Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | FERNANDO BENTO | ||
| Descritores: | COMPETÊNCIA INTERNACIONAL | ||
| Data do Acordão: | 05/24/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | AGRAVO CÍVEL | ||
| Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
| Sumário: | Os Tribunais Portugueses são competentes para apreciar a responsabilidade contratual pelo não pagamento do preço, num contrato de compra e venda, quando a “coisa” foi vendida e entregue em Portugal e depois transportada, pelo comprador, para outro Estado Membro da Comunidade Europeia. | ||
| Decisão Texto Integral: | * No Tribunal de … foi proposta por “A” uma acção de processo ordinário contra “B”, com sede em …, com vista à condenação desta no pagamento de € 170.000,00 euros e juros desde a citação, valor esse alegadamente em dívida pela venda de avestruzes que fez à Ré, no valor total de € 180.000,00 euros e relativamente às quais só foram pagos € 10.000 euros. PROCESSO Nº 418/07- 3 ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA * RELATÓRIO A acção não foi contestada, mas a Ré compareceu no Tribunal para arguir a incompetência internacional dos Tribunais Portugueses por competentes serem os Espanhóis, pois que o contrato teria sido celebrado em Espanha e em Espanha deveriam ser entregues os animais e pago o preço. O Autor deduziu oposição, reafirmando o oportunamente alegado na petição inicial, segundo a qual os animais foram entregues à Ré em Portugal, tendo sido a Ré quem, depois de os levantar em …, os transportou depois, em viaturas suas, para Espanha. Não tendo sido oferecidas pela Ré quaisquer provas, foi decidido o incidente de incompetência internacional suscitado, desatendendo-se a excepção deduzida e julgando-se competentes os Tribunais Portugueses para conhecer da questão. Inconformada, agrava a Ré para esta Relação, reafirmando a incompetência dos Tribunais Portugueses e a competência dos Espanhóis, em alegações que finaliza com as seguintes conclusões: Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis deve pois: a) Considerar-se o local de descarga o da entrega dos bens. b) Ser considerado o local da entrega dos bens em …, Espanha. c) A obrigação relevante para a determinação da competência jurisdicional no tocante ao contrato de compra e venda ser ao local acordado para a entrega do bem e a contrapartida pecuniária. d) Ser considerada a competência para conhecimento da causa atribuída aos tribunais Espanhóis, visto ser … Espanha, a sede da Agravante, segundo o disposto no art. 2° nº 1, do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho de 22 de Dezembro. e) O lugar do cumprimento da obrigação é Espanha, uma vez que o documento "cambiário era efectuado numa conta corrente da agravante num banco em Espanha, conforme disposto no art. Nº 1 a) do referido Regulamento. f) O lugar de entrega da mercadoria, era …, …, Espanha, conforme Petição Inicial e facturas anexas que assim expressamente o comprovam, devendo desta forma, segundo o disposto no arL 5° nº b) do regulamento referido serem os tribunais Espanhóis os competentes. g) Considerar-se a prova produzida na Petição Inicial e documentos anexos quanto ao local de entrega dos bens e pagamento do preço (cumprimento da obrigação). h) Declarada a incompetência absoluta do Tribunal Judicial de … por violação das regras da competência prescritas no C.P.C. e no Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000. Não foram apresentadas contra-alegações. Instruído o recurso, admitido para subir em separado, foram os respectivos autos remetidos a esta Relação. Aqui, depois de complementada a instrução e de proferido o despacho preliminar, foram corridos os vistos legais. Nada continua a obstar ao conhecimento do recurso. FUNDAMENTAÇÃO - DE FACTO No despacho recorrido e na ausência de factos provados, ficaram consignados como factos considerados não provados: A) O contrato de compra e venda foi efectuado em Espanha. B) A entrega dos animais foi efectuada em Espanha. C) Após a recepção de toda a mercadoria, a ré pagaria os bens transaccionados, através de documento bancário com vencimento a um ano, num Banco espanhol. Apreciando: Pretende a agravante que se considere o local de descarga como o da entrega dos bens e, por via disso, se declare a incompetência internacional dos tribunais portugueses. Na petição inicial, o Autor alegou, além do mais, que ele se obrigou a carregar as avestruzes vendidas e a Ré a transportar por sua conta, as avestruzes vendidas, que a Ré as recebeu, conferiu e achou conformes. Juntou cópias das facturas das quais consta, entre outras, como local de carga "N/morada" e local de "descarga: No cliente", sendo este “B” … Espanha" e como condições de pagamento "P.P." numa delas e "a 30 dias" nas demais. Na arguição da excepção de incompetência internacional, a Ré alegou que o contrato de compra e venda foi efectuado em Espanha assim como a entrega dos animais, que o pagamento do preço teria lugar em Espanha, mediante a entrega e que "após a recepção de toda a mercadoria, a R. pagaria através de documento bancário com vencimento a um ano, num Banco Espanhol". Na oposição deduzida pelo Autor, este alegou, além do mais, que o negócio foi celebrado em … - Portugal e que aí foram carregados os animais em carros próprios da Ré que, depois, os transportou para Espanha. Não foram apresentadas quaisquer provas, para além da documental oferecida pelo Autor com a petição inicial. Todavia, por via da confissão dos factos decorrente da falta de contestação pela Ré, apesar de devidamente citada, deve considerar-se provado que a Ré se obrigou ao transporte por sua conta para o local por si indicado, o que subentende a sua prévia entrega pelo Autor e recepção pela Ré. A agravante não demonstrou que o pagamento do preço tivesse lugar em Espanha - e sobre ela impendia o ónus de tal prova - e contrariamente ao por ela alegado não é possível equiparar o "local de descarga" a "local de entrega" nem inferir este daquela menção. As facturas apresentadas são (um dos) documentos de transporte de bens em circulação (art. 1° do DL n° 147/2003 de 11/07), obrigatoriamente exigidos pela simples circunstância de esses bens se encontrarem fora do respectivo local de produção por motivo legalmente justificado como é a transmissão onerosa (compra e venda), não dependendo essa obrigatoriedade da efectiva transmissão desses bens (art. 2° nº 2-a) do referido diploma). -DE DIREITO Os factores de atribuição da competência internacional aos tribunais portugueses dependem da verificação de qualquer das circunstâncias enunciadas no art. 65° nº 1 do CPC, "sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais". Ora, nos termos do art. 2° nº 1 do Regulamento Comunitário n° 44/2001 do Conselho de 22-12-2000, a regra geral em matéria de competência é a do domicílio do requerido: "as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os Tribunais desse Estado". Tal regra, porém, admite excepções: "Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, ... " E logo o art. 3° do Regulamento, no seu nº 1 prescreve que "as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro só podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado-Membro por força das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo". Ora, a Secção 2 relativamente a competências especiais inicia-se com o art. 5°, segundo o qual "uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode ser demandada noutro Estado-Membro: 1. a) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão; b) Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será: - no caso de venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues, - (. .. ) c) Se não se aplicar a alínea b), será aplicável a alínea a)”. No caso em apreço, está em causa a responsabilidade contratual pelo pagamento do preço de animais vendidos; esta é a obrigação em questão. A agravante não demonstrou que, segundo a convenção celebrada, o preço fosse ou devesse ser pago em Espanha nem que o lugar de entrega dos animais fosse em Espanha; ao invés, ao silenciar a tomada de posição sobre a alegação do Autor de que a entrega teve lugar em … por ter sido aqui que os animais vendidos foram carregados em viaturas dela e por ela transportados para Espanha, a Ré reconheceu mesmo ter recebido os animais em Portugal. Por isso, não há convenção em contrário apta a afastar as regras de competência estabelecidas no Regulamento. Logo, há que recorrer ao conceito de lugar de cumprimento da obrigação previsto na alínea b) para os contratos de compra e venda: o lugar da entrega dos bens. Não tendo a agravante demonstrado que a entrega tivesse lugar em Espanha e, a acreditar nos factos confessados por falta de contestação dela, foi mesmo em … - Portugal que as avestruzes lhe foram entregues, sendo ela quem as transportou depois para Espanha, em viaturas suas. Logo, situando-se o lugar de entrega em Portugal, a Ré e agravante pode ser demandada nos Tribunais Portugueses para efectivação da responsabilidade contratual pelo pagamento do preço, por força do art. 5° n° 1-b) do Regulamento n° 44/2001. Como doutamente se entendeu no despacho recorrido que, por isso, deve ser mantido. ACÓRDÃO Nesta conformidade e sem mais considerações, acorda-se nesta Relação em negar provimento ao agravo e em confirmar o douto despacho recorrido. Custas pela agravante. Évora e Tribunal da Relação, 24.05.2007 |