Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | BERNARDO DOMINGOS | ||
Descritores: | SERVIDÃO DE AQUEDUTO SERVIDÃO POR DESTINAÇÃO DO PAI DE FAMÍLIA | ||
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Data do Acordão: | 01/20/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA PARCIALMENTE A SENTENÇA | ||
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Sumário: | I - Os modos de constituição das servidões são o contrato, o testamento, a usucapião ou destinação de um pai de família (artigo 1547º, nº. 1, do Código Civil), sendo que as servidões legais, na falta de constituição voluntária, podem ser constituídas por sentença judicial ou decisão administrativa....(n.º 2 do art.º 1547º do CC). II – O artigo 1549º do Código Civil expressa que se em dois prédios do mesmo dono, ou em duas fracções de um só prédio, houver sinal ou sinais visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos, que revelem serventia de um para outro, serão esses sinais havidos como prova da servidão quando, em relação ao domínio, os dois prédios, ou duas fracções do mesmo prédio, vierem a separar-se, salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respectivo documento. III – Estando assente que os prédios confinantes dos AA. e da R. pertenciam, antes de cada um deles os adquirir por compra, em propriedade plena, a Quirino…. e mulher e que nessa altura e desde antes da sua desanexação…., existia um furo artesiano, com uma bomba para tirar água instalada, o qual, através de canalização que atravessa o prédio da Ré serve para abastecimento de água à parte urbana do prédio dos AA. e que tal furo e respectiva canalização são por si mesmos visíveis no local, onde existem desde data anterior à venda do terreno à Ré, e, assim, desde data anterior à separação da propriedade dos dois prédios, que passaram a pertencer a pessoas diversas e estando também provado que ao ser alienado à Ré, o seu prédio, nada se referiu quanto a tal furo e canalização, é óbvio que perante esta factualidade ocorrem, os pressupostos de constituição de servidão por destinação de pai de família, designadamente a pertença pretérita aos mesmos donos de prédio ou de fracções dele, os sinais visíveis e permanentes reveladores de uma situação estável de serventia em ambos, a separação dos prédios em relação ao domínio e a inexistência de declaração nos contratos de compra de venda contrária à constituição da servidão. IV - Esta servidão pelo seu objecto e finalidade é sem dúvida uma servidão de captação de água e de transporte ou aqueduto, uma vez que se destina a abastecer e a servir a parte urbana do prédio dos AA., onerando o prédio da R. com o respectivo encargo. E esta servidão mantém-se ainda que a necessidade da água deixe de ser necessária. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam em Conferência os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: Proc.º N.º 2447/04-2 Apelação 2ª Secção Tribunal Judicial da Comarca de ……….. – 1º Juízo - proc. n.º 203/01 Recorrente: António……….. e mulher. Recorrido: Auto Reparadora …………... * ANTÓNIO……….., casado, residente na ……………, intentou contra AUTO REPARADORA…………., com sede no Sítio …………, acção de condenação sob a forma ordinária, pedindo a condenação da Ré a reconhecer o A. como proprietário dos 4.000m2 que ocupa e pertencem ao prédio deste, restituir ao A. tal área de terreno, devoluta e para tal retirar a vedação e todos os mais objectos que nela mantém, proceder à demarcação entre o seu prédio e o prédio do A. com a colocação dos necessários marcos e linde entre ambos e reconhecer a existência da servidão de captação e transporte de águas incidindo no seu prédio, em benefício do prédio do A., abster-se de perturbar por qualquer forma o exercício de tal servidão e a indemnizar o A. pelos prejuízos que lhe advenham da privação dos seus 4.000m2 de terreno, até que os mesmos lhe sejam efectivamente restituídos, indemnização essa a liquidar em execução de sentença. Alega, em síntese, que por escritura pública outorgada em 19. 01. 01, a fls. 127 do Livro 107-C do Cartório Notarial de …….. adquiriu por compra a Quirino…… e mulher Maria ……….., um prédio misto denominado Morgadinho e Pedras Negras, com a área de 3,535hectares, na freguesia de S. Brás e S. Lourenço, do concelho de ……….., inscrito sob parte do artigo 140 da secção D da matriz cadastral rústica e no artigo 615 da matriz urbana respectivas, descrito na Conservatória do Registo Predial de ………… sob o n° 00019/121284 e inscrito a favor do A. pela inscrição G-3. A R. é proprietária dum prédio com a área de 3.900m2, que adquiriu em 1988 aos mesmos Quirino……….. e mulher e que se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° 00338/080488 e que foi desanexado do prédio do A. Quer o prédio do A., quer o da Ré, têm entrada pela E.N. n° 4 para a qual cada um possui um portão. A- Ré tem na sua posse, não apenas os 3.900m2 que efectivamente lhe pertencem, mas cerca de 4.000m2 a mais, que pertencem ao prédio do A. A Ré foi regularmente citada para contestar e veio requerer a intervenção acessória provocada de Quirino……… e cônjuge Maria……. deduzir contestação por excepção e impugnação, e reconvenção, alegando em síntese que existe cumulação de pedidos incompatíveis. A escritura é nula, pois traduz-se num negócio simulado entre o A. e o aludido Quirino Lopes, cujo fim é exclusivamente prejudicar a Ré ora contestante. A Ré como é do domínio público e do conhecimento de toda a gente, de forma pública, pacífica constante e continuada, desde o mês de Novembro de 1990, ocupa o talhão dos 4.000m2, o qual lhe foi entregue consciente e voluntariamente pelo Quirino na sequência do válido contrato celebrado com o R. nesse momento e é do perfeito conhecimento do A. Os intervenientes enriqueceram à custa da Ré, recebendo dela no ano de 1990 a quantia de esc. 6. 000. 000$00, para pagamento do preço do bem imóvel que agora alienaram ao A. desta acção. Conclui pedindo seja indeferida liminarmente em face da ineptidão da petição inicial e não se entendendo assim, julgada improcedente atenta a nulidade do negócio simulatório em que se alicerça, com a suspensão da instância a qual deve manter-se até que seja julgado em definitivo o processo crime em que o Quirino e a cônjuge são denunciados e cumulativamente se prove nos autos a inscrição da acção na competente Conservatória do Registo Predial, devendo ser aceite a intervenção provocada dos aludidos Quirino ………. e cônjuge Maria……. e caso não se entenda assim, seja proferida sentença que declare procedente por provado o pedido reconvencional e que substitua os efeitos da declaração de promessa de venda dos identificados 4.000m2 ou que sentencie a restituição à Ré da quantia de esc. 12. 000. 000$00 nos termos do n° 2 do art°. 442° do Código Civil, ou ainda a entrega à Ré de esc. 6. 000. 000$00 acrescida de juros de mora calculados até ao momento do pagamento integral, em consequência do enriquecimento dos promitentes vendedores e a final sentenciada a improcedência dos pedidos do A., porque não provados os factos aqui articulados. O A. ofereceu resposta à contestação e pedido reconvencional, mantendo o já por si alegado e concluindo como na petição inicial e pedindo a improcedência dos pedidos reconvencionais. A ré respondeu pedindo se mantenha todo o peticionado e a procedência do integralmente articulado na contestação. Foi proferido despacho saneador que julgou a instância válida e regular e homologou a desistência dos pedidos reconvencionais deduzidos nas alíneas e), f) e g) a fls. 113. Foi ainda admitido o incidente de intervenção espontânea da mulher do Autor. Foi decidida a absolvição da instância do pedido de nulidade do negócio entre A. e intervenientes. Elaborou-se matéria de facto assente e base instrutória. Após o despacho saneador nada ocorreu que obste ao conhecimento do mérito da causa. Procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais, como melhor consta da respectiva acta e de seguida, julgada a matéria de facto, foi proferida sentença, que julgando a acção parcialmente procedente por provada e improcedente por não provado o pedido reconvencional , decidiu nos seguintes termos: «a) condeno a Ré a reconhecer o direito de propriedade do A. e sua mulher Paula……… sobre os 4.000m2 que ocupa e pertencem ao prédio deste, restituir ao A. tal área de terreno devoluta e para tal retirar a vedação e todos os mais objectos que nela mantém e a restitui-los de imediato aos autores. b) absolvo a Ré dos demais pedidos formulados na petição inicial. c) não declaro a nulidade por simulação do contrato celebrado entre o A. e os anteriores proprietários Quirino……….. e mulher Maria ……….. d) custas por ambas as partes na proporção do decaimento, que se fixa em 1/4 para o A. e 3/4 para a Ré.» * Inconformados vieram os AA., apelar, tendo rematado as suas alegações com as seguintes ** conclusões: «1°Pediu-se o reconhecimento da existência duma servidão, constituída por destinação de pai de família, de captação e transporte de águas artigo 1549 do C.Civil. 2° Não se pediu a constituição duma servidão legal de águas, nos termos previstos no artº. 1557 do mesmo diploma. 3° O Mt°. Juiz a quo confundiu as duas situações e por isso 4° Exigiu para reconhecer a existência de servidão do art°. 1549, os requisitos legais da prevista no art. 1557. 5° Violou assim, por erro evidente de interpretação e aplicação, ambas as disposições. 6° Por outro lado, reconheceu-se que a R. deteve e detém ainda, ilicitamente, 4.000 m2 de terreno dos AA., o que faz culposamente, até pela persistência que ainda mantém em os não devolver e 7° Causando aos AA. um dano -privação de fruição do que lhes pertence- dano esse do qual o comportamento da R é causa adequada e cujo quantitativo não podia nem pode determinar-se, por se não saber por quanto tempo ele se iria prolongar ainda. Assim 8º Têm os AA. direito a indemnização por tal dano e, negando-lho, a douta sentença recorrida violou o disposto nos arts. 483 e 562 do C.C.. Nestes termos 9° Com o alto suprimento de Vs. Exas., que se pede e espera, deve a douta sentença recorrida ser alterada, reconhecendo-se a pedida servidão e a indemnização solicitada a liquidar em execução de sentença...» * Não houve contra-alegações.* Os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 690º e 684º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil) [1] salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil).Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. * ** Das conclusões do recurso resulta que são suscitadas apenas duas questões: a) Saber se, onerando o prédio dos RR. , existe uma servidão de captação e transporte (aqueduto) de água, constituída por destinação de pai de família. b) Saber se procede o pedido de indemnização pela privação de uso de parte do terreno. * A matéria de facto dada como assente na sentença não foi questionada e não se encontram razões para a alterar, pelo que se tem por definitivamente fixada.Assim a factualidade relevante para a decisão da causa é a seguinte: «- Da Matéria de Facto Assente: 1- Foi celebrada a escritura pública de compra e venda cuja cópia certificada consta de fls. 9 a,12, (alínea a) da matéria de facto assente). 2- Encontra-se inscrita a favor do A., pela inscrição G-3 à descrição n° 00019/121284 na Conservatória do Registo Predial de ……, a aquisição do prédio identificado na escritura a que se alude no ponto anterior, (alínea b) da matéria de facto assente). 3- A R.. é proprietária de um prédio com a área de 3.900m2, que adquiriu em 1988 a Quirino……. e mulher e que se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° 00338/080488, (alínea c) da matéria de facto assente). 4- Tal prédio foi desanexado do prédio referido na escritura pública mencionada na alínea a), (alínea d) da matéria de facto assente). 5- Quer o prédio referido na escritura pública mencionada na alínea a), quer o da Ré têm entrada pela E.N. n° 4, para a qual cada um possui um portão, (alínea e) da matéria de facto assente). 6- A Ré tem na sua posse, 4.000m2 pertencentes ao prédio identificado na escritura pública referida na alínea a), (alínea f) da matéria de facto assente). 7- A R. colocou uma vedação em paus e arames, separando por um lado os 3.900m2 do seu prédio e os 4.000m2 referido na alínea anterior, do restante prédio mencionado na escritura pública referida na alínea a), (alínea g) da matéria de facto assente). 8- A Ré nunca adquiriu, por qualquer titulo, os 4.000m2 referido na alínea f), (alínea h) da matéria de facto assente). 9- A Ré deslocou para junto da vedação referida na alínea g), diversas viaturas velhas, em estado de sucata ou quase sucata, utilizando para tais deslocações um tractor, (alínea i) da matéria de facto assente). 10- A Ré trabalhou com um escarificador uma pequena parte dos 4.000m2 referidos na alínea f), (alínea j) da matéria de facto assente). 11- No prédio referido na alínea c) existiu desde antes da sua desanexação do prédio referido na escritura pública mencionada na alínea a), um furo artesiano, com uma bomba para tirar água instalada, o qual, através de canalização que atravessa o prédio da Ré serve para abastecimento de água à parte urbana do prédio referido na escritura pública mencionada na alínea a), (alínea I) da matéria de facto assente). 12- Tal furo e respectiva canalização são por si mesmos visíveis no local, onde existem desde data anterior à venda do terreno à Ré, e, assim, desde data anterior à separação da propriedade dos dois prédios, que passaram a pertencer a pessoas diversas, (alínea m) da matéria de facto assente). 13- Ao ser alienado à Ré, o seu prédio, nada se referiu quanto a tal furo e canalização, (alínea n) da matéria de facto assente). - Da Base Instrutória: 14- As pessoas que figuram como vendedores na escritura pública referida na alínea a) da matéria de facto assente prometeram vender, celebrando com a Ré o contrato promessa de compra e venda, cuja cópia consta de fls, 45 e 45v°, (resposta ao art.º. 2° da base instrutória). 15- A Ré ocupa os 4.000m2 referidos na alínea f) da matéria de facto assente, desde o mês de Novembro de 1990, (resposta ao art°. 7° da base instrutória). 16- Os referidos 4.000m2 foram entregues à Ré, pelo anterior proprietário, na sequência da celebração do contrato-promessa de compra e venda referido na alínea b) da matéria de facto assente, (respostas aos arts. 8°, 9°, 10° e 11° da base instrutória). 17- A vedação em paus e arames, bem como o portão referidos na alínea g), foram colocados pela Ré no ano de 1990, (resposta ao art°. 12° da base instrutória).» * Quanto à primeira questão, importa antes do mais fazer uma pequena resenha sobre o regime legal das servidões prediais. A lei define a servidão predial como o encargo imposto num prédio, o chamado serviente, em proveito exclusivo de outro pertencente a dono diferente, designado por dominante (artigo 1543º do Código Civil). Trata-se, pois, de uma restrição ao direito de propriedade sobre o prédio dito serviente, ao direito de gozo do respectivo proprietário, ou seja, implica um direito real limitado. É oponível não só ao proprietário do prédio serviente como também aos seus futuros adquirentes, de harmonia com o princípio da inerência. Podem ser objecto da servidão quaisquer utilidades, ainda que futuras ou eventuais, susceptíveis de ser gozadas por intermédio do prédio dominante, mesmo que lhe não aumentem o valor (artigo 1544º do Código Civil). É, assim, essencial à constituição de uma servidão legal que dela resulte alguma vantagem para o prédio dominante, ou seja, um proveito efectivo por via de um prédio serviente. A referida utilidade ou vantagem é susceptível de se traduzir em aumento do valor venal do prédio dominante, como é o caso da servidão de passagem num prédio serviente para àquele proporcionar maior comodidade (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, "Código Civil Anotado", vol. III, Coimbra, 1987, pág. 619). As servidões são indivisíveis e, consequentemente, se o prédio serviente for dividido entre vários donos, cada porção fica sujeita à parte da servidão que lhe cabia, e se for dividido o prédio dominante tem cada consorte o direito de usar a servidão sem alteração ou mudança (artigo 1546º do Código Civil). Às servidões legais, designadamente as que são constituídas em benefício de um prédio encravado, reporta-se o artigo 1550º do Código Civil. Este, prescreve, por um lado, que os proprietários de prédios que não tenham comunicação com a via pública nem condições que lhes permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou dispêndio, têm a faculdade de exigir a constituição de servidões de passagem sobre os prédios rústicos vizinhos (nº. 1). E, por outro, goza de igual faculdade o proprietário que tenha comunicação insuficiente com a via pública, por terreno seu ou alheio (nº. 2). Nele se prevê o encrave predial absoluto e o relativo, ou seja, por um lado, o prédio que não tem qualquer comunicação com a via pública, e o que dispõe de insuficiente comunicação, isto é, com ou só possível através da realização de obras de custo desproporcionado com os lucros ou vantagens derivados da sua exploração. A via pública a que se refere este artigo é aquela onde as pessoas possam circular livremente, por exemplo as estradas e os caminhos. Assim, envolvem as servidões legais, verificados que sejam os referidos pressupostos, o direito potestativo gerador da faculdade de constituir uma servidão sobre determinado prédio, independentemente da vontade do dono deste. Exercido que seja esse direito, designadamente por via de contrato ou de sentença judicial, logo a servidão passa de potência a acto, isto é, logo se transmuta de meramente legal em efectiva. Entre as servidões sobressai, pelo seu relevo económico e prático, a de passagem a pé ou de carro, ou seja, o poder conferido ao proprietário do prédio encravado de exigir o acesso à via pública através do prédio ou dos prédios vizinhos. Decorrentemente, no caso de divisão do prédio onerado com uma servidão de passagem, os donos das parcelas por ela operada continuarão a suportá-la. Mas existe outras espécies de servidões legais designadamente de águas (art.º 1557 e seg. do CC). Os modos de constituição das servidões são o contrato, o testamento, a usucapião ou destinação de um pai de família (artigo 1547º, nº. 1, do Código Civil), sendo que as servidões legais, na falta de constituição voluntária, podem ser constituídas por sentença judicial ou decisão administrativa....(n.º 2 do art.º 1547º do CC). Tendo em conta o objecto do litígio, no caso vertente só relevam, no quadro dos títulos de constituição de servidões, a sentença ou a destinação de um pai de família. Quanto aos pressupostos para a constituição duma servidão legal de captação e transporte/aqueduto de águas as sentença sob recurso concluiu e bem pela sua inexistência e consequentemente não reconheceu a constituição de tal servidão. Porém o A. não pediu o reconhecimento da existência duma servidão legal de captação de águas e de aqueduto ou transporte das mesmas águas, mas sim a condenação da RR. a reconhecer a existência da dita servidão de captação e transporte de águas, a favor do seu prédio urbano e constituída por destinação de pai de família (cfr. art. 20º e 21º da petição inicial). À constituição de servidões por destinação do pai de família reporta-se o artigo 1549º do Código Civil. Expressa o referido artigo que se em dois prédios do mesmo dono, ou em duas fracções de um só prédio, houver sinal ou sinais visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos, que revelem serventia de um para outro, serão esses sinais havidos como prova da servidão quando, em relação ao domínio, os dois prédios, ou duas fracções do mesmo prédio, vierem a separar-se, salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respectivo documento. Deste normativo decorre que são três os pressupostos de constituição de servidões por destinação de pai de família; - a pertença ao mesmo dono de prédios ou de fracções dele, - a existência de sinais visíveis e permanentes reveladores de uma situação estável de serventia em ambos ou só um deles, -separação dos prédios em relação ao domínio sem declaração contrária à constituição da servidão no respectivo título documental, seja de compra e venda ou de partilha, por exemplo. Não se trata de uma servidão legal, mas voluntária, porque assenta no facto voluntário da colocação dos sinais que a revelem e que se constitui quando os prédios em causa passam a pertencer a proprietários diferentes. «Trata-se aliás da única forma de constituição de direito real específica das servidões e que consiste na transformação duma situação de facto - a serventia dum prédio para com outro, sendo que lhes é comum o proprietário - numa situação jurídica - a servidão -, aquando da separação da titularidade daqueles - cf. Penha Gonçalves Curso de Direitos Reais 462 . E sendo assim, o preceito, ao determinar a constituição da servidão, está, simultaneamente a descrever a situação fáctica de que depende essa constituição, ou seja, o conceito específico deste direito real, para os efeitos deste mesmo artigo. Não quer isto dizer que inove ou se oponha à previsão do artº 1543º. Mas a verdade é que é pelo previsto no artº 1549º que devem ser analisados os factos em ordem a ver se a servidão se constituiu. Se no primeiro se fala em proveito exclusivo e no segundo em serventia, é a este último conceito que há que atender.» [2] De corre dos autos que os prédios dos AA. e da RR., foram em tempos um único prédio pertencente a um único dono que através dum processo de loteamento e desanexação veio a autonomizá-los, vendendo primeiramente o da RR. e posteriormente o dos AA.. Vejamos agora se estamos perante uma servidão de captação de águas e aqueduto ou transporte de águas constituída por destinação do pai de família. Está assente que os prédios confinantes dos AA. e da R. pertenciam, antes de cada um deles os adquirir por compra, em propriedade plena, a Quirino……….. e mulher e que nessa altura e desde antes da sua desanexação do prédio referido na escritura pública mencionada na alínea a), existia um furo artesiano, com uma bomba para tirar água instalada, o qual, através de canalização que atravessa o prédio da Ré serve para abastecimento de água à parte urbana do prédio referido na escritura pública mencionada na alínea a), (alínea I) da matéria de facto assente)- actualmente pertencente aos AA. . Mais se provou que tal furo e respectiva canalização são por si mesmos visíveis no local, onde existem desde data anterior à venda do terreno à Ré, e, assim, desde data anterior à separação da propriedade dos dois prédios, que passaram a pertencer a pessoas diversas (alínea m) da matéria de facto assente). E também se provou que ao ser alienado à Ré, o seu prédio, nada se referiu quanto a tal furo e canalização, (alínea n) da matéria de facto assente). Perante este quadro de factos, é óbvio que ocorrem, in caso, os pressupostos de constituição de servidão por destinação de pai de família, designadamente a pertença pretérita aos mesmos donos de prédio ou de fracções dele, os sinais visíveis e permanentes reveladores de uma situação estável de serventia em ambos, a separação dos prédios em relação ao domínio e a inexistência de declaração nos contratos de compra de venda contrária à constituição da servidão. Esta servidão pelo seu objecto e finalidade é sem dúvida uma servidão de captação de água e de transporte ou aqueduto, uma vez que se destina a abastecer e a servir a parte urbana do prédio dos AA., onerando o prédio da R. com o respectivo encargo. E esta servidão mantém-se ainda que a necessidade da água deixe de ser necessária. Com efeito, a constituição de servidões, salvo as legais e por usucapião, de um prédio sobre outro, não depende da existência de uma situação de absoluta necessidade, bastando para o efeito a comodidade em relação ao dono do prédio dominante, designadamente na hipótese de constituição por contrato e fora do quadro das servidões legais. Mas sendo a servidão constituída por destinação de pai de família, nem desnecessidade dessa comodidade é motivo de extinção ou não reconhecimento da servidão. Por desnecessidade apenas se podem extinguir servidões que não têm na sua base um facto voluntário (CC- 1.569º, 2 e 3), como notou Mota Pinto in Dir. Reais, p. 344. Esse regime apenas «se compreende para as servidões legais em que a lei sancionou a possibilidade de se constituírem por haver uma necessidade nesse sentido e para as servidões adquiridas por usucapião, porque, também aí, não se verificou um facto voluntário na sua constituição. Já aquelas servidões que têm por base um facto voluntário, permitindo a lei que se constituam mesmo quando não são estritamente necessárias, não podem extinguir-se por desnecessárias, porque, então, nem se poderiam constituir» [3] . A desnecessidade não é, portanto, causa de extinção de uma servidão constituída por destinação do pai de família, como é o caso dos autos. Pelo exposto nesta parte procede pois a apelação, devendo declarar-se a existência da aludida servidão de captação de águas e de aqueduto, constituída por destinação de pai de família e condenar-se a R. a reconhecê-la e a abster-se de perturbar o exercício do respectivo direito. Quanto ao pedido de indemnização pela privação do uso faixa de terreno reivindicada, a apelação não merece o mínimo acolhimento. Com efeito como muito bem se escreveu na sentença sob recurso, os AA. não alegaram e não provaram qualquer facto concreto gerador de danos e consequentemente da imputação a título de causalidade adequada desses danos à conduta da R., sendo certo que recaía sobre si o ónus de o fazer, já que se trata de factos constitutivos do direito à indemnização com fundamento na responsabilidade aquiliana!!! É que para se gerar tal direito não basta uma conduta ilícita e culposa é necessário também a prova da existência de danos e do nexo causal entre estes e aquela conduta. Os AA. nada disso alegaram, pelo que nada poderiam ter provado. Assim nesta parte improcede, naturalmente a apelação. Concluindo Pelo exposto julga-se a apelação parcialmente procedente e revogando neste ponto a sentença apelada, condena-se a R., Auto Reparadora ……….., lda. a reconhecer que sobre o seu prédio supra identificado no n.º3 da matéria de facto assente, está constituída, por destinação de pai de família uma servidão de captação de água de um furo artesiano nele existente e bem assim uma servidão de transporte/aqueduto, por canalização dessa água através do referido prédio da R. em proveito da parte urbana do prédio dos AA., referido supra sob o n.º 2 dos factos assentes e também ela constituída por destinação de pai de família. Mantém-se no mais todo o decidido na sentença. Custas a cargo de AA. e R. na proporção de ¼ e ¾ respectivamente, tanto na primeira instância como na segunda. Registe e notifique. Évora, em 20 de Janeiro de 2005. (Bernardo Domingos – Relator) ( Pedro Antunes – 1º Adjunto) (Sérgio Abrantes Mendes– 2º Adjunto) ______________________________ [1] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56. [2] Neste sentido veja-se ac. do STJ. in http//www.dgsi.pt, proc. n.º 03B2987. [3] Neste sentido cfr. ac. do STJ de 03/19/2001 , in http//www.dgsi.pt... proc. n.º 0150186 |