Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA ISABEL SILVA | ||
Descritores: | NULIDADE DA SENTENÇA INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA CAMINHO PÚBLICO RESPOSTAS EXCESSIVAS | ||
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Data do Acordão: | 03/21/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recorrido: | COMARCA DE ÉVORA | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
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Sumário: | a) - A inexistência de factos bastantes para alicerçar a decisão tomada, não consubstancia uma nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão [art. 668º nº 1 al. c) do CPC], antes traduzindo erro de julgamento. b) - Numa acção em que se visa o reconhecimento de determinada parcela como caminho público, é facto essencial a descrição dessa parcela, a sua caracterização em extensão, largura e sentido do traçado. Se as partes omitiram essa caracterização, e não fez uso do preceituado no art. 264º nº 3 e art. 650º nº 2 al. f) do CPC, a resposta à base instrutória em que se refere “Provado apenas que a Azinhaga dos Limpos começa na Estrada Nacional nº 114, atravessa o prédio do Réu até ao fim, sempre junto à extrema e sempre do lado de dentro e depois passa para o lado de dentro do prédio dos AA.” é uma resposta manifestamente excessiva. As respostas excessivas devem ter-se por não escritas, por analogia com o disposto no art. 646º nº 4 do CPC. c) - Um caminho que se demonstra existir “há pelo menos 45 anos” e que era utilizado “por todos os que se deslocam entre aquelas propriedades ali existentes”, não é um caminho público, seja por não preencher o conceito de tempos imemoriais, seja pelo facto de a sua utilização servir apenas interesses privados (dos proprietários ou utilizadores das propriedades em causa). Os factos em causa remetem-nos mais para a figura da servidão predial do que para a de caminho público. Sumário da relatora | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I - HISTÓRICO DO PROCESSO1. A…, SA (de seguida, a Autora e/ou Recorrida) instaurou acção contra M… (de futuro, o Réu e/ou Recorrente), pedindo a sua condenação “a reconhecer a existência da Azinhaga dos Limpos; demolir o murado e portão que edificou na Azinhaga dos Limpos; repor a referida Azinhaga nas condições em que se encontrava antes de tais obras; repor os seus marcos no devido lugar; reconhecer o direito dos demais utilizadores e da Autora de circular e de se fazerem passar na Azinhaga dos Limpos; abster-se da prática de qualquer acto que impeça ou diminua a utilização por parte da Autora e dos demais utilizadores desse mesmo trato de terreno, designado Azinhaga dos Limpos”. Como fundamento para os pedidos, alegou que a Azinhaga dos Limpos é um pedaço de terreno, com o qual confronta, a Poente, um prédio misto da Autora, sendo que o Réu, através de uma série de obras que realizou, fez desaparecer a dita Azinhaga dos Limpos, impedindo a Autora de aceder ao seu prédio e à Estada Nacional 114. Regulamente citado, o Réu contestou e reconveio. Em contestação, impugnou parcialmente a factualidade alegada pela Autora, designadamente quanto às obras por si realizadas, bem como à confrontação do prédio da Autora com a dita Azinhaga. Em reconvenção, alegou que a dita parcela de terreno, denominada Azinhaga dos Limpos, faz parte integrante de um prédio de sua propriedade, pelo que termina pedindo “ser o Réu declarado legítimo proprietário da parcela de terreno que a Autora designa como Azinhaga dos Limpos por tal fazer parte integrante do prédio descrito na CRP de Évora sob o nº 3034 e que o R. adquiriu por sucessão legítima; ou, subsidiariamente, ser o R. declarado proprietário de tal parcela por a ter adquirido por usucapião”. A Autora respondeu à reconvenção. Efectuado o saneamento do processo, e realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença em que se julgou procedente a acção e improcedente a reconvenção. 2. Inconformado com tal decisão, dela apelou o Réu, formulando as seguintes CONCLUSÕES [1]: a. Vem o presente recurso da sentença final a qual padece de nulidade de contradição entre a matéria provada, os fundamentos e a decisão, de erro na apreciação da prova, bem como, de erro na aplicação das normas jurídicas e interpretação das mesmas; b. (...) c. Os referidos factos foram levadas à base instrutória nos artº 2º, 3º e 4º e foram julgados não provados; d. (...) e. No entanto, e em contradição com o por si julgado, o mui douto tribunal recorrido condenou o Réu a repor os seus marcos no devido lugar; f. Pelo que, e salvo o devido respeito, a sentença ora sindicada padece de nulidade por contradição entre a matéria de facto, os fundamentos e a decisão, conforme previsto no artº 668º nº 1, al. c) do Código de Processo Civil (adiante sempre CPC); g. (...) h. Realizada a audiência de julgamento julgou o tribunal aquo, e com interesse para a decisão da causa (Cfr. Resposta à base instrutória): 1) Provado que no início da azinhaga, junto à berma da EN o Réu colocou um portão de acesso a um muro que só serve a sua propriedade; (resposta aos artsº 5º, 6º e 7º BI); 2) Provado, apenas, que o Réu construiu alpendres cobertos com chapa e compartimentos de alvenaria que abrangem o terreno que era a Azinhaga; (resposta ao artº 9º da BI); 3) Provado, apenas, que a Azinhaga dos Limpos começa na Estrada Nacional nº 114, atravessa o prédio do Réu até ao fim, sempre junto à extrema e sempre do lado de dentro e depois passa para o lado de dentro do prédio da Autora; (resposta ao artº 10º da BI); 4) Provado, apenas, que a Azinhaga dos Limpos existe há pelo menos 45 anos; (resposta ao artº 11º da BI); 5)Provado ser a azinhaga utilizada por todos os que se deslocam entre aquelas propriedades ali existentes; (resposta ao artº 12º da BI); 6) Provado que tem servido a referida azinhaga de caminho pedonal e de acesso de maquinaria agrícola; (resposta ao artº 13º da BI); 7) Provado que tem servido a referida azinhaga de acesso a um posto de alta tensão até 1998, altura em que o mesmo foi desactivado; (resposta ao artº 14º da BI); 8) Provado que tudo isso foi feito à vista de todas as pessoas, sem oposição de quem quer que seja, de forma ininterrupta; (resposta aos artºs 15º, 16º e 17º da BI); 9) Provado que era visível a demarcação de um caminho no terreno; (resposta ao artº 18º da BI) i. Não foi provado, e ao que ao caso interessa, o alegado pelo Réu, de que: 1) A parcela de terreno em apreço está dentro dos limites do prédio do Réu, definidos pela colocação dos marcos; (resposta ao artº 22º da BI) e 2) Após levantamento recente constatou-se que a área encontrada para o terreno é muito menor que os 2.500 metros (quadrados) descritos na caderneta (artº 26º da BI); j. Entende o ora Recorrente, salvo o devido respeito, que houve erro no julgamento dos factos; k. (...) l. A ser alterada a decisão sobre a matéria de facto no sentido supra referido, não poderá deixar este mui douto tribunal, de julgar totalmente improcedente o peticionado pela Autora, e procedente o pedido do Réu de que seja declarado legítimo proprietário da parcela de terreno designado de Azinhaga dos Limpos – ainda que limitada à parte que atravessa a sua propriedade – por a mesma fazer parte integrante do seu prédio; m. Mas ainda que assim não se entenda, e se considerem válidas as respostas dadas à matéria de facto – o que só por mero dever de patrocínio se admite - ainda assim, e salvo o devido respeito, andou mal o mui douto tribunal recorrido; n. Na douta decisão recorrida, transcrevendo-se o Assento de 19.04.89 do STJ, e a propósito da discussão doutrinária e jurisprudencial sobre a distinção entre caminho público e atravessadouro, refere-se que são públicos os caminhos que desde tempos imemoriais estão no uso directo e imediato do público; o. Considerou o tribunal a quo que tendo ficado provado que a Azinhaga em causa existe pelo menos há 45 anos, tal facto traduz o conceito em causa, já que o limite se perde numa imensidade temporal do qual se desconhece o início; p. Ora, não pode a recorrente estar em mais desacordo. Como facilmente se constata, a resposta do tribunal a este quesito foi redutora, apenas reconhecendo a sua existência até há 45 anos atrás; q. Ora, assim sendo, entende o recorrente que não é válida (sendo aliás, contraditória) a conclusão do tribunal recorrido de que ficou provada a utilização do caminho por tempos imemoriais; r. (...) s. Como é óbvio, não pode colher o argumento implícito na mui douta decisão recorrida de que ao ficar provado a «existência de um caminho há pelo menos 45 anos» isto quererá dizer que não se sabe quando o seu uso se iniciou e, como tal, estará verificado o requisito da imemorialidade do seu uso; t. A proceder o referido entendimento, subscrito pelo mui douto tribunal a quo, seríamos levados a considerar, igualmente, verificado o requisito da imemorialidade do uso de um caminho, nos casos em que apenas se tenha provado a existência de um caminho há, pelo menos, 1 anos atrás, o que, salvo o devido respeito, não faz qualquer sentido; u. Por outro lado, e citando de novo o referido Acórdão, no que se refere à identificação da natureza de um caminho tem vindo a ser dominante a corrente que entende que a distinção entre caminhos públicos e atravessadouros deverá ser feita nos seguintes termos: um caminho no uso directo e imediato do público, desde tempos imemoriais, que atravesse prédio particular, será público se estiver afectado à utilidade pública, ou seja, se visar a satisfação de interesses colectivos de certo grau de relevância, de contrário, na falta deste requisito e, em especial, quando se destinem apenas a fazer a ligação entre caminhos públicos, por prédio particular, com vista ao encurtamento não significativo de distâncias, os caminhos devem considerar-se atravessadouros; v. Considera-se, pois, no mesmo Acórdão que para um caminho ser considerado público é necessário o requisito da dominialidade pública, traduzindo-se tal dominialidade na prática reiterada de actos materiais de posse e traduzindo-se a posse na simultânea existência ou composição de um corpus (correspondente ao elemento externo, material, que se identifica com o exercício de certos poderes de facto sobre o objecto, de modo contínuo e estável e de um animus (o elemento interno, psicológico, que se traduz na intenção de exercer os poderes de facto em termos do direito, real, indiciados por esses factos); w. No presente caso, da matéria factual provada, para além de não resultar a utilização do caminho desde tempos imemoriais, também nada resulta (nem sequer foi alegado) sobre se os (alegados) utilizadores do caminho o fizeram na convicção de se tratar de caminho aberto a quem quer que precisasse de por ali passar e nada foi provado (nem sequer alegado) do qual se possa concluir que interesse colectivo estaria subjacente à utilização do referido caminho, desde logo porque a descrição do mesmo não foi alegada e muito menos provada. Não foi sequer identificado qualquer utilizador do caminho. Não foi alegado nem provado qualquer interesse concreto na utilização do mesmo; x. Não fazendo cabimento a conclusão referida na mui douta decisão recorrida de que o uso público relevante para o efeito é precisamente o que resulta do facto do mesmo ser utilizado por uma generalidade de pessoas (das quais não se identifica uma única), ao serviço da população (que não se identifica), em função das necessidades colectivas (que também não se identificam), sem necessidade de qualquer autorização particular, com vista a satisfazer relevantes interesses comuns (que igualmente não se identificam); y. Pelo que tendo ficado provado que a Azinhaga dos Limpos atravessa terreno particular e não preenchendo os requisitos de imemorialidade nem o de satisfação de interesse colectivos, teria necessariamente de ser classificada de atravessadouro; z. (...) aa. No presente caso não existe qualquer servidão nem foi invocada a necessidade de utilização de caminho para qualquer ponte ou fonte de manifesta utilidade pública; bb. Assim sendo, ao concluir como concluiu, violou o mui douto tribunal a quo o disposto nos artºs , 668º nº 1, al. c), 1383º e 1384º do CPC e 1344º do Código Civil; 3. A Autora contra-alegou, CONCLUINDO que [2]: (...) B) A referida sentença não está ferida de nulidade pois apesar de o Tribunal a quo ter considerado “não provado” que o Apelante “arrancou os marcos da propriedade do R.”, “terem sido colocados novos marcos pelo R.” e “os novos marcos do R. estarem encostados aos marcos da A. colocados no terreno onde se encontrava a azinhaga dos Limpos” é certo que considerou provado que “No início da azinhaga, junto à berma da Estrada Nacional, o Réu colocou um portão de acesso a um muro que só serve a sua propriedade.” e que “o Réu construiu alpendres cobertos com chapa e compartimentos de alvenaria que abrangem o terreno da Azinhaga.”. C) Assim, é inevitável que com as construções efectuadas, o Apelante substituiu os marcos anteriormente colocados no terreno para a demarcação pelas referidas construções, pelo que, ao destruir tais construções, o Apelante deverá repor os marcos anteriormente existentes. (...) G) Através da fundamentação da resposta à matéria de facto, verifica-se que o Tribunal a quo formou-se com base em todas as provas (pericial, documental e testemunhal) produzidas nos autos. (...) RR) Neste contexto, atendendo a toda a prova produzida nos autos, no seu conjunto (e não isoladamente como o faz o Apelante), nenhuma censura merece a resposta dada pelo Tribunal a quo aos quesitos 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º da Base Instrutória, a qual deverá ser mantida. SS) No tocante aos factos constantes dos quesitos 22.º e 26.º da Base Instrutória, também não deve ser alterada a resposta “não provados” dada pelo Tribunal a quo, pois não foi feita prova suficiente para a sua demonstração. (...) UU) O Tribunal a quo considerou provado que “a Azinhaga dos Limpos existe há pelo menos 45 anos” – das palavras “pelo menos” resulta que (i) não foi possível estabelecer a data concreta em que a mesma surgiu mas (ii) dos factos apurados resulta que a mesma existe há mais de (pelo menos) 45 anos. VV) O mesmo é dizer que a sua existência perdura através dos tempos, a tal ponto que não foi possível estabelecer o seu início, pelo facto de a sua existência perdurar para além da memória – aliás, tal azinhaga já constava das plantas cadastrais efectuadas em 1950. WW) Apesar de não ter sido possível estabelecer o seu início, o facto de se ter considerado provada a sua existência há mais 45 anos, (mais de) quase meio século, não afasta a aplicação do conceito de imemoriabilidade. XX) O carácter público resulta do facto de ter ficado provado que tal azinhaga “é utilizada por todos os que se deslocam entre as propriedades ali existentes”, “tendo servido de caminho pedonal e de acesso a maquinaria agrícola”, “à vista de todas as pessoas”, “sem oposição” e de “forma ininterrupta” – está claramente demonstrado o “uso directo e imediato do público” e “publicidade dessa afectação à utilidade pública”, ou seja, à satisfação de relevantes interesses colectivos. YY) Isto porque, como defende o Tribunal a quo, o uso público relevante para o efeito é o que pressupõe uma finalidade comum, isto é, a utilização por uma generalidade de pessoas, ao serviço da população, em função de necessidades colectivas, o que confirmada pelo facto de a aludida azinhaga ser identificada no registo predial como uma “azinhaga autónoma”, o que demonstra o seu especial reconhecimento colectivo. ZZ) De salientar que a eventual reduzida utilização pelo público de um caminho não constitui, desde logo, uma desafectação tácita deste ao domínio público, pois é pacífico que terá de ocorrer uma notória mudança de situação, ou clara alteração das circunstâncias que modifiquem as condições que foram pressupostos da qualificação jurídica como caminho público – o que, no caso dos autos, não ocorreu. AAA) Em suma, é incontestável o correcto enquadramento jurídico dos factos considerados provados, estando claramente demonstrado, de facto e de direito, que a Azinhaga dos Limpos, por estar há tempos imemoriais no uso directo e imediato do público, consiste num caminho com natureza pública. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II - FUNDAMENTAÇÃO 4. OS FACTOS Foram os seguintes os factos considerados na douta sentença: 1) Encontra-se inscrita a favor da A. a aquisição por compra do prédio misto denominado Quinta…, sito em Évora, freguesia da Sé, inscrito na matriz predial sob os artigos 190, secção A e 1961 e descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Évora com o nº12570/20060316. 2) No dia 31 de Março de 2006, C… e mulher, M…, declararam vender à A. o prédio misto com a área de cento e vinte e três mil e vinte metros quadrados, sito na Quinta… ou Quinta…, da freguesia da Sé, concelho de Évora, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Évora sob o n.º doze mil e quinhentos e setenta, inscrito na respectiva matriz da freguesia da Sé, a parte rústica sob o art. 190 da secção A e a parte urbana sob o art. 1961, o que o Dr. J..., em representação da A., declarou aceitar. 3) Na descrição predial do prédio consta que o mesmo confronta a norte com estrada velha de Montemor, a sul com Quinta dos Camões, a nascente com Estrada de Alcácer e a poente com Azinhaga dos Limpos. 4) Encontra-se inscrita a favor da R. a aquisição por sucessão legítima do prédio misto denominado Quinta das Fontanas, descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o n.º 3034/19881209 e inscrito na matriz sob os arts. 152A, 159A, 2505 e 2531. 5) Quando a A. tomou posse do prédio o mesmo encontrava-se com as confrontações referidas em 3). 6) No início da azinhaga, junto á berma da Estrada Nacional o Réu colocou um portão de acesso a um muro que só serve a sua propriedade. 7) O Réu construiu alpendres cobertos com chapa e compartimentos de alvenaria que abrangem o terreno que era a Azinhaga. 8) A Azinhaga dos Limpos começa na Estrada Nacional nº 114, atravessa o prédio do Réu até ao fim, sempre junto á extrema e sempre do lado de sempre do lado de dentro e depois passa para o lado de dentro do prédio dos AA. 9) A Azinhaga dos limpos existe há pelo menos 45 anos. 10) …sendo utilizada por todos os que se deslocam entre aquelas propriedades ali existentes. 11) Tem servido de caminho pedonal e de acesso a maquinaria agrícola. 12) Bem como de acesso a um posto de alta tensão, com o esclarecimento de que assim foi até 1998 altura em que tal posto foi desactivado. 13) À vista de todas as pessoas. 14) Sem oposição de quem quer que seja. 15) De forma ininterrupta. 16) Sendo visível a demarcação de um caminho no terreno. 5. O MÉRITO DO RECURSO O objecto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art. 684º nº 2 e 3, art. 685º-A nº 1 e 660º n.º 2 Código de Processo Civil (CPC). QUESTÕES A RESOLVER: · Se ocorre nulidade por contradição entre a matéria de facto, os fundamentos e a decisão · Se devem ser alteradas as respostas dadas aos artigos 12º a 18º, inclusive, e 22º e 26º, da base instrutória (BI) · Se se pode manter a resposta ao artigo 10º da BI · Se em face da matéria provada, a parcela de terreno em causa merece a classificação de caminho público 5.1. NULIDADE POR CONTRADIÇÃO ENTRE A MATÉRIA DE FACTO, OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO Dispõe o art. 668º nº 1 al. c) do CPC ser nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão. Na perspectiva do Réu, verifica-se esta nulidade em virtude de ter sido condenado a “repor os marcos no devido lugar”, quando os factos tidos por pertinentes para alicerçar esse pedido (artigos 2º, 3º e 4º da base instrutória) foram considerados não-provados. [3] Ou seja, o que o Réu pretende dizer é que não existem factos provados capazes de alicerçar a sua condenação. E, a ser assim, já nos situamos num erro de julgamento e não numa nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão. Como refere Lebre de Freitas, o preceito em análise trata apenas da contradição lógica, «(...) Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; (...) A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora da ineptidão da petição inicial.» [4] Na verdade, no domínio da lógica, só pode existir contradição quando estamos a lidar com duas realidades operativas ou proposições (no caso, os fundamentos de facto e a decisão), de forma a apurar se são conciliáveis. Ora, onde não existem factos (por não se terem provado), não pode haver contradição entre eles (inexistentes) e o decidido. [5] Concluindo, não se verifica a invocada nulidade. 5.2. ERRO DE JULGAMENTO NA MATÉRIA DE FACTO 5.2.1. QUANTO AOS ARTIGOS 12º a 18º, inclusive, DA BASE INSTRUTÓRIA (BI), que o Tribunal considerou provados e o ora Recorrente entende deverem ser dados como não-provados. Em causa estão, pois, os seguintes factos: · A Azinhaga é utilizada por todos os que se deslocam entre aquelas propriedades ali existentes. (artigo 12º da BI) · Tem servido de caminho pedonal e de acesso a maquinaria agrícola. (artigo 13º da BI) · Bem como de acesso a um posto de alta tensão, com o esclarecimento de que assim foi até 1998 altura em que tal posto foi desactivado. (artigo 14º da BI) · À vista de todas as pessoas. (artigo 15º da BI) · Sem oposição de quem quer que seja. (artigo 16º da BI) · De forma ininterrupta. (artigo 17º da BI) · Sendo visível a demarcação de um caminho no terreno. (artigo 18º da BI) Na fundamentação à matéria de facto, a M.mª Juíza estribou o seu juízo essencialmente no depoimento das testemunhas J…, A… e C…, pois, como aí se refere, o relatório pericial e demais documentos foram relevantes para a resposta ao artigo 1º da BI. Ora, o que o Réu Recorrente vem agora a efectuar é o seu próprio juízo crítico do depoimento prestado por tais testemunhas, dando nota da sua discordância do realizado pelo Tribunal por considerar os depoimentos pouco credíveis __ J…, por ser accionista do Évora Hotel; A…, pela sua posição de dependência relativamente à Autora dado esta lhe permitir agricultar uns terrenos de forma gratuita, e C… por, na qualidade de pai do A…, lhe interessar acautelar a posição deste __ e incongruentes __ J…, dizendo que os carros que lá viu passar foram os da EDP, a partir de 1999, quando a própria EDP refere ter desactivado o posto de transformação em 1998; A… e C…, por dizerem terem visto várias pessoas a passar no dito caminho, mas não terem sido capazes de identificar uma pessoa que fosse. Desde logo, há que referir que a discordância do Réu contende com a contradita (art. 640º do CPC), sendo que a mesma não foi suscitada no momento próprio (art. 641º nº 1 CPC), como podemos constatar da audição da gravação e da acta de julgamento. Por outro lado, atento o objecto da acção e os artigos da BI aqui em causa, também não se vê razão para se estabelecer paralelismo entre o depoimento do bloco de testemunhas apresentadas pela Autora e o apresentado pelo Réu: o cerne da questão residia em saber da passagem de pessoas e/ou veículos pelo caminho, para além de qual o lapso de tempo em que tal teria acontecido. Para tais questões, naturalmente que o tempo e a ligação directa ao terreno são elementos de absoluta relevância. Ora, enquanto que as testemunhas da Autora revelaram essa ligação e conhecimento por um grande período de tempo __ J… era proprietário do terreno, hoje da Autora, desde 1980, C… esteve 45 anos como rendeiro desse mesmo terreno, para lá se deslocando todos os dias; A…, filho do anterior, acompanhava o pai nessas lides desde os 6 anos de idade e até se casar __, já o mesmo não acontecia com as testemunhas apresentadas pelo Réu __ F… só passou na zona durante ½ anos, pontualmente, para apanhar ravisco seguindo um caminho cerca de um Km mais abaixo; M…, sobrinho do Réu, só passou a frequentar o local desde 2005/2006, altura em que se fizeram as construções que hoje lá se encontram; F…, pese embora os seus provectos 89 anos e dizer que passava lá com frequência e que nunca lá viu caminho nenhum, em todo o seu depoimento se referia a um outro local, uma vala mais abaixo). Como é sabido, na apreciação da matéria de facto, os diversos meios de prova devem ser atendidos de forma integrada. Nesta medida, a existência do caminho resulta de dados objectivos, os documentos (cuja autenticidade não foi questionada), mais fiáveis porque não sujeitos às falhas da memória dos seres humanos: o mapa de fls. 170 do Ministério do Ambiente, de 1950 (e explicitado pelo topógrafo funcionário desse Ministério, cuja presença foi ordenada em julgamento), a informação da EDP de fls. 176 (atestando que lá teve instalado um posto de transformação da rede de distribuição até 1998, e sendo sabido que tais instalações eléctricas necessitam de vias de acesso para veículos, quer para a sua construção, quer para a sua manutenção, como bem se refere na dita informação e plantas anexas), bem como a certidão da Conservatória de Registo Predial de fls. 11, relativa ao prédio da Autora (atestando que o prédio confrontava a Poente com a azinhaga dos Limpos). Perante esses dados objectivos, a fiabilidade do depoimento das testemunhas indicadas pelo Réu, ao declararem nunca lá ter havido caminho nenhum, fica posta em causa. As (poucas) incongruências no depoimento das testemunhas indicadas pela Autora, podem ser explicadas pelo simples funcionamento da memória: estranho seria, a nosso ver, que J… tivesse guardado na memória o ano exacto que a EDP desactivou o posto de transformação, ou que A… e C… soubessem nomear esta ou aquela pessoa em concreto pois o normal será que qualquer um de nós, volvidos vários anos, e tratando-se de nomear uma pessoa de entre uma multiplicidade delas, sinta a mesma dificuldade, mormente quando é surpreendido pela pergunta. Concluindo, não se vislumbram razões para alterar as respostas à matéria dos artigos 12º a 18º, inclusive, da base instrutória. 5.2.2. QUANTO AOS ARTIGOS 22º e 26º DA BASE INSTRUTÓRIA (BI), que o Tribunal considerou não-provados e o ora Recorrente entende deverem ser dados como provados. Perguntava-se: Artigo 22º - ... sendo que a mesma (referindo-se à dita parcela de terreno, que seria a Azinhaga dos Limpos) está dentro dos limites do prédio do R. definidos pela colocação dos marcos? Artigo 26º - Após levantamento recente constatou-se que a área encontrada para o terreno do R. é muito menor que os 2.500 metros descritos na caderneta? Respondeu-se “não provado”, com a fundamentação de “(...) insuficiência de prova, no caso da matéria dos quesitos (...) 26º (...), em que o relatório não é conclusivo quanto às questões concretas em causa e as testemunhas não foram esclarecedoras a esse propósito, concretamente quanto à questão dos marcos ou resulta da prova contrária que se referiu, no caso da matéria constante dos quesitos 19º a 24º”. Quanto ao artigo 22º, refere o Recorrente que a resposta “não-provado” entra em contradição com a resposta dada ao artigo 10º da mesma BI. Perguntava-se no artigo 10º - “O prédio do R. confronta com a Azinhaga dos Limpos?” E a resposta foi - “Provado apenas que a Azinhaga dos Limpos começa na Estrada Nacional nº 114, atravessa o prédio do Réu até ao fim, sempre junto à extrema e sempre do lado de dentro e depois passa para o lado de dentro do prédio dos AA.” Como é jurisprudência assente, duma resposta negativa não se pode inferir o contrário, ou seja, o dar-se um facto como não provado, não significa que fique provado que ele não tenha ocorrido. O que acontece é que tudo se passa como se tal facto não tivesse sequer sido alegado; é um nada processual. Assim, desde logo poderia parecer um absurdo ou uma contradição dos próprios termos, a possibilidade de ocorrência de contradição entre um nada e alguma coisa. Não obstante, e «Apesar disso, a contradição poderá existir, excepcionalmente, se as respostas negativas não acolheram facto que constitui ou integra antecedente lógico necessário de resposta afirmativa. Assim, se as respostas negativas tinham conteúdo sobreponível ao da resposta positiva, impor-se-ia, necessariamente, na medida do concurso dessa sobreponibilidade, a inerente coincidência ou harmonia nas respostas, sob pena de contradição.» [6] O que se perguntava no artigo 22º era se o traço de terreno que constituiria a Azinhaga estava dentro dos limites do prédio do Réu, tal como estes se mostram definidos pela colocação dos marcos. Ora, nem esta possível realidade é antecedente lógico necessário da afirmação de que a Azinhaga dos Limpos começa na Estrada Nacional nº 114, atravessa o prédio do Réu até ao fim, sempre junto à extrema e sempre do lado de dentro e depois passa para o lado de dentro do prédio dos AA.”, nem ocorre o dito conteúdo sobreponível, pois na resposta ao artigo 10º prescinde-se da delimitação do terreno do Réu nos termos em que se mostra efectuada pelos marcos, desconhecendo-se uns e outros. O vício de que padece a resposta ao artigo 10º é outro, que se analisará de seguida. Quanto ao artigo 26º (“Após levantamento recente constatou-se que a área encontrada para o terreno do R. é muito menor que os 2.500 metros descritos na caderneta?”), entende o Réu que o mesmo devia ser considerado provado, com fundamento no relatório pericial. Sob iniciativa da Autora, efectuou-se uma perícia e uma das questões suscitadas ao Sr. Perito era “Qual é a área da propriedade do R.?”. E, tal questão, mereceu do Sr. Perito a seguinte resposta: “A área da propriedade de R. é de 1934, 80 m2, conforme levantamento topográfico efectuado em Julho/2008 de que se anexa cópia.” A acção foi proposta em Junho/2007. A ser assim, alguma razão assiste ao Réu, pois atento o grau de fiabilidade da prova pericial, mormente do levantamento topográfico, de que resultou uma área de 1934 m2, tem de se considerar provado ser ela menor que os 2500 m2 que constam da caderneta predial. Em particular, esta matéria não foi minimamente beliscada por qualquer dos outros meios de prova. Consequentemente, compete alterar a resposta ao artigo 26º da base instrutória, que se considera parcialmente provado, nos seguintes termos: provado que “A área do terreno do Réu é de 1934, 80 m2”. 5.2.3. QUANTO À RESPOSTA DO ARTIGO 10º DA BASE INSTRUTÓRIA Relembrando, perguntava-se “O prédio do R. confronta com a Azinhaga dos Limpos?”, e a resposta foi - “Provado apenas que a Azinhaga dos Limpos começa na Estrada Nacional nº 114, atravessa o prédio do Réu até ao fim, sempre junto à extrema e sempre do lado de dentro e depois passa para o lado de dentro do prédio dos AA.” Uma resposta restritiva é aquela em que se dá como provado menos do que o que está contido na pergunta. Do confronto entre a pergunta e a resposta, e pese embora o uso da expressão “provado apenas”, consideramos que não estamos perante uma resposta restritiva. Na verdade, reportando-se a pergunta a confrontações, uma resposta restritiva teria de se conter dentro desse âmbito, como por exemplo, de que o prédio do Réu só confrontava com a Azinhaga em determinado lanço do seu terreno. Ora, o que a resposta é consubstancia ou concretiza, é o traçado/caracterização da Azinhaga dos Limpos, procedendo à sua configuração/demarcação (refere-se a sua extensão, faltando apenas a respectiva largura) no terreno, explicitando onde se inicia e como se desenvolve. A resposta diz algo substancialmente diverso da pergunta, pelo que não é uma resposta restritiva. Mas, será que pode constituir uma resposta explicativa? As respostas explicativas, no sentido de «consubstanciar juízos delimitativos ou mesmo elucidativos da situação neles descrita (...) explicativo é aquele que serve para explicar; e explicar é, na linguagem comum, explanar, esclarecer ou interpretar e também desdobrar, estender e desempenhar; portanto, quem explica uma questão não sairá propriamente do seu âmbito, apenas a desenvolve», [7] são aceites jurisprudencialmente. Posto é que, as respostas não «(...) ultrapassam o âmbito da matéria quesitada, em termos não comportáveis no articulado pelas partes, têm de ser limitadas ao âmbito do perguntado, considerando-se não escrito o que o exorbite». E, «Saber se determinada resposta deve considerar-se excessiva tem de aferir-se, apenas, pelo seu cabimento nos contornos da matéria alegada, que não estritamente pelos do ponto de facto (quesito) a que a resposta respeita.». [8] Visto isto, e olhando quer ao objecto do litígio, quer ao constante dos articulados e à instrução dos autos: A matéria constante do artigo 10º da BI constitui alegação da Autora, como se extrai do artigo 5º da sua petição inicial. A Autora delineou a sua acção em termos de existir, entre o seu prédio e o do Réu, uma parcela de terreno chamada Azinhaga dos Limpos, reconhecida há mais de um século e sendo utilizada por todos os que se deslocam entre as propriedades ali existentes, servindo de caminho pedonal e de acesso a maquinaria agrícola. Mais alegou que o Réu teria destruído essa Azinhaga, arrancando os marcos da sua propriedade (e colocando outros junto aos da Autora), murado essa nova demarcação, lá construído barracões e plantado palmeiras, e construído um portão que passou a impedir o acesso à Estrada Nacional. Ora, tendo em conta que o pedido principal se cifrava na condenação do Réu a reconhecer a existência da Azinhaga dos Limpos e a repô-la nas condições em que antes se encontrava, era absolutamente essencial que se tivesse descrito a parcela de terreno em causa. Face ao pedido e à causa de pedir, os factos atinentes à extensão, largura e sentido do traçado da Azinhaga dos Limpos eram essenciais e não meramente instrumentais. Contudo, em ponto algum da sua petição inicial, a Autora descreve a parcela de terreno denominada Azinhaga dos Limpos, delimitando-a no terreno em extensão, largura e sentido do traçado. Esse mesmo traçado também não é referido na contestação do Réu. E, as características que lhe são apontadas na resposta ao artigo 10º da BI, não resultaram da instrução da causa, nem se fez uso do preceituado no art. 264º nº 3 e art. 650º nº 2 al. f) do CPC. Assim sendo, a resposta ao artigo 10º, na medida em que comporta factos essenciais ao objecto da causa, que não foram alegados por qualquer das partes, é uma resposta manifestamente excessiva, violando os ditos preceitos legais. Nessa medida, como é entendimento jurisprudencial, já atrás referido, deve ter-se por não escrita, por analogia com o disposto no art. 646º nº 4 do CPC. A resposta que caberá ao artigo 10º é a de “não-provado”, como flui de toda a argumentação que vimos expendendo e por lógica de raciocínio: não se mostrando caracterizada no terreno a parcela, não se poderá saber com que prédios confronta, nem em que ponto. 5.3. DA NATUREZA DE CAMINHO PÚBLICO DA PARCELA DE TERRENO EM CAUSA Aqui chegados, e antes de entrar no conhecimento da matéria de direito, há que delimitar a matéria de facto a ter em conta, de acordo com as alterações efectuadas. Encontra-se inscrita a favor da A. a aquisição por compra do prédio misto denominado Quinta do Cruzeiro, sito em Évora, freguesia da Sé, inscrito na matriz predial sob os artigos 190, secção A e 1961 e descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Évora com o nº12570/20060316. [alínea A) da matéria assente] No dia 31 de Março de 2006, C… e mulher, M…, declararam vender à A. o prédio misto com a área de cento e vinte e três mil e vinte metros quadrados, sito na Quinta do Cruzeiro ou Quinta dos Meninos Órfãos, da freguesia da Sé, concelho de Évora, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Évora sob o n.º doze mil e quinhentos e setenta, inscrito na respectiva matriz da freguesia da Sé, a parte rústica sob o art. 190 da secção A e a parte urbana sob o art. 1961, o que o Dr. J…, em representação da A., declarou aceitar. [alínea B) matéria assente] Na descrição predial do prédio consta que o mesmo confronta a norte com estrada velha de Montemor, a sul com Quinta dos Camões, a nascente com Estrada de Alcácer e a poente com Azinhaga dos Limpos. [alínea C) da matéria assente] Encontra-se inscrita a favor da R. a aquisição por sucessão legítima do prédio misto denominado Quinta das Fontanas, descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o n.º 3034/19881209 e inscrito na matriz sob os arts. 152A, 159A, 2505 e 2531. [alínea D) da matéria assente] Quando a A. tomou posse do prédio o mesmo encontrava-se com as confrontações atrás referidas. (resposta artigo 1º da BI) No início da azinhaga, junto á berma da Estrada Nacional o Réu colocou um portão de acesso a um muro que só serve a sua propriedade. (resposta artigos 5º, 6º e 7º da BI) O Réu construiu alpendres cobertos com chapa e compartimentos de alvenaria que abrangem o terreno que era a Azinhaga. (resposta artigo 8º da BI) A Azinhaga dos Limpos existe há pelo menos 45 anos. (resposta artigo 11º da BI) Sendo utilizada por todos os que se deslocam entre aquelas propriedades ali existentes. (resposta artigo 12º da BI) Tem servido de caminho pedonal e de acesso a maquinaria agrícola. (resposta artigo 13º da BI) Bem como de acesso a um posto de alta tensão, com o esclarecimento de que assim foi até 1998 altura em que tal posto foi desactivado. (resposta artigo 14º da BI) À vista de todas as pessoas. (resposta artigo 15º da BI) Sem oposição de quem quer que seja. (resposta artigo 16º da BI) De forma ininterrupta. (resposta artigo 17º da BI) Sendo visível a demarcação de um caminho no terreno. (resposta artigo 18º da BI) A área do terreno do Réu é de 1934, 80 m2. (resposta artigo 26º da BI) Apreciando então se a acção deve ou não proceder. Entendeu-se na decisão recorrida que a parcela de terreno denominada Azinhaga dos Limpos integrava um caminho público. Antes de mais, cumpre registar que, para tal caracterização, é irrelevante a alteração a que neste acórdão se procedeu quanto à matéria de facto, pois esta referia-se apenas ao traçado da Azinhaga (resposta ao artigo 10º, que se eliminou) e à área do prédio do Réu (resposta ao artigo 26º, que se aditou). Quer um caminho público, quer um atravessadouro, têm de comum o facto de se tratar de determinadas parcelas de terreno por onde se transita. A importância da distinção/classificação reside no facto de os atravessadouros em geral terem sido abolidos [art. 1383º do Código Civil (CC)], tendo-se ressalvado apenas, a título excepcional, a consagração dos atravessadouros que, com posse imemorial, se dirijam a ponte ou fonte de manifesta utilidade, e mesmo esses, apenas enquanto não existirem vias públicas destinadas à utilização ou aproveitamento de uma ou outra, assim dispõe o art. 1384º do CC (não releva aqui falar sobre os atravessadouros previstos em lei especial). No caso, provou-se que a Azinhaga [9] dos Limpos existe há pelo menos 45 anos, sendo utilizada por todos os que se deslocam entre as propriedades ali existentes, bem como de acesso a um posto de alta tensão, com o esclarecimento de que assim foi até 1998 altura em que tal posto foi desactivado. Tem servido de caminho pedonal e de acesso a maquinaria agrícola, á vista de todas as pessoas, sem oposição de quem quer que seja, de forma ininterrupta. Sendo visível a demarcação de um caminho no terreno. Ora, como no presente caso nem sequer se alegou que a parcela de terreno que aqui se questiona fosse para as pessoas se dirigirem a uma ponte ou fonte, às quais não se tinha acesso por uma qualquer via pública, manifestamente que, se partirmos para a qualificação de atravessadouro, decai a pretensão da Autora pois faltando-lhe os requisitos do art. 1384º do CC, o mesmo teria de ser considerado abolido (art. 1383º CC). O Código Civil não fala em caminhos públicos, mas tão só em atravessadouros. O que, a nosso ver, faz todo o sentido, uma vez que o Código Civil (CC) regula única e exclusivamente relações privadas. Assim, no espírito de unidade e coerência do sistema, o CC prescreve que as coisas do domínio público não podem ser objecto de direitos privados (art. 202º nº 2). Estamos, assim, de acordo com Pires de Lima e Antunes Varela [10], quando referem «Traduzindo-se os caminhos públicos e os atravessadouros (ou atalhos) em vias de comunicação afectadas ao uso de qualquer pessoa, é evidente que o simples uso pelo público, mesmo que imemorial, não pode bastar para qualificar determinada passagem como caminho público, sob pena de todos os atravessadouros com longa duração terem de ser qualificados como dominiais, em manifesta violação do preceituado nos artigos 1383º e 1384º, que apenas ressalvam os que se dirijam a ponte ou fonte de manifesta utilidade.». Não obstante, no Assento proferido em acórdão do STJ de 19.04.1989 [11], entendeu-se que «São públicos os caminhos que, desde tempos imemoriais, estão no uso directo e imediato do público.». Em causa nesse Assento estava pôr cobro à divisão de orientações jurisprudenciais, que eram as seguintes: «Segundo uma delas (...), consideram-se públicos os caminhos sempre que eles estejam no uso directo e imediato do público. A outra orientação (...) é a de que só devem considerar-se caminhos públicos aqueles que, além de se encontrarem no uso directo e imediato do público, tenham sido administrados pelo Estado ou outra pessoa de direito público e se encontrem sob a sua jurisdição.». Vingou, portanto, a primeira orientação, não sem dois votos de vencido [12], no sentido pugnado pelo entendimento de Pires de Lima e Antunes Varela já atrás expresso. Contudo, hoje em dia há, não só consenso respeitante a que «O Assento do S.T.J. de 19-4-89 carece de uma interpretação restritiva, sob pena do art. 1383 do C.C. ficar sem campo de aplicação e de todos os atravessadouros de uso imemorial terem de qualificar-se como caminhos públicos.» [13], como também já se decidiu que, para além disso, o dito Assento «(...) deve ser interpretado (...) de forma extensiva quando afirma que deixou subsistir, em alternativa o critério segundo o qual é público um caminho pertencente à entidade pública e estar afecto à utilidade pública.» [14] Sendo este o ponto da situação, continua a ter cabimento a pergunta: o que distingue, então, um atravessadouro de um caminho público [15]? Dado que um atravessadouro [16] também não deixa de ser um caminho [17], no sentido de local de passagem, na distinção a efectuar o elemento relevante tem de ser o “público”. E, porque pelo atravessadouro também passa uma multiplicidade de pessoas, o conceito de “público” não pode fazer apelo somente a um número indiferenciado de pessoas. A nosso ver, para que um qualquer local de passagem/trânsito adquira a natureza de caminho público, tem de ser a sua afectação a interesses da colectividade, fazendo-se apelo à noção de “função pública” ou da prossecução de interesses colectivos. Neste sentido, um conjunto mais ou menos amplo de pessoas não chega para integrar a noção de “público”, pois o conceito está mais ligado à natureza da função prosseguida do que ao número de destinatários. [18] Passando ao conceito de posse imemorial, ao que cremos não há sequer divergências, ou não as há de relevo: «(...) é imemorial a posse, se os vivos não sabem quando começou; não o sabem por observação directa, nem o sabem pelas informações que lhes chegaram dos seus antecessores.» [19] Visto isto, vejamos se os factos trazidos a juízo suportam a qualificação de caminho público. Temos que o caminho dito Azinhaga dos Limpos existe há pelo menos 45 anos. Ora, 45 anos de forma alguma preenche o conceito de imemorial. 45 anos é um lapso de tempo situável numa mesma geração, sem necessidade sequer de fazer apelo ao que se ouvia dizer à geração anterior. Tanto bastaria para dar resposta negativa a que a Azinhaga dos Limpos seja um caminho público, pois, como é sabido, os dois requisitos são de verificação cumulativa. Mas, também se pode adiantar não estar verificado o requisito atinente a que ele tivesse estado no uso directo e imediato do público. Na verdade, provou-se apenas que a dita Azinhaga era utilizada por todos os que se deslocam entre aquelas propriedades ali existentes, servindo de caminho pedonal e de acesso a maquinaria agrícola e que, durante um lapso de tempo, serviu também de acesso a um posto de alta tensão, até 1998, altura em que tal posto foi desactivado. Ressalvada a utilização temporária pela EDP, concluímos destes factos que a utilização do caminho era efectuada apenas por um conjunto de agricultores, proprietários ou não, nas suas funções agrícolas ou pecuárias. Nessa medida, e atenta a noção de caminho público atrás referida, esta utilização “por todos os que se deslocam entre aquelas propriedades ali existentes”, não preenche o conceito pois nada tem de prossecução de interesses colectivos. A passagem para deslocação entre propriedades privadas, só pode ter por finalidade interesses privados. Um caminho público não pode ter como destino um ou mais prédios particulares, pois essa situação é a das servidões prediais, figura distinta da de caminho público. Por fim, e quanto à demolição das obras e à reposição da dita Azinhaga no estado em que se encontrava, sempre se pode dizer, como no já atrás referido acórdão do STJ, de 09.02.2012 (processo 1007/03.1TBL.SD.P1.S1) que face aos termos em que foi delineada a petição inicial, a sua improcedência era manifesta: « (...) é que a procedência deste pedido implicava necessariamente que se tivesse demarcado ou delimitado com rigor a área precisa do caminho público em questão, diferenciando cabalmente o terreno correspondente ao respectivo leito da área contígua do prédio de que são proprietários os RR: na verdade, tal ausência de rigorosa delimitação, se não impede o reconhecimento da existência de um direito de passagem do público sobre certa faixa de terreno, embora insuficientemente delimitada e demarcada da propriedade vizinha, já preclude obviamente a possibilidade de condenação em prestação de facto, consubstanciada na realização de demolições e alterações físicas que obviamente pressupõem que se soubesse, por um lado, qual era o estado do leito do caminho antes de tais obras terem sido indevidamente realizadas e, por outro, até onde deveriam ir as demolições judicialmente decretadas (o que sempre implicaria a rigorosa demarcação entre o leito do caminho público e os terrenos inseridos na contígua propriedade dos RR.).». III. DECISÃO 7. Pelo que fica exposto, e na procedência da Apelação, acorda-se nesta secção cível da Relação de Évora em revogar a decisão recorrida, no tocante à matéria da acção. Em sua substituição, absolve-se o Réu de todos os pedidos que contra ele a Autora deduziu. Atento o decaimento na Apelação, ficam a cargo da Autora as custas devidas pelo recurso. Quanto às custas devidas pela acção em 1ª instância, serão também suportadas pela Autora, face ao decaimento nos pedidos. O Réu suportará as custas da parte em que decaiu, ou seja, as relativas à reconvenção, em 1ª instância. Évora, 21.03.2013 _________________________________________________(Relatora, Maria Isabel Silva) (1ª Adjunta, Alexandra Moura Santos) (2º Adjunto, Eduardo Tenazinha) [1] Como é sabido, são as conclusões que delimitam o objecto do recurso ou “thema decidendum”; as alegações servirão para explanar os argumentos na defesa da tese do recorrente quanto à demonstração das questões suscitadas; já as conclusões devem referir, de forma sucinta, os pontos em que se considera ter havido erro de julgamento (seja quanto à matéria de facto, seja quanto à de direito), em conformidade com o nº 1 e 2 do art. 685º-A do CPC. Constatando-se que sob a epígrafe "conclusões", a Recorrente apenas reproduz os argumentos das alegações, dispensamo-nos de aqui reproduzir o que não são conclusões. [2] Verificando-se a mesma situação nas contra-alegações, e feitas as devidas adaptações, damos aqui por reproduzido o constante da nota 1. [3] Pronunciando-se sobre esta nulidade (art. 670º nº 1 do CPC), a M.mª Juíza considerou “não vislumbramos qualquer nulidade, pois a condenação na reposição dos marcos que existiam, surge na sequência do facto provado correspondentes aos pontos 3, 5 e 16, no sentido de que a Azinhaga deve ser delimitada como antes (e não no sentido de colocar marcos físicos).” [4] In “Código de Processo Civil, Anotado”, vol. 2º, Coimbra Editora, 2ª edição, pág. 704. [5] Neste sentido, acórdão do STJ, de 14.03.2006 (processo): «II - O vício lógico, formal prevenido na al.c) do nº1º do art.668º CPC só ocorre quando os fundamentos invocados não conduzam logicamente ao resultado expresso na decisão, mas sim a resultado oposto ou, pelo menos, diferente, ou seja, quando a fundamentação vai num sentido e a decisão segue outra direcção, não sendo, por isso, relevante para esse efeito a contradição que se diga existir entre os factos dados como provados e outros já apurados no processo, caso em que poderá verificar-se erro de julgamento, mas não nulidade da decisão.», disponível em www.dgsi.pt/, sítio a atender nos demais arestos que vierem a ser citados sem outra menção de origem. [6] Acórdão do STJ, de 20.05.2010 (processo 2655/04.8TVLSB.L1.S1). [7] Acórdão do STJ, de 10.01.2013 (processo 4155/05.OTBSXL. L1.S1.). [8] Acórdão do STJ, de 30.11.2010 (processo 581/1999.P1.S1). No mesmo sentido, cf., do mesmo STJ, acórdãos de 11.12.2012 (processo 866-P/2001.G1.S1), de 28.04.2009 (processo 09A0526), de 05.07.1994 (processo 085437), de 13.05.2004 (processo 04B1683) e de 28.06.2011 (processo 416/07. 1TBFVN.C1.S1); da Relação do Porto, acórdãos de 23.04.2001 (processo 0150135), de 24.10.2000 (processo 0020711) e de 05.07.1993 (processo 9211019). [9] No “Dicionário da Língua Portuguesa”, Porto Editora, define-se azinhaga como “caminho rústico e estreito entre muros, valados ou sebes altas”. [10] In “Código Civil Anotado”, vol. III, 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 281/282. [11] Hoje com valor de acórdão de uniformização de jurisprudência (art. 763º, e seguintes, do CPC). [12] Da autoria dos Ex.mos Conselheiros Ferreira da Silva e Baltazar Coelho. [13] Acórdão do STJ, de 14.02.2012 (processo 295/04.OTBOFR.C1.S1). [14] Acórdão do STJ, de 15.06.2000 (processo 00B429). [15] Os simples caminhos, ou direitos de passagem, sem o qualificativo “público” caem sob a alçada do instituto das servidões prediais. [16] “passagem ou serventia particular em terreno privado”, na definição do referido Dicionário da Porto Editora. [17] “via de comunicação terrestre destinada ao trânsito local em zonas rurais”, na definição do referido Dicionário da Porto Editora. [18] No mesmo entendimento, o já referido acórdão do STJ, de 15.06.2000 (processo 00B429), bem como, do mesmo STJ, os acórdãos de 09.02.2012 (processo 1007/03.1TBL.SD.P1.S1) e de 13.03.2008 (processo 08A542). [19] Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, pág. 283. Em termos jurisprudenciais, acórdãos do STJ, de 14.02.2012 (processo 295/04.OTBOFR.C1.S1), de 13.03.2008 (processo 08A542) e de 02.12.1992 (processo 080324). |