Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
147/11.8TBNIS-AE1
Relator: JOSÉ LÚCIO
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
FALTA DE PAGAMENTO
Data do Acordão: 05/30/2012
Votação: DECISÃO DO RELATOR
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Sumário:
I – Não se encontra fundamento para tratar a situação em que na tramitação do processo seja detectada a falta de cumprimento das obrigações relativas ao pagamento da taxa de justiça relativa à petição inicial de forma mais gravosa do que aquela resultante da aplicação do art. 476º do CPC.
II – Assim, a falta de pagamento da taxa de justiça devida, no termo do prazo para pagamento da segunda prestação, determina tão só as consequências resultantes das disposições dos arts. 29º, n.º 1, al. a) do RCP e art. 285º do CPC, devendo o juiz, uma vez detectada a falta, mandar notificar o autor para juntar o comprovativo em falta, e seguindo depois o processo a sorte que lhe for determinada pela atitude do autor.
III – Sendo junto o comprovativo em questão no decêndio determinado, a situação ficou sanada, não estabelecendo a lei qualquer sanção para o caso em apreço.

Sumário do relator
Decisão Texto Integral:
1. Relatório:
Na presente acção declarativa comum, com processo ordinário, o autor JPP deu entrada à sua petição inicial e juntamente com esta ao comprovativo do pagamento da primeira prestação da taxa de justiça – verificando-se depois, esgotado o prazo para comprovar o pagamento desta, que faltava a comprovação de haver pago a segunda prestação da mesma.
Tendo a secretaria feitos conclusos os autos, com a informação respectiva, o juiz do processo proferiu o seguinte despacho:
“Antes de mais, e face ao teor da sobredita informação, determino a notificação do A. para no prazo de dez dias proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC, ao abrigo do disposto no artigo 44.°, n.º 6 da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, artigos 150.0-A, n.º 2 e 3, 467.°, n.º 6 e 486.º-A, n.º 3 (este aplicado analogicamcnte), todos do Código de Processo Civil - cfr. Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, VaI. 2.°, 2ª- Ed., Coimbra Editora. 2008, pg. 254).”
Devidamente notificado, o autor reagiu juntando o comprovativo em falta, a documentar o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, e requerendo que os autos prosseguissem os seus termos, sem que houvesse lugar ao pagamento de multa, por esta não ter qualquer suporte legal.
Sobre este requerimento recaiu então despacho com o seguinte teor:
“O despacho de fls. 30 encontra-se devidamente fundamentado com expressa menção dos dispositivos legais em que se alicerça o entendimento do tribunal que ademais teve o cuidado de referir que a aplicação do artigo 486.º-A, n.º 3 do CPC é efectuada por analogia conforme o entendimento doutrinário aí explanado, o qual o tribunal perfilha, uma vez que já foi efectuada a citação do réu nos presentes autos conforme dispõe o artigo 467.º, n.º 6 do mesmo diploma.
Por seu turno, a sede própria para o autor manifestar a discordância do despacho judicial em apreço é o recurso, o que o autor optou por não interpor, antes decidiu apresentar o requerimento em apreço manifestando a pretensão de discutir directamente com o tribunal o mérito de tal despacho, o que manifestamente não é admissível.
Sendo que, em matéria de pagamento de taxas de justiça, os prazos legalmente previstos para o efeito são peremptórios e a sua inobservância, ainda que por lapso, tem consequências para a parte inadimplente.
Termos em que, e sem necessidade de maiores considerandos, nos termos e com os fundamentos expostos, se indefere o requerido a fls. 37-v por manifestamente inadmissível.
Custas do incidente anómalo pela R. fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) UC nos termos do artigo 7.º, n.º 3 e Tabela II do Regulamento das Custas Processuais.
Notifique.
*
Não se mostrando junto aos autos documento comprovativo do acréscimo de multa de igual montante por parte do A. conforme determinado no despacho de fls. 30, convida-se o mesmo a proceder no prazo de dez dias ao pagamento da multa em falta com acréscimo de multa de valor igual ao da taxa de justiça devida, com o limite mínimo de 5 UC e máximo de 15 UC, ao abrigo do disposto no artigo 44.º, n.º 6 da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, artigos 150.º-A, n.os 2 e 3, 467.º, n.º 6, 508.º, n.º 1, alínea b), este último ex vi 486.º-A, n.º 5 (sendo este último preceito aplicado analogicamente), todos do Código de Processo Civil – cfr. Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 2.ª Ed., Coimbra Editora, 2008, pg. 254), sob pena de, caso o autor persista na omissão, ser determinado o desentranhamento da petição inicial apresentada com a consequente extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide face à ausência de objecto do processo, ao abrigo do disposto no artigo 287.º, alínea e) do Código de Processo Civil.”
Inconformado com o teor deste despacho, o autor interpôs o presente recurso, exarando as seguintes conclusões:
1ª No primeiro despacho recorrido o juiz “a quo” ordenou a notificação do A., ora recorrente, para no prazo de dez dias proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida com acréscimo de multa de igual montante, ao abrigo do disposto no artigo 44.º, n.º 6 da Portaria n.º419-A/2009, de 17 de Abril, artigos 150.º-A, nº2 e 3, 467.º, n.º 6 e 486.º-A, n.º 3 (este aplicado analogicamente) do C.P.C.
2ª No seu segundo despacho, ora recorrido, o juiz “a quo” decretou que não se mostrando junto aos autos documento comprovativo do acréscimo de multa de igual montante por parte do A. conforme determinado no despacho de fls. 30, convida-se o mesmo a proceder no prazo de dez dias ao pagamento da multa em falta com acréscimo de multa de valor igual ao da taxa de justiça devida, com o limite mínimo de 5 UC e máximo de 15 UC, ao abrigo do disposto no artigo 44.º, n.º 6 da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, artigos 150.º-A, n.os 2 e 3, 467.º, n.º 6, 508.º, n.º 1, alínea b), este último ex vi 486.º-A, n.º 5 todos do Código de Processo Civil sob pena de, caso o autor persista na omissão, ser determinado o desentranhamento da petição inicial apresentada com a consequente extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide face à ausência de objecto do processo, ao abrigo do disposto no artigo 287.º, alínea e) do Código de Processo Civil.
3ª Considera o recorrente que a juiz “a quo” fez uma aplicação e interpretação errada do preceituado no art.486º-A nº03 do CPC, mesmo que analogicamente.
Vejamos:
Tem sido entendimento da generalidade dos tribunais que face ao não pagamento da 2ª prestação da taxa de justiça se proceda à notificação do faltoso para no prazo de dez dias proceder ao seu pagamento sem qualquer consequência (multa, etc), nos termos e efeitos do art.685º-D nº01 do CPC.
Assim, antes de “lançar mão” do preceituado no art.486º-A nº03 do CPC deveria a juiz “a quo” ter notificado o recorrente para efectuar o pagamento no prazo de dez dias sem mais consequências, caso o pagamento fosse omitido então seria liquidada a multa e, eventualmente, se o comportamento omissivo persistisse levaria ao desentranhamento da peça processual.
Por outro lado, o disposto no art.486º-A nº03 do CPC, diz respeito especificamente à falta de pagamento da taxa de justiça devida com a contestação, no caso dos autos estamos face à 2ª prestação da taxa de justiça devida pela apresentação da P.I., a qual tem um regime específico previsto no art.467º CPC., não estando expressamente prevista uma consequência jurídica (multas) para a omissão do pagamento da 2ª prestação da taxa de justiça no prazo a que alude o art.13º nº1 e 2 do Reg. Custas Processuais e art.44º nº02 da portaria nº419-A de 2009 de 17 de Abril.
Aplicou a juiz “a quo” o art.486º-A ao caso dos autos por analogia, considera o recorrente que tal preceito não comporta a aplicação analógica (cfr. art.11º do C.C.), uma vez que o art.486º-A se trata de uma norma que regula um sector restrito de relações com uma configuração especial, consagrando para o efeito uma disciplina oposta à que vigora para o comum das relações do mesmo tipo, sendo a regra geral o disposto no art.467º do C.P.C..
Em suma, não estando expressamente prevista uma consequência jurídica (multas) para a omissão do pagamento da 2ª prestação da taxa de justiça no prazo legal deve o julgador notificar o faltoso para no prazo de dez dias efectuar o pagamento (princípio da cooperação) e caso tal se frustre aí sim haverá lugar à aplicação de multas e/ou desentranhamento das peças processuais.
4ª No segundo despacho recorrido ordenou a juiz “a quo” que fosse liquidada uma multa sobre outra multa, o que não tem qualquer cabimento legal nos preceitos referidos e sobre os quais fundamentou a douta decisão.
Vejamos:
Tal despacho não deveria ter sido proferido uma vez que o recorrente reclamou e recorreu do primeiro despacho que lhe serve de base para esta liquidação de multa sobre multa, sendo uma questão prejudicial a solucionar só após o transito em julgado do primeiro despacho poderia a juiz “a quo” proferir um outro despacho tendo como fundamento o anterior despacho incumprido.
Quanto a aplicação do art.486º-A nº05 do C.P.C. invoca-se a sua errada aplicação e interpretação tal como defendido pelo recorrente no art.2º destas alegações de recurso para o qual se remete e se dá por reproduzido.
Dir-se-á, ainda, que o preceituado no nº05 do art.486º-A do CPC tem como pressuposto a não liquidação da multa e da taxa de justiça devida, no caso dos autos a taxa de justiça está paga, só a multa não se apresenta paga, tendo o recorrente reclamado e posteriormente recorrido de tal despacho, o que prejudicava que a sua omissão fosse cominada com uma nova multa.
Mesmo que assim não fosse, o art.486º A nº05 só se aplica em caso de omissão cumulativa de pagamento de taxa de justiça e multa liquidada, no caso dos autos tal requisito cumulativo não se verifica pelo que o preceito não é aplicável.
O art.44º nº06 da portaria 419-A/2009 pressupõe a existência de uma situação tipificada na lei processual e no RCP, no caso dos autos a multa que não foi liquidada corresponde à multa relativa à omissão da 2ª prestação da taxa de justiça devida pela apresentação de uma P.I., como não está expressamente prevista uma consequência jurídica para a omissão do pagamento dessa multa não pode ser liquidada por falta de fundamento legal.
O art.150º-A nº02 e 3 do CPC tem como fundamento a integral falta de liquidação da taxa de justiça, no entanto excepciona e salvaguarda o regime previsto para a P.I..
Tomando esta consideração como ponto de partida, no caso dos autos estava em falta a 2ª prestação da taxa de justiça devida pela apresentação de uma P.I., a falta do seu pagamento não tem prevista qualquer consequência no RCP e na lei processual, devendo o juiz “a quo” em honra do princípio da cooperação previsto, entre outros, no art.508º nº02 do C.P.C fixar prazo para que seja junto aos autos o DUC essencial ao prosseguimento da causa.
5ª Em honra do princípio da cooperação entre juiz, mandatários e partes se considera que tendo o recorrente pago a taxa no prazo de dez dias que lhe foi estipulado, não há lugar a qualquer multa.
Nestes termos, requer a V.Exªs se dignem considerar procedente e provado o presente recurso, e em consequência considerar cumpridas as obrigações do recorrente relativamente à taxa de justiça, isentando-o de quaisquer multas.”
Não houve qualquer resposta ao recurso interposto.
Este foi admitido, correctamente, como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito suspensivo.
Cumpre agora apreciar e decidir.
*
Estabelece o art. 705º do CPC que “Quando o relator entender que a questão a decidir é simples, designadamente por ter já sido jurisdicionalmente apreciada, de modo uniforme e reiterado, ou que o recurso é manifestamente infundado, profere decisão sumária, que pode consistir em simples remissão para as precedentes decisões, de que se juntará cópia.
Ficaram assim previstas pelo legislador situações em que não se justifica a intervenção da conferência, atenta a simplicidade da questão a decidir, nomeadamente por essa questão já estar suficientemente esclarecida pela jurisprudência existente ou por o que vem pedido no recurso se apresentar manifestamente infundado.
Por outras palavras: a lei processual pretende que nas situações em que surja como claro e pacífico que o recurso não pode proceder ou em que a decisão se apresente notoriamente simples, seja isso dito pelo relator em decisão sumária, sem as delongas que implicaria a intervenção do colectivo no tribunal superior.
Afigura-se que é essa a situação do presente recurso, atento o teor da decisão recorrida, vistos os factos a considerar e o direito aplicável.
Entendemos que no caso é manifesto que o despacho proferido não pode subsistir, por não haver lugar às consequências estabelecidas no despacho recorrido para a falta cometida pelo autor, pelo que o assiste razão ao recurso interposto.
Assim, passamos a proferir decisão sumária, como se segue.
2. Objecto do recurso.
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações, como resulta do disposto nos artºs. 684º, n.º 3 e 685º-A, nº 1, ambos do Código de Processo Civil – se outra questão não se perfilar que por um lado seja de conhecimento oficioso e que por outro venha a prejudicar o conhecimento daquelas colocadas pelo recorrente.
Considerando as conclusões do presente recurso, a questão a decidir resume-se a saber quais as consequências legais previstas na lei para a não apresentação atempada pelo autor do comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça devida.
*
3. Fundamentação.
Como é sabido, o pagamento da taxa de justiça em duas prestações, constituiu uma faculdade concedida à parte, nos termos e condições previstas no art. 44º da Portaria 419-A/2009 de 17/04.
Prevista inicialmente para vigorar apenas até 31 de Dezembro de 2010, essa faculdade acabou por abranger também o período a que se reporta a factualidade aqui em apreço por força da Portaria n.º 200/2011, de 20/05.
O referido artigo estabeleceu, além do mais sem interesse para o caso, que:
1 — A taxa de justiça é paga de uma só vez por cada parte ou sujeito processual.
2 — Independentemente do disposto no número anterior, até 31 de Dezembro de 2011, a parte ou sujeito processual pode ainda proceder ao pagamento da taxa de justiça devida pelo impulso processual em duas prestações, de igual valor, sendo a primeira devida no momento estabelecido no artigo 14.º do RCP e a segunda prestação nos 90 dias subsequentes.
(…)
5 — Considera -se que a taxa de justiça foi integralmente realizada com o pagamento da segunda prestação, produzindo os seus efeitos à data do primeiro pagamento.
6 — As cominações previstas nas leis processuais e no RCP para os casos de omissão serão aplicáveis depois de expirado o prazo previsto na parte final do n.º 2, relevando, para o efeito, o valor da prestação em falta.“
Como decorre da norma transcrita, a falta de pagamento da taxa de justiça devida, no termo do prazo para pagamento da segunda prestação, determina a aplicação do regime cominatório previsto no Código de Processo Civil e Regulamento das Custas Processuais.
Com efeito, o diploma supra citado não prevê nenhum regime cominatório especial para a aludida falta de pagamento, remetendo para o regime geral.
Analisando este, temos que o art. 150º-A CPC estabelece o procedimento quando não está comprovado o pagamento da taxa de justiça, dispondo nomeadamente no seu n.º 2, que “a junção de documento comprovativo do pagamento de taxa de justiça de valor inferior ao devido nos termos do Regulamento das Custas Processuais, equivale à falta de junção, devendo o mesmo ser devolvido ao apresentante”, mas logo no seu n.º 3, ao estabelecer as consequências aplicáveis às omissões praticadas nessa matéria, afasta expressamente do seu regime cominatório o caso da petição inicial, mandando aplicar, quando a falta se relacione com esta, as disposições que especialmente se lhe referem.
Assim, cumpre observar o regime especialmente previsto para a petição inicial, designadamente no art. 467º, n.º 3, do CPC, na redacção dada pelo DL 34/2008 de 26/02. Este determina que o “autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo.”
E nos termos do art. 474º, al. f), do CPC, ainda na redacção do DL 34/2008 de 26/02, a falta de junção do comprovativo do pagamento da taxa de justiça constitui um dos fundamentos para recusa pela secretaria, do recebimento da petição inicial.
Temos ainda, porém, que a lei concede ao autor o benefício de “juntar o documento a que se refere a primeira parte do disposto na alínea f) do art. 474º - documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça – dentro dos 10 dias subsequentes à recusa de recebimento ou de distribuição da petição, ou à notificação da decisão judicial que a haja confirmado…” (cfr. art. 476º do CPC).
Aplicando este regime às situações em que o autor optou pelo pagamento da taxa de justiça em prestações, conclui-se que por um lado a omissão do pagamento da segunda prestação equivale à falta de pagamento da taxa de justiça, tal como consta do n.º 2 do art. 150º-A supra citado; porém, como é fácil reconhecer, já não é susceptível de aplicação o disposto na al. f) do art. 474º, visto que a recusa da petição mostra-se agora impossível, por natureza (a petição foi oportunamente recebida pela secretaria, e o processo prosseguiu com a citação da ré).
Assim, verificando-se a falta de pagamento, deve proceder-se de acordo com o previsto no art. 476º CPC, ou seja, convidando-se o autor a regularizar o processado, quanto ao pagamento devido, no prazo de 10 dias, tal como ocorre quando se verifica inicialmente a falta de junção do comprovativo do pagamento da taxa de justiça, ou mesmo a falta de pagamento da taxa de justiça in totum após a petição ter sido recebida.
Aqui chegados, deparamos com a dificuldade sentida pelo julgador na primeira instância – e também com as nossas divergências em relação ao decidido. Com efeito, a lei não previu expressamente as soluções para a situação em apreço. Temos porém como certo que não estabeleceu multas nem estatuiu o desentranhamento da petição, como poderia sustentar-se a partir de normas cuja previsão está desenhada para diferentes situações processuais, que não a presente.
No caso, temos que o autor fez uso da faculdade de pagar em duas prestações a taxa de justiça – tendo dado entrada à petição inicial, fazendo prova do pagamento da primeira prestação e comprometendo-se a comprovar o pagamento da segunda, nos termos legais.
Não tendo dado satisfação a essa imposição legal, foi convidado a suprir a falta – e já o fez. Esta situação, obviamente, não pode ser considerada mais grave do que a omissão em relação ao total da taxa, nem consequentemente se justifica tratá-la de forma mais gravosa.
Deste modo, julgamos que está sanada a questão levantada, e devem os autos prosseguir, tal como estabelece o art. 476º do CPC, assistindo a razão ao autor. Na verdade, a falta em questão não está sancionada na lei com outra consequência que não seja a resultante das disposições dos arts. 29º, n.º 1, al. a) do Regulamento das Custas Processuais, e art. 285º do Código de Processo Civil. Ou seja, tendo sido detectada a falta, como foi, o juiz deve mandar notificar o autor para juntar o comprovativo de haver pago a segunda prestação da taxa de justiça sob pena de remessa à conta e de interrupção da instância, decorridos os prazos para tanto.
Não está legalmente prevista outro sancionamento para a actuação do autor, e não parece lícito recorrer à analogia para encontrar sanções pecuniárias (salvo melhor entendimento, julgamos que as normas sancionatórias não são susceptíveis de aplicação analógica, e a norma que prevê a aplicação de uma multa é claramente uma norma sancionatória). Ora a posição assumida no despacho impugnado baseia-se inteiramente na aplicação analógica do disposto no art. 486º-A do CPC, que se refere à contestação e dispõe sobre as consequências da falta de comprovação pelo réu contestante das obrigações relativas à taxa de justiça.
Observa-se a este respeito que é patente a falta de base para tal aplicação analógica, por não se encontrar a similitude a que alude o art. 10º, n.º 1, do Código Civil. Aliás, o art. 486º-A, n.º 1, estabelece expressamente que à matéria da contestação, por si regulada, são também aplicáveis os n.ºs 3 e 4 do art. 467º, relativo à petição inicial, numa técnica que se compreende visto que está a dispor sobre uma peça processual que lhe é anterior, na ordem lógica e não só cronológica. Não faz sentido que, invertendo esse movimento, venha defender-se que as normas aqui previstas para a contestação são afinal aplicáveis também à petição inicial, por analogia. Se o legislador quisesse que tais cominações valessem para a petição inicial e também para a contestação, o normal seria que as estabelecesse numa norma geral que abrangesse ambos os articulados ou então que as fixasse na previsão especial relativa à petição inicial e dissesse depois na norma relativa à contestação que as mesmas também lhe eram extensíveis – tal como fez em relação aos n.ºs 3 e 4 do art. 467º.
Dissertando sobre estas questões, o Ilustre Conselheiro Salvador da Costa, com a autoridade que lhe é unanimemente reconhecida, escreve que não se encontra fundamento para tratar a situação em que na tramitação do processo seja detectada a falta de cumprimento das obrigações relativas ao pagamento da taxa de justiça relativa à petição inicial de forma mais gravosa do que aquela resultante da aplicação do art. 476º do CPC.
A falta de comprovação do pagamento pontual da taxa de justiça relativa à petição inicial, detectada no decurso do processo em causa, não pode conduzir à aplicação de multas e ao desentranhamento da referida peça processual, independentemente de ter havido ou não citação, ou contestação, dado que a lei não prevê essa consequência para o caso, diferentemente do que acontece para idêntica falta em relação à contestação.
Também não existe fundamento para a extinção da instância, por via da absolvição do réu da instância, ou da impossibilidade superveniente da lide, uma vez que “a taxa de justiça devida pelo impulso processual em geral não respeita à relação jurídica substantiva discutida no processo, nem aos respectivos pressupostos processuais”.
A este respeito, veja-se a exposição de Salvador da Costa, no seu “Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado”, Almedina, 3ª edição, 2011, a págs. 475 a 478, que aqui acolhemos e seguimos.
Como consequência do que se deixa exposto, impõe-se a revogação do despacho recorrido, por não haver lugar à aplicação das multas aí mencionadas nem às demais cominações aí referidas – considerando-se a situação regularizada e a falta sanada, pelo que se impõe o prosseguimento do processo.
Em resumo:
I – Não se encontra fundamento para tratar a situação em que na tramitação do processo seja detectada a falta de cumprimento das obrigações relativas ao pagamento da taxa de justiça relativa à petição inicial de forma mais gravosa do que aquela resultante da aplicação do art. 476º do CPC.
II – Assim, a falta de pagamento da taxa de justiça devida, no termo do prazo para pagamento da segunda prestação, determina tão só as consequências resultantes das disposições dos arts. 29º, n.º 1, al. a) do RCP e art. 285º do CPC, devendo o juiz, uma vez detectada a falta, mandar notificar o autor para juntar o comprovativo em falta, e seguindo depois o processo a sorte que lhe for determinada pela atitude do autor.
III – Sendo junto o comprovativo em questão no decêndio determinado, a situação ficou sanada, não estabelecendo a lei qualquer sanção para o caso em apreço.
*
4. Decisão:
Face ao exposto, decide-se revogar a decisão recorrida, e determinar a remessa dos autos à primeira instância para que ali prossigam a sua marcha.
Sem custas, considerando a ausência de oposição e o vencimento da posição do recorrente.
Évora, 2012-05-30
José Lúcio