Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
| ||
Relator: | JAIME PESTANA | ||
Descritores: | ANIMAL PERIGOSIDADE RESPONSABILIDADE CIVIL | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 06/11/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | 1 - Em face de um contrato de seguro de responsabilidade civil obrigatório, deve, em primeiro lugar, responder a Seguradora, para quem os Segurados transferiram a responsabilidade civil por danos causados pelo animal agressor, até ao limite do montante do capital seguro, apenas pelo excedente não coberto pelo contrato de seguro, respondendo os Segurados; 2 - Pelo que não se justifica qualquer condenação solidária dos Segurados e da Seguradora. | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Proc.º 613/08.2TBSSB.E1 – 1.ª secção Acordam os Juízes da Secessão Cível do Tribunal da Relação de Évora. (…), menor, NIF (…), representada pelos seus progenitores, (…), NIF (…) e (…), NIF (…), todos residentes na Rua (…), lote 1395, 1º, Esq., (…), moveu acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra (…) – Companhia de Seguros, S. A., com sede na Rua (…), nº (…), (…) e (…) e (…), casados entre si, residentes na Rua (…), lote 611-A, (…), Sesimbra, pedindo a condenação solidária dos réus no pagamento de €1.060,30 a título de indemnização por danos patrimoniais e € 60.000,00 por danos não patrimoniais. Alegam, para o efeito, que os 2.ºs réus são donos de um cão, que mordeu a autora, causando-lhe ferimentos no corpo que resultaram em dores para a menor, cicatrizes permanente, medo persistente de animais e vergonha de mostrar o seu corpo perante terceiros. A responsabilidade por danos causados por animais encontra-se transferida para a 1.ª ré. A 1.ª ré contestou por excepção, alegando que não foram observadas as normas de segurança vigentes para animais de companhia, pelo que a situação em apreço cai em cláusula de exclusão contratada com os primeiros réus. A autora replicou, alegando que tal cláusula não lhe é oponível, por o seguro de animais perigosos ser obrigatório. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e em consequência condenou solidariamente os RR a pagarem a autora a quantia de € 100,00 a titulo de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, desde a data de citação, à taxa de 4%, até integral e efectivo pagamento e ainda a quantia de € 45.000,00 a titulo de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida dos juros vincendos, contados da data de notificação da presente decisão, à taxa legal de 4%, até integral e efectivo pagamento. Inconformados com a decisão, os RR. interpuseram recurso tendo concluído nos seguintes termos: 1 – A Ré (…) A A. ora Apelada pede a condenação da Ré (…) – Companhia de Seguros. S.A., no pagamento de1.060,30 euros a título de indemnização por danos patrimoniais e 60,000.00 euros a título de indemnização por danos patrimoniais. Até ao limite do capital seguro, e solidariamente, igualmente a condenação dos 2.ºs Réus, pelo excedente não coberto pelo contrato de seguro, celebrado. Para isso alega que os Réus (…) e (…), são donos de um cão, que mordeu a A., causando-lhe ferimentos no corpo que resultaram em dores para a A., cicatrizes permanentes, medo persistente de animais e vergonha de mostrar o seu corpo perante terceiros. Mais ficou provado que os Réus (…) e (…), enquanto donos do animal de raça rottweiller de nome «Fred» haviam transferido a responsabilidade civil, por eventuais danos causados pelo animal, mediante contrato de seguro do ramo «Responsabilidade Civil familiar, titulado pela apólice (…) para a (…) – Companhia de Seguros, S.A. Tal seguro vigorava com o capital seguro de 50,000 euros e uma franquia a cargo do segurado de 100,00 euros. O mencionado contrato de seguro, estava subordinado às Condições Gerais, Particulares e Especiais da respectiva apólice, nomeadamente à Condição Especial 020, denominada «Animais Perigosos e Potencialmente Perigosos». A Condição Especial da Apólice 020 – Animais Perigosos e Potencialmente Perigosos no seu numero 6, alínea h), sob epigrafe «Exclusões», que: «Além das exclusões contidas nas Condições Gerais, esta apólice não abrange as reclamações por danos: (..) h) Causados pela inobservância das disposições legais em vigor que regulamentem a detenção de animais de companhia». A A, alegou e ficou provado, que em consequência das mordeduras de que foi alvo por parte do cão «Fred», ficou com o aspecto e como consta nas fotografias, juntas aos autos a fls. 47 a 49. Também disse, que logo após o ataque do cão «Fred», andou de cadeira de rodas. Que sofreu défice funcional temporário parcial entre 09-11-2005 e 14-05-2008 (918 dias). As lesões sofridas pela A. causaram-lhe dores de grau 4. Foi sujeita a diversos tratamentos entre os dias 09-11-2005 e 25-11-2005. Para além, do já mencionado a A. passou a ser assistida em consulta de Psicologia na Unidade de Pedopsiquiatria do Hospital Garcia de Orta. A. A. passou a apresentar sintomas de tristeza e vergonha, irrequietude, birras e instabilidade do sono, que se manifestaram num quadra de perturbação Pós-stress traumático, que a A. padeceu durante um ano após o ataque. Mais ficou provado que a A. após várias consultas de psicologia, sofre de perturbação pós-stress traumático, em consequência de não conseguir lidar com o trauma vivido, necessitando de acompanhamento psicológico, durante 1 ano após o ataque. Até ser atacada pelo cão «Fred» a A. não tinha problemas físicos. Era uma criança activa, extrovertida, alegre e saudável. Após o ataque de que foi vítima, passou a apresentar um carácter inibido e uma expressão triste. Revela sentimentos de angústia e tristeza em virtude do ataque de que foi vítima. A A. passou a ter baixa auto-estima (sentimento de diminuição) e debilidades nos relacionamentos com os outros. Sente-se envergonhada em ‘virtude das cicatrizes de que é portadora na perna, braço direito e ambas as orelhas, ao ponto de não aceitar vestir saias ou calças curtos, camisas e vestidos de manga cava. A A. não aceita andar com o cabelo apanhado, por vergonha das cicatrizes. A A. sofre de défice funcional permanente da integridade física e psíquica fixada em quatro pontos e dano estético permanente quantificada no grau 5. Em consequência do ataque do cão a A. ficou com as roupas destruídas. E a mãe da A. teve que suspender a sua actividade profissional, como escriturária na empresa (…) – Limpezas, Lda., para lhe prestar assistência. A A. mantém a necessidade de acompanhamento psicológico e as cicatrizes não podem ser eliminadas, apenas reduzidas na sua espessura. Dando como provados os factos acima descritos, o tribunal a quo, veio decidir por condenar solidariamente os três Réus em partes iguais, o que não podemos com o sempre devido respeito aceitar. A A. na sua Petição inicial pede a condenação da Ré (…) – Companhia de Seguros, S.A. uma vez que os RR. (…) e (…), haviam transferido a responsabilidade civil, para a Seguradora, pelos eventuais danos causados pelo cão «Fred», do qual são proprietários. Responsabilidade civil que se encontrava transferida para a Seguradora, através de contrato de seguro do ramo «Responsabilidade Civil Familiar», titulado pela apólice (…). Com um limite de capital segurado no montante de 50.000 euros. Seguro esse obrigatório, nos termos do art.º l3.º do Decreto-Lei nº 312/2003, de 17 de Dezembro e celebrado ao abrigo da Portaria 585/2004, de 29 de Maio. Como resulta dos factos assentes na sua alínea M) em 09-11-2005, a Ré Companhia de Seguros, havia assumido a responsabilidade civil dos Réus (…) e de (…), enquanto donos do animal de raça rottweiller de nome «Fred», mediante Contrato de seguro. Na alínea N), resultou igualmente assente, o contrato de seguro estava subordinado as Condições Gerais, Particulares e Especiais da respectiva apólice, nomeadamente á Condição Especial 020, denominada «Animais Perigosos e Potencialmente Perigosos» A condição Especial da apólice 020 dispõe – Animais Perigosos e Potencialmente Perigosos no seu numero 6 alínea h), sob a epigrafe «Exclusões que: «Além das exclusões contidas nas Condições Gerais, esta apólice não abrange as reclamações por danos: (...) h) Causados pela inobservância das disposições legais cm vigor que regulamentam a detenção de animais de companhia. Resultou provado, na douta sentença que os Réus (…) e (…), transferiram para a Ré (…) – Companhia de Seguros, S.A. a responsabilidade civil, por danos causados pelo cão «Fred», no montante de 50.000,00 euros. O contrato de seguro é um acordo através do qual o Segurador assume a cobertura de determinados riscos, comprometendo-se a satisfazer as indemnizações, ou a pagar o capital seguro, em caso de ocorrência de sinistro. Atenta-se ainda ao facto de se tratar de um seguro obrigatório. Pelo que se procura assegurar o interesse do segurado, que pretende proteger o seu património, bem como a fonte de risco, que pressupõe ser dona de um animal com as características do animal agressor. Nestes seguros obrigatórios, os direitos da vítima ficam devidamente salvaguardados, nunca podendo a seguradora exc1uir-se da sua responsabilidade civil, a qual opera no âmbito da relação contratual com o tomador do seguro. Neste sentido, e face ao contrato de seguro caberá á Ré Seguradora, até ao limite do capital seguro, a obrigatoriedade do pagamento da quantia ora fixada, pela douta sentença, a título indemnizatório. Respondendo os segundos Réus, pelos valores em que fossem condenados no que excede-se o capital segurado. Ora, nos autos em apreço, o montante indemnizatório a que a Ré foi condenada, cabe no montante do capital segurado, pelo que com o devido respeito, não podemos concordar com a condenação solidária, dos três Réus aqui identificados. Deve pois ser reconhecida a transferência da responsabilidade civil para a Seguradora e a sua condenação na totalidade do pagamento do montante indemnizatório. 2 – O Réu (…) A douta sentença, de que ora se recorre, condenou solidariamente os três RR. no pagamento à A. na quantia de 100,00 euros a tltulo de danos patrimoniais, acrescidos de juros vencidos e vincendos, desde a data de citação, à taxa de 4%, até integral e efectivo pagamento e na quantia de 45.000 euros, a tltulo de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros vincendos, contados da data de notificação da douta sentença, à taxa de 4%, até integral e efectivo pagamento. Porquanto, foi dado como provado que o aqui recorrente e a R. (…), são donos do cão, de raça rottweiller, que mordeu a A, causando-lhe ferimentos no corpo de que resultaram em dores para a A., cicatrizes permanentes, medo persistente de animais e vergonha de mostrar o seu corpo perante terceiros. Ficou provado que o recorrente não se encontrava em casa, na altura em que o infeliz acidente ocorreu, pelo que, não estava, deste modo, obrigado a guarda e a vigilância do cão. Mas ainda que, a decisão de V. Exas seja no sentido de que o aqui recorrente deverá responder pelo risco, enquanto dono do animal, o certo é que, o recorrente transferira para a Companhia de Seguros, a responsabilidade civil, por eventuais danos causados pelo seu animal, mediante um contrato de seguro do ramo «Responsabilidade Civil Familiar», titulado pela apólice (…). Pelo que, nestes seguros obrigatórios, não pode a Companhia Seguradora excluir-se da sua responsabilidade civil, na medida em que, a celebração do contrato de seguro transfere a obrigação do pagamento de eventuais indemnizações para a Seguradora. Cabe a Ré (…) – Companhia de Seguros, S.A., a obrigatoriedade do pagamento a A. das quantias fixadas, pela douta sentença, a título indemnizatório. Uma vez que, os montantes indemnizatórios cabem no montante do capital segurado. 3 – A Ré (…) – Companhia de Seguros, S.A. A Recorrente não se conforma com a decisão proferida pela meritíssima juiz a quo, quer na parte em que a mesma decidiu estarem os danos sofridos pela Autora cobertos pelo contrato de seguro de responsabilidade civil celebrado entre a 1.ª ré e o 2° réu, quer na parte em que a mesma fixou a indemnização devida a A. a título de danos não patrimoniais no montante de € 45.000,00. Trazendo a colação um douto acórdão do STJ proferido em matéria de seguro de responsabilidade civil automóvel, entendeu a meritíssima juiz a quo que in casu por se estar perante um seguro obrigatório, a exclusão da responsabilidade da seguradora opera no estrito âmbito da relação contratual com o tomador do seguro, não podendo desproteger a vitima” que é estranha a tal relação contratual, isto depois de haver expressamente reconhecido que a portaria n.º 585/2004, de 29 de Maio, que regulamenta o seguro obrigatório em análise admite tal cláusula de exclusão – artigo 7º, al. g). Ora é precisamente com este entendimento que a recorrente não se conforma. O Artigo 13° do Decreto-lei n.º 312/2003, de 17/12 (em vigor à data dos factos em causa nos autos) dispunha que o detentor de qualquer animal perigoso ou potencialmente perigoso, fica obrigado a possuir um seguro de responsabilidade civil em relação ao mesmo, sendo os critérios quantitativos e qualitativos do seguro definidos por portaria dos Ministros de Estado e das Finanças e da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas. Em cumprimento deste requisito foi publicada a Portaria n.º 585/2004, de 29/05, a qual, estabelecendo critérios qualitativos para este seguro obrigatório, distinguiu, muito claramente, as situações em que o contrato de seguro pode prever o direito de regresso da seguradora contra o civilmente responsável – Artigo 6º da Portaria – das situações em que o contrato de seguro pode excluir os danos – Artigo 7.º da Portaria. Dispunha o Artigo 7.º da Portaria n.º 585/2004 que o contrato de seguro pode excluir os danos (…) g) Causados pela inobservância das disposições legais em vigor que regulamentem a detenção de animais de companhia. E é precisamente respeitando estes critérios legais que a apólice de seguro contratada entre a 1.ª ré e o 2.º réu dispõe, na Condição Especial da Apólice 020, sob a epígrafe Animais Perigosos e Potencialmente Perigosos, no seu n.º 5 quais as situações em que uma vez satisfeita a indemnização a seguradora tem direito de regresso, e no seu n.º 6 quais as situações em que a apólice não abrange os danos reclamados, mormente, “os causados pela inobservância das disposições legais em vigor que regulamentem a detenção de animais de companhia”. Ao contrário do que é o entendimento da meritíssima juiz a quo, não se pode transformar uma situação em que a lei e o contrato de seguro conferem `a seguradora o direito de declarar os danos excluídos das coberturas da apólice numa situação, bem diversa, em que uma vez satisfeita a indemnização pela seguradora, esta tem direito de regresso contra o civilmente responsável. São situações distintas, que a lei e o contrato de seguro distinguem, pelo que não poderia a douta sentença recorrida “confundi-las” ou reconduzir uma a outra. Diga-se, aliás que só assim não seria se a Cláusula de Exclusão constante do n.º 6 h) da Condição Especial da Apólice 020 pudesse qualificar-se como uma cláusula abusiva, que não pode, porque não é contrária aos princípios da boa-fé. Ora a cláusula que declara que a apólice de seguro não abrange as reclamações por danos decorrentes da inobservância das disposições legais em vigor que regulamentam a detenção de animais de companhia, ou seja, que declara excluídas do âmbito do seguro as situações contrárias a normas legais prescritivas e até de ordem pública, não consubstancia, de todo, um desequilíbrio contratual de interesses em detrimento do aderente, nem favorece excessiva ou desproporcionadamente a posição contratual do predisponente, ou seja não conduz a uma desrazoável perturbação do equilíbrio contratual de interesses, e, certamente, por isso, tal cláusula de exclusão encontra mesmo consagração legal na citada Portaria n.º 585/2004, sendo o seu fim último o de incentivar o cumprimento das regras de segurança por parte dos detentores de animais perigosos e potencialmente perigosos. Verifica-se, pais, que a cláusula de exclusão constante do n.º 6, h), da Condição Especial da Apólice 020 é plenamente válida e eficaz, havendo que apurar, então, se in casu os danos sofridos pela autora foram decorrentes da inobservância das disposições legais em vigor que regulamentam a detenção de animais de companhia. O cão de nome “Fred” que mordeu a autora, é propriedade dos 2°s réus e é da raça rottweiller, sendo, como tal, classificado um animal potencialmente perigoso, na lista anexa a Portaria n.º 422/2004, de 24/04. Dispunha o Artigo 6° do Decreto-Lei n.º 312/2003, de 17/12, em vigor a data dos factos que incumbe ao detentor do animal o dever especial de o vigiar, de forma a evitar que este ponha em risco a vida ou a integridade física de outras pessoas e animais, enquanto o Artigo 7.º do mesmo diploma dispunha que o detentor de animal perigoso ou potencialmente perigoso fica obrigado a manter medidas de segurança reforçadas, nomeadamente nos alojamentos, os quais não podem permitir a fuga dos animais e devem acautelar, de forma eficaz a segurança de pessoas, outros animais e bens. (…)”. E se bem que o acidente tenha ocorrido no logradouro da casa dos 2.ºs. réus, importa não esquecer que nos termos do Artigo 8.º do diploma “1 – Os animais a que se refere este diploma não podem circular sozinhos na via publica ou em lugares públicos, devendo sempre ser conduzidos por detentor maior de 16 anos. 2 – Sempre que o detentor necessite de circular na via pública ou em lugares públicos com os animais a que se refere este diploma, deve fazê-lo com meios de contenção adequados a espécie e a raça ou cruzamento de raças, nomeadamente caixas, jaulas ou gaiolas, ou açaimo funcional que não permita comer nem morder e, neste caso, devidamente seguro com trela curta até 1 m de comprimento, que deve estar fixa à coleira ou peitoral (…)” Na data em que ocorreram os factos, o réu (…) saiu da residência deixando o cão de sua propriedade de nome “Fred” de raça rottweiller, solto no logradouro da parte da frente da sua casa, local ande se encontrava a autora, sua sobrinha, então com 5 anos de idade, bem como a filha do réu, (…), então com 15 anos de idade, e onde também estava uma bola do cão “Fred”, não o tendo prendido no seu alojamento, que era situado no logradouro das traseiras da habitação, não tendo colocado um açaime ao animal, nem o tendo prendido com trela num local resguardado das menores. Quando as menores (…) e (…) brincavam com a bola do cão “Fred”, quando a menor (…) corria com a bola escondida na barriga, debaixo das suas roupas, o cão “Fred” derrubou a (…), após a ter mordido na coxa, abocanhou-lhe o crânio, atingindo o couro cabeludo na região occipital e na zona dos pavilhões auriculares, arrastando a (…) pelo pavimento. Verifica-se, pois, que os danos sofridos pela autora, a menor (…), foram causados pela inobservância das mais elementares regras de segurança por parte do réu (…). Razão pela qual, por força do que dispõe a Condição Especial da Apólice 020 no seu n.º 6.º os danos sofridos pela autora estão excluídos das coberturas conferidas pela apólice n.º (…). Se assim se não entender, sem prescindir, Em virtude das lesões com que ficou, a autora, no entender da recorrente, não deve no caso sub judice ser arbitrada à autora indemnização a título de danos não patrimoniais de montante superior a € 30.000,00 (trinta mil euros). Os recorrentes (…) – Companhia de Seguros S.A. e (…) responderam `as alegações dos co-réus. Dispensados os vistos cumpre apreciar e decidir. O Tribunal recorrido julgou provada a seguinte matéria de facto: A autora, (…) nasceu em 26-01-2000, sendo filha de (…) e de (…); Os réus (…) e (…) são donos do cão de nome “Fred”, da raça rottweiler, tendo adquirido esse animal na constância do seu casamento; Na tarde do dia 09-11-2005, a menor (…), de 5 anos de idade, encontrava-se no logradouro da parte da frente da casa de morada de família dos réus (…) e (…); Nesse logradouro estava também o cão da raça rottweiler, de 18 meses, propriedade dos réus (…) e (…), de nome “Fred”; O réu (…) deixou o cão “Fred” solto no logradouro onde se encontrava a (…), sua sobrinha e onde também estava uma bola, não tendo colocado um açaime ao animal, nem o tendo prendido com trela num local resguardado da menor; O réu (…) saiu da residência, deixando o cão “Fred” solto no logradouro. Já tarde do dia 09-11-2005, a menor (…) encontrava-se no logradouro da parte da frente da casa de morada de família dos réus (…) e (…) na companhia da filha deste, sua prima, (…), com 15 anos de idade. (…) e (…) brincavam com uma bola do cão Fred. O cão “Fred” tinha o seu alojamento no logradouro das traseiras da habitação. O cão “Fred” derrubou (…), após a ter mordido na coxa, quando esta corria com a bola escondida na zona da barriga, debaixo das suas roupas. O cão “Fred” abocanhou o crânio de (…), atingindo o couro cabeludo na região occipital e na zona dos pavilhões auriculares. O cão “Fred” arrastou (…) pelo pavimento. O cão “Fred” desferiu mordeduras no braço e na axila direita e, a seguir na coxa esquerda de (…), apertando fortemente as mandíbulas e rasgando os tecidos musculares. Tais mordeduras provocaram feridas e perfurações com perda de sangue da menor (…), bem como dores à mesma. A avó da (…) não conseguiu afastar o cão desta, o qual a continuava a arrastar pelo pavimento. Nem (…) conseguiu afastar o cão “Fred” de (…). A vizinha da casa apercebeu-se dos gritos, saiu da sua casa até à da vizinha e vendo que nem (…), nem (…) conseguiam afastar o cão da autora, correu ao seu quintal e atirou uma mangueira de rega para o logradouro. O cão “Fred” virou o seu ataque contra essa mangueira. Nesse momento, (…) conseguiu recolher a (…) para dentro de casa. A qual estava em pânico, chorava e gritava de dor. O cão “Fred” agrediu a menor (…), tendo-lhe causado lesões, sendo que as pessoas presentes junto desta nesse dia 09-11-2005, de imediato, chamaram uma ambulância ao local, que a transportou ao Hospital Garcia de Orta, EPE; No Hospital Garcia de Orta, a ora autora, (…), foi encaminhada para o serviço de Urgência Pediátrica e depois de observada, constatou-se, como consequência directa e necessária do ataque do animal, que apresentava várias feridas, por mordeduras de dia, sangrantes em ambos os pavilhões auriculares, na face e no couro cabeludo (região occipital), ombro direito e esfacelo profundo da face anterior e posterior da coxa direita, conforme relatório de fls. 40 e 41, que se dá aqui por integralmente reproduzido; No Hospital Garcia de Orta, a ora autora, (…), recebeu os primeiros tratamentos, nomeadamente a saturação sob sedação e anestesia local das feridas e perfurações pelo especialista de cirurgia plástica, conforme documento de fls. 42 e 43, que aqui se dá por integralmente reproduzido; (…) foi submetida a tratamentos em regime ambulatório no Hospital Garcia de Orta nos dias 14, 16, 21 e 25 de Novembro de 2005, data em que atingiu a cicatrização de todas as feridas; Após 25-11-2005, (…) manteve-se em seguimento em Consulta Externa de Cirurgia Pediátrica por cicatrização hipertrófica da região da coxa, conforme documento de fls. 50, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. Coma consequência directa e necessária do ataque do cão Fred, para além do referido no artigo 22º, (…) ficou rasgada e mordida, com pedaços de carne, músculo e tecido arrancados e perfurações várias. Como consequência directa e necessária do ataque do cão Fred, para além do referido no artigo 22º dos factos assentes, (…) veio a apresentar esfacelo da coxa direita em dois locais, cicatrizes em ambas as orelhas, com cerca 1,5 cm de comprimento; no braço direito, com as dimensões entre 1,5 e 3 cm de comprimento; e ainda na face anterior e posterior da coxa direita variável entre os 3 e os 7 cm de comprimento. Em 9-11-2005, a ré (…) tinha assumido a responsabilidade civil dos réus (…) e (…), enquanto donos do animal de raça rottweiller de nome “Fred”, mediante contrato de seguro do ramo Responsabilidade Civil Familiar, titulado pela apólice (…), o qual vigorava com o capital seguro de € 50.000,00 e uma franquia a cargo do segurado de € 100,00. Tal contrato de seguro mencionado na anterior alínea estava subordinado às Condições Gerais, Particulares e Especiais da respectiva apólice, nomeadamente a Condição Especial 020, denominada «Animais Perigosos e Potencialmente Perigosos». Dispõe a Condição Especial da Apólice 020 – Animais Perigosos e Potencialmente Perigosos, no seu número 6, alínea h), sob a epigrafe “Exclusões”, que: “Além das exclusões contidas nas Condições Gerais, esta apólice não abrange as reclamações por danos: (…) h) Causados pela inobservância das disposições legais em vigor que regulamentem a detenção de animais de companhia;”. Nos dias seguintes ao ataque a menor apresentava-se como consta das fotografias de fls. 47 a 49. A autora andou, logo após o ataque, de cadeira de rodas. A autora sofreu de défice funcional temporário parcial entre 9-11-2005 e 14-05-2008 (918 dias). Em virtude das lesões com que ficou, (…) sofreu dores de grau 4. Entre 09-11-2005 e 25-11-2005, (…) foi submetida a vários tratamentos mencionados nos documentos de fls. 44 a 46. Após 25-11-2005, (…) passou a ser assistida em consulta de psicologia na Unidade de Pedopsiquiatria do Hospital Garcia de Orta. (…) passou a apresentar sintomas de tristeza e vergonha, irrequietude, birras e instabilidade do sono, que se manifestaram no quadro de perturbação pós stress traumático, que a autora padeceu durante 1 ano após o ataque. Foi constatado, após várias consultas de psicologia, que (…) sofre de perturbação pós stress traumático em virtude de não conseguir lidar com o trauma vivido, necessitando de acompanhamento psicológico, durante 1 ano após o ataque. Antes do ataque do cão “Fred”, (…) não tinha problemas físicos. Antes do ataque do cão “Fred”, (…) era uma criança activa, extrovertida, alegre e saudável. Depois do ataque em questão (…) passou a apresentar-se com um carácter inibido e uma expressão triste. Tendo sentimentos de angústia e tristeza em virtude do ataque sofrido. (…) passou a ter baixa auto-estima (sentimento de diminuição) e debilidades nos relacionamentos com os outros. (…) sente-se envergonhada em virtude das cicatrizes de que é portadora na perna, braço direito e ambas as orelhas, ao ponto de não aceitar vestir saias ou calções curtos, camisas ou vestidos de manga cava. (…) não aceita andar com o cabelo apanhado, por vergonha das cicatrizes. (…) sofre de défice funcional permanente da integridade física e psíquica fixada em quatro pontos e dano estético permanente quantificado no grau 5. Em virtude do ataque do cão, (…) ficou com a roupa que vestia destruída. A mãe da menor (…) teve que suspender a sua actividade profissional como escriturária na empresa (…) – Limpezas, Unipessoal, Lda., para lhe prestar assistência. (…) mantém a necessidade de acompanhamento psicológico e as cicatrizes não podem ser eliminadas, apenas reduzidas na sua espessura. É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, salvo questões de conhecimento oficioso – artigo 639.º, CPC. 1 - Recurso da R. (…) – Companhia de Seguros S.A. Discute a R. Seguradora a verificação da cláusula de exclusão acordada entre as partes nos termos da qual, sustenta, não cobrir o contrato de seguro, o evento danoso de que tratam os autos. Discute-se ainda o quantum indemnizatório fixado na sentença a título de danos não patrimoniais. O facto determinante da responsabilidade civil não é simples; antes, ao contrário, reveste carácter complexo, pois a sua análise mostra que se decompõe em distintas realidades factuais – elementos da responsabilidade civil ou pressupostos da responsabilidade civil – e que são, na generalidade dos casos, os seguintes: a violação de uma situação jurídico-privada anterior (acto ilícito), a culpa na violação, o prejuízo e o nexo de causalidade existente entre o acto ilícito e o prejuízo. O princípio geral da responsabilidade é, como ficou dito, o de que só a ela está sujeito o que age com culpa (princípio da responsabilidade subjectiva), não havendo lugar a indemnização quando os danos resultam de mero acidente ou caso fortuito. Contudo, também, por vezes, são indemnizáveis os danos fortuitamente causados. É o que se chama responsabilidade pelo risco. A responsabilidade objectiva ou, mais exactamente, a responsabilidade pelo risco, (arts. 499.º a 510.º, CC), funda-se na ideia de que, independentemente da presença de culpa, deve também ser responsável aquele que desenvolve ou ma proveito de uma actividade que envolve, em si mesma, certo risco ou perigo, isto é, uma certa probabilidade de vir a causar algum dano. Sufragamos inteiramente a argumentação exarada na decisão recorrida no que respeita aos limites ou campos de aplicação da responsabilidade com culpa e da responsabilidade objectiva. «Para um certo entendimento, caso os danos derivem de um perigo específico do animal deverá operar, de imediato, a responsabilização pelo risco, subsistindo a responsabilidade por facto ilícito apenas para os casos em que tal se não verifique ou em que haja também violação do dever de vigilância, caso em que utente e vigilante responderão em simultâneo. Esta solução foi a adoptada no acórdão da Relação do Porto de 16 de Janeiro de 1990, a que pertence o seguinte trecho: (…) os danos provocados pela mordedura de um cão resultam de um perigo especial que envolve a sua utilização, não importando indagar da culpa dos donos do cão, já que a responsabilidades deles se baseia no risco”. Segundo uma outra tese, que se estriba no carácter excepcional do responsabilidade objectiva, haverá que, em primeiro lugar, indagar da existência de responsabilidade por facto ilícito, pois, na sua leitura do artigo 483º, n.º 2 do Código Civil, a responsabilidade objectiva actuará apenas quando o agente não responder por facto ilícito (neste sentido: acórdão da Relação de Lisboa de 13 de Novembro de 1981). Partilhamos a primeira das teses referidas. Na verdade, o artigo 493.º do Código Civil é bastante claro ao referir que tem que existir violação de dever de vigilância para a responsabilização do agente. Pelo contrário, o artigo 502º do Código Civil coloca todo o ênfase – para efeitos de responsabilização – no perigo específico do animal pois o utente, ao retirar benefício económico da sua utilização, constitui-se, de imediato, na obrigação de indemnizar pelos danos derivados do perigo que causa. Mas mesmo que assim se não entendesse, o quadro factual apurado não permite concluir, como infra se fundamentar, pela verificação de responsabilidade subjectiva imputável aos RR pessoas singulares. Esta provado que os réus (…) e (…) são donos do cão de nome “Fred”, da raça rottweiler, tendo adquirido esse animal na constância do seu casamento. Na tarde do dia 09-11-2005, a menor (…), de 5 anos de idade, encontrava-se no logradouro da parte da frente da casa de morada de família dos réus (…) e (…). Nesse logradouro estava também o cão da raça rottweiller, de 18 meses, propriedade dos réus (…) e (…), de nome “Fred”. O réu (…) deixou o cão “Fred” solto no logradouro onde se encontrava a (…), sua sobrinha e onde também estava uma bola, não tendo colocado um açaime ao animal nem o tendo prendido com trela num local resguardado da menor. O réu (…) saiu da residência, deixando o cão “Fred” salto no logradouro. O réu (...) saiu da residência, deixando o cão “Fred” solto no logradouro. Na tarde do dia 09-11-2005, a menor (…) encontrava-se no logradouro da parte da frente da casa de morada de família dos réus (…) e (…) na companhia da filha deste, sua prima, (…), com 15 anos de idade. (…) e (…) brincavam com uma bola do cão Fred. O cão “Fred” tinha o seu alojamento no logradouro das traseiras da habitação. O dia “Fred” derrubou (…), após a ter mordido na coxa, quando esta corria com a bola escondida na zona da barriga, debaixo das suas roupas. O cão “Fred” abocanhou o crânio de (…), atingindo o couro cabeludo na região occipital e na zona dos pavilhões auriculares. O dito “Fred” arrastou (…) pelo pavimento. O cão “Fred” desferiu mordeduras no braço e na axila direita e, a seguir na coxa esquerda de (…), apertando fortemente as mandíbulas e rasgando os tecidos musculares. Tais mordeduras provocaram feridas e perfurações com perda de sangue na menor (…), bem como dores. A avó da (…) não conseguiu afastar o cão desta, o qual a continuava a arrastar pelo pavimento. Nem (…) conseguiu afastar o cão “Fred” de (…). A vizinha da casa ao lado apercebeu-se dos gritos, saiu da sua casa até à da vizinha e vendo que nem (…), nem (…) conseguiam afastar a cão da autora, correu ao seu quintal e atirou uma mangueira de rega para o logradouro. O cão “Fred” virou o seu ataque contra essa mangueira. Nesse momento, (…) conseguiu recolher a (…) para dentro de casa. Nos termos dos artigos 6.º, 7.º, e 8.º do Decreto-lei n.º 312/2003, de 17 de Dezembro, o detentor de animal perigoso ou potencialmente perigoso fica obrigado a manter medidas de segurança reforçadas, nomeadamente nos alojamentos, os quais não podem permitir a fuga dos animais e devem acautelar de forma eficaz a segurança de pessoas, outros animais e bens (art.º 7.º). Incumbe ao detentor do animal o dever especial de o vigiar, de forma a evitar que este ponha em risco a vida ou a integridade física de outras pessoas e animais (art.º 6.º). Os animais a que se refere este diploma não podem circular sozinhos na via pública ou em lugares públicos, devendo sempre ser conduzidos por detentor maior de 16 anos (art.º 8.º). Sempre que o detentor necessite de circular na via pública ou em lugares públicos com os animais a que se refere este diploma, deve fazê-lo com meios de contenção adequados à espécie e à raça ou cruzamento de raça, nomeadamente caixas, jaulas ou gaiolas, ou açaimo funcional que não permita comer nem morder e, neste caso, devidamente seguro com trela curta até 1 m de comprimento que deve estar fixa a coleira ou peitoral. A raça Rottweiller consta da lista anexa à Portaria n.º 442/2004, de 24 de Abril, como sendo animal perigoso ou potencialmente perigoso. Da factualidade supra mencionada, afigura-se-nos que os danos sofridos pela A. não podem ser imputados aos RR., pessoas singulares a título de culpa, quer por violação de um qualquer dever geral de cuidado, quer por violação das normas legais constantes do Decreto-Lei n.º 312/2003, de 17 de Dezembro. Segundo Pessoa Jorge, in Ensaio sobre os pressupostos da Responsabilidade Civil, diligência normativa ou dever de diligência é o grau de esforço exigível para determinar e executar a conduta que representa o cumprimento de um dever. Quando para EXECUTAR UMA DADA OBRIGAÇÃO OU CUMPRIR UM DETERMINADO DEVER JURÍDICO SEJA NECESSÁRIO PROSSEGUIR UM COMPORTAMENTO, CUJO EXACTO CONTEÚDO SE NÃO ENCONTRA NA LEI, nem em convenção, mas sem o qual a obrigação e o dever não serão cabalmente cumpridos com satisfação do interesse que se pretende salvaguardar, assume particular importância a diligência. É a execução de todos os comportamentos necessários ao cabal cumprimento do dever, que só no caso concreto, em face das circunstâncias e do fim a que se destina, se pode apreciar. As supra citadas normas do Decreto-Lei 312/2003, de 17 de Dezembro, em especial as contidas nos artigos 7.º e 8.º tem um âmbito de aplicação dirigido a uma realidade factual que não é a dos autos. As referidas normas legais impõem especiais deveres aos detentores de animais perigosos ou potencialmente perigosos no contacto com a via publica ou com lugares públicos, quer impondo a utilização de meios de contenção quer impondo especiais cautelas para evitar a fuga dos alojamentos. Os factos dos autos ocorreram no logradouro da habitação dos 2.ºs RR quando a A. ali brincava na companhia de uma prima com quinze anos de idade resultando ainda do conjunto da matéria de facto provada que nessa ocasião permanecia na habitação a avó da (…) e que o cão Fred se encontrava no mesmo local sem qualquer meio de contenção. Quais os comportamentos necessários ao cabal cumprimento do dever de vigia que, no caso concreto, em face das circunstâncias e do fim a que se destina, foram omitidos? Afigura-se-nos que nenhuns. Perante a escassez de matéria factual apurada afigura-se-nos não estar preenchida a cláusula de exclusão constante do n.º 6, h), da Condição Especial da Apólice 020. Sufragamos o entendimento da recorrente Seguradora segundo o qual não se pode transformar uma situação em que a lei e o contrato de seguro conferem à seguradora o direito de declarar os danos excluídos das coberturas da apólice numa situação, bem diversa, em que uma vez satisfeita a indemnização pela seguradora, esta tem direito de regresso contra o civilmente responsável. São situações distintas, que a lei e o contrato de seguro distinguem, pelo que não poderia a douta sentença recorrida “confundi-las” ou reconduzir uma a outra. O que acontece é que, no caso dos autos não se pode concluir que os RR tenham violado qualquer dever de vigilância ou que tenham agido em desconformidade com as normas legais. Improcedem pois as conclusões da Ré Seguradora quanto a este segmento do recurso. Discute-se ainda o quantum indemnizatório a título de danos não patrimoniais. Sustenta a recorrente que no caso sub judice ser arbitrada a autora indemnização a título de danos não patrimoniais de montante € 30.000,00 (trinta mil euros). Nesta sede estão provados os seguintes factos: As mordeduras provocaram feridas e perfurações com perda de sangue da menor (…), bem como dores à mesma. No Hospital Garcia de Orta, a ora autora, (…), foi encaminhada para o serviço de Urgência Pediátrica e depois de observada, constatou-se, como consequência directa e necessária do ataque do animal, que apresentava várias feridas, por mordeduras de dia, sangrantes em ambos os pavilhões auriculares, na face e no couro cabeludo (região occipital), ombro direito e esfacelo profundo da face anterior e posterior da coxa direita, conforme relatório de fls. 40 e 41, que se dá aqui por integralmente reproduzido; No Hospital Garcia de Orta, a ora autora, (…), recebeu os primeiros tratamentos, nomeadamente a saturação sob sedaçao e anestesia local das feridas e perfurações pelo especialista de cirurgia plástica, conforme documento de fls. 42 e 43, que aqui se dá por integralmente reproduzido; (…) foi submetida a tratamentos em regime ambulatório no Hospital Garcia de Orta nos dias 14, 16, 21 e 25 de Novembro de 2005, data em que atingiu a cicatrização de todas as feridas; Após 25-11-2005, (…) manteve-se em seguimento em Consulta Externa de Cirurgia Pediátrica por cicatrização hipertrófica da região da coxa, conforme documento de fls. 50, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. Coma consequência directa e necessária do ataque do cão Fred, para além do referido no artigo 22º, (…) ficou rasgada e mordida, com pedaços de carne, músculo e tecido arrancados e perfurações várias. Como consequência directa e necessária do ataque do cão Fred, para além do referido no artigo 22º dos factos assentes, (…) veio a apresentar esfacelo da coxa direita em dois locais, cicatrizes em ambas as orelhas, com cerca 1,5 cm de comprimento; no braço direito, com as dimensões entre 1,5 e 3 cm de comprimento; e ainda na face anterior e posterior da coxa direita variável entre os 3 e os 7 cm de comprimento. A autora andou, logo após o ataque, de cadeira de rodas. A autora sofreu de défice funcional temporário parcial entre 9-11-2005 e 14-05-2008 (918 dias). Em virtude das lesões com que ficou, (…) sofreu dores de grau 4. Entre 09-11-2005 e 25-11-2005, (…) foi submetida a vários tratamentos mencionados nos documentos de fls. 44 a 46. Após 25-11-2005, (…) passou a ser assistida em consulta de psicologia na Unidade de Pedopsiquiatria do Hospital Garcia de Orta. (…) passou a apresentar sintomas de tristeza e vergonha, irrequietude, birras e instabilidade do sono, que se manifestaram no quadro de perturbação pós stress traumático, que a autora padeceu durante 1 ano após o ataque. Foi constatado, após várias consultas de psicologia, que (…) sofre de perturbação pós stress traumático em virtude de não conseguir lidar com o trauma perna, braço direito e ambas as orelhas, ao ponto de não aceitar vestir saias ou calções curtos, camisas ou vestidos de manga cava, vindo necessitando de acompanhamento psicológico, durante 1 ano após o ataque. Antes do ataque do cão “Fred”, (…) não tinha problemas físicos. Antes do ataque do cão “Fred”, (…) era uma criança activa, extrovertida, alegre e saudável. Depois do ataque em questão (…) passou a apresentar-se com um carácter inibido e uma expressão triste. Tendo sentimentos de angústia e tristeza em virtude do ataque sofrido. (…) passou a ter baixa auto-estima (sentimento de diminuição) e debilidades nos relacionamentos com os outros. (…) sente-se envergonhada em virtude das cicatrizes de que é portadora. (…) não aceita andar com o cabelo apanhado, por vergonha das cicatrizes. (…) sofre de défice funcional permanente da integridade física e psíquica fixada em quatro pontos e dano estético permanente quantificado no grau 5. Em virtude do ataque do cão, (…) ficou com a roupa que vestia destruída. (…) mantém a necessidade de acompanhamento psicológico e as cicatrizes não podem ser eliminadas, apenas reduzidas na sua espessura. Podemos afirmar sem necessidade de maior fundamentação que estamos, obviamente perante danos que pela sua gravidade merecem a tutela do direito (art.º 496.º CC). Estes danos são compensáveis, sendo a respectiva indemnização fixada equitativamente pelo Tribunal (art.º 496.º, n.º 3, CC). Releva-se a tenra idade da A., as limitações funcionais e estéticas permanentes o longo período de recuperação, os sucessivos tratamentos médicos a que foi submetida, as dores físicas sofridas e a sua vergonha e inferioridade perenes. Afigura-se-nos, pois adequado o montante fixado na decisão recorrida. 2- Recurso dos RR (…) e (…). Sustentam os recorrentes que tendo resultado provado que os RR (…) e (…) transferiram para a R. (…) – Companhia de Seguros S.A a responsabilidade civil por danos causados pelo animal agressor, ate ao montante de cinquenta mil Euros e contendo-se o valor fixado a titulo de indemnização, no montante do capital segurado impunha-se a sua absolvição do pedido e não a condenação solidária de todos os RR como decidido pelo Tribunal a quo. Ou seja, reconhecida a transferência da responsabilidade civil para a Seguradora devera a mesma ser condenada na totalidade do pagamento do montante indemnizatório. Está provado que os RR pessoas singulares haviam transferido para a R. (…) – Companhia de Seguros, S.A., a responsabilidade civil pelos danos causados pelo animal propriedade daqueles através da apólice (…) com o capital seguro de cinquenta mil euros, contrato de seguro esse obrigatório nos termos do art.º 13.º do Decreto-Lei 312/2003, de 17 de Dezembro e celebrado ao abrigo da Portaria 585/2004, de 29 de Maio. Estamos perante uma relação contratual celebrada entre os Réus (…) e (…) e a Ré Seguradora (…) – Companhia de Seguros S.A. através da qual esta assumiu a cobertura de determinados riscos, obrigando-se a satisfazer as indemnizações, ou a pagar o capital seguro, em caso de ocorrência de sinistro. O quantum indemnizatório fixado contém-se no montante do capital seguro. Não estamos pois perante um caso em que exista pluralidade de sujeitos da relação obrigacional. A condenação solidária dos RR suponha que, uma vez paga a obrigação por um dos condevedores (a Ré Seguradora), não ficariam os outros desonerados perante o devedor que cumpriu a prestação por inteiro dado que este poderia exercer o chamado direito de regresso. Ou seja, o direito de exigir de cada um dos seus condevedores a parte que lhes cabia na responsabilidade comum (art.º 534.º, CC). Em face de um contrato de seguro de responsabilidade civil obrigatório, deve em primeiro lugar e sempre dentro do montante do capital segurado, responder a Companhia de Seguros, para quem os Réus (…) e (…) transferiram a responsabilidade civil por danos causados pelo animal agressor, até ao limite do montante do capital segurado, apenas pelo excedente não coberto pelo contrato de seguro celebrado entre as partes, responderiam os segundos RR. Por todo o exposto acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar procedente o recurso interposto pelos RR (…) e (…) e, em consequência, absolvem os mesmos do pedido. Mais julgam improcedente, por não provado, o recurso interposto pela Ré (…) – Companhia de Seguros, S.A., e, em consequência, confirmam, nesta parte, a decisão recorrida. Custa a cargo da Ré Seguradora. Évora, 11 de Junho de 2015 Jaime de Castro Pestana Paulo de Brito Amaral Maria Rosa Barroso |