Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
251/13.8TBGLG.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: CESSÃO DE CRÉDITO
COMUNICAÇÃO
Data do Acordão: 10/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I- Nos termos do art.º 583º, nº 1 do CC, a cessão produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja comunicada ou desde que ele a aceite.
II- A citação realizada em acção proposta para cobrança do crédito transmitido não substitui aquela comunicação que deve ser anterior à acção.
Decisão Texto Integral: ACORDAM 0S JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
AA Lda., instaurou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB e CC, a qual corre termos no Tribunal Judicial da Comarca pedindo a condenação desta no pagamento do valor global de € 7.452,96, acrescido dos juros de mora até efetivo e integral pagamento.
Como suporte do peticionado alega, em síntese, que, tendo a DD, por contrato de cessão de créditos outorgado em 19/02/2010, cedido o seu crédito que detinha sobre os réus advindo de um contrato de crédito em conta corrente com eles celebrado, através do qual a DD entregou-lhes a quantia de € 4.000,00 contra o seu pagamento em prestações mensais e sucessivas, por satisfazer desde 20/05/2008, é devido o montante peticionado, o qual inclui as penalizações contratualizadas, assim como os juros de mora no valor de € 2.172,79.
Citados os réus vieram contestar impugnando, quer a titularidade do crédito invocada pela autora, quer a dívida alegadamente contraída perante a DD.
Tramitado o processo e realizada audiência final veio a ser proferida sentença que julgou improcedente a ação e absolveu os réus do pedido.
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A autora, por não se conformar com a sentença, veio dela interpor recurso tendo apresentado alegações e formulado as seguintes conclusões, que se transcrevem:
A) A Autora, ora apelante, instaurou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum pedindo a condenação dos Réus no pagamento de € 7452,96.
B) Entendeu o Tribunal "a quo" julgar a Recorrente parte ilegítima porque "(. . .) não podemos reconhecer que a cedência para a autora do alegado crédito, a existir, foi autorizado pelos réus e, assim, legalmente cedido à autora, sempre carecida de legitimidade, porquanto não se extrai da simples leitura do escrito e do seu anexo, por si só, a existência do crédito aqui invocado.".
C) Com o devido respeito, não pode a Recorrente aceitar tal entendimento, porquanto a Autora não só alega na petição inicial, como junta ao mesmo o contrato de cessão de créditos e o seu anexo.
E) O artigo 583º do Código Civil dispõe que "a cessão produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada", não exigindo qualquer formalidade especial ou aceitação, pelo que até a mera citação para a ação seria suficiente.
F) Por outro lado, a Ré apenas alegou (e não provou) ter celebrado outros contratos com a Cofidis.
G) Ainda que assim tivesse ocorrido, certo é que o contrato de crédito junto aos autos ao abrigo do qual foi mutuado aos Réus a quantia de € 4000,00, está datado de 23/07/2007; do extrato de conta corrente, consta em 14/08/2007, a disponibilização do referido montantes aos Réus e esse documento está identificado com o mesmo n? de dossier/contrato que consta do anexo ao contrato de cessão de créditos.
H) Tais documentos são, portanto, idóneos e suficientes para provar a cessão do crédito aqui em causa.
I) Em consequência, o Tribunal recorrido efetuou uma errada interpretação do Direito por si invocado, violando o disposto nos artigos 583º do Código Civil e 356º do Código de Processo Civil.

Cumpre apreciar e decidir

O objecto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.
Tendo por alicerce as conclusões, a única questão que importa apreciar consiste em saber se bem andou a Mª Juiz do Tribunal “a quo”, ao julgar verificada a ilegitimidade da autora, absolvendo os réus da instância.


Na 1ª instância foi considerado provado o seguinte circunstancialismo factual:
1) No dia 23/07/2007, os réus preencheram e apuseram as suas assinaturas e data, no escrito, intitulado de "Reserva Vida Livre", no qual, entre o mais, consta o seguinte:
"Solicito crédito imediato na minha conta de € 4.000 (mensalidade de € 160,00)",
2) ... Figurando como 1.º titular, BB e como 2.ª titular, AA,
3) ... Assim como, entre o mais, o seguinte texto: "Autorização de débito em conta:
Titular da conta: AA; NIB 00352 ( ... )"
4) ... Enviado à DD, acompanhado da fotocópia dos números de contribuinte e dos bilhetes de identidade.
5) No dia 27/11/2006, "DD" apôs uma assinatura no escrito intitulado de "Contrato de Crédito em Conta Corrente Vida Livre - Condições Gerais".
6) Por documento emitido por "EE", sucursal em Portugal, datado de 31/08/2015, e sob o assunto: "Confirmação de execução de transferência bancária", consta, entre o mais, o seguinte escrito: "No seguimento das V/ instruções e por débito da V/ conta de depósitos à ordem n." 109. vimos pela presente confirmar que efetuamos para o NIB 0035 a(s) transferência(s) bancárias abaixo indicada(s). Data: 14/07/2008; Montante: Eur 4.000,00 ( ... )".
7) No dia 19102/2010, "DD", na qualidade de cedente, e a autora, na qualidade de cessionária, subscreveram escrito intitulado de "Contrato de Cessão de Créditos", no qual, entre o mais, consta o seguinte: "Considerando I. Que a DDS ( ... ) celebrou contratos de concessão de crédito ao consumo (crédito em conta corrente, para aquisição de bens ou serviços ou crédito pessoal) com diversos titulares e por diferentes quantias, créditos que se encontram, todos sem exceção, em mora superior a um ano por falta de pagamento desses titulares e que apresentam saldos devedores, saldos estes adiante apenas designados por "créditos"; II. Que os contratos de crédito dos quais emergem os créditos se encontram devidamente identificados no Anexo I ao presente contrato que dele faz parte integrante; III. Que nos termos das condições gerais dos contratos de crédito dos quais emergem os créditos objeto do presente contrato, os respetivos titulares autorizam expressamente a DD a ceder os créditos emergentes do contrato a um terceiro, que assumirá todos os direitos e obrigações derivados do mesmo, sempre e desde que a cessão não implique um agravamento das condições contratuais ( ... ) VII. Que a DD pretende transmitir para a CESSIONÁRIA, através da celebração do presente contrato, mediante alienação definitiva e sem direito de regresso, todos os direitos de crédito emergentes dos contratos de crédito que constituírem objeto da presente cessão e que a CESSIONÁRIA lhos pretende adquirir. ( ... )".
8) No anexo I do referido escrito, intitulado de "Contrato de Cessão de Créditos DD-AA 19-02-2010", entre outros e no que ora releva, consta os seguintes dizeres: "N.º Dossier 426 BB 1 BI.".
Foram considerados, com interesse, não provados os seguintes factos:
a. Que por documento particular outorgado pela DD (sucursal da S.A. francesa DD) com os réus, foi celebrado um contrato de crédito em conta corrente, subscrito em 23/07/2017, e com o n." 42615607109100;
b. Que, nesse momento, os réus entregaram à DD o recibo de vencimento;
c. Que através desse contrato, foi concedido aos réus um crédito inicial no montante de € 4.000,00 (quatro mil euros), nas condições que constam do contrato;
d. Que os réus comprometeram-se ao pagamento do crédito em prestações mensais e sucessivas, nos termos das condições gerais e particulares do contrato;
e) Que os réus, desde 20/05/2008, nada mais pagaram à DD.
f) Que os réus foram interpelados para procederem ao pagamento da divida.

Conhecendo da questão
Insurge-se a recorrente pelo entendimento manifestado pela Mª Juiz do Tribunal “a quo”, quando refere “não podemos reconhecer que a cedência para a autora do alegado crédito, a existir foi autorizado pelos réus e, assim, legalmente cedido à autora, sempre carecida de legitimidade, porquanto não se extrai da simples leitura do escrito e do seu anexo, por si só, a existência do crédito aqui invocado”.
Face à matéria que foi dada como provada, a qual não foi impugnada e com interesse para os autos, temos que os réus, em 23/07/2007 preencheram e apuseram as suas assinaturas e data no escrito, intitulado de “Reserva Vida Livre”, onde consta entre o mais o seguinte: “Solicito crédito imediato na minha conta de € 4.000 (mensalidades de € 160) ”, figurando como 1º titular CC e como 2ª titular, BB, o qual foi enviado à Cofidis, acompanhado da fotocópia dos números de contribuinte e dos bilhetes de identidade.
No dia 19/02/2010, “DD”, na qualidade de cedente, e a autora na qualidade de cessionária, subscreveram escrito intitulado de “Contrato de Cessão de Créditos”, no qual, entre o mais, consta o seguinte:
"Considerando I. Que a DD ( ... ) celebrou contratos de concessão de crédito ao consumo (crédito em conta corrente, para aquisição de bens ou serviços ou crédito pessoal) com diversos titulares e por diferentes quantias, créditos que se encontram, todos sem exceção, em mora superior a um ano por falta de pagamento desses titulares e que apresentam saldos devedores, saldos estes adiante apenas designados por "créditos"; II. Que os contratos de crédito dos quais emergem os créditos se encontram devidamente identificados no Anexo I ao presente contrato que dele faz parte integrante; III. Que nos termos das condições gerais dos contratos de crédito dos quais emergem os créditos objeto do presente contrato, os respetivos titulares autorizam expressamente a DD a ceder os créditos emergentes do contrato a um terceiro, que assumirá todos os direitos e obrigações derivados do mesmo, sempre e desde que a cessão não implique um agravamento das condições contratuais ( ... ) VII. Que a DD pretende transmitir para a CESSIONÁRIA, através da celebração do presente contrato, mediante alienação definitiva e sem direito de regresso, todos os direitos de crédito emergentes dos contratos de crédito que constituírem objeto da presente cessão e que a CESSIONÁRIA lhos pretende adquirir. ( ... )".
Ora, não resulta da matéria de facto dada como provada que os titulares dos contratos de crédito autorizassem a referida cedência, uma vez que o Contrato de Crédito em Conta Corrente Vida Livre (junto a fls 9), não se encontra assinado pelos réus, e, mais ainda porque a data nele aposta é de 27/11/2006, anterior à data que consta da proposta de obtenção de crédito preenchida e assinada e datada pelos réus 23/07/2007.
Refere a recorrente que o disposto no artº 583º, do CCivil, não exige qualquer formalidade especial ou aceitação, pelo que a mera citação para a ação seria suficiente.
Não podemos concordar com tal entendimento.
Nos termos do artº 577º, nº 1 do CC. “O credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor…”
Dispõe o artº 582º, nº 1 do CC. que “na falta de convenção em contrário, a cessão do crédito importa a transmissão, para o cessionário, das garantias e outros acessórios do direito transmitido que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente”.
E o artº 583º, nº 1 do CC. ”A cessão produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite.
Nos termos do artº 219º, nº 1 do CPC a citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender; emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa.
Ocorre a cessão de um crédito quando o credor, mediante negócio jurídico, transmite a terceiro o seu direito. Verifica-se então, a substituição de credor originário por outra pessoa, modificação subjetiva da obrigação, mantendo-se inalterados os restantes elementos da relação obrigacional. (cfr. Mário Júlio de Almeida Costa in Direitos das Obrigações, 11ª ed, 813).
Para o devedor cedido, a cessão é válida, desde que lhe haja sido notificada, mesmo extrajudicialmente, ou desde que ele a tenha aceitado.
Por outro lado, e na medida em que a cessão representa uma simples transferência da relação obrigacional pelo lado ativo: o devedor cedido pode valer-se, em face do cessionário (novo credor), dos meios de defesa que lhe era licito opor ao cedente (antigo credor), exceto os que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão (cfr. artº 585º, do CC.).
A decisão recorrida fundamenta-se na circunstância de que a alegada cessão do crédito em causa não foi notificada aos réus, assim como se evidencia a falta de alegação de aceitação de tal cessão por parte dos réus.
Não temos razões para não acolher a posição expressa na decisão sob censura.
O credor- cessionário para poder propor a ação contra os devedores terá previamente de os notificar (judicial ou extrajudicialmente) de que foi efetuada a cessão de créditos.
A cessão que era inoponível aos devedores (porque não notificada ou aceite) continua a ser inoponível nesta ação.
Um dos requisitos do direito do autor, credor-cessionário, era exatamente que tivesse notificado os devedores daquela cessão (ou estes a tivessem aceite).
Quando o autor, credor-cessionário, propôs a ação o seu direito ainda não se tinha completado perante o devedor, ou seja quando propôs a ação ainda não tinha (perante os devedores para quem a cessão ainda não era eficaz) o direito de que se arrogava.
E não é a citação - que se destina a dar conhecimento ao réu de que contra ele foi proposta uma ação e a dizer-lhe para se defender - que terá a virtualidade de tornar a cessão eficaz nesta ação (v. Ac do STJ de 9/11/2000, in C.J. Ano VIII, tomo 3, 121; Ac. do TRP de 18/06/2007 in Col. Jur. 3º, 194; Ac TRL de 17/12/2014, no processo 938/7YXL.SB.L1-8, in www.dgsi.pt).
Deste modo, podemos concluir que sendo os efeitos da citação os indicados no artº 564º, do CPC, à citação não podem ser atribuídos os efeitos que o nº1 do artº 583º do C. Civil confere à notificação da cessão de créditos.
Donde é manifesto que a decisão recorrida não merece censura, impondo-se a improcedência das conclusões formuladas, não havendo violação dos preceitos invocados.

DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela apelante.

Évora, 6 de Outubro de 2016
Maria da Conceição Ferreira


Mário António Mendes Serrano


Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes