Agravo Cível n.368-E/1998.E1
Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
No processo tutelar cível (Incumprimento do acordo do poder paternal) pendente no 2.º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Faro em que é requerente E… e requerida V…, veio o INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL interpor recurso da decisão constante de fls.22 a 24 dos autos através da qual foi determinado ao Fundo de Garantia de Alimentos devidos a menores (gerido pelo recorrente) o pagamento, em substituição da requerida atrás identificada, de prestação mensal de alimentos devido ao menor J… no valor de € 104,04 a actualizar anualmente a partir de Janeiro de 2012 de acordo com o aumento da taxa de inflação anunciado pelo INE para o ano anterior.
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Admitido o recurso por despacho de fls.33, o recorrente apresentaria as competentes alegações em cujas conclusões sustenta, em síntese:
_ que o progenitor esteja judicialmente obrigado a alimentos;
_ a impossibilidade de cobrança das prestações em divida nos termos do art. 189.° da OTM;
_ que o alimentado não tenha rendimento liquido superior ao salário
mínimo nacional, nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre;
3. O douto despacho proferido considera que se encontram preenchidos os pressupostos e requisitos legais para que o FGADM se substitua ao devedor incumpridor. Salvo o devido respeito, não o entende assim o ora recorrente.
4. O agregado familiar em que se insere o menor é constituído pelo próprio menor, pelo pai e companheira deste.
5. O salário mínimo nacional fixado para o ano de 2011 é de € 485,00, nos termos do preceituado no DL n. 143/2010 de 31 de Dezembro. Sendo que os rendimentos do agregado familiar, em que se insere o menor ascendem ao montante total de € 1.121,68.
6. A capitação de rendimentos do agregado familiar em que se insere o menor deve ser feita aplicando-se a seguinte escala de ponderação: requerente -1; cada individuo que seja maior - 0,7 e cada individuo menor - 0,5 (art. 5.° do DI n. 70/2010 de 16 de Junho).
7. Tal como resulta do preâmbulo do DI n." 70/2010 de 16 de Junho, no que respeita à definição de uma capitação em função da composição do agregado familiar, veio a adoptar-se a escala da OCDE, também designada como "escala de Oxford", nos termos da qual o índice 1 é atribuído ao primeiro adulto do agregado familiar, o índice 0,7 aos restantes adultos, enquanto ás crianças se atribui sempre o índice 0,5.
8. Pelo que atendendo à escala de ponderação aplicável - 2,2 _ introduzida pelo art. 5.° do DI n. 70/2010 de 16 de Junho, (aplicável por força do disposto nos art. 1.° n.02 alínea c) e n.03 e 16.°), o rendimento per capita do agregado familiar em causa ascende a € 509,85, sendo consequentemente superior ao salário mínimo nacional.
9. No sentido do entendimento perfilhado pelo ora recorrente, relativo aos índices de equivalência atribuídos ao requerente e ao menor, registam-se os Acórdãos da Relação do Porto acessíveis in ww.dgsi.pt, a seguir discriminados:
-Ac. da Relação do Porto de 22/03/2011;
-Ac. Da Relação do Porto de 13/09/2011;
10. A obrigação do Fundo é meramente subsidiária face à obrigação do devedor.
11. A prestação a assegurar pelo Fundo não é, pois, incondicional, dependendo da existência e da manutenção dos pressupostos e requisitos exigidos por lei para a sua atribuição (arts. 1.° e 3.° n.01 da Lei 75/98;arts. 2.° n.02, 3,° n.os 1 e 2 e 4.° n.Ps 1 e 2 do DL n.? 164/99).
12. Sendo o rendimento per capita do agregado familiar em que se integra o menor superior ao salário mínimo nacional, não está demonstrado que o menor não beneficie de um rendimento liquido superior a esse valor,
13. O recorrente considera, POIS, não preenchido in casu um dos pressupostos necessários e subjacentes ao pagamento da prestação de alimentos pelo FGADM em substituição do devedor: "que o alimentado não tenha rendimento liquido superior ao salário mínimo nacional, nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre
14. A decisão recorrida violou o disposto o no art.? 1.° in fine da Lei n." 75/98 de 19 de Novembro; no art.? 3.° n01 alínea b), n.? 2 e n.03 do DI 164/99 de 13 de Maio; art.? 1.° n.02 alínea c), n.03, art.? 5.° e art.? 16.° do DI n." 70/2010 de 16 de Junho.
Nestes termos e demais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o douto despacho recorrido com os devidos e legais efeitos.
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Por seu turno, o Digno Agente do Ministério Público junto do Tribunal recorrido defende nas conclusões das contra alegações apresentadas:
1. O recurso apresentado resume-se à discordância do recorrente quanto à forma de determinar a capitação de rendimentos do agregado, e concretamente quanto à ponderação a atribuir ao menor beneficiário na determinação dessa capitação, para efeitos de verificação dos pressupostos da atribuição ou manutenção da prestação de alimentos a pagar pelo Fundo de Garantia de Alimentos a Menores, prevista na Lei 75/98 de 19/11 e Decreto Lei 164/99 de 13 de Maio.
2. Com efeito, um dos pressupostos dessa atribuição ou manutenção - e único cuja verificação é contestada pelo recorrente -, é, nos termos do disposto no artigo 1° da lei 75/98 e 3° n. 1 al. b) e 2 do Decreto-Lei 164/99 de 13/05, o de que o alimentando não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional ou de que a capitação de rendimentos do respectivo agregado familiar não seja superior àquele salário.
3. Conforme disposto no n. 3 do art.? 3° Decreto-Lei 164/99, na redacção introduzida pelo art. 16° do Decreto-Lei 70/2010 de 16/06 e ainda no art. 1° n. 1 e 2 al. c) deste último diploma, o pagamento das prestações de alimentos no âmbito do Fundo de Garantia de Alimentos a Menores ficou sujeito às regras deste diploma (DL 70/2010), no que concerne ao conceito de agregado familiar e ao cálculo, dos rendimentos a considerar e da capitação de rendimentos do agregado.
4. A determinação da capitação do agregado é feita nos termos do disposto no art. 5° do Decreto-Lei 70/2010, introduzindo-se uma ponderação diversa de cada elemento do agregado, sendo que o requerente tem o peso de 1, cada indivíduo maior tem o peso de 0,7 e cada indivíduo menor tem o peso de 0,5.
5. O que está em causa é qual o peso de ponderação que deve ter o menor beneficiário da prestação, se o peso de requerente (como se considera na decisão recorrida), ou o peso de indivíduo menor (como pretende o recorrente).
6. Ora, para o cálculo da capitação do agregado, para efeitos desta prestação, o menor deve ter a ponderação de requerente, independentemente de quem por ele a requeira, pois que é o beneficiário da obrigação de alimentos a que o Estado se substitui no pagamento e o beneficiário da prestação.
7. Estando o conceito de agregado familiar, para efeitos de todo o tipo de prestações sociais, definido no artigo 4° do Decreto-Lei 70/2010 a partir do requerente (sem que diga quem este é), verifica-se do seu n. 1, corpo e alínea d), que os menores adoptados, sujeitos a tutela ou confiados a terceira pessoa por decisão judicial, assumem a posição de requerentes, sendo certo que, como menores, não podem ser eles a requerer a prestação.
8. Não existe qualquer justificação para que seja feita discriminação § entre menores a viverem com pai ou mãe biológicos e menores a viverem com adoptante, tutor ou terceira pessoa, sendo certo que a acontecer tal até acarretaria uma intolerável diferenciação de tratamento de menores, contrária à lei.
9. Nestes termos, o menor beneficiário da prestação do Fundo de Garantia de Alimentos a Menores, para efeitos do cálculo da capitação de rendimentos do agregado e verificação da condição de recursos de que depende aquela prestação, deve ter a ponderação de requerente.
10. Uma vez que o agregado do menor dos autos composto por ele, seu pai e sua companheira, a ponderação total daquele agregado a considerar é de 2,4, resultando da atribuição da ponderação de 1 ao menor e de 0,7 a cada um dos dois adultos que compõem o agregado.
11. Tendo sido apurado que um rendimento mensal do agregado no montante de 1121,68 (mil cento e vinte e um euros e vinte e oito cêntimos), a respectiva capitação é de € 467,37 (quatrocentos e sessenta e sete euros e trinta e sete cêntimos), montante que é inferior ao salário mínimo nacional, verificando-se por isso o pressuposto - contestado pelo recorrente - para a atribuição alimentar a pagar pelo FGADM.
12. Devendo, por isso, negar-se provimento ao recurso e manter-se a decisão recorrida.
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Encontra-se consignada a seguinte factualidade:
1. A criança J…, nascida a 26.2.1997, encontra-se confiada judicialmente à guarda e cuidados do pai E….
2. A mãe V… ficou obrigada a pagar-lhe uma pensão de alimentos no valor mensal de 100 € actualizável anualmente a partir de Janeiro do ano de 2009 de acordo com o aumento dos índices de inflação divulgados pelo INE para o ano anterior.
3. A progenitora não liquidou os prestações alimentícias, nem sequer no incidente suscitado para esse efeito.
4. Por decisão judicial foi julgado inviável o desconto da prestação alimentar (f ls. 13).
5, A criança encontra-se integrada em agregado familiar constituído por ela própria, pelo pai e companheira deste,
6, O rendimento do agregado familiar é constituído pelos rendimentos do trabalho do agregado familiar (1121,68 €).
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Mantendo-se válidos os pressupostos formais da instância, cumpre decidir:
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas pelos recorrentes (art.684.º n.3, 690.º n.3 e 660.º n.2, todos do Código de Processo Civil), da leitura das mesmas resulta que a questão essencial a dirimir prende-se em saber se estão ou não preenchidos os requisitos legais justificadores da prestação de alimentos conferida ao menor J…, cujo pagamento é da responsabilidade do recorrente.
Da leitura do preâmbulo do Decreto-Lei nº 164/99, decorre que foi em execução da tarefa constitucionalmente definida de proteger as crianças “com vista ao seu desenvolvimento integral” (artigo 69º) que a Lei nº 75/98 veio garantir que o Estado assegura o direito a prestações de alimentos a menores em caso de incumprimento do correspondente dever, judicialmente fixado (artigo 1º), através do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, gerido pelo ora recorrente. De qualquer modo, o que resulta da leitura conjunta das diversas disposições aplicáveis, é que da parte do legislador existiu o propósito inequívoco de assegurar ao menor a prestação de alimentos adequada às suas necessidades específicas, necessidades que devem ser ponderadas de acordo com o agregado familiar em que está integrado.
Na verdade, logo no art. 1.º da referida Lei n. 75/98, sob a epígrafe “ Garantia de alimentos devidos a menores “, estipula-se:
Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n. 314/78 de 27 de Outubro, e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigacão.
Por seu turno, o art. 2.º n. 2 do mesmo diploma legal dispõe:
Para a determinação do montante referido no número anterior, o tribunal atenderá à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor.
Em conjugação com os dispositivos legais agora enunciados, importará atender também ao que preceitua o art. 3.º n. 2 do DL n. 164/99 de 13 de Maio:
Entende-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao salário mínimo nacional, quando a capitação de rendimentos do respectivo agregado familiar não seja superior àquele salário (sublinhado nosso).
Ora, o pomo da discórdia que motivou a interposição de recurso por parte do IGFSS resulta, precisamente, do entendimento que foi perfilhado a propósito da capitação ainda agora sublinhada, capitação essa prevista expressamente no art. 5.º do DL n. 70/2010 de 16 de Junho.
Com efeito, depois de, no art. 2.º n.3 do mesmo diploma se estipular que Na verificação da condição de recursos são considerados os rendimentos do requerente e dos elementos que integram o seu agregado familiar, de acordo com a ponderação referida no art. 5.º, neste preceito legal estabelece-se uma escala de equivalência referida a cada elemento do agregado familiar onde ao Requerente é atribuído o peso 1, a cada indivíduo maior o peso 0,7 e a cada indivíduo menor o peso 0,5.
Ora, a controvérsia gera-se a propósito da expressão requerente, pois, enquanto que para a decisão recorrida requerente é o menor J…, portanto, a ponderação aponta para um coeficiente de 2, 4 resultante de 1 (menor) + 0,7 (pai) + 0,7 (companheira do pai), para o IGFSS o coeficiente obtido é de 2,2 resultante do entendimento de que requerente é o pai do menor (1), acrescido da sua companheira (0,7) e do próprio menor (0,5).
Da diferente forma de cálculo agora referida, resultam valores diversos para o montante de pensão de alimentos a atribuir: um, de € 467, 36[1], inferior ao salário mínimo nacional (posição do julgador “ a quo”), outro, de € 509, 85, superior ao mesmo salário mínimo (posição do IGFSS), portanto, insusceptível de conceder o direito peticionado.
Embora o legislador não tenha previsto expressamente o conceito em causa (requerente), parece-nos, salvo o devido respeito, que uma tal expressão só se pode referir aos menores uma vez que são os interesses dos mesmos que o legislador quis acautelar num quadro familiar já que se refere “às necessidades específicas do menor” a par da “capacidade económica do agregado familiar” em que ele se integre (art. 2.º n. 2 da Lei n. 75/98 de 19 de Novembro), esclarecendo que é a “capitação” dos seus rendimentos que conta para se considerar ou não preenchido o requisito relativo àquela capacidade.
Como defende o Digno Agente do M.º P.º nas doutas contra alegações oferecidas, em consonância com a mais recente jurisprudência (Ac. RP de 13.09.2011), inclusive, com um dos arestos da Relação do Porto citados pelo recorrente, o verdadeiro titular da prestação social, ainda que representado por terceiros (neste caso, pelo pai), é o menor, sendo inequívoca, nesse sentido, a interpretação que deve ser feita do disposto no art. 4.º n. 1 alínea d) do DL n. 70/2010 de 16 de Junho onde se determina, a propósito do conceito de agregado familiar, que Para além do requerente, integram o respectivo agregado familiar as seguintes pessoas que com ele vivam em economia comum, sem prejuízo do disposto nos números seguintes:
a) . . . . .
b) . . . .
c) . . . . .
d) Adoptantes, tutores e pessoas a quem o requerente esteja confiado por decisão judicial . . .
Deste modo, porque as regras constantes do citado DL n. 70/2010 são aplicáveis às prestações de alimentos no âmbito do Fundo de Garantia de Alimentos a Menores (art. 1.º n. 2 alínea c), não poderia ser outra a interpretação relativa à acima transcrita alínea d) do art. 4.º n. 1 que atribui a todo e qualquer menor interessado a qualidade de requerente.
A não entender-se do modo exposto, seria extremamente difícil proceder a uma ponderação dos rendimentos do agregado familiar nos termos do art. 5.º quando fosse o Ministério Público a accionar o processo de incumprimento nos termos do disposto no art. 3.º n. 1 da Lei n. 75/98 de 19 de Novembro.
Neste contexto, porque é de sufragar o entendimento plasmado na douta decisão recorrida, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao agravo interposto pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social IP.
Sem custas. Notifique e Registe.
Évora, 8 de Março de 2012
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[1] O salário mínimo nacional para o ano de 2010 foi fixado em € 475,00 (DL n. 5/2010 de 15/1).