metros, passou a rotunda em sentido contrário, só não colidiu com o veículo que já circulava na mesma porque o condutor deste travou, continuou pela Rua da F em sentido contrário, cerca de 50 metros, entrou pela Rua da A sem que em qualquer momento tivesse respeitado qualquer regra de trânsito e sempre a uma velocidade excessiva, visto ser uma zona habitacional.
De imediato iniciámos uma perseguição à viatura em causa, com sirenes e rotativos ligados, vindo condutor do já referido veiculo a imobilizá-lo na intercepção da Rua de A junto ao aldeamento Fontes, em V.
Dado que o condutor pôs em perigo os restantes utentes da via, chegando mesmo a pôr em perigo de vida os ocupantes do veículo que seguia à nossa frente, foi iniciada uma fiscalização à viatura e ao condutor. "
Na verdade, tendo o arguido conduzido no interior da Rotunda em contramão cerca de 20 metros e ainda na Rua da F cerca de 50 metros, teríamos de concluir que circulou em contramão um percurso superior ao que consta da acusação. No entanto tal é irrelevante para a subsunção dos factos ao direito, bastando que se apure que, por ter circulado em contramão - independentemente da distância percorrida ~ colocou em perigo o condutor de outro veículo.
Também o Sarg.º Ajudante António N, que era à data dos factos Comandante do Posto de V, afirmou que se encontrava de patrulha com o Guarda M e que avistaram o arguido a conduzir em sentido contrário numa rotunda obrigando o condutor da viatura que circulava em frente à sua foi obrigado a parar bruscamente, pelo que ligaram os rotativas e as sirenes e foram em sua perseguição. Referiu que o arguido circulava a uma velocidade desadequada e muito superior à permitida naquela zona, tratando-se de uma zona habitacional. Referiu que no local falaram com uma testemunha que afirmou ter sido quase atropelado pelo arguido no dia anterior, o que é corroborado pelo auto de inquirição da testemunha RC a fls. 13 e 50 dos autos.
Mais referiu ter a certeza absoluta (gravação 10:43 às 16:46 horas) que o arguido colocou em perigo a integridade física do condutor do veículo da frente, que teve de parar, e a integridade física dos peões que seguiam na estrada e pôs igualmente em risco a viatura da GNR, conduzindo em excesso de velocidade e em sentido oposto ao legalmente permitido. Embora o tribunal não possa valorar, veja-se que quando prestou depoimento no inquérito e portanto em data mais próxima dos factos, a testemunha havia referido haver trânsito: "Que, alguns metros mais á h-ente junto do local onde o SI". Deodato foi interceptado, passeavam dois transeuntes na rua e estes ao verem a viatura do Dr. Deodato a circular a grande velocidade em sentido contrário, fugiram de forma evitar o perigo para sua integridade física (estes sujeitos não foram identificados). Adianta que na data e hora da ocorrência não havia muito trânsito na via pública, mas, circulavam alguns carros."
O tribunal concluiu do conjunto da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento (Desconsiderando os depoimentos prestados pelas testemunhas e as declarações do arguido prestados em inquérito, (artigo 356°, n,º 2, al. b) e 5, do CPP) que o arguido conduzia a uma velocidade desadequada ao local e superior à legalmente permitida de 50 km/h, designadamente com fundamento no depoimento da testemunha M que afirmou que teve de conduzir a alta velocidade para conseguir interceptar o arguido, num Nissan Almera, estimando que o arguido conduzisse a cerca de 90 km/h.
Da insuficiência dos meios de prova produzidos, como se viu, por não se poder valorar o depoimento das testemunhas prestado em inquérito e porque não o referiram em audiência de julgamento, não se deu por provado que o arguido se tivesse cruzado com outros veículos que não o veículo da patrulha e o que o antecedia.
Mas não se coloca a dúvida de que o arguido conduziu a velocidade excessiva, superior a 50 km/h e em contramão, antes de ser interceptado pela GNR porquanto o arguido admitiu tal circunstancialismo no final do julgamento quando decidiu prestar declarações.
Efectivamente, no final do julgamento declarou o arguido que vivia em V mas que na última vez que passou no local ainda não tinha sido construída a Rotunda. Ora, isto é uma contradição e retira credibilidade ao arguido, mas sem se valorar o depoimento prestado por RC em inquérito. Ou seja, se reside nas imediações não é provável que não conheça o local. Também, não será por acaso que o arguido praticou várias contra-ordenações, cujas cópias se encontram a fls. 38 a 40 dos autos, ou seja, também noutras ocasiões o arguido violou normas estradais.
Apesar de ter dito que não se encontrava a circular a mais de 55 km/h, no que não foi credível, aliás, as testemunhas inquiridas fizeram prova do contrário - porquanto se viesse a circular a uma velocidade moderada teria tido tempo para se aperceber da Rotunda evitando entrar na mesma em contramão. Mas mesmo que tivesse conduzido à velocidade que referiu, a mesma já é acima da legalmente estabelecida para o local, ao que acresce que os condutores são obrigados a moderar especialmente a velocidade à entrada das rotundas. Por outro lado, o arguido disse igualmente em declarações que resolveu entrar na Rotunda em sentido contrário para evitar um acidente. Ora, se circulasse a uma velocidade adequada, teria conseguido parar a viatura ao avistar a Rotunda, o que retira credibilidade ao alegado.
O arguido diz que não viu nenhum veículo, ou seja, não viu igualmente o carro patrulha da GNR antes de ser interceptado, o que é completamente incredível.
Ora, como resulta do artigo 140°, n.º 3, do CPP o arguido não presta juramento e nem sequer é obrigado a prestar declarações nem está sujeito ao dever de verdade (cf. artigo 343°, do CPP) como sucede com as testemunhas que, caso faltem à mesma, incorrem em responsabilidade criminal (cf. artigo 91°, n." 1 e 3, do CPP). Pelo exposto, porquanto as declarações do arguido não foram credíveis em si mesmas e nem encontraram suporte em qualquer outro meio de prova, pelo que se deu por provada a factualidade supra (Da leitura do inquérito e nomeadamente do auto de inquirição do pai do arguido (fls. 12) - que manifesta preocupação pelo facto de o arguido conduzir apesar de ser esquizofrénico e não estar a tomar medicação e estar a consumir estupefacientes - e bem assim do da testemunha RC e que encontra suporte nas cópias dos autos de contra-ordenação a fls. 37 a 40, parece resultar que o arguido repetira a conduta em causa nos autos nos dias anteriores. Porém, o conhecimento do tribunal está delimitado pelo objecto do processo definido no despacho de acusação sendo vedada a valoração dos depoimentos prestados em inquérito, pelo que não se tomaram em consideração estes factos acabados de referir na factualidade assente nem, consequentemente, tiveram influência na decisão.
Quanto aos antecedentes, o arguido respondeu em julgamento ter pendente um processo criminal, mas desconhece-se se transitou em julgado e não obstante nos autos de interrogatório ter declarado já ter estado preso o tribunal valorou exclusivamente o teor do CRC do arguido”.

2.2 - O registo magnetofónico da prova permite, a este tribunal de recurso, além de sindicar a matéria de facto (desde que o recorrente dê cumprimento ao disposto no art. 412º ns. 3 e 4, do C.P.P.) apreciar as questões de direito avançadas pelo recorrente (Cfr. art. 428º, do mencionado compêndio adjectivo) e fazer a apreciação de eventuais vícios do art. 410°, n.º 2 CPP ou de nulidades que não devam considerar-se sanadas. E dentro destes limites, são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso (art. 412°, n.º 1 CPP), uma vez que as questões submetidas à apreciação da instância de recurso são as definidas pelo recorrente.
São as conclusões que irão habilitar o tribunal superior a conhecer dos motivos que levam o recorrente a discordar da decisão recorrida, quer no campo dos factos quer no plano do direito.
Ora, as conclusões destinam-se a resumir essas razões que servem de fundamento ao pedido, não podendo confundir-se com o próprio pedido pois destinam-se a permitir que o tribunal conhecer, de forma imediata e resumida, qual o âmbito do recurso e os seus fundamentos.
Não pode o tribunal seleccionar as questões segundo o seu livre arbítrio nem procurar encontrar no meio das alegações, por vezes extensas e pouco inteligíveis, o que lhe pareça ser uma conclusão.
As conclusões constituem, por natureza e definição, a forma de indicação explícita e clara da fundamentação das questões equacionadas pelo recorrente e destinam-se, à luz da cooperação devida pelas partes, a clarificar o debate quer para exercício do contraditório, quer para enquadramento da decisão.

2.3 - Feita esta introdução de âmbito geral e analisadas as conclusões de recurso, facilmente se constatará que o recorrente alega o seguinte:
2.3.1 - No que respeita ao recurso do segundo despacho proferido na acta de audiência de discussão e julgamento de 06/02/2015
Violação:
Do direito de defesa do Arguido por não lhe ter sido concedido o prazo de dez dias para o seu exercício;
Normas jurídicas seguintes:
N.º 1, do art. 358º, do CPP;
N.º 1, do art. 105º, do CPP
2.3.2 - No que concerne ao recurso da sentença condenatória
- Pretensão de impugnação da matéria de facto, nomeadamente, no que concerne ao ponto n.º 1 a 8, da matéria de facto provada;
- Violação do princípio in dúbio pro reo”;
- Nulidade da sentença por insuficiência da fundamentação;
- Errada graduação das penas, por excessivas.
Violação dos arts.:
- 1º, n.º 1, 15º, 71º n.ºs. 1 e 2, 291º n.ºs. 2 e 1, al. b) “ex vi” do Artigo 291º n.º 2
do Código Penal;
- 374º, n.º 2 do Código de Processo Penal; e,
- 32º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.

2.4 - Questões dos recursos
2.4.1 - No que respeita ao recurso do mencionado despacho
O arguido/recorrente alega que "Em 06.02.2015, o tribunal concedeu ao arguido prazo para o exercício do direito de defesa", que "Em 13 de fevereiro de 2015, o prazo concedido, de 10 dias, ainda não se encontrava findo" e que "O despacho de 13 de Fevereiro de 2015 que deu por concluído nessa data o julgamento e proferiu sentença viola o direito de defesa do Arguido para cujo exercício lhe havia sido concedido prazo em 06 de Fevereiro", conforme as conclusões da sua motivação.
Desde já, afirmamos que não lhe assiste razão!
É fundamental, para assentar esta afirmação, atender à previsão do art. 358º, do CPP, que sobre a epígrafe “Alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia”, preceitua:
“1 - Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.
2 - Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa.
3 - O disposto no n.º 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.”
No caso “sub judice”, tal como referido no ponto 1.1 “No cumprimento do aludido acórdão deste Tribunal, o tribunal “a quo”, no decurso da audiência de discussão e julgamento, de 06/02/2015, comunicou a alteração não substancial dos factos descrito na acusação, e deu a palavra ao mandatário do arguido, para se pronunciar, nos termos do n.º 1, do art. 358º, do CPP. Este requereu, apenas, prazo para a apresentação da defesa, sem qualquer discriminação numérica dos dias pretendidos.
De seguida, foi proferido o despacho seguinte: “Por ter sido requerido para o exercício do direito da defesa, designa-se para continuação o próximo dia 13 de Fevereiro de 2015, pelas 14h e 30 minutos.”
A concessão do prazo para a preparação da defesa foi deferida. O prazo foi concedido, sem oposição ou contestação do arguido e seu mandatário, presentes.
A duração deste prazo não se encontra estabelecida, podendo ir de alguns minutos a até dez dias, de acordo com a complexidade e abrangência da preparação do exercício dessa finalidade.
O arguido e o seu mandatário, que estavam presentes, como já referido, nessa sessão de audiência de discussão e julgamento, caso considerassem que o prazo concedido era parco, deveriam, nesse momento, ter solicitar um prazo maior. Não se entende o motivo pelo qual nada disseram, mesmo até, posteriormente, em 13/02/2015, no decurso da continuação da audiência de discussão e julgamento e prolação da sentença. Só decorridos vários dias (treze mais propriamente), após a prolação da sentença é que interpuseram recurso desse despacho, isto é, em 26/02/2015, em simultâneo com a data da interposição de recurso da sentença.
Entende o MºPº, na sua resposta, que “…ao invés do que pretende o arguido/é nossa opinião que o prazo a que se refere o n.º l do art. 105° do Código de Processo Penal se não aplica à situação em apreciação.
Com efeito, o regime estipulado no art. 358° do mesmo diploma legal não prevê, como se referiu, nem um prazo mínimo nem um prazo máximo para preparação da defesa.
(…)
No caso dos autos, o Tribunal concedeu ao arguido o prazo que entendeu suficiente, e o arguido nenhuma objecção apresentou quanto à dura­ção desse prazo/pelo que terá de concluir-se que o reputou de suficiente.”
Nós entendemos, como já referido, que, efectivamente, o juiz pode conceder, para essa finalidade, desde que requerido, um prazo até dez dias.
Neste mesmo sentido, entre outros, Paulo P. de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, 2ª edição actualizada, 2ª anotação ao art. 358º, referindo: “Estando o arguido presente o juiz pode interrogá-lo sobre os factos novos. O juiz concede ao arguido, sendo requerido, um prazo até dez dias, para alegação e apresentação de prova, com o consequente adiamento do debate, se necessário…”.
A conclusão a retirar foi que o prazo concedido não violou o direito de defesa do Arguido, para cujo exercício lhe havia sido concedido.
Concluindo, o recorrente, neste segmento, carece de razão.

2.4.2 - Outras questões do recurso referente à sentença condenatória.
2.4.2.1 - Primeira questão
Nos termos do disposto no artigo 428º, do C.P.P., o Tribunal da Relação, em fase de recurso, pode apreciar da matéria de facto e de direito, nos termos retro apontados.
No que respeita ao objecto de recurso sobre a questão de facto, a apreciação da prova, baseada nas regras da experiência comum e na livre convicção feita pelo tribunal de 1ª instância poderia ser censurada por este tribunal, pois existe documentação das declarações prestadas no decurso da audiência de discussão e julgamento.
Contudo, é necessário verificar se o recorrente deu, ou não, cumprimento ao disposto no art. 412º ns. 3 e 4, do C.P.P.
O n.º 3, deste preceito legal - 412º, do C.P.P. estabelece que, quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto deve especificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e bem assim as provas que impõe decisão diversa da recorrida e as que devem ser renovadas.
O n.º 4, refere que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas als. b) e c), do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2, do ar. 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação.”.
A lei é exigente relativamente a essa impugnação.
O julgamento efectivo foi realizado no Tribunal da 1ª instância.
Neste Tribunal de recurso o que releva é a apreciação da regularidade do julgamento e não a realização de um efectivo e verdadeiro segundo julgamento. Tanto assim é que a própria lei, no art. 430º, do C.P.P., só permite a renovação da prova quando se verifiquem os vícios do art. 410º n.º 2, do referido compêndio adjectivo, portanto, quando do teor do texto da decisão judicial decorra a verificação de qualquer dos vícios aí apontados, v.g., insuficiência, contradição ou erro.
O que a lei exige é que se indiquem provas que imponham decisão diversa e não que permitam outra decisão.
E tal exigência é dada, como é referido nos Acs. desta Relação Ns. 2542/01 e 2870/02, pelas seguintes imposições:
Especificação, e não mera referência, dos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, sendo necessário precisar com clareza o ponto que se tem por erroneamente apurado;
especificação das provas, não sendo suficiente a menção genérica de toda a prova e dos depoimentos das testemunhas, etc;
indicação concreta das provas que impõem decisão diversa;
especificação dos suportes técnicos, da prova documentada, com vista a facilitar a sua localização.
O recorrente tece críticas e discorda da matéria de facto apontada, não a impugnando, verdadeiramente, nem, muito menos, dá cumprimento ao preceituado nos citados ns. 3 e 4 daquele preceito, porquanto, apesar de indicar pontos precisos que considera, na sua óptica, incorrectamente julgados, não indica, todavia, provas concretas que impõem decisão diversa, tecendo, apenas, comentários sobre a valoração da prova feita pelo Tribunal, argumentando com considerações todas elas, apenas e exclusivamente, relativas a uma apreensão diversa da prova, valorando-a, de modo diverso, colocando dúvidas e interrogações, sem contudo, conseguir fundamentar e concretizar as provas que impõem decisão diversa. Como já referido, o que a lei pretende ao vincular o recorrente á indicação das provas que impõem decisão diversa, não é, certamente, formular uma outra versão da prova produzida.
Isto bastaria para se considerar, manifestamente, improcedente o recurso, no que concerne à impugnação da matéria de facto.
Todavia, dir-se-á que a apreciação da prova constante do acórdão ou sentença, por imposição do art. 374º n.º 2, do C.P.P., não basta ser dúbia ou duvidosa, é necessário que seja, de modo óbvio, errónea impondo-se a qualquer homem ou cidadão mediano e fundamenta a existência do vícios a que alude o art. 410º n.º 2, al. c), do aludido compêndio adjectivo, ou não. Neste caso, deve cumprir-se as regras de impugnação supra mencionadas.
No nosso sistema processual penal vigora o princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127° do CPP, que estatui" salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada seguindo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.". A este propósito salienta o Sr. Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, v. I, Coimbra Editora, Lda., 1981, pág. 202: " Uma coisa é desde logo certa: o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável - e portanto arbitrária - da prova produzida. Se a apreciação da prova é, na verdade discricionária, tem evidentemente esta discricionariedade (...) os seus limites que não podem ser licitamente ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a chamada" verdade material" - de tal sorte que a apreciação há-de se, em concreto, reconduzível a critérios objectivos e portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo..."
E adianta, Marques Ferreira, Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, " Meios de Prova", Livraria Almedina, pág. 227/228.: " Por outro lado, livre convicção ou apreciação não poderá nunca confundir-se com apreciação arbitrária da prova produzida nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova. A mais importante inovação introduzida pelo Código nesta matéria consiste, precisamente, na consagração de um sistema que obriga a uma correcta fundamentação das decisões que conheçam a final do processo de modo a permitir-se um controlo efectivo da sua motivação".
Reafirma-se que o recorrente não impugnou, na verdadeira asserção da palavra a matéria de facto, limitando-se a criticar a forma como foi valorada a prova e a percepciona-la de forma diversa.
O que a lei exige é que se indiquem provas que imponham decisão diversa e não que permitam outra decisão.
Sobre esta questão, o Prof. Marques da Silva, In “ Curso de Direito Processual Penal, vol. II, pág. 126 e 127 refere:" O juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis. Num primeiro aspecto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente de imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente aplicáveis (v.g. a credibilidade eu se concede a um certo meio de prova). Num segundo nível referente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e agora já as interferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se na correcção do raciocínio, que há de basear-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência.".
Maia Gonçalves, in "Código de Processo Penal, anotado", 9.ª ed., pág.322, refere "... livre apreciação da prova não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e de lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica... ".
Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal", II, pág. 126 e segs... a livre apreciação da prova tem de se traduzir numa valoração "racional e critica, de acordo com as regras, comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão...; com a exigência de objectivação da livre convicção poderia pensar-se nada restar já à liberdade do julgador, mas não é assim.
Como já referido, a convicção do julgado há-de ser sempre uma convicção pessoal, mas há-de ser sempre "uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros ".
O juízo sobre a valoração da prova tem diferentes planos.
Em primeiro lugar trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente explicáveis (v.g., a credibilidade que se concede a um certo meio de prova).
Seguidamente, na valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e agora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência.
Acresce que, só a especificação de todos os elementos probatórios, os indicados pelo tribunal e os que se entende não foram tidos em conta, pode impor decisão diversa.
E as provas que impõem essa diversa decisão são as provas relevantes e decisivas que não foram analisadas e apreciadas, ou, as que o tendo sido ponham em causa ou contradigam o entendimento plasmado na decisão recorrida. Se a tais provas faltam esses pressupostos, não conduzem a outra decisão.
O problema posto pelo recorrente reconduz-se ao da apreciação da prova por parte do tribunal recorrido de que trata o art.º 127°, do CPP.
Ora, reafirmamos que aos julgadores, no tribunal de recurso, está vedada a imediação e a oralidade em toda a sua extensão, contrariamente ao que ocorre no tribunal da 1ª instância que contacta com uma multiplicidade de factores, relativos a percepção da espontaneidade dos depoimentos da verosimilhança, da seriedade, das hesitações, da linguagem, do tom de voz, do comportamento, das reacções, dos trejeitos, das expressões e, até, dos olhares.
Assim, condicionados pela impossibilidade da captação desses elementos directos, resultantes da imediação da prova, perante duas ou mais versões dos factos, só podem afastar-se do juízo feito pelo julgador da primeira instância, naquilo que não tiver origem nestes dois princípios (oralidade e imediação), ou seja, naqueles casos em que a formulação da convicção não se tiver operado em consonância com as regras da lógica e da experiência comum, reconduzindo-se assim o problema, na maior parte dos casos, ao da fundamentação de que trata o art.º 374º n.º 2, do aludido compêndio adjectivo.
No que concerne à matéria de facto provada constante dos pontos 6 a 8, referente ao elemento subjectivo do tipo, o Sr. Professor Manuel Cavaleiro de Ferreira em "Direito Penal Português” - Parte Geral I - Sociedade Científica da Universidade Católica Portuguesa, escreve que se a intenção é vontade e esta é acto psíquico, acto interior são, contudo, grandes as dificuldades para dar praticabilidade a conceitos que designam actos internos, de carácter psicológico e espiritual. Por isso se recorre a regras da experiência, que as leis utilizam quando elas podem dar aos conceitos maior precisão...
Por outro lado, o dolo, dada a sua natureza subjectiva, é insusceptível de apreensão directa, só podendo captar-se a sua existência através de factos materiais, entre os quais o preenchimento dos elementos integrantes da infracção, e por meio das presunções materiais ligadas ao princípio da normalidade ou das regras gerais da experiência.
A ilustrar tal entendimento podem citar-se, entre outros, os seguintes acórdãos:
Acórdão do S.T.J., de 07.07.93 publicado na Base de Dados da DGSI (www.dgsi.pt) sob o n.º SJl99307070444783: "Os elementos do crime, de estrutura psicológica como o dolo, só são, em regra, susceptíveis de prova indirecta, porque muito raros são os casos em que o agente anuncia que vai praticar um crime.";
Acórdão do S.T.J., de 01.04.93 in BMJ n.º 426, pág. 154 no qual se exarou: "Dado que o dolo pertence à vida interior e afectiva de cada um e, é portanto, de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão, só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns, de que o mesmo possa concluir-se, entre os quais surge, com a maior representação, o preenchimento dos elementos materiais integrantes da infracção. Pode, de facto, comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções materiais ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral de experiência. “.
Ora recorrendo a regras de experiência e porque para se aferir ou não da existência da intenção criminosa, se há-de retirar os elementos confirmativos da sua verificação, da matéria fáctica dada como provada.
Mas, revertendo para o caso concreto, para melhor explicitação do mesmo, analisada a prova gravada, a matéria fáctica questionada pelo recorrente, a matéria de facto provada e a sua motivação, vertidas na sentença recorrida, resultantes da prova produzida e analisada em sede de audiência de julgamento, dir-se-á que o arguido/recorrente, como é referido, na resposta do MºPº, “entende que "não resulta de to­do provado (...) que naquele dia, àquela hora, se encontrassem a circular vá­rios veiculos", que "A questão de circularem vários veículos no percurso feito pelo arguido aquando da ocorrência dos factos, que, (...), o Tribunal deu como provado, suscitou algumas contradições e incertezas, bem patentes nos autos", que "Desconhece-se (...) o motivo pelo qual o Tribunal deu como assen­te que àquela hora/naquele percurso circulavam vários veículos, entendendo-­se que o Tribunal não procedeu à devida fundamentação acerca do que o terá levado a fixar este facto como assente", que "Porque não resulta provado que circulassem outros veículos, consequentemente também não resulta provado que a vida e o bem-estar físico dos outros condutores tenham sido postos em causa pela conduta do arguido", que" (...) se não resultou provado que se en­contrassem outros veículos a circular àquela hora e naquele local, certo é que também não existiu qualquer risco de destruição para esses veículos, simplesmente porque eles não se encontravam no local... "» que não " (...) agiu deliberada, livre e conscientemente, com intenção de violar as regras (...) bem sabendo ( ... ) que tal conduta era susceptível de criar, como criou, risco para a vida ou de produção de lesões físicas/nos condutores dos veículos automó­veis que consigo se cruzassem/assim como/de destruição de tais viaturas, que circulavam naquele local", que "O Tribunal assentou a sua convicção com base nos autos e nos depoimentos contraditórios das testemunhas, sendo certo que muitas são as incongruências neste processo/do qual resultou a condenação do arguido”.
Salvo o devido respeito, não podem proceder os argumentos avançados pelo recorrente, pois como resulta, e bem, do texto da decisão recorrida, todos os factos foram correctamente valorados e, apenas, se estribando no que se apurou nos autos, pelo que andou bem o Tribunal “a quo”.
Porquanto, “O Tribunal assentou a sua convicção no conjunto da prova produzida, nos documentos constantes dos autos, designadamente, no Auto de Notícia a fls. 5 e 6, conjugados com o depoimento das testemunhas (militares da GNR), António Campos N e Nelson M inquiridos em audiência de julgamento e ainda no CRC de fls. 186, quanto aos antecedentes criminais do arguido.
O arguido usou, inicialmente, do direito de não prestar declarações, tendo prestado declarações a final, não tendo, contudo, as mesmas sido consideradas credíveis, pelas razões que adiante se apontarão.
Do depoimento das testemunhas arroladas na acusação que descreveram com bastante pormenor os factos em causa, o tribunal deu por provada a quase totalidade da acusação, com excepção da factualidade relativa ao número de veículos em circulação, a hora em concreto em que os factos ocorreram e a distância percorrida pelo arguido, conjugando tais depoimentos com o auto de notícia.
Quanto à data e local da ocorrência o tribunal fundou-se: no auto de notícia; no ofício de fls. 2 e 3, que dá conta que o arguido foi detido pelas 17:30 horas; pela data e hora constante do TIR assinado pelo arguido, a fls. 8; no auto de interrogatório assinado pelo arguido, a fls. 10; e ainda, pelo ofício do INEM, a fls. 16, onde consta que o pedido de assistência foi feito no dia 28.3.06, pelas 15:50 horas. Os factos terão ocorrido cerca das 16 horas, do dia 28.3.06, não muito antes, sendo certo que o arguido nas declarações que posteriormente prestou se colocou nas circunstâncias de tempo e lugar referidas na acusação, não negando ter conduzido em contramão na rotunda a uma velocidade superior à legalmente permitida (referiu 55 km/h). Como se verá, o arguido apenas não admitiu ter-se cruzado com qualquer outra viatura, nem com o próprio carro patrulha.”
Mas iremos concretizando, com maior pormenor, o conteúdo dos depoimentos destas duas testemunhas, presenciais e determinantes para a descoberta da verdade e convicção do tribunal “a quo”, que o arguido pretende desacreditar, por confronto com as suas declarações finais, concedidas, depois de inicialmente se ter remetido ao silêncio, um direito que lhe assiste, mas que não pode ter o efeito, por ele pretendido, de se sobrepor aos depoimentos prestados por testemunhas presenciais, com conhecimento directo dos factos, considerados credíveis e convincentes.
Vejamos!
Como refere o MºPº, na sua resposta, resulta da fundamentação da sentença e da audição da prova gravada, que “A testemunha Nelson M foi esclarecedora e o seu depoimen­to muito pormenorizado. Descreveu o local onde os factos ocorreram, em V, conseguindo situá-los e descrevendo a condução do arguido desde a al­tura em que avistou o veículo até ao momento da intercepção. Identificou igualmente a marca e modelo da viatura do arguido e a respectiva cor. Afir­mou que se encontrava de patrulha com o Sargento-Ajudante N, Coman­dante do Posto da GNR de Q, e que avistaram o arguido a conduzir um Citroen C3 azul em alta velocidade e a entrar na rotunda situada nas proxi­midades dos caminhos do Ge, em contramão. Esclareceu que o arguido entrou na Rotunda na diagonal do lado esquerdo e à direita na via onde seguiam no carro patrulha, pelo que inverteu a marcha e seguiu em perseguição do argui­do com os rotativos ligados, vindo o arguido a imobilizar o veículo após uma curva, cerca de 2 km depois, onde foi detido.” Mais “(…) referiu que o arguido se cruzou com um veículo que teve de travar bruscamente para evitar uma colisão frontal. Disse ainda que fora das rotundas, onde o arguido conduziu em contramão, conduzia ao centro da via ocupando as duas faixas de trânsito. Referiu igualmente que a seguir à Rotunda se encontravam peões na estrada, que não tem passeios.”
“O Sargento, António N, que era, à data dos factos, Comandante do Posto de V, afirmou que se encontrava de patrulha com o Guarda M e que avistaram o arguido a conduzir em sentido contrário numa rotunda obrigando o condutor da viatura que circulava em frente à sua foi obrigado a parar bruscamente, pelo que ligaram os rotativas e as sirenes e foram em sua perseguição. Referiu que o arguido circulava a uma velocidade desadequada e muito superior à permitida naquela zona, tratando-se de uma zona habitacional (...). Mais referiu ter a certeza absoluta (...) que o arguido colocou em pe­rigo a integridade física do condutor do veículo da frente, que teve de pa­rar, e a integridade física dos peões que seguiam na estrada e pôs igualmen­te em risco a viatura da GNR, conduzindo em excesso de velocidade e em sentido oposto ao legalmente permitido”.
Estes depoimentos das testemunhas referidas, foram valorados, pelo Tribunal “a quo” que os “considerou pormenorizados e credíveis, nenhuma censura nos merecendo tal apreciação.”
Assim, podemos afirmar, que ainda que se admita a existência de alguma discrepância, de pormenor, entre os depoimentos das testemunhas, militares da GNR, António Campos N e Nelson M, a mesma é lógica e aceitável, dada a resposta a perguntas distintas e formulados com subjetivismos e intenções diversas, de acordo com as funções da acusação e da defesa. Não esquecer que essa formulação pode conter desígnio e objectivos direccionados à obtenção de determinada resposta que sirva determinado fim, útil a quem formule e pretenda uma determinada resposta que pode condicionar, mediante a forma como a pergunta é sugestionada.
Portanto, não sendo contraditória ou dissonante, nos aspectos essenciais, não tem relevância.
A percepção, a apreensão e o relato das ocorrências pelos seres humanos que as testemunham não têm de ser arquitectados e construídos, dependendo de variadíssimos factores, entre eles, os intrínsecos à própria pessoa que os aprende, nomeadamente, a acuidade e a memória visuais, a atenção e os registos de pormenores, bem como, os referentes ao local onde se encontravam e ao ângulo de visão de cada um. Não esquecer que os factos se desenrolaram de forma dinâmica, com mudança célere de diferentes áreas e artérias de V, dada a perseguição movida pelo veículo da GNR, ao veículo tripulado pelo arguido, pelas diferentes artérias daquela localidade. Acresce que as duas testemunhas não estavam sentadas no mesmo assento do veículo, sendo que uma o tripulava, o Nelson M, e outra, o Sargento-ajudante, Comandante do posto de Q, António N, seguia no assento ao lado. Um depoimento milimetricamente assertivo, ou coincidente, à minúcia, com outro, é que pode fazer duvidar da sua espontaneidade e veracidade.
Por sua vez, como já referido, “O arguido prestou declarações que o tribunal não considerou credíveis, e nem encontraram suporte em qualquer outro meio de prova".
Relativamente às perguntas que lhe são feitas sobre a questão da culpa, isto é, sobre os factos que lhe são imputados, e que podem configurar elementos constitutivos de infracção criminal, há que salientar (como já mencionado) que o argui­do tem o direito ao silêncio e, querendo prestar declarações, não está sujei­to ao dever de obediência à verdade.”
“O tribunal concluiu do conjunto da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento' que o arguido conduzia a uma velocidade desadequada ao local e superior à legalmente permitida de 50 km/h, designadamente com fundamento no depoimento da testemunha M que afirmou que teve de conduzir a alta velocidade para conseguir interceptar o arguido, num Nissan Almera (…)
Não colocando em dúvida “que o arguido conduziu a velocidade excessiva, superior a 50 km/h e em contramão, antes de ser interceptado pela GNR porquanto, o arguido admitiu tal circunstancialismo no final do julgamento quando decidiu prestar declarações. Efectivamente, no final do julgamento declarou o arguido que vivia em V mas que na última vez que passou no local ainda não tinha sido construída a Rotunda. Ora, isto é uma contradição e retira credibilidade ao arguido, mas sem se valorar o depoimento prestado por RC em inquérito. Ou seja, se reside nas imediações não é provável que não conheça o local. Também, não será por acaso que o arguido praticou várias contra-ordenações, cujas cópias se encontram a fls. 38 a 40 dos autos, ou seja, também noutras ocasiões o arguido violou normas estradais. Apesar de ter dito que não se encontrava a circular a mais de 55 km/h, no que não foi credível, aliás, as testemunhas inquiridas fizeram prova do contrário - porquanto se viesse a circular a uma velocidade moderada teria tido tempo para se aperceber da Rotunda evitando entrar na mesma em contramão. Mas mesmo que tivesse conduzido à velocidade que referiu, a mesma já é acima da legalmente estabelecida para o local, ao que acresce que os condutores são obrigados a moderar especialmente a velocidade à entrada das rotundas. Por outro lado, o arguido disse igualmente em declarações que resolveu entrar na Rotunda em sentido contrário para evitar um acidente. Ora, se circulasse a uma velocidade adequada, teria conseguido parar a viatura ao avistar a Rotunda, o que retira credibilidade ao alegado. O arguido diz que não viu nenhum veículo, ou seja, não viu igualmente o carro patrulha da GNR antes de ser interceptado, o que é completamente incredível.”
Ora, como é sabido, o resultado da prova é fixado pelo Tribunal seguindo a sua livre convicção.
O princípio da livre apreciação da prova, como princípio estruturante do direito processual do continente europeu e, especificamente do direito processual penal português, assume, na dinâmica do processo de fundamentação da sentença penal simultaneamente, uma dupla função de ordenação e de limite.
Vinculado ao princípio da descoberta da verdade material, contrariamente ao sistema probatório fundado nas provas tabelares ou tarifárias que estabelece um valor racionalizado a cada prova, possibilita-se ao juiz um âmbito de discricionariedade na apreciação de cada uma das provas atendíveis que suportam a decisão.
Trata-se de uma discricionariedade assente num modelo racionalizado, na medida em que implica que o juiz efectue as suas valorações segundo uma discricionariedade guiada pelas regras da ciência, da lógica e da argumentação. Ou seja, «o princípio da livre convicção libertou o juiz das regras da prova legal mas não o desvinculou das regras da razão» cf. Michelle Taruffo, «Conocimiento científico y estándares de prueba judicial», Jueces para la Democracia, Información y debate, nº 52, Marzo, 2005, p. 67.
Ora conforme foi referido o Tribunal no caso concreto, para chegar à sua decisão, valorou um conjunto diverso de provas utilizando exactamente as regras da razão, fundadas na lógica e na experiência. Daí que não se vislumbra qualquer vício no seu modo de decidir e valorar essas provas que ponha em causa o principio da livre apreciação da prova.” (vide, Ac. R C, de 25/11/2009, proferido no Proc. N.º 219/05.8GBPCV.C1).
O tribunal recorrido apreciando criticamente todas as provas produzidas, conjugando-as e confrontando-as, como se fez constar, de forma detalhada, da respectiva fundamentação. É indiscutível que na sentença é mencionada, portanto, a razão da valoração de todos os elementos probatórios e credibilidade dos depoimentos das referidas testemunhas.
Pois que, no caso “sub judice”, tal como se mostra mencionado, resulta da fundamentação da matéria de facto que, o tribunal “a quo” na análise e fixação da matéria de facto, baseou-se na observação de conjunto de provas, legalmente válidas e interpretou-as, de forma livre, mas não arbitrária.
Assim, atentas as considerações supra tecidas, e ao contrário do que afirma o recorrente, o Tribunal a quo valorou validamente a prova produzida, valorando ao abrigo do Principio da livre apreciação da prova, do Principio da imediação, e considerando as regras da experiência comum e da lógica, os diversos elementos probatórios carreados e produzidos nos autos, apreciando de modo imparcial e coerente.
Portanto, da análise de toda essa prova supra referida, junta aos autos, emerge a convicção de que toda a prova produzida foi correctamente valorada pelo tribunal “a quo" não merecendo reparo algum a matéria de facto fixada na sentença recorrida, nomeadamente, a respeitante: à hora da ocorrência dos factos; ao momento do início da verificação da condução do arguido; à velocidade por ele imprimida à viatura que tripulava; e à circulação de outros veículos (no que concerne à não identificação de outras testemunhas e à assistência médica, essas circunstancias factuais não foram consignados, certamente, por não serem determinantes, ou essenciais, no caso “sub judice”, para a apreciação da factualidade imputada ao arguido).
Todos os referidos elementos de prova infirmam as afirmações do recorrente vertidas em alguns dos diversos pontos da sua conclusão da motivação de recurso e confirmam a matéria apurada.
O tribunal recorrido apreciando criticamente os seus depoimentos e conjugando-os com, a demais prova produzida, como se fez constar, ainda que sucintamente da respectiva fundamentação. Todos estes elementos de prova confirmam a matéria apurada e não provada consignada.

Face a essa fundamentação da convicção feita pelo tribunal, colocar em causa a valoração da prova feita, sem concretizar devida e especificadamente matéria relevante para esse fim, e mencionar determinados depoimentos que, ou não serviram de base á fundamentação da convicção do tribunal, ou não concorreram para ela, em detrimento de outros que foram relevantes para a convicção da matéria fáctica, provada o não provada, não pode ser considerado como impugnação da matéria de facto.
Concluindo, a matéria de facto questionada foi correctamente apreciada e valorada pelo tribunal “a quo”, não se vislumbrando, pois, erro na sua apreciação, pelo que carece, mais uma vez, de razão o recorrente.

Assim, não se modifica a matéria de facto, nos termos preceituados no art. 431º n.º 1 al. b), do C.P.P.

A matéria fáctica apurada é a que se mostra supra descrita.

2.4.2.2 - A decisão recorrida não padece de nenhum dos vícios expressos no n.º 2, als. a) e b), do art. 410º, do CPP.
Efectivamente, do texto da decisão recorrida, não ressalta qualquer insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, tornando-se necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada. Todos os factos alegados, úteis, necessários e não superfulos, alegados quer pela acusação, quer pela defesa foram tomados em conta. E não se vislumbra que outros factos essenciais não tenham sido considerados;
Nem, de acordo com um raciocínio lógico, seja de concluir que essa fundamentação justifica uma decisão precisamente oposta ou, segundo o mesmo tipo de raciocínio, se possa concluir que a decisão não fica esclarecida de forma suficiente, dada a colisão entre fundamentos invocados. Pois que, a matéria de facto dada como provada nos pontos permite perfeitamente efectuar o raciocínio seguido na sentença recorrida.
Portanto não se vislumbra a existência de contradições entre a fundamentação, ou e, entre esta e a decisão.
Acresce que, do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal não violou as regras da experiência comum ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.
Como já referido, nomeadamente, no ponto 2.4.2.1, para o qual se remete, o tribunal “a quo” procedeu à indicação dos meios de prova em que o tribunal baseou a sua convicção, esclarecendo, de forma compreensível e lógica, as razões pelas quais concluiu que o recorrente praticou os factos que lhe eram imputados.

2.4.2.3 - Violação do princípio “in dubio pro reo”.
Invoca, o recorrente, ainda, que a sentença recorrida violou o princípio do in dubio pro reo, no sentido em que o condenou pela prática de crime de condução perigosa de veículo rodoviário, não valorando as dúvidas quanto à prática do mesmo, a favor do arguido, mas sim, contra este.

A violação do princípio in dubio pro reo é tratada como erro notório na apreciação da prova. Relativamente a este princípio "in dubio pro reo", cremos que este apenas se coloca no âmbito da matéria de facto; e apenas se verifica quando do texto da decisão recorrida resulte que o tribunal, na dúvida optou por decidir contra o arguido, sendo certo também que de haver prova divergente não significa que estejamos perante uma dúvida séria e honesta.

Ora, resulta da sentença, que o tribunal nunca duvidou, face à prova produzida, que o arguido cometeu o crime que lhe era imputado.
O princípio da presunção de inocência (cujo âmbito de aplicação não se limita, portanto, ao caso do arguido em processo penal (…) relaciona-se com o da culpa em termos, apenas, de complementaridade, aumentando-lhe o alcance garantístico: nenhuma pena será aplicada sem que a culpa tenha sido provada, nos termos da lei e para além ou fora de qualquer dúvida. Da presunção de inocência, retiramos, imediatamente, a proibição tanto de fazer recair sobre o arguido o ónus de alegação e prova da sua inocência (na verdade, ele já não tem que a alegar e provar, pelo simples facto de, em consequência da integração da estrutura acusatória pelo princípio da investigação, nos termos do art.º 340, n.º 1, do Código de Processo Penal, inexistir, no processo penal, ónus da prova quer para a defesa quer para a acusação, cfr. Figueiredo Dias, cit. "Ónus de alegar...", págs. 125 e segs.) (…). Como se acentua no Acórdão n.º 168, da Comissão de Constitucional, de 24 de Julho de 1979, de que foi relator Figueiredo Dias, que “.... o princípio da presunção de inocência na sua desimplicação histórica, assume uma pluralidade de sentidos que exigem a sua concretização e o seu detalhamento progressivos perante as diversas situações processuais penais que para ele apelam; mas sentidos, também, que não podem ser arbitrária ou desrazoavelmente multiplicados ou estendidos (…)» (B.M.J. n.º 291, pág. 346).
(…) Questão controversa que (…) é a de saber como se relacionam, entre si, o princípio da presunção de inocência e a regra que impõe que, em caso de dúvida insuperável e razoável sobre a valoração da prova, a matéria de facto seja, sempre, decidida no sentido que mais favorece o arguido (que Stübel condensou na fórmula latina in dubio pro reo).
Depois de um excurso minucioso de direito comparado o Supremo Tribunal de Justiça aborda a doutrina nacional nos seguintes termos: “Castanheira Neves entende que são princípios distintos, na medida em que, ao contrário da presunção de inocência, o do in dubio pro reo “se justifica apenas, jurídico-processualmente, i. é, fundamenta-se em termos imediatamente processuais ou sem que tenha fazer-se apelo a princípios metaprocessuais”. Daí considerar, por um lado, que «não é aceitável a afirmação generalizada na doutrina, de que o princípio in dubio pro reo só pode entender-se na base de uma "presunção de inocência, que, como exigência político-jurídica, se impusesse ao processo criminal”, e, por outro, que, sendo o resultado de uma directa intenção política, aquele pode «mesmo subsistir válido ainda numa ordem jurídica totalitária" (…) Para Eduardo Correia, a presunção de inocência é o princípio in dubio pro reo. (…) Helena Bolina afirma que o princípio da presunção de inocência não se esgota nem o seu objectivo é concretizado através do in dúbio pro reo, do qual considera corolários os princípios da investigação e da livre apreciação da prova bem como a celeridade processual e a proibição de estatuições de culpa (ob. cit., págs. 443/455). Cristina Líbano Monteiro entende que o princípio da presunção de inocência tem um vasto campo próprio de aplicação que o distingue, ao menos em parte, do in dúbio pro reo (ob. cit., fls. 61); este último, «é condição da legitimidade da intervenção criminal, em termos definitivos, do poder público», garantindo a não intervenção do jus puniendi em casos de duvidosa legitimidade, ou seja, nos “das situações de dúvida na prova dos factos” (ob. cit. pág. 60/65 e 77). (...) Figueiredo Dias começou por afirmar a equivalência dos dois princípios (cits. "Ónus...", pág. 140. nota 1, e "Direito Processual…", pág. 214). Hoje, ensina que o da presunção de inocência assume uma pluralidade de sentidos um dos quais, em matéria de prova, é o de in dubio pro reo”, que “vincula estritamente à exigência de que só sejam aplicadas àquele as medidas que ainda se revelem comunitariamente suportáveis face à possibilidade de estarem a ser aplicadas a um inocente” ("Jornadas de Direito Processual Penal", C.E.J., Almedina, 1989, pg. 27).
É esta última, a concepção que nos parece correcta. Com efeito, se, por força da presunção de inocência, só podem dar-se como provados quaisquer factos ou circunstâncias desfavoráveis ao arguido, quando se tenham, efectivamente, provado, para além de qualquer dúvida, então, é inquestionável que, em caso de dúvida na apreciação da prova, a decisão nunca pode deixar de lhe ser favorável (…). Se é o próprio principio da presunção de inocência que impõe que, em matéria de prova, a duvida se decida a favor do arguido, isto é, que in dubio pro reo, então este não é um principio distinto mas, unicamente, a expressão que aquele mesmo assume nesse domínio.”.

Revertendo para o caso concreto, resulta da sentença, que o tribunal nunca duvidou, face à prova produzida, que o arguido cometeu o crime de condução perigosa de veículo rodoviário, que lhe era imputado, nos termos constantes do ponto 2.4.2.1, para o qual remetemos.

Como já afirmado, o que o recorrente alega no fundo é uma diversa interpretação/valoração da prova.
O invocado princípio só seria de atender se resultasse da sentença, principalmente da respectiva fundamentação, que o tribunal recorrido, num estado de dúvida insanável sobre a autoria da prática do referenciado crime, tivesse optado por entendimento desfavorável ao arguido.

Ora não é isto que ocorre no caso vertente, sendo patente da fundamentação da sentença que o tribunal não teve qualquer dúvida sobre a ocorrência da matéria de facto em causa, comprovativa da verificação do aludido crime praticado pelo arguido, que na sua óptica não devia ter sido dado como praticado, por si, em autoria material.

Por fim, é óbvio, da simples leitura da fundamentação da decisão recorrida que o tribunal não teve qualquer dúvida acerca dos pontos de factos que deu como assentes, dúvidas que este tribunal de recurso, mesmo sem acesso à imediação e à oralidade, também não vislumbra.

Razão pela qual deverá improceder a tese do arguido, sendo ainda certo que onde não reside a dúvida, não pode funcionar o princípio constitucional “in dubio pro reo”.

Portanto, não resulta do texto da sentença que o tribunal tenha violado o princípio" in dubio pro reo".

Pelos motivos retro expostos, não se vislumbra que tenham sido violadas, entre outras, normas contidas nos arts. 32° da C.R.P e 410°, do Código Processo Penal.

2.4.2.4 - Nulidade da sentença por insuficiência de fundamentação.
O artigo 374º do C.P.P. estabelece que constituem requisitos da sentença, relatório, fundamentação e o dispositivo.
Ao relatório, elaborado em conformidade com o disposto no n.º 1 daquele preceito legal, segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com a indicação e o exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal a que se segue o dispositivo elaborada em conformidade com o n.º 3 do mesmo preceito legal.
A exigência de explanação racional da decisão no texto da sentença prende-se com o princípio da livre apreciação da prova, consignado no art. 127º do C.P., nos termos do qual salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
A fundamentação, como resulta expressis verbis do n.º 2, não se satisfaz com a enumeração dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento e dos que serviram para fundamentar a sentença. É ainda necessário um exame crítico desses meios, que servirá para convencer os interessados e a comunidade em geral da correcta aplicação da justiça no caso concreto. Trata-se de significativa alteração do regime do Código Penal de 1929, e mesmo do que, segundo alguma doutrina, anteriormente, vigorava por alterações introduzidas no C.P.P.
Sobre a motivação fáctica das sentenças penais expendeu Marques Ferreira as seguintes considerações nas Jornadas de Direito Processual Penal 229-230: “A obrigatoriedade de tal motivação surge em absoluta oposição à prática judicial na vigência do C.P.P. de 1929 e não poderá limitar-se a uma genérica remissão para os diversos meios de prova fundamentadores da convicção do tribunal, à semelhança do que tradicionalmente vem sucedendo coma interpretação e aplicação do estipulado sobre esse assunto no … C.P.C., embora em desacordo completo da doutrina e, a nosso ver, violando-se materialmente a ratio do art. 210º, n.º 1, da C.R.P.
Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum), nem os meios de prova (thema probandum), mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.
A fundamentação ou motivação deve ser tal que, intraprocessualmente permita aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via de recurso, conforme impõe inequivocamente o art. 410º, n.º 2.
E extraprocessualmente a fundamentação deve assegurar, pelo conteúdo, um respeito efectivo pelo princípio da legalidade na sentença e a própria independência e imparcialidade dos juízes, uma vez que os destinatários da decisão não são apenas os sujeitos processuais, mas a própria sociedade...”.
“O art.º 374º n.º 2 do CPP não exige que o tribunal exponha, pormenorizada e completamente, a totalidade do raciocínio lógico que se encontra na base da sua convicção ao dar como provado um certo facto, ou seja, não exige a explicitação do processo racional ou lógico que conduziu à convicção subjacente à descrição fáctica que efectivou, e muito menos, que fique a constar o que pelas testemunhas foi dito em julgamento. O que importa, é que na indicação dos meios de prova que estão na base da respectiva decisão fiquem a contar os elementos que, em razão da regras da experiência comum ou e obediência a um critério de logicidade, constituem o fundamento racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os meios de prova apresentados em audiência. (ACSTJ, de 18-3-99, Rec n.º 1460/98, em www.dgsi.pt).
Revertendo para o caso concreto, verificamos, pela mera leitura da sentença recorrida, que essa obrigação legal e o exame crítico da prova se mostram realizados, pois que, na fundamentação da matéria de facto a sentença mencionou, de forma pormenorizada, as provas que serviram para formar a convicção do tribunal, no sentido de que os factos integradores do crime em causa, se encontravam provados, conforme resulta da transcrição do seu ponto “3. Motivação da decisão de facto”, vertida no ponto 2.1, do presente acórdão. Acresce que a subsunção dos factos ao direito e a escolha da medida de pena, constantes, respectivamente do ponto IV, nºs 1 e 2, se mostram devida e pormenorizadamente, esclarecedoras dos motivos que lhe estão subjacentes, conforme melhor se desenvolverá e apontará, nos pontos seguintes.
Portanto, a fundamentação da sentença recorrida mostra-se efectuada de forma cabal, com referência, generalizada e global, da prova produzida, com indicação especificada do seu conteúdo e dos elementos esclarecedores dos motivos lógicos e racionais que levaram á convicção do tribunal e à sua opção por determinadas provas em detrimento de outras. Assim, como a subsunção dos factos ao direito e as circunstâncias e razões da escolha e medida das penas.
O recorrente carece, mais uma vez, de razão.

2.4.2.5 - Elementos do tipo legal do crime de condução perigosa de veículo rodoviário.
Como já referido no nosso anterior acórdão, junto a fls. 208 a 228, para além das considerações sobre o dolo e a negligência, no que concerne ao crime p. e p. pelo art. 291º, do CP -“Condução perigosa de veículo rodoviário”- referiu-se que: “Com a previsão e punição deste tipo de crime (atenta a data do comprovado cometimento dos factos, há que atender à redacção que foi introduzida no preceito pelo art. único da Lei n.º 77/2001, de 13 de Julho e, ainda, a introdução do nº 2, pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, passando os anteriores n.º 2 e 3, para 3 e 4), pretendeu-se evitar, ou pelo menos, manter dentro de certos limites, a sinistralidade rodoviária, que tem vindo a aumentar assustadoramente no nosso país nos últimos anos, punindo todas aquelas condutas que se mostrem susceptíveis de lesar a segurança deste tipo de circulação, e que, ao mesmo tempo, coloquem em perigo a vida, a integridade física ou bens patrimoniais alheios de valor elevado (cfr. Paula Ribeiro de Faria, no «Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial», Tomo II, 1999, p. 1079 e segs.; Germano Marques da Silva, «Crimes Rodoviários, Pena Acessória e Medidas de Segurança», 1996, p. 14 e segs. e vd. Actas, 1993, acta n.º 249/art. 286; por mais recentes e impressivos, vejam-se ainda os Acórdãos, da Relação do Porto, de 26-2-2003, Proc. 0210769/Des. Borges Martins, e de 3-11-2004, Proc. 0344755/Des. Conceição Gomes e, da Relação de Lisboa, de 19-10-2003, Proc. 10201/2003-5/Des. Simões de Carvalho, em www.dgsi.pt).
O preenchimento do tipo legal, da al. a) do n.º 1, verificado no caso concreto, mostra-se necessário, que alguém conduza um veículo rodoviário, que o mesmo não esteja em condições de circular em segurança … e que da respectiva conduta resulte um efectivo perigo para a vida, integridade física ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado.
Estamos, assim, perante um crime de perigo, a saber, um crime de perigo concreto, onde tem de existir um objecto de perigo, ou seja, determinados bens jurídicos em relação aos quais se possa verificar uma enorme possibilidade de lesão, a saber, o perigo. Do mesmo modo, tem de verificar-se um nexo de causalidade entre o perigo e a conduta do agente, ou seja, a lesão não poderá ocorrer por força de circunstâncias inesperadas.
O mencionado crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. no art. 291º do Cód. Penal, é um crime de perigo concreto e, como tal, para o preenchimento do seu tipo objectivo, tem de haver uma verificação de um resultado de perigo, não bastando a consideração de que a conduta é, em geral, susceptível de causar uma grande potencialidade de lesão de bens jurídicos.
É a necessidade da verificação desse perigo concreto que distingue este tipo legal de crime do previsto e punido no art. 292º, do mesmo compêndio substantivo. Neste último, a verificação do perigo concreto é indiferente, tendo-se bastado a lei com a perigosidade abstracta da conduta que se deixa antever a partir de determinados níveis de álcool no sangue.
No que concerne ao tipo subjectivo de ilícito, “de acordo com o n.º 1 do art. 291º, é necessário o dolo relativamente a todos os elementos do tipo legal objectivo, incluindo, por conseguinte, a criação de perigo para os bens jurídicos enumerados. É suficiente o dolo eventual, pelo que basta que o agente tenha consciência do perigo decorrente da sua conduta para outras pessoas ou para bens alheios de valor elevado, e se tenha conformado com essa situação. Na medida em que se exige um perigo concreto, não bastando que ele represente que é fonte de um possível perigo (abstractamente entendido, portanto); terá que conhecer as circunstâncias das quais emana esse perigo e terá que o aceitar nos seus contornos concretos.
De acordo com o n.º 2, do mesmo artigo (crime de combinação dolo-negligência em sentido próprio), o condutor terá que realizar de forma dolosa a intervenção que coloca em perigo o trânsito, mas criar esse perigo de forma negligente. Ou seja, o agente sabe, tem plena consciência da sua incapacidade para conduzir, mas não representa (negligência inconsciente), ou representa e afasta a possibilidade (negligencia consciente), da criação de um perigo para os bens jurídicos em causa. Esta actuação é certamente mais censurável e por isso mesmo mais punida do que a descrita no n.º 3, de acordo com o qual o agente actua com total negligência, isto é, desconhece negligentemente a sua incapacidade e dessa forma se dispõe a conduzir.” (Vide Paula Ribeiro de Faria, no citado «Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial», Tomo II, 1999, p. 1088).
Ora, na sentença ora recorrida, todas estas considerações, jurídicas, factuais e circunstanciais, foram analisadas, de modo satisfatório (cfr. matéria de facto provada, nomeadamente pontos n.ºs 6 a 8 e Ponto n.º IV – “Enquadramento Jurídico-Penal – 1 O crime de condução perigosa”. A título de exemplo, refere-se “... Integra-se na previsão da alínea b) a violação das regras de trânsito relativas à prioridade, à obrigação de parar, à ultrapassagem, à mudança de direcção, à passagem de peões, à inversão do sentido de marcha em auto­estradas ou em estradas fora de povoações, à marcha atrás em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, ao limite de velocidade ou à obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita, quando seja, por força dessa violação, criado modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrém, ou bens de valor considerável.
Quanto à sua natureza, estamos perante um crime de perigo concreto.
(…)
Ou, por outras palavras, o crime previsto e punido pelo n.º 1 é doloso na conduta e no risco, a do n.º 2, é doloso na conduta mas negligente no risco e, por último, a conduta punida no n.º 3 é negligente na conduta e no resultado.
(O dolo é um facto psicológico de conteúdo positivo que não tem que ser alegado e provado em cada caso. A consciência da ilicitude não respeita ao dolo do tipo, mas antes à culpa. Basta, pois, que, de uma maneira geral o arguido admita a censura da sua conduta e actue conformando-se com ela para que se tenha por preenchido o elemento subjetivo do tipo, A estrutura do dolo comporta um elemento intelectual e um elemento volitivo. (…)
No que concerne ao tipo subjectivo do ilícito previsto no artigo 291º, do C. Penal é necessário o dolo relativamente a todos os elementos do tipo legal objectivo, incluindo, a criação de perigo para os bens jurídicos enumerados, sendo suficiente o dolo eventual, pelo que basta que o agente tenha consciência do perigo decorrente da sua conduta para outras pessoas ou para bens alheios de valor elevado, e se tenha conformado com essa situação, não bastando que o arguido represente que é fonte de um possível perigo terá que conhecer as circunstâncias das quais emana esse perigo e terá que o aceitar nos seus contornos concretos.
De acordo com o n.º 2, do mesmo artigo, o condutor terá que realizar de forma dolosa a acção de colocar em perigo o trânsito, mas criar esse perigo de forma negligente. Ou seja, o agente sabe, tem consciência da sua conduta violadora de regras estradais, designadamente o excesso de velocidade, mas não representa (negligência inconsciente), ou representa e afasta a possibilidade (negligencia consciente), da criação de um perigo para os bens jurídicos em causa. Esta actuação é certamente mais censurável e por isso mesmo mais punida do que a descrita no n.º 3, de acordo com o qual o agente actua com total negligência, isto é, desconhece negligentemente a sua incapacidade e dessa forma se dispõe a conduzir, (Vide Paula Ribeiro de Faria, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, 1999, p, 1088).
De acordo como disposto nos arts. 4°, n.º 1, 13°, 16°, n.º l e 145°, n.º 1, als. a) e e), todos do C. Estrada, a condução nas vias faz-se do lado direito, e o condutor deve reduzir especialmente a velocidade à entrada das rotundas, constituindo tais condutas contra-ordenações graves.
No caso em apreço nos autos, o arguido sabia que” (omitimos o advérbio de negação não, redigido, por mero lapso) “ tinha de moderar a velocidade ao aproximar-se de uma rotunda e que não podia conduzir em sentido contrário ao estabelecido e não obstante não se coibiu de conduzir o veículo automóvel da forma descrita, criando um perigo concreto de produção de um resultado jurídico-penalmente desvalioso, já que o arguido só não colidiu com outra viatura que circulava na sua mão de trânsito pela via da esquerda porque o condutor do veículo travou abruptamente.
O arguido conduzindo o seu veículo numa via pública com a sua atenção limitada, ao circular em sentido contrário na faixa da esquerda, que é a faixa da ultrapassagem para as viaturas que circulam no seu sentido de trânsito, causou perigo para o trânsito, não tendo os resultados sido piores só pelo facto de a GNR/BT o ter interceptado.
Ao actuar como descrito criou um perigo concreto para a segurança dos veículos que circulavam na via. Esta elevada probabilidade de causar danos em bens concretamente determinados, de acordo com as regras da experiência comum, é de molde a considerarmos a existência de uma situação de perigo concreto, para além de demonstrar uma grande insensibilidade pela vida e integridade física de terceiros.
Assim, está também preenchido o requisito material da criação de perigo concreto para o preenchimento do tipo legal.
A conduta do arguido, subsumível à previsão do n.º 2 do artigo 291º, por referência ao n.º 1, al, b), é uma conduta dolosa, em que o dolo é eventual, por que o arguido sabia estar a violar grosseiramente regras estradais não desconhecendo o perigo para a condução dai adveniente, porém, ao nível da criação do perigo, o arguido afastou a possibilidade da sua verificação, pelo que a sua actuação é negligente.”
Em face do explanado é acertada a integração dos factos na previsão do crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art.º 291°, n.º 2, com referência ao n.º 1, al, b), do Código Penal, na redacção à data dos factos, por a actual redacção não se mostrar mais favorável ao arguido.
O recorrente carece, de novo, de razão.

2.4.2.6 - Em face do afirmado no ponto antecedente, estamos perante um crime de perigo concreto.
No caso concreto, o crime de condução perigosa é demonstrada pela violação das regras de trânsito relativas: à obrigação de moderar a velocidade ao aproximar-se de uma rotunda; à proibição de conduzir em sentido contrário ao estabelecido. Não obstante não se coibiu de conduzir o veículo automóvel da forma descrita, criando um perigo concreto de produção de um resultado jurídico-penalmente desvalioso, já que o arguido só não colidiu com outra viatura que circulava na sua mão de trânsito pela via da esquerda porque o condutor do veículo travou abruptamente.
Portugal é um dos países da U.E com um elevado índice de sinistralidade rodoviária.
O que demonstra que as exigências de prevenção especial são notórias.
A condenação do agente numa pena principal e numa pena acessória - inibição de conduzir - por um crime cometido no exercício da condução e que revele uma censurabilidade acrescida pretendendo-se que tenha efeito dissuasor contribuindo do mesmo modo para a emenda cívica do condutor imprudente e leviano (cfr. Paula Ribeiro de Faria, Comentário Conimbricense do C.P/1098). As referidas penas - principal e acessória -, devem ser determinadas na sua medida concreta, dentro dos limites previstos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, ou seja, segundo os critérios do art.º 71º do C.P.
Como refere Germano Marques da Silva (DPP, V 01. III/130) a determinação definitiva e concreta da pena é a resultante de um sistema pluridimensional de factores necessários à sua individualização. Um desses factores, fundamento aliás, do próprio direito penal e consequentemente da pena, é a culpabilidade, que irá não só fundamentar como limitar a pena.
“Nesta operação, deverá atender-se, em primeira linha, à culpa do agente, que constitui, em atenção à dignidade do ser humano, o fundamento e limite máximo da pena. O limite mínimo será determinado em função da prevenção geral, pois a pena visa a protecção de bens jurídicos, com o significado prospectivo traduzido na tutela das expectativas comunitárias na manutenção e reforço da norma infringida. Finalmente, dentro destes parâmetros, o tribunal fixará a pena, em última instância, de acordo com as exigências da prevenção especial de socialização” – cfr. Jorge de Figueiredo Dias, in “As consequências Jurídicas do Crime”, págs. 227 e seguintes.
Culpa e prevenção devem ser as referências a considerar na determinação da medida da pena principal e acessória.
Acrescendo que, no que toca à prevenção especial, a qual se avalia em função da necessidade de prevenção, no recurso ora em análise, nada de novo e de concreto nos é dado a conhecer para além do já exposto, sendo a mesma não considerada relevante, tendo em consideração a inexistência de passado criminal do arguido.
Quanto às exigências de prevenção geral, elas são bastante acentuadas no caso em apreço, atendendo ao número elevado de sinistralidade existente no nosso País.
De salientar, ainda, que as penas embora devam ter um sentido pedagógico e ressocializador, são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime, e, em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Abril de 1996, in CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 168).
O limite abstracto da pena é de prisão até dois anos ou multa até 240 dias.
Acresce que, optando-se por uma pena pecuniária, a quantia correspondente a cada dia de multa, deverá ser fixada entre os € 5.00 e os €500,00, atendendo à situação económica e financeira do arguido e dos seus encargos pessoais - artigo 47º, nº2 do Cód. Penal.
O limite abstracto da pena acessória - proibição de conduzir veículos com motor - varia entre três meses e três anos.
Nos termos do art. 40° n. ° 1 do Código Penal a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Por sua vez o n.º 2 da disposição legal referida estatui que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
No caso “sub judice”, como foi referido na sentença recorrida, a escolha da espécie da pena principal é justificada, pois que a pena de multa satisfaz as finalidades da punição, quer quanto às exigências de prevenção geral quer especial.
Apesar da “conduta do arguido denotar uma violação múltipla de importantes regras estradais, manifestando uma completa insensibilidade pelos outros utentes da via pública. A estas circunstâncias deve somar-se a forte incidência que este ilícito apresenta na comarca, e as pesadas exigências de prevenção geral determinadas pela forte sinistralidade.”
Contudo, “a culpa do arguido e as exigências de prevenção especial assumem uma censura não muito elevada, e tratando-se de uma primeira condenação, entende-se, pois, como justa, adequada e proporcional à culpa do arguido e às exigências de prevenção, a opção pela pena de multa.
O art. 71º n.º l do C Penal refere que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. O n.° 2 do mesmo artigo estipula que na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
O valor de cada circunstância só pode determinar-se perante cada facto concreto.
A circunstância indicada na al. a) do n.º 2, do citado art. 71º engloba todas as circunstâncias relativas ao facto ilícito.
No caso “sub judice”, na determinação da medida da pena, deve verificar-se se o tribunal “ a quo” atendeu ao mencionado critério geral estabelecido no citado art.º 71º, nº 1 do Código Penal que consagra a culpa do agente, como suporte da pena “nulla poena sine culpa”, cuja medida dependerá, porém, ainda das exigências de prevenção de futuros crimes.
E, a graduação concreta das penas deve ser realizada em função da culpa, com avaliação dos seus citados factores, nomeadamente, as circunstâncias enunciadas, em face das alíneas do citado preceito - art.º 71º, nº 2 do CP, e no art. 40º, do mesmo compêndio substantivo, atendendo, não só, ao grau de ilicitude, que não é muito elevado por não ter ocorrido um acidente de viação, como também, às necessidades de prevenção, que são elevadas, dada a elevada taxa de sinistralidade rodoviária; à negligência na criação do perigo; à ausência de antecedentes criminais; e à sua integração profissional.
Portanto, 100 (cem) dias para a pena de multa é uma medida concreta adequada e justa, atentos os limites da culpa.
No que concerne à fixação do quantitativo mínimo diário, foi justo e devidamente ponderado, sendo de manter.
O mesmo se afirma relativamente ao montante mínimo da pena acessória de inibição de conduzir.
Todo esse circunstancialismo demostra que, atentos os limites da culpa, não vislumbramos a existência de causas que justifiquem uma diminuição, quer da pena principal de multa, quer da pena acessória de inibição de conduzir de conduzir quaisquer veículos motorizados que foram fixadas, de forma justa, equitativa e adequada.
Improcede, também, nesta parte, a pretensão do recorrente.
Concluindo, por tudo o expostos, nomeadamente nos pontos antecedentes, para os quais remetemos, não se vislumbra, que, com a prolação da sentença recorrida, tenham sido violados os arts:
Artigo 1º, n.º 1, 15º, 71º n.ºs. 1 e 2, 291º n.ºs. 2 e 1, al. b) “ex vi” do Artigo 291º n.º 2
do Código Penal;
Artigo 374º, n.º 2 do Código de Processo Penal; e,
Artigo 32º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.

III - Decisão
Em face do exposto, acordam, os Juízes que compõem esta Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora, negar provimento aos recursos, mantendo, quer o despacho recorrido, quer a sentença condenatória.
Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5UCs, e demais encargos legais.
(Processado por computador e integralmente revisto pela relatora que rubrica as restantes folhas).
Évora, 03/12/2015