Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA ISABEL DUARTE | ||
Descritores: | CRIME DE CONDUÇÃO PERIGOSA DE VEÍCULO RODOVIÁRIO ELEMENTOS ESSENCIAIS DO CRIME DOLO NEGLIGÊNCIA | ||
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Data do Acordão: | 12/03/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | 1 - No que concerne ao tipo subjectivo de ilícito do crime de condução perigosa de veículo rodoviário contido no n.º 1 do art. 291º, é necessário o dolo relativamente a todos os elementos do tipo legal objectivo, incluindo, por conseguinte, a criação de perigo para os bens jurídicos enumerados. É suficiente, no entanto, o dolo eventual, pelo que basta que o agente tenha consciência do perigo decorrente da sua conduta para outras pessoas ou para bens alheios de valor elevado, e se tenha conformado com essa situação. 2 - Na medida em que se exige um perigo concreto, não bastando que ele represente que é fonte de um possível perigo (abstractamente entendido, portanto) ele terá que conhecer as circunstâncias das quais emana esse perigo e terá que o aceitar nos seus contornos concretos. 3 - De acordo com o n.º 2, do mesmo artigo (crime de combinação dolo-negligência em sentido próprio), o condutor terá que realizar de forma dolosa a intervenção que coloca em perigo o trânsito, mas criar esse perigo de forma negligente. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 1ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora I – Relatório 1 - No Proc. Comum com intervenção do Tribunal Singular N.º 184/06.4 GELLE, da Comarca de Faro, Loulé – Inst. Local – Secção Criminal – J1, foi julgado, o arguido: DBG, (…) nascido em 11/10/1967, solteiro e residente em (…); tendo sido proferida nova sentença (na sequência, de declaração de nulidade da anterior, proferida, por acórdão deste Tribunal da Relação de Évora, nos presentes autos, em sede de recurso, o qual determinou o cumprimento do disposto no artigo 358°, n.º l e 3 do CPP, e a subsequente prolação de nova sentença), que o condenou, pela prática em autoria material de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário p. e p. pelo artigo 291º n.º 2, por referência ao n.º 1, al, b) do Código Penal, e às contra-ordenações previstas nos artigos 4º, n.º 1, 13°, 16°, nº 1 e 145°, n.º 1, als. a) e e) (foi feita a correcção da consoante f, exarada, por lapso, para a vogal e, conforme resulta do ponto IV-“ Enquadramento jurídico penal”, da sentença recorrida e exige a correcta subsunção dos factos ao direito), todos do Código da Estrada: - Na pena de multa de 100 (cem dias) dias, à razão diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz a quantia de € 500,00 (quinhentos euros); - na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria pelo período de 3 (três) meses, nos termos do disposto no artigo 69, n.º 1, al. a) e n.º 2, do Código Penal.” 1.1 - No cumprimento do aludido acórdão deste Tribunal, o tribunal “a quo”, no decurso da audiência de discussão e julgamento, agendada para 06/02/2015, comunicou a alteração não substancial dos factos descrito na acusação, e deu a palavra ao mandatário do arguido, para se pronunciar, nos termos do n.º 1, do art. 358º, do CPP. Este requereu, apenas, prazo para a apresentação da defesa, sem qualquer discriminação numérica de dias. De seguida, foi proferido o despacho seguinte: “Por ter sido requerido prazo para o exercício do direito da defesa, designa-se para continuação o próximo dia 13 de Fevereiro de 2015, pelas 14h e 30 minutos.” 2 - O arguido, inconformado, com estas decisões, delas interpôs recurso. Nas suas alegações, apresentou as seguintes conclusões: 2.1 - No que respeita ao recurso do despacho a) Em 06.02.2015 o tribunal concedeu ao arguido prazo para o exercício do direito de defesa. b) Em 13 de fevereiro de 2015 o prazo concedido, de 10 dias, ainda não se encontrava findo. c) O despacho de 13 de Fevereiro de 2015 que deu por concluído nessa data o julgamento e proferiu sentença viola o direito de defesa do Arguido para cujo exercício lhe havia sido concedido prazo em 06 de Fevereiro. Normas jurídicas violadas: 4 - Foram colhidos os vistos legais. 5 - Cumpre decidir. * Nada mais se provou com relevância para a decisão da causa. 3. Motivação da decisão de facto O Tribunal assentou a sua convicção no conjunto da prova produzida, nos documentos constantes dos autos, designadamente, no Auto de Notícia a fls. 5 e 6, conjugados com o depoimento das testemunhas (militares da GNR), António Campos N e Nelson M inquiridos em audiência de julgamento e ainda no CRC a fls. 186, quanto aos antecedentes criminais do arguido. O arguido usou, inicialmente, do direito de não prestar declarações, tendo prestado declarações a final, não tendo contudo as mesmas consideradas credíveis as suas declarações pelas razões que adiante se apontarão. Do depoimento das testemunhas arroladas na acusação que descreveram com bastante pormenor os factos em causa, o tribunal deu por provada a quase totalidade da acusação, com excepção da factualidade relativa ao número de veículos em circulação, a hora em concreto em que os factos ocorreram e a distância percorrida pelo arguido, conjugando tais depoimentos com o auto de notícia. Quanto à data e local da ocorrência o tribunal fundou-se no auto de notícia, no ofício a fls. 2 e 3 qua dá conta que o arguido foi detido pelas 17:30 horas; pela data e hora constante do TIR assinado pelo arguido, a fls. 8; no auto de interrogatório assinado pelo arguido, a fls. 10; e ainda pelo ofício do INEM, de fls. l 6 onde consta que o pedido de assistência foi feito no dia 28.3.06, pelas 15:50 horas. Os factos terão ocorrido cerca das 16 horas do dia 28.3.06, não muito antes, sendo certo que o arguido nas declarações que posteriormente prestou se colocou nas circunstâncias de tempo e lugar referidas na acusação, não negando ter conduzido em contramão na rotunda a uma velocidade superior à legalmente permitida (referiu 55 km/h). Como se verá, o arguido apenas não admitiu ter-se cruzado com qualquer outra viatura, nem com o próprio carro patrulha. A testemunha Nelson M foi esclarecedor e o seu depoimento muito pormenorizado. Descreveu o local onde os factos ocorreram, em V, conseguindo situá-los e descrevendo a condução do arguido desde a altura em que avistou o veículo até ao momento da intercepção. Identificou igualmente a marca e modelo da viatura do arguido e a respectiva cor. Afirmou que se encontrava de patrulha com o Sargento-Ajudante N, Comandante do Posto da GNR de Q e que avistaram o arguido a conduzir um Citroen C3 azul em alta velocidade e a entrar na rotunda situada nas proximidades dos Caminhos do Ge em contramão. Esclareceu que o arguido entrou na Rotunda na diagonal do lado esquerdo e à direita na via onde seguiam no carro patrulha, pelo que inverteu a marcha e seguiu em perseguição do arguido com os rotativos ligados, vindo o arguido a imobilizar o veículo após uma curva, cerca de 2 km depois, onde foi detido. Com interesse para a decisão, referiu que o arguido se cruzou com um veículo que teve de travar bruscamente para evitar uma colisão frontal. Disse ainda que fora das rotundas, onde o arguido conduziu em contramão, conduzia ao cento da via ocupando as duas faixas de trânsito. Referiu igualmente que a seguir à Rotunda se encontravam peões na estrada, que não tem passeios. Esta testemunha disse ainda em julgamento não se recordar de se terem cruzado com outras viaturas, apenas pessoas, por já terem decorrido cerca de 4 anos desde os factos. Porém, quando prestou depoimento em sede de inquérito, e portanto em data mais próxima dos factos, a testemunha afirmou que "àquela hora o trânsito fluía normalmente e havia inúmeros transeuntes a circularem na rua", (cfr. auto de inquirição da testemunha a fls. 29). Sucede que, não foi requerida a leitura do depoimento da testemunha (cfr. artigo 356°, n." 2, al. b) e 5 do CPP na redacção da Lei 20/2013) pelo que não poderá ser valorado pelo tribunal o depoimento prestado pela testemunha lavrada no auto em causa, de acordo com o disposto no artigo 355º, n.º 1 e 2, do CPP, na parte em que referia existir trânsito. Assim, porque a testemunha não se recordou em julgamento de o arguido se ter cruzado com outros veículos e porquanto o depoimento do Sargento-Ajudante N não confirmou igualmente esta circunstância não poderá ser considerada assente tal factualidade. Quando confrontada com o auto de notícia a testemunha Nelson M Nelson M explicou que entre os Caminhos do Ge e a Rua da A o arguido percorreu cerca de 2 km e que, no interior da rotunda e ao entrar na Rua da F, circulou em contramão, todavia, o tribunal não ficou seguro que o arguido tivesse percorrido e m contramão uma distância de 50 metros, por não terem sido realizadas medições. Efectivamente, consta do auto de notícia - que embora não tendo força probatória plena, vale como prova documental, e cujo teor não foi validamente impugnado - que: "no dia 28 de Março de 2006, pelas 16H30, quando efectuava uma patrulha auto acompanhado da testemunha, ao circular nos Caminhos do G em direcção à Rua de Itália, estando já para iniciar a rotunda, circulando um veiculo à nossa frente a efectuar a rotunda, deparámo-nos com um veiculo que circulava em sentido oposto ao legalmente estabelecido e a uma velocidade fora do normal "em grande velocidade". O veículo que circulava à nossa frente, ao aperceber-se da presença de outro veículo em sentido contrário travou, tendo o veículo de marca Citroen, modelo C3, ligeiro de mercadorias, Citroen C3 de cor azul de matrícula 00-00-UJ, passado imediatamente à frente desse veículo. Até ser interceptado o condutor andou em sentido contrário na Rua dos Caminhos do G cerca de 20 metros, passou a rotunda em sentido contrário, só não colidiu com o veículo que já circulava na mesma porque o condutor deste travou, continuou pela Rua da F em sentido contrário, cerca de 50 metros, entrou pela Rua da A sem que em qualquer momento tivesse respeitado qualquer regra de trânsito e sempre a uma velocidade excessiva, visto ser uma zona habitacional. De imediato iniciámos uma perseguição à viatura em causa, com sirenes e rotativos ligados, vindo condutor do já referido veiculo a imobilizá-lo na intercepção da Rua de A junto ao aldeamento Fontes, em V. Dado que o condutor pôs em perigo os restantes utentes da via, chegando mesmo a pôr em perigo de vida os ocupantes do veículo que seguia à nossa frente, foi iniciada uma fiscalização à viatura e ao condutor. " Na verdade, tendo o arguido conduzido no interior da Rotunda em contramão cerca de 20 metros e ainda na Rua da F cerca de 50 metros, teríamos de concluir que circulou em contramão um percurso superior ao que consta da acusação. No entanto tal é irrelevante para a subsunção dos factos ao direito, bastando que se apure que, por ter circulado em contramão - independentemente da distância percorrida ~ colocou em perigo o condutor de outro veículo. Também o Sarg.º Ajudante António N, que era à data dos factos Comandante do Posto de V, afirmou que se encontrava de patrulha com o Guarda M e que avistaram o arguido a conduzir em sentido contrário numa rotunda obrigando o condutor da viatura que circulava em frente à sua foi obrigado a parar bruscamente, pelo que ligaram os rotativas e as sirenes e foram em sua perseguição. Referiu que o arguido circulava a uma velocidade desadequada e muito superior à permitida naquela zona, tratando-se de uma zona habitacional. Referiu que no local falaram com uma testemunha que afirmou ter sido quase atropelado pelo arguido no dia anterior, o que é corroborado pelo auto de inquirição da testemunha RC a fls. 13 e 50 dos autos. Mais referiu ter a certeza absoluta (gravação 10:43 às 16:46 horas) que o arguido colocou em perigo a integridade física do condutor do veículo da frente, que teve de parar, e a integridade física dos peões que seguiam na estrada e pôs igualmente em risco a viatura da GNR, conduzindo em excesso de velocidade e em sentido oposto ao legalmente permitido. Embora o tribunal não possa valorar, veja-se que quando prestou depoimento no inquérito e portanto em data mais próxima dos factos, a testemunha havia referido haver trânsito: "Que, alguns metros mais á h-ente junto do local onde o SI". Deodato foi interceptado, passeavam dois transeuntes na rua e estes ao verem a viatura do Dr. Deodato a circular a grande velocidade em sentido contrário, fugiram de forma evitar o perigo para sua integridade física (estes sujeitos não foram identificados). Adianta que na data e hora da ocorrência não havia muito trânsito na via pública, mas, circulavam alguns carros." O tribunal concluiu do conjunto da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento (Desconsiderando os depoimentos prestados pelas testemunhas e as declarações do arguido prestados em inquérito, (artigo 356°, n,º 2, al. b) e 5, do CPP) que o arguido conduzia a uma velocidade desadequada ao local e superior à legalmente permitida de 50 km/h, designadamente com fundamento no depoimento da testemunha M que afirmou que teve de conduzir a alta velocidade para conseguir interceptar o arguido, num Nissan Almera, estimando que o arguido conduzisse a cerca de 90 km/h. Da insuficiência dos meios de prova produzidos, como se viu, por não se poder valorar o depoimento das testemunhas prestado em inquérito e porque não o referiram em audiência de julgamento, não se deu por provado que o arguido se tivesse cruzado com outros veículos que não o veículo da patrulha e o que o antecedia. Mas não se coloca a dúvida de que o arguido conduziu a velocidade excessiva, superior a 50 km/h e em contramão, antes de ser interceptado pela GNR porquanto o arguido admitiu tal circunstancialismo no final do julgamento quando decidiu prestar declarações. Efectivamente, no final do julgamento declarou o arguido que vivia em V mas que na última vez que passou no local ainda não tinha sido construída a Rotunda. Ora, isto é uma contradição e retira credibilidade ao arguido, mas sem se valorar o depoimento prestado por RC em inquérito. Ou seja, se reside nas imediações não é provável que não conheça o local. Também, não será por acaso que o arguido praticou várias contra-ordenações, cujas cópias se encontram a fls. 38 a 40 dos autos, ou seja, também noutras ocasiões o arguido violou normas estradais. Apesar de ter dito que não se encontrava a circular a mais de 55 km/h, no que não foi credível, aliás, as testemunhas inquiridas fizeram prova do contrário - porquanto se viesse a circular a uma velocidade moderada teria tido tempo para se aperceber da Rotunda evitando entrar na mesma em contramão. Mas mesmo que tivesse conduzido à velocidade que referiu, a mesma já é acima da legalmente estabelecida para o local, ao que acresce que os condutores são obrigados a moderar especialmente a velocidade à entrada das rotundas. Por outro lado, o arguido disse igualmente em declarações que resolveu entrar na Rotunda em sentido contrário para evitar um acidente. Ora, se circulasse a uma velocidade adequada, teria conseguido parar a viatura ao avistar a Rotunda, o que retira credibilidade ao alegado. O arguido diz que não viu nenhum veículo, ou seja, não viu igualmente o carro patrulha da GNR antes de ser interceptado, o que é completamente incredível. Ora, como resulta do artigo 140°, n.º 3, do CPP o arguido não presta juramento e nem sequer é obrigado a prestar declarações nem está sujeito ao dever de verdade (cf. artigo 343°, do CPP) como sucede com as testemunhas que, caso faltem à mesma, incorrem em responsabilidade criminal (cf. artigo 91°, n." 1 e 3, do CPP). Pelo exposto, porquanto as declarações do arguido não foram credíveis em si mesmas e nem encontraram suporte em qualquer outro meio de prova, pelo que se deu por provada a factualidade supra (Da leitura do inquérito e nomeadamente do auto de inquirição do pai do arguido (fls. 12) - que manifesta preocupação pelo facto de o arguido conduzir apesar de ser esquizofrénico e não estar a tomar medicação e estar a consumir estupefacientes - e bem assim do da testemunha RC e que encontra suporte nas cópias dos autos de contra-ordenação a fls. 37 a 40, parece resultar que o arguido repetira a conduta em causa nos autos nos dias anteriores. Porém, o conhecimento do tribunal está delimitado pelo objecto do processo definido no despacho de acusação sendo vedada a valoração dos depoimentos prestados em inquérito, pelo que não se tomaram em consideração estes factos acabados de referir na factualidade assente nem, consequentemente, tiveram influência na decisão. Quanto aos antecedentes, o arguido respondeu em julgamento ter pendente um processo criminal, mas desconhece-se se transitou em julgado e não obstante nos autos de interrogatório ter declarado já ter estado preso o tribunal valorou exclusivamente o teor do CRC do arguido”. 2.2 - O registo magnetofónico da prova permite, a este tribunal de recurso, além de sindicar a matéria de facto (desde que o recorrente dê cumprimento ao disposto no art. 412º ns. 3 e 4, do C.P.P.) apreciar as questões de direito avançadas pelo recorrente (Cfr. art. 428º, do mencionado compêndio adjectivo) e fazer a apreciação de eventuais vícios do art. 410°, n.º 2 CPP ou de nulidades que não devam considerar-se sanadas. E dentro destes limites, são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso (art. 412°, n.º 1 CPP), uma vez que as questões submetidas à apreciação da instância de recurso são as definidas pelo recorrente. São as conclusões que irão habilitar o tribunal superior a conhecer dos motivos que levam o recorrente a discordar da decisão recorrida, quer no campo dos factos quer no plano do direito. Ora, as conclusões destinam-se a resumir essas razões que servem de fundamento ao pedido, não podendo confundir-se com o próprio pedido pois destinam-se a permitir que o tribunal conhecer, de forma imediata e resumida, qual o âmbito do recurso e os seus fundamentos. Não pode o tribunal seleccionar as questões segundo o seu livre arbítrio nem procurar encontrar no meio das alegações, por vezes extensas e pouco inteligíveis, o que lhe pareça ser uma conclusão. As conclusões constituem, por natureza e definição, a forma de indicação explícita e clara da fundamentação das questões equacionadas pelo recorrente e destinam-se, à luz da cooperação devida pelas partes, a clarificar o debate quer para exercício do contraditório, quer para enquadramento da decisão. 2.3 - Feita esta introdução de âmbito geral e analisadas as conclusões de recurso, facilmente se constatará que o recorrente alega o seguinte: 2.3.1 - No que respeita ao recurso do segundo despacho proferido na acta de audiência de discussão e julgamento de 06/02/2015 Violação: Do direito de defesa do Arguido por não lhe ter sido concedido o prazo de dez dias para o seu exercício; Normas jurídicas seguintes: N.º 1, do art. 358º, do CPP; N.º 1, do art. 105º, do CPP 2.3.2 - No que concerne ao recurso da sentença condenatória - Pretensão de impugnação da matéria de facto, nomeadamente, no que concerne ao ponto n.º 1 a 8, da matéria de facto provada; - Violação do princípio in dúbio pro reo”; - Nulidade da sentença por insuficiência da fundamentação; - Errada graduação das penas, por excessivas. Violação dos arts.: - 1º, n.º 1, 15º, 71º n.ºs. 1 e 2, 291º n.ºs. 2 e 1, al. b) “ex vi” do Artigo 291º n.º 2 do Código Penal; - 374º, n.º 2 do Código de Processo Penal; e, - 32º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. 2.4 - Questões dos recursos 2.4.1 - No que respeita ao recurso do mencionado despacho O arguido/recorrente alega que "Em 06.02.2015, o tribunal concedeu ao arguido prazo para o exercício do direito de defesa", que "Em 13 de fevereiro de 2015, o prazo concedido, de 10 dias, ainda não se encontrava findo" e que "O despacho de 13 de Fevereiro de 2015 que deu por concluído nessa data o julgamento e proferiu sentença viola o direito de defesa do Arguido para cujo exercício lhe havia sido concedido prazo em 06 de Fevereiro", conforme as conclusões da sua motivação. Desde já, afirmamos que não lhe assiste razão! É fundamental, para assentar esta afirmação, atender à previsão do art. 358º, do CPP, que sobre a epígrafe “Alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia”, preceitua: “1 - Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa. 2 - Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa. 3 - O disposto no n.º 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.” No caso “sub judice”, tal como referido no ponto 1.1 “No cumprimento do aludido acórdão deste Tribunal, o tribunal “a quo”, no decurso da audiência de discussão e julgamento, de 06/02/2015, comunicou a alteração não substancial dos factos descrito na acusação, e deu a palavra ao mandatário do arguido, para se pronunciar, nos termos do n.º 1, do art. 358º, do CPP. Este requereu, apenas, prazo para a apresentação da defesa, sem qualquer discriminação numérica dos dias pretendidos. De seguida, foi proferido o despacho seguinte: “Por ter sido requerido para o exercício do direito da defesa, designa-se para continuação o próximo dia 13 de Fevereiro de 2015, pelas 14h e 30 minutos.” A concessão do prazo para a preparação da defesa foi deferida. O prazo foi concedido, sem oposição ou contestação do arguido e seu mandatário, presentes. A duração deste prazo não se encontra estabelecida, podendo ir de alguns minutos a até dez dias, de acordo com a complexidade e abrangência da preparação do exercício dessa finalidade. O arguido e o seu mandatário, que estavam presentes, como já referido, nessa sessão de audiência de discussão e julgamento, caso considerassem que o prazo concedido era parco, deveriam, nesse momento, ter solicitar um prazo maior. Não se entende o motivo pelo qual nada disseram, mesmo até, posteriormente, em 13/02/2015, no decurso da continuação da audiência de discussão e julgamento e prolação da sentença. Só decorridos vários dias (treze mais propriamente), após a prolação da sentença é que interpuseram recurso desse despacho, isto é, em 26/02/2015, em simultâneo com a data da interposição de recurso da sentença. Entende o MºPº, na sua resposta, que “…ao invés do que pretende o arguido/é nossa opinião que o prazo a que se refere o n.º l do art. 105° do Código de Processo Penal se não aplica à situação em apreciação. Com efeito, o regime estipulado no art. 358° do mesmo diploma legal não prevê, como se referiu, nem um prazo mínimo nem um prazo máximo para preparação da defesa. (…) No caso dos autos, o Tribunal concedeu ao arguido o prazo que entendeu suficiente, e o arguido nenhuma objecção apresentou quanto à duração desse prazo/pelo que terá de concluir-se que o reputou de suficiente.” Nós entendemos, como já referido, que, efectivamente, o juiz pode conceder, para essa finalidade, desde que requerido, um prazo até dez dias. Neste mesmo sentido, entre outros, Paulo P. de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, 2ª edição actualizada, 2ª anotação ao art. 358º, referindo: “Estando o arguido presente o juiz pode interrogá-lo sobre os factos novos. O juiz concede ao arguido, sendo requerido, um prazo até dez dias, para alegação e apresentação de prova, com o consequente adiamento do debate, se necessário…”. A conclusão a retirar foi que o prazo concedido não violou o direito de defesa do Arguido, para cujo exercício lhe havia sido concedido. Concluindo, o recorrente, neste segmento, carece de razão. 2.4.2 - Outras questões do recurso referente à sentença condenatória. 2.4.2.1 - Primeira questão Nos termos do disposto no artigo 428º, do C.P.P., o Tribunal da Relação, em fase de recurso, pode apreciar da matéria de facto e de direito, nos termos retro apontados. No que respeita ao objecto de recurso sobre a questão de facto, a apreciação da prova, baseada nas regras da experiência comum e na livre convicção feita pelo tribunal de 1ª instância poderia ser censurada por este tribunal, pois existe documentação das declarações prestadas no decurso da audiência de discussão e julgamento. Contudo, é necessário verificar se o recorrente deu, ou não, cumprimento ao disposto no art. 412º ns. 3 e 4, do C.P.P. O n.º 3, deste preceito legal - 412º, do C.P.P. estabelece que, quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto deve especificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e bem assim as provas que impõe decisão diversa da recorrida e as que devem ser renovadas. O n.º 4, refere que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas als. b) e c), do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2, do ar. 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação.”. A lei é exigente relativamente a essa impugnação. O julgamento efectivo foi realizado no Tribunal da 1ª instância. Neste Tribunal de recurso o que releva é a apreciação da regularidade do julgamento e não a realização de um efectivo e verdadeiro segundo julgamento. Tanto assim é que a própria lei, no art. 430º, do C.P.P., só permite a renovação da prova quando se verifiquem os vícios do art. 410º n.º 2, do referido compêndio adjectivo, portanto, quando do teor do texto da decisão judicial decorra a verificação de qualquer dos vícios aí apontados, v.g., insuficiência, contradição ou erro. O que a lei exige é que se indiquem provas que imponham decisão diversa e não que permitam outra decisão. E tal exigência é dada, como é referido nos Acs. desta Relação Ns. 2542/01 e 2870/02, pelas seguintes imposições: Especificação, e não mera referência, dos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, sendo necessário precisar com clareza o ponto que se tem por erroneamente apurado; especificação das provas, não sendo suficiente a menção genérica de toda a prova e dos depoimentos das testemunhas, etc; indicação concreta das provas que impõem decisão diversa; especificação dos suportes técnicos, da prova documentada, com vista a facilitar a sua localização. O recorrente tece críticas e discorda da matéria de facto apontada, não a impugnando, verdadeiramente, nem, muito menos, dá cumprimento ao preceituado nos citados ns. 3 e 4 daquele preceito, porquanto, apesar de indicar pontos precisos que considera, na sua óptica, incorrectamente julgados, não indica, todavia, provas concretas que impõem decisão diversa, tecendo, apenas, comentários sobre a valoração da prova feita pelo Tribunal, argumentando com considerações todas elas, apenas e exclusivamente, relativas a uma apreensão diversa da prova, valorando-a, de modo diverso, colocando dúvidas e interrogações, sem contudo, conseguir fundamentar e concretizar as provas que impõem decisão diversa. Como já referido, o que a lei pretende ao vincular o recorrente á indicação das provas que impõem decisão diversa, não é, certamente, formular uma outra versão da prova produzida. Isto bastaria para se considerar, manifestamente, improcedente o recurso, no que concerne à impugnação da matéria de facto. Todavia, dir-se-á que a apreciação da prova constante do acórdão ou sentença, por imposição do art. 374º n.º 2, do C.P.P., não basta ser dúbia ou duvidosa, é necessário que seja, de modo óbvio, errónea impondo-se a qualquer homem ou cidadão mediano e fundamenta a existência do vícios a que alude o art. 410º n.º 2, al. c), do aludido compêndio adjectivo, ou não. Neste caso, deve cumprir-se as regras de impugnação supra mencionadas. No nosso sistema processual penal vigora o princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127° do CPP, que estatui" salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada seguindo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.". A este propósito salienta o Sr. Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, v. I, Coimbra Editora, Lda., 1981, pág. 202: " Uma coisa é desde logo certa: o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável - e portanto arbitrária - da prova produzida. Se a apreciação da prova é, na verdade discricionária, tem evidentemente esta discricionariedade (...) os seus limites que não podem ser licitamente ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a chamada" verdade material" - de tal sorte que a apreciação há-de se, em concreto, reconduzível a critérios objectivos e portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo..." E adianta, Marques Ferreira, Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, " Meios de Prova", Livraria Almedina, pág. 227/228.: " Por outro lado, livre convicção ou apreciação não poderá nunca confundir-se com apreciação arbitrária da prova produzida nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova. A mais importante inovação introduzida pelo Código nesta matéria consiste, precisamente, na consagração de um sistema que obriga a uma correcta fundamentação das decisões que conheçam a final do processo de modo a permitir-se um controlo efectivo da sua motivação". Reafirma-se que o recorrente não impugnou, na verdadeira asserção da palavra a matéria de facto, limitando-se a criticar a forma como foi valorada a prova e a percepciona-la de forma diversa. O que a lei exige é que se indiquem provas que imponham decisão diversa e não que permitam outra decisão. Sobre esta questão, o Prof. Marques da Silva, In “ Curso de Direito Processual Penal, vol. II, pág. 126 e 127 refere:" O juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis. Num primeiro aspecto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente de imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente aplicáveis (v.g. a credibilidade eu se concede a um certo meio de prova). Num segundo nível referente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e agora já as interferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se na correcção do raciocínio, que há de basear-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência.". Maia Gonçalves, in "Código de Processo Penal, anotado", 9.ª ed., pág.322, refere "... livre apreciação da prova não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e de lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica... ". Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal", II, pág. 126 e segs... a livre apreciação da prova tem de se traduzir numa valoração "racional e critica, de acordo com as regras, comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão...; com a exigência de objectivação da livre convicção poderia pensar-se nada restar já à liberdade do julgador, mas não é assim. Como já referido, a convicção do julgado há-de ser sempre uma convicção pessoal, mas há-de ser sempre "uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros ". O juízo sobre a valoração da prova tem diferentes planos. Em primeiro lugar trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente explicáveis (v.g., a credibilidade que se concede a um certo meio de prova). Seguidamente, na valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e agora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência. Acresce que, só a especificação de todos os elementos probatórios, os indicados pelo tribunal e os que se entende não foram tidos em conta, pode impor decisão diversa. E as provas que impõem essa diversa decisão são as provas relevantes e decisivas que não foram analisadas e apreciadas, ou, as que o tendo sido ponham em causa ou contradigam o entendimento plasmado na decisão recorrida. Se a tais provas faltam esses pressupostos, não conduzem a outra decisão. O problema posto pelo recorrente reconduz-se ao da apreciação da prova por parte do tribunal recorrido de que trata o art.º 127°, do CPP. Ora, reafirmamos que aos julgadores, no tribunal de recurso, está vedada a imediação e a oralidade em toda a sua extensão, contrariamente ao que ocorre no tribunal da 1ª instância que contacta com uma multiplicidade de factores, relativos a percepção da espontaneidade dos depoimentos da verosimilhança, da seriedade, das hesitações, da linguagem, do tom de voz, do comportamento, das reacções, dos trejeitos, das expressões e, até, dos olhares. Assim, condicionados pela impossibilidade da captação desses elementos directos, resultantes da imediação da prova, perante duas ou mais versões dos factos, só podem afastar-se do juízo feito pelo julgador da primeira instância, naquilo que não tiver origem nestes dois princípios (oralidade e imediação), ou seja, naqueles casos em que a formulação da convicção não se tiver operado em consonância com as regras da lógica e da experiência comum, reconduzindo-se assim o problema, na maior parte dos casos, ao da fundamentação de que trata o art.º 374º n.º 2, do aludido compêndio adjectivo. No que concerne à matéria de facto provada constante dos pontos 6 a 8, referente ao elemento subjectivo do tipo, o Sr. Professor Manuel Cavaleiro de Ferreira em "Direito Penal Português” - Parte Geral I - Sociedade Científica da Universidade Católica Portuguesa, escreve que se a intenção é vontade e esta é acto psíquico, acto interior são, contudo, grandes as dificuldades para dar praticabilidade a conceitos que designam actos internos, de carácter psicológico e espiritual. Por isso se recorre a regras da experiência, que as leis utilizam quando elas podem dar aos conceitos maior precisão... Por outro lado, o dolo, dada a sua natureza subjectiva, é insusceptível de apreensão directa, só podendo captar-se a sua existência através de factos materiais, entre os quais o preenchimento dos elementos integrantes da infracção, e por meio das presunções materiais ligadas ao princípio da normalidade ou das regras gerais da experiência. A ilustrar tal entendimento podem citar-se, entre outros, os seguintes acórdãos: Acórdão do S.T.J., de 07.07.93 publicado na Base de Dados da DGSI (www.dgsi.pt) sob o n.º SJl99307070444783: "Os elementos do crime, de estrutura psicológica como o dolo, só são, em regra, susceptíveis de prova indirecta, porque muito raros são os casos em que o agente anuncia que vai praticar um crime."; Acórdão do S.T.J., de 01.04.93 in BMJ n.º 426, pág. 154 no qual se exarou: "Dado que o dolo pertence à vida interior e afectiva de cada um e, é portanto, de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão, só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns, de que o mesmo possa concluir-se, entre os quais surge, com a maior representação, o preenchimento dos elementos materiais integrantes da infracção. Pode, de facto, comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções materiais ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral de experiência. “. Ora recorrendo a regras de experiência e porque para se aferir ou não da existência da intenção criminosa, se há-de retirar os elementos confirmativos da sua verificação, da matéria fáctica dada como provada. Mas, revertendo para o caso concreto, para melhor explicitação do mesmo, analisada a prova gravada, a matéria fáctica questionada pelo recorrente, a matéria de facto provada e a sua motivação, vertidas na sentença recorrida, resultantes da prova produzida e analisada em sede de audiência de julgamento, dir-se-á que o arguido/recorrente, como é referido, na resposta do MºPº, “entende que "não resulta de todo provado (...) que naquele dia, àquela hora, se encontrassem a circular vários veiculos", que "A questão de circularem vários veículos no percurso feito pelo arguido aquando da ocorrência dos factos, que, (...), o Tribunal deu como provado, suscitou algumas contradições e incertezas, bem patentes nos autos", que "Desconhece-se (...) o motivo pelo qual o Tribunal deu como assente que àquela hora/naquele percurso circulavam vários veículos, entendendo-se que o Tribunal não procedeu à devida fundamentação acerca do que o terá levado a fixar este facto como assente", que "Porque não resulta provado que circulassem outros veículos, consequentemente também não resulta provado que a vida e o bem-estar físico dos outros condutores tenham sido postos em causa pela conduta do arguido", que" (...) se não resultou provado que se encontrassem outros veículos a circular àquela hora e naquele local, certo é que também não existiu qualquer risco de destruição para esses veículos, simplesmente porque eles não se encontravam no local... "» que não " (...) agiu deliberada, livre e conscientemente, com intenção de violar as regras (...) bem sabendo ( ... ) que tal conduta era susceptível de criar, como criou, risco para a vida ou de produção de lesões físicas/nos condutores dos veículos automóveis que consigo se cruzassem/assim como/de destruição de tais viaturas, que circulavam naquele local", que "O Tribunal assentou a sua convicção com base nos autos e nos depoimentos contraditórios das testemunhas, sendo certo que muitas são as incongruências neste processo/do qual resultou a condenação do arguido”. Salvo o devido respeito, não podem proceder os argumentos avançados pelo recorrente, pois como resulta, e bem, do texto da decisão recorrida, todos os factos foram correctamente valorados e, apenas, se estribando no que se apurou nos autos, pelo que andou bem o Tribunal “a quo”. Porquanto, “O Tribunal assentou a sua convicção no conjunto da prova produzida, nos documentos constantes dos autos, designadamente, no Auto de Notícia a fls. 5 e 6, conjugados com o depoimento das testemunhas (militares da GNR), António Campos N e Nelson M inquiridos em audiência de julgamento e ainda no CRC de fls. 186, quanto aos antecedentes criminais do arguido. O arguido usou, inicialmente, do direito de não prestar declarações, tendo prestado declarações a final, não tendo, contudo, as mesmas sido consideradas credíveis, pelas razões que adiante se apontarão. Do depoimento das testemunhas arroladas na acusação que descreveram com bastante pormenor os factos em causa, o tribunal deu por provada a quase totalidade da acusação, com excepção da factualidade relativa ao número de veículos em circulação, a hora em concreto em que os factos ocorreram e a distância percorrida pelo arguido, conjugando tais depoimentos com o auto de notícia. Quanto à data e local da ocorrência o tribunal fundou-se: no auto de notícia; no ofício de fls. 2 e 3, que dá conta que o arguido foi detido pelas 17:30 horas; pela data e hora constante do TIR assinado pelo arguido, a fls. 8; no auto de interrogatório assinado pelo arguido, a fls. 10; e ainda, pelo ofício do INEM, a fls. 16, onde consta que o pedido de assistência foi feito no dia 28.3.06, pelas 15:50 horas. Os factos terão ocorrido cerca das 16 horas, do dia 28.3.06, não muito antes, sendo certo que o arguido nas declarações que posteriormente prestou se colocou nas circunstâncias de tempo e lugar referidas na acusação, não negando ter conduzido em contramão na rotunda a uma velocidade superior à legalmente permitida (referiu 55 km/h). Como se verá, o arguido apenas não admitiu ter-se cruzado com qualquer outra viatura, nem com o próprio carro patrulha.” Mas iremos concretizando, com maior pormenor, o conteúdo dos depoimentos destas duas testemunhas, presenciais e determinantes para a descoberta da verdade e convicção do tribunal “a quo”, que o arguido pretende desacreditar, por confronto com as suas declarações finais, concedidas, depois de inicialmente se ter remetido ao silêncio, um direito que lhe assiste, mas que não pode ter o efeito, por ele pretendido, de se sobrepor aos depoimentos prestados por testemunhas presenciais, com conhecimento directo dos factos, considerados credíveis e convincentes. Vejamos! Como refere o MºPº, na sua resposta, resulta da fundamentação da sentença e da audição da prova gravada, que “A testemunha Nelson M foi esclarecedora e o seu depoimento muito pormenorizado. Descreveu o local onde os factos ocorreram, em V, conseguindo situá-los e descrevendo a condução do arguido desde a altura em que avistou o veículo até ao momento da intercepção. Identificou igualmente a marca e modelo da viatura do arguido e a respectiva cor. Afirmou que se encontrava de patrulha com o Sargento-Ajudante N, Comandante do Posto da GNR de Q, e que avistaram o arguido a conduzir um Citroen C3 azul em alta velocidade e a entrar na rotunda situada nas proximidades dos caminhos do Ge, em contramão. Esclareceu que o arguido entrou na Rotunda na diagonal do lado esquerdo e à direita na via onde seguiam no carro patrulha, pelo que inverteu a marcha e seguiu em perseguição do arguido com os rotativos ligados, vindo o arguido a imobilizar o veículo após uma curva, cerca de 2 km depois, onde foi detido.” Mais “(…) referiu que o arguido se cruzou com um veículo que teve de travar bruscamente para evitar uma colisão frontal. Disse ainda que fora das rotundas, onde o arguido conduziu em contramão, conduzia ao centro da via ocupando as duas faixas de trânsito. Referiu igualmente que a seguir à Rotunda se encontravam peões na estrada, que não tem passeios.” “O Sargento, António N, que era, à data dos factos, Comandante do Posto de V, afirmou que se encontrava de patrulha com o Guarda M e que avistaram o arguido a conduzir em sentido contrário numa rotunda obrigando o condutor da viatura que circulava em frente à sua foi obrigado a parar bruscamente, pelo que ligaram os rotativas e as sirenes e foram em sua perseguição. Referiu que o arguido circulava a uma velocidade desadequada e muito superior à permitida naquela zona, tratando-se de uma zona habitacional (...). Mais referiu ter a certeza absoluta (...) que o arguido colocou em perigo a integridade física do condutor do veículo da frente, que teve de parar, e a integridade física dos peões que seguiam na estrada e pôs igualmente em risco a viatura da GNR, conduzindo em excesso de velocidade e em sentido oposto ao legalmente permitido”. Estes depoimentos das testemunhas referidas, foram valorados, pelo Tribunal “a quo” que os “considerou pormenorizados e credíveis, nenhuma censura nos merecendo tal apreciação.” Assim, podemos afirmar, que ainda que se admita a existência de alguma discrepância, de pormenor, entre os depoimentos das testemunhas, militares da GNR, António Campos N e Nelson M, a mesma é lógica e aceitável, dada a resposta a perguntas distintas e formulados com subjetivismos e intenções diversas, de acordo com as funções da acusação e da defesa. Não esquecer que essa formulação pode conter desígnio e objectivos direccionados à obtenção de determinada resposta que sirva determinado fim, útil a quem formule e pretenda uma determinada resposta que pode condicionar, mediante a forma como a pergunta é sugestionada. Portanto, não sendo contraditória ou dissonante, nos aspectos essenciais, não tem relevância. A percepção, a apreensão e o relato das ocorrências pelos seres humanos que as testemunham não têm de ser arquitectados e construídos, dependendo de variadíssimos factores, entre eles, os intrínsecos à própria pessoa que os aprende, nomeadamente, a acuidade e a memória visuais, a atenção e os registos de pormenores, bem como, os referentes ao local onde se encontravam e ao ângulo de visão de cada um. Não esquecer que os factos se desenrolaram de forma dinâmica, com mudança célere de diferentes áreas e artérias de V, dada a perseguição movida pelo veículo da GNR, ao veículo tripulado pelo arguido, pelas diferentes artérias daquela localidade. Acresce que as duas testemunhas não estavam sentadas no mesmo assento do veículo, sendo que uma o tripulava, o Nelson M, e outra, o Sargento-ajudante, Comandante do posto de Q, António N, seguia no assento ao lado. Um depoimento milimetricamente assertivo, ou coincidente, à minúcia, com outro, é que pode fazer duvidar da sua espontaneidade e veracidade. Por sua vez, como já referido, “O arguido prestou declarações que o tribunal não considerou credíveis, e nem encontraram suporte em qualquer outro meio de prova". Relativamente às perguntas que lhe são feitas sobre a questão da culpa, isto é, sobre os factos que lhe são imputados, e que podem configurar elementos constitutivos de infracção criminal, há que salientar (como já mencionado) que o arguido tem o direito ao silêncio e, querendo prestar declarações, não está sujeito ao dever de obediência à verdade.” “O tribunal concluiu do conjunto da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento' que o arguido conduzia a uma velocidade desadequada ao local e superior à legalmente permitida de 50 km/h, designadamente com fundamento no depoimento da testemunha M que afirmou que teve de conduzir a alta velocidade para conseguir interceptar o arguido, num Nissan Almera (…) Não colocando em dúvida “que o arguido conduziu a velocidade excessiva, superior a 50 km/h e em contramão, antes de ser interceptado pela GNR porquanto, o arguido admitiu tal circunstancialismo no final do julgamento quando decidiu prestar declarações. Efectivamente, no final do julgamento declarou o arguido que vivia em V mas que na última vez que passou no local ainda não tinha sido construída a Rotunda. Ora, isto é uma contradição e retira credibilidade ao arguido, mas sem se valorar o depoimento prestado por RC em inquérito. Ou seja, se reside nas imediações não é provável que não conheça o local. Também, não será por acaso que o arguido praticou várias contra-ordenações, cujas cópias se encontram a fls. 38 a 40 dos autos, ou seja, também noutras ocasiões o arguido violou normas estradais. Apesar de ter dito que não se encontrava a circular a mais de 55 km/h, no que não foi credível, aliás, as testemunhas inquiridas fizeram prova do contrário - porquanto se viesse a circular a uma velocidade moderada teria tido tempo para se aperceber da Rotunda evitando entrar na mesma em contramão. Mas mesmo que tivesse conduzido à velocidade que referiu, a mesma já é acima da legalmente estabelecida para o local, ao que acresce que os condutores são obrigados a moderar especialmente a velocidade à entrada das rotundas. Por outro lado, o arguido disse igualmente em declarações que resolveu entrar na Rotunda em sentido contrário para evitar um acidente. Ora, se circulasse a uma velocidade adequada, teria conseguido parar a viatura ao avistar a Rotunda, o que retira credibilidade ao alegado. O arguido diz que não viu nenhum veículo, ou seja, não viu igualmente o carro patrulha da GNR antes de ser interceptado, o que é completamente incredível.” Ora, como é sabido, o resultado da prova é fixado pelo Tribunal seguindo a sua livre convicção. O princípio da livre apreciação da prova, como princípio estruturante do direito processual do continente europeu e, especificamente do direito processual penal português, assume, na dinâmica do processo de fundamentação da sentença penal simultaneamente, uma dupla função de ordenação e de limite. Vinculado ao princípio da descoberta da verdade material, contrariamente ao sistema probatório fundado nas provas tabelares ou tarifárias que estabelece um valor racionalizado a cada prova, possibilita-se ao juiz um âmbito de discricionariedade na apreciação de cada uma das provas atendíveis que suportam a decisão. Trata-se de uma discricionariedade assente num modelo racionalizado, na medida em que implica que o juiz efectue as suas valorações segundo uma discricionariedade guiada pelas regras da ciência, da lógica e da argumentação. Ou seja, «o princípio da livre convicção libertou o juiz das regras da prova legal mas não o desvinculou das regras da razão» cf. Michelle Taruffo, «Conocimiento científico y estándares de prueba judicial», Jueces para la Democracia, Información y debate, nº 52, Marzo, 2005, p. 67. Ora conforme foi referido o Tribunal no caso concreto, para chegar à sua decisão, valorou um conjunto diverso de provas utilizando exactamente as regras da razão, fundadas na lógica e na experiência. Daí que não se vislumbra qualquer vício no seu modo de decidir e valorar essas provas que ponha em causa o principio da livre apreciação da prova.” (vide, Ac. R C, de 25/11/2009, proferido no Proc. N.º 219/05.8GBPCV.C1). O tribunal recorrido apreciando criticamente todas as provas produzidas, conjugando-as e confrontando-as, como se fez constar, de forma detalhada, da respectiva fundamentação. É indiscutível que na sentença é mencionada, portanto, a razão da valoração de todos os elementos probatórios e credibilidade dos depoimentos das referidas testemunhas. Pois que, no caso “sub judice”, tal como se mostra mencionado, resulta da fundamentação da matéria de facto que, o tribunal “a quo” na análise e fixação da matéria de facto, baseou-se na observação de conjunto de provas, legalmente válidas e interpretou-as, de forma livre, mas não arbitrária. Assim, atentas as considerações supra tecidas, e ao contrário do que afirma o recorrente, o Tribunal a quo valorou validamente a prova produzida, valorando ao abrigo do Principio da livre apreciação da prova, do Principio da imediação, e considerando as regras da experiência comum e da lógica, os diversos elementos probatórios carreados e produzidos nos autos, apreciando de modo imparcial e coerente. Portanto, da análise de toda essa prova supra referida, junta aos autos, emerge a convicção de que toda a prova produzida foi correctamente valorada pelo tribunal “a quo" não merecendo reparo algum a matéria de facto fixada na sentença recorrida, nomeadamente, a respeitante: à hora da ocorrência dos factos; ao momento do início da verificação da condução do arguido; à velocidade por ele imprimida à viatura que tripulava; e à circulação de outros veículos (no que concerne à não identificação de outras testemunhas e à assistência médica, essas circunstancias factuais não foram consignados, certamente, por não serem determinantes, ou essenciais, no caso “sub judice”, para a apreciação da factualidade imputada ao arguido). Todos os referidos elementos de prova infirmam as afirmações do recorrente vertidas em alguns dos diversos pontos da sua conclusão da motivação de recurso e confirmam a matéria apurada. O tribunal recorrido apreciando criticamente os seus depoimentos e conjugando-os com, a demais prova produzida, como se fez constar, ainda que sucintamente da respectiva fundamentação. Todos estes elementos de prova confirmam a matéria apurada e não provada consignada. Face a essa fundamentação da convicção feita pelo tribunal, colocar em causa a valoração da prova feita, sem concretizar devida e especificadamente matéria relevante para esse fim, e mencionar determinados depoimentos que, ou não serviram de base á fundamentação da convicção do tribunal, ou não concorreram para ela, em detrimento de outros que foram relevantes para a convicção da matéria fáctica, provada o não provada, não pode ser considerado como impugnação da matéria de facto. Assim, não se modifica a matéria de facto, nos termos preceituados no art. 431º n.º 1 al. b), do C.P.P. A matéria fáctica apurada é a que se mostra supra descrita. A violação do princípio in dubio pro reo é tratada como erro notório na apreciação da prova. Relativamente a este princípio "in dubio pro reo", cremos que este apenas se coloca no âmbito da matéria de facto; e apenas se verifica quando do texto da decisão recorrida resulte que o tribunal, na dúvida optou por decidir contra o arguido, sendo certo também que de haver prova divergente não significa que estejamos perante uma dúvida séria e honesta. Ora, resulta da sentença, que o tribunal nunca duvidou, face à prova produzida, que o arguido cometeu o crime que lhe era imputado. Revertendo para o caso concreto, resulta da sentença, que o tribunal nunca duvidou, face à prova produzida, que o arguido cometeu o crime de condução perigosa de veículo rodoviário, que lhe era imputado, nos termos constantes do ponto 2.4.2.1, para o qual remetemos. Como já afirmado, o que o recorrente alega no fundo é uma diversa interpretação/valoração da prova. Ora não é isto que ocorre no caso vertente, sendo patente da fundamentação da sentença que o tribunal não teve qualquer dúvida sobre a ocorrência da matéria de facto em causa, comprovativa da verificação do aludido crime praticado pelo arguido, que na sua óptica não devia ter sido dado como praticado, por si, em autoria material. Por fim, é óbvio, da simples leitura da fundamentação da decisão recorrida que o tribunal não teve qualquer dúvida acerca dos pontos de factos que deu como assentes, dúvidas que este tribunal de recurso, mesmo sem acesso à imediação e à oralidade, também não vislumbra. Razão pela qual deverá improceder a tese do arguido, sendo ainda certo que onde não reside a dúvida, não pode funcionar o princípio constitucional “in dubio pro reo”. Portanto, não resulta do texto da sentença que o tribunal tenha violado o princípio" in dubio pro reo". Pelos motivos retro expostos, não se vislumbra que tenham sido violadas, entre outras, normas contidas nos arts. 32° da C.R.P e 410°, do Código Processo Penal. 2.4.2.4 - Nulidade da sentença por insuficiência de fundamentação. |