Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
51/10.7TTEVR.E1
Relator: CHAMBEL MOURISCO
Descritores: RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
RESCISÃO PELO TRABALHADOR
Data do Acordão: 02/01/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Área Temática: JURISDIÇÃO LABORAL
Sumário: A resolução do contrato de trabalho, tal como se encontra configurada nos artigos 394º a 399º do Código do Trabalho e para que o trabalhador tenha direito, por via judicial, à indemnização prevista no artigo 396º do referido diploma, pressupõe que o trabalhador faça prova dos factos constitutivos do direito alegado, ou seja a existência de justa causa.
Decisão Texto Integral:







Rec. nº 51/10.7TTEVR.E1[1]
T.T. Évora
Apelação

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

L…, residente na Rua …, Évora, instaurou acção declarativa com processo comum emergente de contrato individual de trabalho contra M…, residente na Rua …S. Sebastião da Giesteira, alegando, em síntese:
- Que foi contratada pela Ré em 1/7/1988, para desempenhar as funções de caixeira no estabelecimento desta, sendo o seu vencimento actualmente de € 607,00;
- Prestou serviço para a Ré até 9/11/09, data em que cessou o seu contrato de trabalho por ter comunicado à Ré, através de carta registada com aviso de recepção, a resolução do seu contrato de trabalho, invocando justa causa por falta culposa de pagamento pontual da retribuição.
Termina pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a indemnização prevista no art. 396º do C.T., no valor de € 12.989,80, proporcionais de férias e subsídio de férias no montante de € 1.112,80, proporcional de subsídio de Natal, no montante de € 556,40 e vencimento dos meses de Agosto, Setembro, Outubro e 9 dias de Novembro de 2009, no montante de € 2.003,09 acrescida dos respectivos juros de mora até integral pagamento.
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A Ré contestou a acção alegando, em síntese, que:
- A Autora abandonou o trabalho a partir das 13horas do dia 9 de Novembro de 2009 sem qualquer justificação;
- Nunca deixou de pagar à Autora, pontualmente, a sua retribuição, pelo que não ocorreu justa causa para a Autora resolver o seu contrato de trabalho;
- Pagou à Autora a retribuição dos meses de Agosto e Setembro de 2009 no montante de €600,00, a primeira através de cheque e a segunda em dinheiro;
- A Autora recusou receber a retribuição do mês de Outubro, os oito dias e meio do mês de Novembro e os subsídios de férias e de Natal e férias não gozadas.
Deduziu pedido reconvencional alegando que a Autora abandonou o trabalho em 9 de Novembro de 2009, sem justificação e sem aviso prévio.
Termina pedindo a improcedência da acção e que o pedido reconvencional seja julgado procedente e, em consequência, que a Autora seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 1.214,00 acrescida de juros de mora até integral pagamento.
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A Autora apresentou resposta ao pedido reconvencional deduzido pela Ré alegando, em síntese, que nunca abandonou o seu posto de trabalho, nunca se tendo negado a comparecer para receber o seu vencimento, cujo pagamento foi sempre recusado pela Ré.
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Procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida sentença que decidiu:
a) Julgar a acção parcialmente procedente e, consequentemente, condenou a Ré a pagar à Autora a quantia total de € 3.672,29 de proporcionais de férias e subsídio de férias, proporcional de subsídio de Natal, e vencimento dos meses de Agosto, Setembro, Outubro e 9 dias de Novembro de 2009, acrescida dos respectivos juros de mora até integral pagamento;
b) Julgar o pedido reconvencional procedente condenando a Autora a pagar à Ré a quantia de € 1.214,00 a título de indemnização pela falta de aviso prévio.
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A Ré veio requerer a rectificação da sentença, invocando erro de cálculo, defendendo que a quantia que tem a pagar é apenas de € 2.898,51.
O Sr. Juiz deferiu a reclamação e mandou corrigir o montante da alínea a) da decisão conforme o requerido pela Ré.
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Inconformada com a sentença, a Autora apresentou recurso de apelação, tendo formulado as seguintes conclusões:
a) A sentença é nula por violar o disposto no nº 1 , c) do arfo 668º do CPC.
b) A sentença violou o disposto no arfo 394º e 395º do C. T.
c) A A. foi contratada pela R por contrato verbal, sem termo, para desempenhar as funções de caixeira, no estabelecimento da R em 1.07.1988, não tendo as partes reduzido a escrito o respectivo contrato de trabalho.
d) O vencimento estabelecido entre A e R é actualmente de € 607,00 mensais.
e) O A. desempenhou as funções para a R. até 9.11.09.
f) Durante o ano de 2009 houve salários em atraso e era a filha da R quem para ajudar a mãe ia pagando os salários à Autora, sempre que podia.
g) A filha da R confirmou que durante o ano de 2009, atendendo às dificuldades por que a loja passou, ajudava a R. pagando os salários sempre com algum atraso.
h)Não se provou, com interesse para o presente recurso, que o vencimento da A , relativo ao mês de Setembro ,tenha sido pago.
i) O cheque no valor de €600, 00 , entregue à A em 20.08.2009, não se pode considerar que era para pagar o salário de Agosto, pois este nessa data, não estaria atrasado, nem era na quantia adequada a efectuar o pagamento, pois era inferior ao salário estabelecido.
j) Inexiste um único recibo que comprove que o pagamento efectuado, embora não pague integralmente o salário de nenhum mês, nem seja atrasado, seja o relativo ao mês de Agosto de 2009.
l)A sentença, inicialmente proferida, que condenou a R a pagar o mês de Agosto, foi posteriormente corrigida, para o pagamento de apenas os dias de Agosto.
m) Não se pode condenar a pagar, no todo ou em parte, o que se considerou pago.
n) Não houve qualquer pronúncia do Tribunal quanto aos factos do art. 14º da contestação pelo não se pode dar como provado que a Autora tenha recusado receber o salário do mês de Outubro.
o) Em 19.11.2009, já depois de receber a comunicação de rescisão do contrato de trabalho, a R colocou à disposição da a a quantia de €1.540,50, respeitante a férias não gozadas, subsídio de férias e subsídio de Natal, continuando a não liquidar, nem mesmo nessa data, os dias que estavam em falta de Agosto, Setembro, Outubro e de Novembro, que a Autora trabalhou.
p) Existe fundamento de facto e de direito para a Autora rescindir, como rescindiu, o seu contrato, uma vez que existe justa causa, atendendo a que o período de tempo decorrido desde Agosto, altura do incumprimento, sem que os salários devidos tenham sido pagos.
j) Ao condenar como condenou, na parte de que se recorre, é nula a sentença, devendo tal ser declarado.
A Ré contra-alegou, tendo concluído:
1- O recurso é extemporâneo, uma vez que o prazo de vinte dias devia ser contado desde 2/09/2010 e não de 24/09/2010.
2- Pelo que deve ser rejeitado.
3- Se assim se não entender, deve ser rejeitado por ilegal, uma vez que sustentado na discordância relativa à matéria de facto dada como provada na douta sentença, e tendo esta sido fundamentada na prova testemunhal produzida, era necessário que tivesse havido gravação da prova, o que não sucedeu.
4- Da matéria de facto provada resulta que os pagamentos dos vencimentos à A. não foram sempre atrasados no ano de 2009.
5- Resulta também provado que a A. se recusou a receber a retribuição referente ao
mês de Outubro.
6- Bem como que o pagamento do mês de Agosto foi atempado.
7 - E ainda que a Ré enfrentava dificuldades financeiras, que não lhe eram imputáveis, sendo tal facto do conhecimento da A ..
8- Por tudo isto, inexiste justa causa de rescisão por parte da A.
9- Neste sentido, aponta a melhor jurisprudência, ao entender que não basta o atraso do pagamento de uma pequena importância (sob pena de abuso de direito), e que, havendo dificuldades financeiras não imputáveis à entidade patronal e do conhecimento dos trabalhadores, inexiste incumprimento culposo.
10- Mais: a R. não esteve dois meses ou sessenta dias sem efectuar o pagamento do vencimento à A.
11- Não se esqueça que ficou provado que esta se recusou a receber o vencimento de Outubro, que lhe foi oferecido pela Ré atempadamente.
12- Bem andou a douta sentença ao decidir como decidiu, inclusive quando entendeu condenar a A. ao pagamento de uma indemnização por falta de aviso prévio na rescisão do contrato.
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Neste Tribunal o recurso foi considerado o próprio, com efeito meramente devolutivo, e que nada obstava ao seu conhecimento.
A Ré, nas suas contra-alegações, defendeu que o recurso é extemporâneo, uma vez que o prazo de vinte dias devia ser contado desde 2/09/2010 e não de 24/09/2010.
Como já se referiu, a sentença foi objecto de um pedido de rectificação por parte da Ré, pedido esse que foi deferido.
Considerando que esse pedido de rectificação tinha a ver, em parte, com o pagamento do salário do mês de Agosto, questão essa relevante para a decisão da questão de fundo, uma vez que o contrato foi resolvido pela Autora com o fundamento na falta culposa de pagamento da retribuição, parece-nos que temos de considerar que só após o referido despacho de rectificação é que ocorreu a consolidação da sentença.
Nestes termos, considera-se que o recurso interposto pela Autora é tempestivo.
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O Exmo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que a sentença deve ser mantida.
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Os autos foram com vista aos Ex.mos Juízes adjuntos.
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Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões do recorrente temos que as questões a decidir são as seguintes:
1. Nulidade da sentença por violação do disposto no nº 1 al.c) do art. 668º do CPC;
2. Saber se no caso concreto ocorreu justa causa para a trabalhadora fazer cessar o contrato de trabalho que a ligava à Ré.
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Na sentença recorrida foi consignada como provada a seguinte factualidade:
1. A A. foi contratada pela R. por contrato verbal, sem termo, para desempenhar as funções de caixeira, no estabelecimento da R. em 1. 7. 1988, não tendo as partes reduzido a escrito o respectivo contrato de trabalho.
2. O vencimento estabelecido entre A. e Ré é actualmente de € 607,00 mensais.
3. A A. desempenhou as suas funções para a Ré, primeiro numa loja que a Ré tinha no Centro Comercial … e depois numa loja da R. sita na Rua …, em Évora.
4. O teor do documento de fls. 8 dos autos.
5. A Ré pagou à A. a retribuição do mês de Agosto, através de cheque nº 6881557789 sobre a C…, no valor de € 600,00 que a A. recebeu.
6. A Ré pôs à sua disposição, no dia 4. 11. 2009, a quantia de € 700,00 através do cheque nº 8485504437, sobre a C….
7. A Ré pôs à disposição da A., a quantia de € 1.540,50 respeitante a subsídio de férias, subsídio de Natal e férias não gozadas através de cheque nº 7884303742 datado de 19. 11. 2009 sobre a C….
8. A Autora tal como a retribuição do mês de Outubro recusou-se a receber.
9. A Autora no dia 9 de Novembro às 15 horas após o período de almoço não compareceu na loja.
10. A Autora e a colega só assinavam os recibos de vencimento quando necessitavam deles para efeitos fiscais.
11. Durante o ano de 2009 houve salários em atraso e era a filha da Ré quem para ajudar a mãe ia pagando os salários à Autora, sempre que podia.
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A matéria de facto dada como provada merece algumas observações que passamos a referir:
- No ponto 4 dos factos provados foi dado como provado o teor do documento de fls. 8 dos autos.
Ora, quem lê a sentença fica sem saber de que matéria trata o documento de fls. 8 dos autos.
Assim, impõe-se que se faça a descrição, ainda que sumária, do conteúdo do referido documento, passando o ponto 4 a ter a seguinte redacção:
A Autora enviou à Ré uma carta registada com aviso de recepção, datada de 6/11/2009, com o seguinte teor:
“Em virtude da falta de pagamento pontual da minha retribuição mensal, nos termos do número 2 alínea a) e do número 5 do art. 394º do Código do Trabalho, venho pela presente carta resolver com justa causa e com efeitos imediatos o meu contrato de trabalho.
Como é de lei, solicito o pagamento de todos os valores que me são devidos seja a título de retribuições em falta, subsídios respectivos, compensações proporcionais e indemnização por antiguidade.
…”
- Por outro lado, na sequência do ponto 9 dos factos provados, em que se refere que “a Autora no dia 9/11 às 15 horas após o período de almoço não compareceu na loja”, há que acrescentar os seguintes factos, que estão admitidos por acordo, e que têm relevância para se apreciar o invocado abandono de trabalho:
A Ré enviou, em 23/11/2009, à Autora uma carta registada, com aviso de recepção, carta essa que foi recebida a 24/11/2009, na qual lhe comunicava o seguinte:
“ Encontrando-se a faltar ao serviço desde 9/11/2009, pelas 15 horas, sem que para o facto tenha apresentado justificação ou feito qualquer comunicação do motivo da ausência, presumimos que tenha decidido abandonar o trabalho, com graves prejuízos patrimoniais para a entidade empregadora.
Assim, caso não apresente, com a maior brevidade possível, prova de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência, de acordo com o disposto no art. 403º nº4 do Código do Trabalho, a empresa considera rescindido o contrato de trabalho sem aviso prévio, por abandono, com as consequências previstas no nº 5 do citado art. 403º, além dos prejuízos patrimoniais causados.”
- Finalmente, acrescente-se que não tendo a prova sido gravada está inviabilizada a reapreciação da matéria de facto com base nos depoimentos prestados.
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Feitas estas considerações, vamos consignar a matéria de facto que consideramos definitivamente fixada:
1. A A. foi contratada pela R. por contrato verbal, sem termo, para desempenhar as funções de caixeira, no estabelecimento da R. em 1. 7. 1988, não tendo as partes reduzido a escrito o respectivo contrato de trabalho.
2. O vencimento estabelecido entre A. e Ré é actualmente de € 607,00 mensais.
3. A A. desempenhou as suas funções para a Ré, primeiro numa loja que a Ré tinha no Centro Comercial … e depois numa loja da R. sita na Rua …, em Évora.
4. A Autora enviou à Ré uma carta registada com aviso de recepção, datada de 6/11/2009, com o seguinte teor:
“Em virtude da falta de pagamento pontual da minha retribuição mensal, nos termos do número 2 alínea a) e do número 5 do art. 394º do Código do Trabalho, venho pela presente carta resolver com justa causa e com efeitos imediatos o meu contrato de trabalho.
Como é de lei, solicito o pagamento de todos os valores que me são devidos seja a título de retribuições em falta, subsídios respectivos, compensações proporcionais e indemnização por antiguidade.
…”
5. A Ré pagou à A. a retribuição do mês de Agosto, através de cheque nº 6881557789 sobre a C…, no valor de € 600,00 que a A. recebeu.
6. A Ré pôs à sua disposição, no dia 4. 11. 2009, a quantia de € 700,00 através do cheque nº 8485504437, sobre a C….
7. A Ré pôs à disposição da A., a quantia de € 1.540,50 respeitante a subsídio de férias, subsídio de Natal e férias não gozadas através de cheque nº 7884303742 datado de 19. 11. 2009 sobre a C….
8. A Autora tal como a retribuição do mês de Outubro recusou-se a receber.
9. A Autora no dia 9 de Novembro às 15 horas após o período de almoço não compareceu na loja.
9-a. A Ré enviou à Autora, em 23/11/2009, uma carta registada, com aviso de recepção, carta essa que foi recebida a 24/11/2009, na qual lhe comunicava o seguinte:
“ Encontrando-se a faltar ao serviço desde 9/11/2009, pelas 15 horas, sem que para o facto tenha apresentado justificação ou feito qualquer comunicação do motivo da ausência, presumimos que tenha decidido abandonar o trabalho, com graves prejuízos patrimoniais para a entidade empregadora.
Assim, caso não apresente, com a maior brevidade possível, prova de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência, de acordo com o disposto no art. 403º nº4 do Código do Trabalho, a empresa considera rescindido o contrato de trabalho sem aviso prévio, por abandono, com as consequências previstas no nº 5 do citado art. 403º, além dos prejuízos patrimoniais causados.”
10. A Autora e a colega só assinavam os recibos de vencimento quando necessitavam deles para efeitos fiscais.
11. Durante o ano de 2009 houve salários em atraso e era a filha da Ré quem para ajudar a mãe ia pagando os salários à Autora, sempre que podia.
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Feita esta enumeração, e delimitado como está o objecto do recurso pelas conclusões das alegações do recorrente, passaremos a apreciar as questões a decidir.

1. Nulidade da sentença por violação do disposto no nº 1 al.c) do art. 668º do CPC.
Nos termos do art. 668ºnº3 do CPC, a arguição de nulidades de sentença, à excepção da nulidade prevista na al. a) do nº1 do art. citado, só pode ser feita perante o próprio tribunal que proferiu a decisão e esta não admitir recurso ordinário; caso seja admissível recurso ordinário este pode ter como fundamento a arguição de nulidades.

Em processo laboral, resulta do art. 77º do CPT, que existe um regime particular de arguição de nulidades de sentença, que se traduz no facto da arguição ter de ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso e quando da sentença não caiba recurso ou não se pretenda recorrer, a arguição das nulidades da sentença é feita em requerimento dirigido ao juiz que a proferiu.

Apesar de no processo laboral o requerimento de interposição de recurso dever conter a alegação do recorrente (art. 81º nº1 do CPT), não pode confundir-se o requerimento de interposição de recurso com a alegação de recurso. O requerimento é dirigido ao tribunal que proferiu a decisão – art. 687º nº1 do CPC- e a alegação é dirigida ao tribunal superior devendo conter as razões da discordância em relação à sentença e os fundamentos que, no entender do recorrente, justificam a sua alteração ou revogação.

Apreciando o requerimento de interposição de recurso, que foi dirigido ao Juiz de Direito do Tribunal do Trabalho de Évora, logo se vê que no mesmo a recorrente não suscitou qualquer nulidade de sentença; a alusão à nulidade de sentença consta apenas nas alegações.

Assim, temos de concluir que a recorrente não respeitou o estatuído no art. 77º do CPT.

O STJ e este Tribunal da Relação de Évora já se pronunciaram inúmeras vezes sobre esta questão, sempre de forma unânime, no sentido da arguição de nulidades não dever ser atendida por extemporânea, caso a arguição de nulidades de sentença não seja feita pela forma prevista no art. 77º do CPT, nomeadamente quando tal arguição foi só suscitada na alegação de recurso ( Cfr. entre outros Acs. do STJ de 1/6/1994, 19/10/1994 e 23/4/1998, respectivamente na Colectânea de Jurisprudência 1994, Tomo III/274, BMJ 440/242 e BMJ 476/297 e deste Tribunal Relação de Évora no Rec. nº 506/03-3).

Na sequência desta jurisprudência, que continuamos a perfilhar, e uma vez que a recorrente não arguiu qualquer nulidade de sentença no requerimento de interposição de recurso, não pode este Tribunal tomar conhecimento da pretensa nulidade, pois não estamos perante matéria de conhecimento oficioso.


2. Saber se no caso concreto ocorreu justa causa para a trabalhadora fazer cessar o contrato de trabalho que a ligava à Ré.
Uma vez que o contrato de trabalho que ligava a Autora à Ré cessou em Novembro de 2009, o regime legal aplicável é o que resulta do Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12/2.
A resolução é uma das modalidades de cessação do contrato de trabalho, prevista no art. 340º al. g) do Código do Trabalho.
Como refere Monteiro Fernandes[2] a resolução pelo trabalhador respeita a situações anormais e particularmente graves, em que deixa de ser-lhe exigível que permaneça ligado à empresa por mais tempo, isto é, pelo período fixado para o aviso prévio, operando a resolução imediatamente o seu efeito extintivo.
A resolução do contrato de trabalho, tal como se encontra configurada nos artigos 394º a 399º do Código do Trabalho e para que o trabalhador tenha direito, por via judicial, à indemnização prevista no artigo 396º do referido diploma, pressupõe sempre que este proponha uma acção declarativa de processo comum, invocando factualidade susceptível de integrar justa causa de resolução do contrato de trabalho, pedindo que se declare a licitude da resolução e a condenação da indemnização respectiva.
Como é o trabalhador que está a invocar o direito, no caso à indemnização, cabe-lhe a ele fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado, ou seja a existência de justa causa (art. 342º nº1 do Código Civil).
Por isso, o Professor Monteiro Fernandes, na obra e local já citados, frisa que para que a resolução seja lícita é preciso que o trabalhador invoque e demonstre a existência de justa causa.
Outra questão é a impugnação da resolução do contrato de trabalho pelo empregador para obter a indemnização prevista no art. 398º do Código do Trabalho.
Nesta acção, também declarativa de processo comum, o empregador formula ao tribunal um pedido para que seja declarada a ilicitude da resolução operada pelo trabalhador, invocando a inexistência de justa causa, e que lhe seja atribuída a respectiva indemnização.
Nesta situação cabe ao empregador, face ao disposto no art. 342º nº1 do Código Civil, provar que não se verificaram os factos constantes da comunicação referida no nº1 do art. 395º do Código do Trabalho.
No entanto, nada parece impedir que a acção a que se refere o art. 398º nº1, para declaração da ilicitude da resolução do contrato, seja concretizada por via reconvencional, em acção intentada pelo trabalhador visando a indemnização pela resolução do contrato com justa causa.
De qualquer forma, neste quadro de acções cruzadas, caberá sempre, em primeira linha, ao trabalhador o ónus de provar a justa causa de resolução do contrato por si invocada (art. 342º nº1 do Código Civil).
No caso concreto dos autos, estamos apenas perante uma acção declarativa de processo comum proposta pela trabalhadora em que esta pede que se declare a licitude da resolução do contrato de trabalho, por si operada, e a condenação da Ré a pagar-lhe a indemnização respectiva.
Como já se referiu, sendo o trabalhador que está a invocar o direito cabia-lhe a ele fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado, ou seja a existência de justa causa.
O tribunal recorrido, enquadrando a questão no disposto no art. 441º do Código do Trabalho de 2003 (actual art. 394º do Código do trabalho de 2009, norma aplicável como já se referiu) entendeu que não se verificou uma situação de justa causa para a trabalhadora fazer cessar o contrato de trabalho, com o fundamento de que ficou provado que a Ré pôs à disposição da Autora as quantias peticionadas e que esta se recusou a receber, com excepção do mês de Setembro de 2009 que a Ré não pôs sequer à disposição da Autora.
O art. 394º nº2 alínea a) do Código do Trabalho de 2009 estatui que constitui justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador a falta culposa de pagamento pontual da retribuição.
Por seu turno, o nº5 da mesma disposição legal refere que considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo.
Como tem salientado a doutrina e a jurisprudência, nem toda a violação de obrigações contratuais por parte do empregador confere ao trabalhador o direito de resolver o contrato, sendo necessário que o comportamento seja ilícito, culposo e que em razão da sua gravidade implique a insubsistência da relação laboral.[3]
O conceito de justa causa acolhido pelo art. 394º nº1 do Código do Trabalho tem de ser entendido de forma similar com o consagrado no art. 351º nº1 do mesmo diploma legal, tanto mais que o nº4 do primeiro preceito legal citado refere que a justa causa imputável ao empregador deve ser apreciada nos termos estabelecidos para o despedimento por facto imputável ao trabalhador.
Ponderando a doutrina e jurisprudência mais recente sobre a matéria[4], parece ser incontornável que se verifique um comportamento ilícito do empregador, violador dos deveres que lhe são impostos e das garantias do trabalhador que, pelo seu grau de culpa, condicione a relação laboral, de forma a que seja inexigível a sua manutenção por parte do trabalhador.
No fundo, somos sempre reconduzidos a uma cláusula geral do teor da que consta no art. 351º nº1 do CT de 2009, com a particularidade de a apreciação da justa causa de resolução pelo trabalhador não poder ser tão exigente como nos casos de apreciação da justa causa de despedimento.
No caso concreto dos autos, provou-se que a Autora enviou à Ré uma carta registada com aviso de recepção, datada de 6/11/2009, com o seguinte teor:
“Em virtude da falta de pagamento pontual da minha retribuição mensal, nos termos do número 2 alínea a) e do número 5 do art. 394º do Código do Trabalho, venho pela presente carta resolver com justa causa e com efeitos imediatos o meu contrato de trabalho.
Como é de lei, solicito o pagamento de todos os valores que me são devidos seja a título de retribuições em falta, subsídios respectivos, compensações proporcionais e indemnização por antiguidade.
…”
Esta carta enviada pela Autora à Ré visava o cumprimento do disposto no art. 395º nº1 do Código do Trabalho.
Esta disposição legal estatui que a declaração de resolução deve ser feita por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos trinta dias subsequentes ao conhecimento desses factos.
A referida carta não precisou quais os salários que não tinham sido pagos pela Ré à Autora, limitando-se a utilizar a expressão vaga “ Em virtude da falta de pagamento pontual da minha retribuição mensal”.
A concretização desses factos era, absolutamente, essencial para se poder concluir que a falta de pagamento da retribuição se tinha prolongado pelo período de sessenta dias.
Efectuado o julgamento provou-se que a Ré pagou à Autora a retribuição do mês de Agosto, através de cheque nº 6881557789 sobre a C…, no valor de € 600,00, que a Autora recebeu.
Da matéria de facto dada como provada, e também da fotocópia do documento de fls. 30, não resulta a data em que tal pagamento foi efectuado.
Como já se disse, sendo o trabalhador que está a invocar o direito cabia-lhe a ele fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado, nomeadamente dos salários que não foram pagos.
Sendo assim, não se pode concluir que, em 6 de Novembro de 2009, quando a Autora comunicou à Ré a resolução do contrato de trabalho, com fundamento na falta culposa de pagamento pontual da retribuição, existissem retribuições por pagar vencidas há sessenta dias.
A Autora também não logrou provar quaisquer outros factos de onde se possa retirar que a Ré agiu com culpa ao não efectuar o pagamento pontual das retribuições.

Pelo exposto, acorda-se, na secção social deste Tribunal da Relação de Évora, em julgar improcedente a Apelação, decidindo-se manter a sentença recorrida.

Custas a cargo da recorrente.
(Processado e revisto pelo relator que assina e rubrica as restantes folhas).
Évora, 2011/02/01


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Joaquim António Chambel Mourisco

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António Gonçalves Rocha

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Acácio André Proença









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[1] Sumário a que alude o art. 713º nº7 do Código de Processo Civil, na redacção do DL nº 303/2007, de 24 de Agosto:

A resolução do contrato de trabalho, tal como se encontra configurada nos artigos 394º a 399º do Código do Trabalho e para que o trabalhador tenha direito, por via judicial, à indemnização prevista no artigo 396º do referido diploma, pressupõe que o trabalhador faça prova dos factos constitutivos do direito alegado, ou seja a existência de justa causa.


[2] Direito do Trabalho, 13ª edição, Almedina, pág. 610.
[3] Cfr. Pedro Romano Martinez, Apontamentos sobre a Cessação do contrato de Trabalho à Luz do Código do Trabalho, edição da A.A.F.D.L, Lisboa 2005, pág. 153 e segs.
Direito do Trabalho, Júlio Manuel Vieira Gomes, Coimbra Editora, pág 1038 e segs.
[4] Cfr. por todos Acórdão do STJ de 27/10/2009, Processo nº 614/06.5TTBCL.S1, in www.dgsi.pt/jstj.

Na doutrina cfr:

- O Prof. João Leal Amado, Contrato de Trabalho - À luz do novo Código do Trabalho, Coimbra Editora, 2009, págs. 443 e 444 e Salários em atraso – Rescisão e suspensão do contrato, Revista do Ministério Público 1992, nº51, págs. 161 e segs, sustenta que “a tese segundo a qual a noção legal de justa causa de despedimento deve ser exportada para o domínio da rescisão do contrato pelo trabalhador parece-me, com efeito, de rejeitar: a ideia de configurar a justa causa como uma categoria genérica, aplicável, nos mesmos termos, para o trabalhador e entidade patronal (a chamada concepção bilateral e recíproca de justa causa) era de facto acolhida pela LCT, mas foi completamente aniquilada pela CRP; esta, acentuando a estabilidade do emprego no que toca ao despedimento e a liberdade de trabalho no que toca à rescisão, tornou nítido que os valores e interesses em presença diferem profundamente, consoante o contrato cesse por iniciativa de uma ou outra das partes.”

- O Prof. Júlio Manuel Vieira Gomes, Direito do Trabalho, Vol.I, Coimbra Editora, págs. 1044 e 1045 e Da rescisão do Contrato de Trabalho por Iniciativa do Trabalhador, V Congresso Nacional de Direito do Trabalho – Memórias, Coimbra, 2003, pág. 148, defende que é duvidoso que deva existir uma simetria entre a apreciação da justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador e a justa causa de despedimento por facto imputável ao trabalhador, argumentando, desde logo, que, no primeiro caso, o art. 441º nº4 remete para o nº2 do art. 396º e não para o nº1. Termina o seu raciocínio afirmando que “Daí que, para nós, seja defensável que, nesta situação (resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador), o limiar da gravidade do incumprimento do empregador possa situar-se abaixo do limiar do incumprimento do trabalhador que justifica o despedimento”.

- O Mestre Albino Mendes Baptista, Notas sobre a cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador no novo Código do Trabalho in a A Reforma do Código do Trabalho, Coimbra Editora, págs. 548 e 549, defendeu:
“ Como se sabe, a jurisprudência proferida ao abrigo da LCCT vincou sistematicamente a ideia de que a justa causa de rescisão do contrato devia ser analisada nos termos da justa causa de despedimento, invocando para o efeito o disposto no nº4 do art. 35º da LCCT.
Deste modo, é necessário que, além da verificação dos elementos objectivo e subjectivo, se conclua que se tornou impossível a manutenção da relação laboral.
Só que nesta apreciação nunca poderá ser esquecido que enquanto o empregador dispõe de sanções intermédias para censurar um determinado comportamento, o trabalhador lesado nos seus direitos não tem modos de reacção alternativos á rescisão (ou executa o contrato ou rescinde). Neste contexto, o rigor com que se aprecia a justa causa invocada pelo empregador não pode ser o mesmo com que se aprecia a justa causa quando invocada pelo trabalhador.”

- A Prof. Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte II, Situações Laborais Individuais, 1ª edição, Almedina, 2006, pág. 911, também se pronuncia no sentido de a fundamental dissemelhança entre as figuras do despedimento disciplinar e da resolução do contrato por iniciativa do trabalhador impor uma apreciação dos requisitos exigidos para a resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador em moldes não tão estritos e exigentes como no caso de justa causa disciplinar, designadamente na apreciação da relação entre o comportamento ilícito e culposo do empregador com o vínculo laboral, no sentido de tornar imediata e praticamente impossível para o trabalhador a subsistência desse vínculo.