Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ANTÓNIO CONDESSO | ||
Descritores: | RENOVAÇÃO DE LICENÇA DE USO E PORTE DE ARMA RECONHECIMENTO DE IDONEIDADE | ||
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Data do Acordão: | 12/20/2016 | ||
Votação: | DECISÃO DO RELATOR | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | I – Face ao regime jurídico em vigor, uma condenação em pena de prisão superior a um ano, pela prática de crime doloso, com uso de violência é susceptível de, por si só, indiciar falta de idoneidade para a concessão ou renovação da licença de uso e porte de arma de caça. II – Averbando o arguido no seu CRC já 3 condenações, a última das quais pela prática de um crime de violência doméstica qualificado em concurso com um crime de detenção de arma proibida, não obstante se encontrar familiar e profissionalmente inserido, subsistem dúvidas sérias sobre a sua idoneidade para obtenção de licença de uso e porte de arma de caça, que justificam o indeferimento do pedido. | ||
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Decisão Texto Integral: | Decisão sumária I- Relatório Foi proferido despacho a indeferir o pedido apresentado pelo requerente JM, não lhe reconhecendo idoneidade para a renovação da licença de uso e porte de arma da classe D. Inconformado recorre o mesmo, terminando com as seguintes conclusões: “I- Nos presentes autos o recorrente viu indeferido o seu requerimento, não lhe tendo sido reconhecida idoneidade para a renovação da licença de uso e porte de arma da classe D. II- Entende que não assiste fundamento para lhe ser recusada a reabilitação judicial para efeitos de renovação dessa licença de uso e porte de arma, III- A douta decisão fundamentou-se exclusivamente na circunstância do recorrente ter sido já condenado pela prática de crimes. IV- A condenação do arguido recorrente apenas é susceptível de indiciar falta de idoneidade. V- O apuramento da idoneidade para a licença de uso e porte de arma exige que se considere não apenas o passado criminal de um cidadão mas que se analise todo um quadro de circunstâncias que concretamente relevem para a decisão a proferir sobre a idoneidade, nomeadamente se reúne condições, qualidades, aptidões e competência para desempenhar a actividade lúdica que o uso e porte da arma impõe, o que a douta decisão não fez. VI- O juízo de prognose favorável ao arguido formulado na sentença proferida nos autos quando não se reconheceu a necessidade de lhe ser imposta medida acessória, nomeadamente a proibição de uso e porte de armas, tem que ser tido em conta e considerado para efeitos de avaliar da sua idoneidade para ser possuidor da licença. VII- Assim como também deverá ser tido em conta o juízo de prognose favorável ao recorrente consubstanciado na própria restituição judicial das armas que lhe tinham sido apreendidas. VIII- Nem os autos principais nem os presentes contêm elementos que permitam concluir que os referidos juízos de prognose favoráveis se alteraram e que o recorrente não reúne actualmente condições de idoneidade para que lhe possa ser concedida a pretendida licença de uso e porte de arma de caça. IX- Os factos provados nos autos principais, e que suportam as condenações do recorrente, em nada reflectem a efectiva utilização das armas cujo licença de uso e porte de arma pretende, em eventos passados ou visionando a mesma em eventos futuros. X- Deveria o tribunal a quo ter decidido pelo deferimento do requerido, porquanto, o recorrente reúne condições de idoneidade para que lhe seja renovada a licença de uso e porte de arma de caça. XI- Ao não decidir nesse sentido, a douta decisão violou os artigos 14º n.ºs 2 e 3, 15º, n.ºs 1 e 2 e 28º, n.º1, da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, alterado pela Lei Nº 59/2007, de 4 de Setembro, pela Lei Nº 17/2009 de 6 de Maio, pela Lei 12/2011, de 27 de Abril e pela Lei Nº 50/2013. XII- Violou ainda o art. 30º da CRP, pôs em causa o princípio constitucional aí consagrado, determinando, de forma automática, que à condenação se acrescentasse a perda de direitos civis. XIII- Violou igualmente o art. 65º, n.º1 do Código Penal, desobedecendo ao princípio geral enformador do direito penal português: “nullum crimen, nulla poena sine lege”. XIV- Deve conceder-se provimento ao recurso e, consequentemente, revogar-se a douta decisão recorrida, substituindo-se por outra que reconheça a idoneidade ao recorrente.”. O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso, pugnando pela respectiva improcedência. O Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso (vd. fls. 108 a 110). II- Fundamentação Despacho recorrido (transcrição) “JM veio, por apenso ao processo-crime que corre termos nos autos principais, requerer o reconhecimento de idoneidade a fim de lhe ser concedida licença de uso e porte de arma, nos termos do disposto nos números 2, 3 e 4 do artigo 14º da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, com a redacção conferida pela Lei 12/2011, de 27 de Abril. Alegou, para o efeito e em síntese, dedicar-se à prática de caça, sendo titular de carta de caçador desde os 18 anos de idade (há cerca de 30 anos) e sendo proprietário de duas espingardas de caça. Mais invocou, ser sócio da Associação de Caçadores de Aldeia Romana, Santa Vitória do Ameixial e estar autorizado a caçar na Associação de Caçadores de Arcos. Foi ouvido o Requerente (cfr. acta de fls. 54 e 55). Foi solicitado e junto Certificado de Registo Criminal actualizado do arguido (fls. 60 a 62). O Ministério Público emitiu parecer, nos termos do disposto artigo 14.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, ex vi do artigo 15.º, n.º 2, da mesma lei, concluindo que o Requerente não dispõe da idoneidade necessária para deter armas e munições, promovendo que a mesma não lhe seja reconhecida (cfr. Parecer de fls. 56 a 58 que aqui se dá por integralmente reproduzidos). * Considerando de forma conjugada o Certificado de Registo Criminal do requerente (cfr. fls. 60 a 62), os documentos juntos a fls. 4 a 8 aos autos (cujos originais foram exibidos pelo Requerente aquando da tomada de declarações) e as declarações do Requerente, o Tribunal considera provados os seguintes factos, com relevo para a decisão: 1º- Por sentença datada de 16 de Dezembro de 2010, já transitada em julgado, proferida no âmbito dos autos com o nº --/09.0GBETZ, que correu termos no extinto Tribunal Judicial de Estremoz, foi o Requerente JM condenado na pena de 250 dias de multa, à taxa diária de 10,00€, pela prática, a 5 de Junho de 2009, de um crime de dano – pena que se mostra extinta pelo cumprimento. 2º- Por sentença datada de 14 de Dezembro de 2011, já transitada em julgado, proferida no âmbito dos autos com o nº ---/10.1TAETZ, que correu termos no extinto Tribunal Judicial de Estremoz, foi o Requerente JM condenado na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de 8,50€, pela prática, a 22 de Outubro de 2010, de um crime de dano – pena que se mostra extinta pelo cumprimento. 3º- Por sentença datada de 29 de Abril de 2013, já transitada em julgado, proferida no âmbito dos autos com o nº--/10.7GBETZ, que corre termos nos autos principais, foi o Requerente condenado na pena de 280 dias de multa, à taxa diária de 5,50€ e na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, sujeita a regime de prova, pela prática, em concurso efectivo, de um crime de detenção de arma proibida e de um crime de violência doméstica. 4º- O Requerente dedica-se há já há vários anos à prática da caça, sendo titular da carta de caçador com o nº 659242, emitida em 14 de Julho de 2011, válida até 3 de Agosto de 2026 (cfr. documento de fls. 5). 5º- O Ministério da Administração Interna, Comando Geral da Policia de Segurança Pública, emitiu, a 29 de Abril de 1997, o Livrete de Manifesto de arma nºL53580, referente à arma da Marca Tecni MEC, classificação “Esp. Caça”, de um cano, de calibre 20, com o nº 102366 e no qual figura como proprietário o Requerente JM(cfr. documento de fls. 6). 6º- O Ministério da Administração Interna, Comando Geral da Policia de Segurança Pública, emitiu, a 3 de Maio de 1995, o Livrete de Manifesto de arma nºL22863, referente à arma da Marca Benelli, classificação “Esp. Caça”, de um cano, de calibre 12, com o nºC271918 e M167469,e no qual figura como proprietário o Requerente JM (cfr. documento de fls. 7). 7º- O Requerente é titular da Licença para uso e porte de arma de Tipo D, nº 38646/2009-01, emitida a 23 de Novembro de 2009, com validade até 22 de Novembro de 2014 (cfr. documento de fls. 4). 8º- O Requerente é sócio do clube de Caçadores de Aldeia Romana (cfr. documento de fls. 8). 9º- O Requerente é agricultor, auferindo a quantia média mensal de 505,00€, vive com a sua companheira e tem o 4º ano de escolaridade. * O Requerente pretende que o Tribunal lhe reconheça idoneidade para obter licença de uso e porte de tipo D. Com efeito, tal como dispõe o nº3 do artigo 14º º da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, com a redacção conferida pela Lei 12/2011, de 27 de Abril (Regime Jurídico das Armas e suas Munições), no “decurso do período anterior à verificação do cancelamento definitivo da inscrição no registo criminal das decisões judiciais em que o requerente foi condenado, pode este requerer que lhe seja reconhecida a idoneidade para os fins pretendidos, pelo tribunal da última condenação”; correndo o incidente “por apenso ao processo principal, sendo instruído com requerimento fundamentado do requerente, que é obrigatoriamente ouvido pelo juiz do processo, que decide, produzida a necessária prova e após parecer do Ministério Público” (artigo 14º, nº5). A licença de uso e porte de arma da “classe D” está prevista no artigo 15.º do Regime Jurídico das Armas e suas Munições que, por sua vez, no que à idoneidade concerne, remete para o disposto no artigo 14.º, números 2 e 3, do mesmo diploma; criando, o preceito normativo em apreço, nos seus números 2 e 5, uma reabilitação judicial específica para a obtenção de licença de uso e porte de arma. Importa, pois, antes de mais, concretizar o conceito de idoneidade, cumprindo, desde logo, atentar que, tal como estatui o nº2 do artigo 14 do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, e “sem prejuízo do disposto no artigo 30.º da Constituição e do número seguinte, para efeito de apreciação do requisito constante na alínea c) do número anterior, é susceptível de indiciar falta de idoneidade para efeitos de concessão de licença o facto de, entre outros, ao requerente ter sido aplicada medida de segurança ou ter sido condenado pela prática de crime doloso, cometido com uso de violência, em pena superior a 1 ano de prisão.” A remissão para o artigo 30.º, da CRP, está relacionada com os “chamados efeitos da condenação”, enquanto efeitos legalmente determinados derivados de uma condenação e que se traduz na proibição de que à condenação em certas penas se acrescente, de forma automática, mecânica, e independentemente de decisão judicial, apenas por força da lei, a perda de quaisquer direitos civis, profissionais e políticos (artigo 30.º, nº 4, da CRP). A referida proibição decorre, assim, do princípio jurídico-constitucional subjacente à ideia político-criminal de retirar às penas qualquer efeito infamante ou estigmatizante e do dever do Estado de favorecer a socialização do condenado. Não obstante, importa atentar que, tal como impressivamente se decidiu no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 243/2007, “estamos em presença de uma actividade cujo exercício está genericamente dependente de licença, o que significa (…) que não existe um direito constitucional ao uso e porte de armas, incluindo as de defesa, independentemente dos condicionamentos ditados designadamente pelo interesse público em evitar os inerentes perigos, interesse que é acautelado através de autorizações de carácter administrativo condicionadas por ilações extraídas da verificação jurisdicional de comportamentos que a lei qualifica como censuráveis. Com efeito, a lei rodeia com frequência a prática de certas actividades de precauções, traduzidas em licenciamentos, em razão da perigosidade que encerram, e da necessidade de conhecimentos técnicos específicos não comuns à generalidade dos cidadãos, como é o uso de armas de fogo, ou o exercício da condução de veículos automóveis. Nesses casos, é legítimo afirmar que a licença visa excluir a ilicitude de um acto que é genericamente proibido. Na verdade, a necessidade do licenciamento pressupõe mesmo uma proibição geral do exercício destas actividades, como é indiscutivelmente o caso do uso e porte de armas. Nada há, portanto, de ilegítimo no estabelecimento de restrições e condicionamentos diversos à posse de armas por particulares”. A “idoneidade” a que aludem os preceitos normativos que ora nos ocupam, traduzirá, assim, a capacidade ou qualidade de alguém para ser titular de licença de uso e porte de arma e de quem se espera que, em caso de concessão, dela faça um uso correspondente aos fins legais. O interessado será, assim, “idóneo quando apresente um comportamento social denotador de ser merecedor da especial confiança que o Estado vai depositar em si. Na negativa: quando o interessado, através do crime por si praticado e pelo qual foi condenado, demonstrou profundo menosprezo pelas regras da sociedade em que se encontra inserido, deverá ser considerado inidóneo para ser detentor de uma arma. Se a violação de tais regras demonstrar que o agente não está preparado para assumir a responsabilidade de deter uma arma, não lhe deve ser reconhecida (ainda que temporariamente) tal faculdade” (vide Patrícia Agostinho, in, “O artigo 14.º do novo regime das armas e munições”, Revista do Ministério Público, n.º 116, Ano 29, Outubro - Dezembro de 2008, páginas 184 e 185). Ora, volvendo ao caso dos autos e fazendo apelo à matéria de facto provada, verifica-se que, para além da condenação pela prática de dois crimes de dano, o Requerente foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período – que terá o seu terminus em 29 de Novembro de 2016 – e sujeita a regime de prova. Mais se verifica que o arguido foi também condenado na pena de 280 dias de multa pela prática de um crime de detenção de arma proibida o que, como bem salienta o Ministério Público, é revelador da desconsideração do regime legal que assenta no pressuposto de que a detenção de armas e munições é um privilégio e não um direito (não obstante se encontrar, à data da prática deste crime, habilitado com licença de uso e porte de arma do Tipo D). Decorre, pois, da matéria de facto provada que o Requerente foi [recentemente] condenado pela prática de um crime de detenção de arma proibida e pela prática de um crime doloso - que assume particular gravidade no sistema jurídico-penal e que pressupõe uma conduta que afecte a “dignidade da pessoa humana” - cometido com uso de violência, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão (e portanto, bastante superior a um ano de prisão); não podendo, de resto, o Tribunal olvidar que o arguido se encontra em ainda em período de suspensão da pena de prisão de 3 anos e 6 meses em que foi condenado. Neste conspecto, e não obstante o Requerente se encontrar social, profissional e familiarmente integrado, ser sócio do clube de Caçadores de Aldeia Romana e ser titular da carta de caçador dos Livretes de Manifesto de Armas identificados em 5º e em 6º, não pode o Tribunal deixar de entender que através dos dois últimos crimes por si praticados e pelos quais foi condenado, demonstrou profundo menosprezo pelas regras da sociedade em que se encontra inserido, não sendo, nessa medida, pessoa idónea para ser detentor de uma arma. Neste conspecto, a violação das regras da sociedade contidas nas condutas do arguido que subjazem à condenação pela prática de um crime de violência doméstica e de um crime de detenção de arma proibida revelam que o Requerente não está preparado para assumir a responsabilidade de deter uma arma, não lhe devendo ser reconhecida, por ora, tal faculdade. Face ao exposto e ao abrigo das disposições legais citadas, não reconheço idoneidade a JM para os efeitos previstos no artigo 15.º, da Lei nº 5/2006 de 23.2. da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, com a redacção conferida pela Lei 12/2011, de 27 de Abril…”. * A questão a apreciar consiste em saber se, perante a factologia apurada, o recorrente reúne condições de idoneidade para que lhe seja renovada a licença de uso e porte de arma da classe D. Censura o recorrente o despacho recorrido, em síntese, por entender que a mesma se fundamentou exclusivamente na circunstância do recorrente ter sido já condenado pela prática de crimes, o que apenas é susceptível de indiciar falta de idoneidade, quando o apuramento da idoneidade para a licença de uso e porte de arma exige que se considere não apenas o passado criminal de um cidadão mas que se analise todo um quadro de circunstâncias que concretamente relevem para a decisão a proferir sobre a idoneidade, nomeadamente se reúne condições, qualidades, aptidões e competência para desempenhar a actividade lúdica que o uso e porte da arma impõe, o que a douta decisão não fez, com o que se mostraria violado o disposto no art. 30º da CRP, pondo em causa o princípio constitucional aí consagrado, determinando, de forma automática, que à condenação se acrescentasse a perda de direitos civis. Por seu turno, na respectiva resposta invoca o MP, entre o mais, o seguinte: “…A idoneidade cujo reconhecimento (in casu, judicial) é pressuposto da renovação de licença de uso e porte de arma do tipo D mais não significa que a aptidão de determinada pessoa para que faça uma correcta utilização e detenção de uma arma para cujo uso e porte tal licença a habilitará. Nessa medida, o interessado será «[i]dóneo quando apresente um comportamento social denotador de ser merecedor da especial confiança que o Estado vai depositar em si. Na negativa: quando o interessado, através do crime por si praticado e pelo qual foi condenado, demonstrou profundo menosprezo pelas regras da sociedade em que se encontra inserido, deverá ser considerado inidóneo para ser detentor de uma arma. Se a violação de tais regras demonstrar que o agente não está preparado para assumir a responsabilidade de deter uma arma, não lhe deve ser reconhecida (ainda que temporariamente) tal faculdade” (cfr. Patrícia Agostinho, “O artigo 14º do novo regime das armas e munições”, Revista do Ministério Público, nº116, ano 29, Outubro - Dezembro de 2008, pp. 184 e 185). Ora, a este respeito, saliente-se que o certificado do registo criminal do Recorrente denota as seguintes condenações recentes: a) No processo n.º --/09.0GBETZ, que correu termos no extinto Tribunal Judicial de Estremoz, o requerente foi condenado, por sentença proferida em 16 de Dezembro de 2010, transitada em julgado em 16 de Maio de 2011, pela prática, em 5 de Julho de 2010, de um crime de dano simples, p. e p. pelo artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à razão diária de 10,00 € (dez euros), perfazendo a quantia total de 2.500,00 € (dois mil e quinhentos euros), a qual foi declarada extinta pelo cumprimento, por despacho proferido em 14 de Maio de 2012, transitado em julgado em 11 de Novembro de 2012. b) No processo n.º ---/10.1TAETZ, que correu termos no extinto Tribunal Judicial de Estremoz, o requerente foi condenado, por sentença proferida em 14 de Dezembro de 2011, transitada em julgado em 26 de Janeiro de 2012, pela prática, em 22 de Outubro de 2010, de um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à razão diária de 8,50 € (oito euros e cinquenta cêntimos), perfazendo a quantia total de 1.700,00 € (mil e setecentos euros), a qual foi declarada extinta pelo cumprimento, por despacho proferido em 11 de Janeiro de 2013, transitado em julgado em 6 de Fevereiro de 2013. c) No processo n.º --/10.7GBETZ, que corre termos nesta Secção de Competência Genérica da Instância Local de Estremoz do Tribunal da Comarca de Évora, o requerente foi condenado em concurso efectivo real, por sentença proferida em 29 de Abril de 2013, transitada em julgado em 29 de Maio de 2013, pela prática, em 9 de Janeiro de 2010, de um crime de violência doméstica qualificado, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita à condição de pagar até ao termo do prazo da suspensão da execução da pena o montante de 5.000,00 € (cinco mil euros) à demandante, a título de indemnização, e pela prática, em 27 de Fevereiro de 2010, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alíneas c) e d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, por referência aos artigos 2.º, n.º 3, alíneas g) e p), e 3.º, n.º 2, alínea l), e n.º 5, da mesma lei, na pena de 280 (duzentos e oitenta) dias de multa, à razão diária de 5,50 € (cinco euros e cinquenta cêntimos), perfazendo a quantia total de 1.540,00 (mil, quinhentos e quarenta euros), estando em curso o prazo de cumprimento de tais penas. A nosso ver, o certificado do registo criminal do Recorrente é revelador de um percurso recente pautado por uma actuação desconforme com o dever-ser jurídico. Em apenas um ano, o Recorrente praticou dois crimes de dano, um crime de detenção de arma proibida e um crime de violência doméstica qualificado, tendo, quanto a este, sido condenado numa pena de prisão suspensa na sua execução cujo termo final somente se verificará em 29 de Novembro de 2016. Os crimes pelos quais o Recorrente sofreu a última condenação afiguram-se-nos de especial gravidade, evidenciando a sua falta de idoneidade para deter e utilizar armas e munições. Por um lado, a condenação do Recorrente pela prática de um crime de detenção de arma proibida revela que o mesmo, porque habilitado com licença de uso e porte de arma do tipo D e, portanto, necessariamente conhecedor do regime jurídico das armas e suas munições, escolheu, de forma consciente, desconsiderar o regime legal em vigor – que assenta no pressuposto de que a detenção de armas e munições é um privilégio e não um direito –, de que agora pretende beneficiar... Por outro lado, a condenação do Recorrente pela prática de um crime de violência doméstica qualificado, um dos que maior gravidade assume no nosso sistema jurídico-penal, revela que aquele despreza as mais elementares regras de convivência em sociedade, tendo violado, com o seu comportamento, o valor da “dignidade da pessoa humana”, que é, aliás, a base da República Portuguesa, de acordo com 1.º da lei fundamental. Entende o Ministério Público, por isso, que o Recorrente não tem a necessária idoneidade para o uso e porte de arma, pelo que bem andou o M.mo Tribunal a quo ao não lha reconhecer. Por conseguinte, considera o Ministério Público que não ocorreu qualquer violação do artigo 30.º da Constituição da República Portuguesa, do artigo 65.º, n.º 1, do Código Penal e dos artigos 14.º, n.os 2 e 3, 15.º, n.os 1 e 2, e 28.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro… … importa salientar, em todo o caso, que a argumentação do recorrente no sentido da violação pelo Mmº Tribunal a quo do artigo 30º da Constituição da República Portuguesa e do art. 65º, nº1, do Código Penal parte, em nosso entendimento, de um erro. É que, diferentemente do que sucede noutras longitudes – nomeadamente, nos Estados Unidos da América, cuja II Emenda à Constituição Federal consagra um direito (constitucional) ao uso e porte de arma (“right to bear arms”) -, no nosso ordenamento jurídico inexiste qualquer direito constitucional ou legal ao uso e porte de arma condicionado à concessão de licença, pelo Estado, ao interessado. Dizendo de outro modo, nenhum cidadão tem um direito constitucional ou legal ao uso e porte de arma, mas apenas o direito a requerer que lhe seja concedida uma licença para esse fim pelo Estado, verificados que estejam os respectivos pressupostos e requisitos, pelo que, caso tal licença venha a ser concedida, o uso e porte de arma autorizado é um mero privilégio, que vigorará enquanto subsistirem os respectivos pressupostos e requisitos e que não constitui um direito adquirido. Consequentemente, a decisão recorrida, ainda que devesse ser considerada como errada – o que não cremos, pelas razões acima expostas – nunca poderia ter violado o artigo 30º da Constituição da República Portuguesa, nem o art. 65º, nº1, do Código Penal, porque não provocou a ablação de qualquer direito do recorrente…”. Vejamos As matérias suscitadas pelo recorrente foram já alvo de apreciação nesta Relação, em casos semelhantes ao presente, onde de forma uniforme se tem entendido que não lhe assiste razão. Assim, por exemplo, no Ac. TRE de 19-2-2013, pr. 69/01.0JELSB-I.E1, rel. Ana Brito, disponível em www.dgsi.pt, sumariado da forma que segue: “1. Na redacção actual da Lei n.º 5/2006, a condenação em pena de prisão superior a um ano, pela prática de crime doloso, com uso de violência é susceptível de, por si só, indiciar falta de idoneidade para a concessão da licença de uso e porte de arma de caça, exigindo-se que esta circunstância indiciante, autonomizada normativamente pelo seu peso e significância, englobe os três requisitos cumulativos enunciados. 2. No entanto, passaram a ser ainda susceptíveis de indiciar falta de idoneidade para efeitos de concessão de licença “outras razões devidamente fundamentadas”. 3. A condenação pela prática de crimes dolosos ou negligentes, mesmo que cometidos sem uso de violência e a que não corresponda pena superior a um ano, podem constituir factor atendível de ponderação e, concretamente, integrar essas “outras razões devidamente fundamentadas”. 4. As quatro condenações sofridas pelo arguido, duas condenações por crime de tráfico de estupefacientes e duas condenações por crime de condução sob o efeito de álcool, atenta a natureza dos crimes e a sua repetição, justificam a negação do reconhecimento de idoneidade para obtenção de licença de uso e porte de arma de caça”. Escreveu-se, entre o mais, o seguinte: “O recorrente começa por afirmar que o Tribunal, ao negar-lhe o reconhecimento de idoneidade para concessão da licença de uso e porte de arma das classes C e D, valorou exclusivamente o facto de já ter sido condenado pela prática de crimes. Argumenta ainda que o legislador de 2006 eliminou a possibilidade de considerar automaticamente inidóneo para o uso e porte de arma um cidadão que haja praticado um crime, que a idoneidade deve ser aferida casuisticamente e mediante a apreciação de um conjunto de factores nos quais se incluem a personalidade do requerente, o modo de vida, a integração familiar, social, profissional e todos os elementos que de um modo geral possam fazer prever (ou não) que o requerente, caso lhe seja concedida licença de uso e porte de arma, venha a fazer desta um uso conforme aos fins legalmente previstos. À partida, dir-se-á que todas estas asserções são correctas: concretamente, a decisão recorrida elege o passado criminal do requerente como fundamento exclusivo do não reconhecimento da idoneidade; abstractamente, a inidoneidade não pode resultar automaticamente de condenação pela prática de crime, devendo o decisor atender a um quadro de circunstâncias que concretamente relevem para a decisão a proferir sobre a idoneidade. No entanto, ao contrário do pretendido, as correctas asserções que o recorrente profere não conduzem às conclusões que delas retira. Antes justificam a conclusão a que o tribunal chegou. Com base naquelas premissas, o recorrente concluíra que, ao não ter procedido de acordo com a avaliação casuística que se impunha, “o tribunal de primeira instância violou o disposto nos n.º 2 e 3 do artigo 14.º, por remissão do n.º 2, do artigo 15.º, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro e fez uma interpretação materialmente inconstitucional de tal normativo, por violação do n.º 1 e 4, do artigo 30º, da Constituição da República Portuguesa”. É certo que a decisão recorrida se fundamentou essencialmente, ou até exclusivamente, na circunstância do requerente ter sofrido condenações pela prática de crimes, como se reconhece. Mas essa circunstância, de facto, apresenta-se concretamente inviabilizante da pretensão do recorrente. Olhando o quadro legal, a condenação anterior pela prática de crime (não de qualquer crime, como veremos) representa o (único) elemento indiciante de falta de idoneidade que a lei expressamente nomeia, destacando-o de outras causas ou razões, causas estas que a lei não especifica ou concretiza. O que permite antecipar um critério de ponderação em que os antecedentes criminais podem assumir um específico peso. Não se revela pois, em princípio, nem ilegal nem inconstitucional a decisão sobre a (in)idoneidade quando assente neste único, mas eventualmente bastante, fundamento. Tudo dependerá do concreto peso – quantitativo e/ou qualitativo – das concretas condenações sofridas pelo requerente. A procura de um sentido normativo conforme às pretensões do legislador de 2006, no caso exteriorizadas de forma algo aberta e indeterminada (“entre outras razões devidamente fundamentadas”) recomenda partir da evolução legislativa mais recente. E a norma que mais directamente regula a situação concreta teve já três redacções. Assim, a Lei nº 5/2006, de 23/02, que trata do Regime Jurídico das Armas e Munições, prevê no capítulo II, Secção I, os tipos de licença de uso e porte de arma ou detenção e os requisitos para a sua atribuição. Ao que ora interessa, o art. 15º disciplina a concessão da licença C e D, estipulando o nº 1 que “as licenças C e D podem ser concedidas a maiores de 18 anos que reúnam, cumulativamente, as seguintes condições: a) Se encontrem em pleno uso de todos os direitos civis; b) Demonstrem carecer de licença de uso e porte de arma dos tipos C ou D para a prática de actos venatórios, e se encontrem habilitados com carta de caçador com arma de fogo ou demonstrem fundamentadamente carecer da licença por motivos profissionais; c) Sejam idóneos; d) Sejam portadores de certificado médico, nos termos do artigo 23.º; e) Obtenham aprovação em curso de formação técnica e cívica para o uso e porte de armas de fogo.” Está apenas em causa, neste momento, a alínea c). O nº 2 acrescenta que “a apreciação da idoneidade do requerente é feita nos termos do disposto nos nºs 2, 3 e 4 do artigo 14º ”. O nº 2 do art. 14º, que sofreu duas alterações legislativas, dispunha na versão original: “sem prejuízo do disposto no artigo 30.º da Constituição e do número seguinte, (…) é susceptível de indiciar falta de idoneidade para efeitos de concessão da licença o facto de ao requerente ter sido aplicada medida de segurança ou condenação judicial pela prática de crime”. Na redacção dada pela Lei nº 17/2009, de 6/05, passou a preceituar que “sem prejuízo do disposto no artigo 30.º da Constituição e do número seguinte, (…) é susceptível de indiciar falta de idoneidade para efeitos de concessão de licença o facto de, entre outros, ao requerente ter sido aplicada medida de segurança ou ter sido condenado pela prática de crime doloso, cometido com uso de violência, em pena superior a 1 ano de prisão”. Dispõe actualmente o mesmo nº 2 do art. 14º, na versão resultante da Lei n.º 12/2011, de 27/04, que “sem prejuízo do disposto no artigo 30.º da Constituição e do número seguinte (…) é susceptível de indiciar falta de idoneidade para efeitos de concessão de licença o facto de, entre outras razões devidamente fundamentadas, ao requerente ter sido aplicada medida de segurança ou ter sido condenado pela prática de crime doloso, cometido com uso de violência, em pena superior a 1 ano de prisão”. Assim, na redacção actual, aplicável ao caso, uma condenação em pena de prisão superior a um ano, pela prática de crime doloso, com uso de violência é susceptível de, por si só, indiciar falta de idoneidade. Ou seja, constitui presunção de inidoneidade. Exige-se que esta circunstância indiciante, que a lei autonomizou pelo seu peso e significância, englobe os três requisitos cumulativos enunciados. Não será já qualquer condenação a merecer destaque indiciante, como sucedia na redacção originária - “o facto de ao requerente ter sido aplicada condenação judicial pela prática de crime” -, mas apenas “o facto de o requerente ter sido condenado pela prática de crime doloso, cometido com uso de violência, em pena superior a 1 ano de prisão”. O legislador reduziu o campo normativo dos efeitos de uma condenação anterior, mas simultaneamente ampliou os factores de ponderação casuística – “é susceptível de indiciar falta de idoneidade para efeitos de concessão de licença o facto de, entre outras razões devidamente fundamentadas…”. Ou seja, se por um lado a condenação pela prática de qualquer crime já não permite, por si só e sem mais, indiciar desde logo a falta de idoneidade – redução teleológica que cremos pretender acautelar ou reduzir eventuais efeitos ou consequências para-automáticas das penas – exige-se agora a ponderação de outras (quaisquer) razões que no caso, justificadamente, possam influir na decisão. A condenação pela prática de crimes dolosos ou negligentes, mesmo que cometidos sem uso de violência e a que não corresponda pena superior a um ano, podem constituir factor atendível de ponderação e, concretamente, integrar as “outras razões devidamente fundamentadas”… … E este indeferimento da pretensão, que no caso se apresenta devidamente fundado, em nada contraria a Constituição, pois não atinge nenhum direito, liberdade ou garantia constitucionalmente consagrado. Sobre a inexistência de um efeito automático das condenações sofridas pelo recorrente, cremos também não sobrar dúvida. Do art. 30º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa decorre a proibição de que a lei faça corresponder automaticamente à condenação pela prática de um crime, a perda de direitos. Mas na situação presente não se verifica tal automaticidade, uma vez que não está em causa um efeito reflexo necessário de condenação, mas a intermediação de uma decisão ponderada de um juiz. Também não ocorreria qualquer perda de direitos. Como assertivamente se disse no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 43/2007, na sequência da jurisprudência já reconhecida do acórdão n.º 1010/96, tratando-se de uma actividade cujo exercício depende de licença, “não existe um direito constitucional ao uso e porte de armas, incluindo as de defesa, independentemente dos condicionamentos ditados designadamente pelo interesse público em evitar os inerentes perigos, interesse que é acautelado através de autorizações de carácter administrativo condicionadas por ilações extraídas da verificação jurisdicional de comportamentos que a lei qualifica como censuráveis”. Mais se refere que “a lei rodeia com frequência a prática de certas actividades de precauções, traduzidas em licenciamentos, em razão da perigosidade que encerram, e da necessidade de conhecimentos técnicos específicos não comuns à generalidade dos cidadãos, como é o uso de armas de fogo, ou o exercício da condução de veículos automóveis. Nesses casos, é legítimo afirmar que a licença visa excluir a ilicitude de um acto que é genericamente proibido. Na verdade, a necessidade do licenciamento pressupõe mesmo uma proibição geral do exercício destas actividades, como é indiscutivelmente o caso do uso e porte de armas. Nada há, portanto, de ilegítimo no estabelecimento de restrições e condicionamentos diversos à posse de armas por particulares.” Inexiste violação de princípio ou norma constitucional, bem como outros motivos para alterar o sentido da decisão recorrida…”. De igual forma se decidiu, também, no Ac. TRE de 16-6-2015, pr. 769/09.7 GCPTM.E1, rel. Alberto Borges, disponível em www.dgsi.pt I- Tanto a concessão como a renovação da licença de uso e porte de armas (das categorias C e D) dependem do preenchimento de diversos requisitos cumulativos, entre os quais se destaca a idoneidade do requerente. II- Por “idoneidade” deve entender-se a capacidade ou qualidade de alguém para ser titular de uso e porte de arma e de quem se espera que, em caso de concessão, dela faça um uso correspondente aos fins legais. III- As anteriores condenações (recentes), quer pelo crime de detenção de arma proibida (diferentes armas), na forma continuada - que transportava quando conduzia em estado de embriaguez - quer pelos crimes de condução de veículo em estado de embriaguez (duas vezes, em menos de dois anos de distância), indiciam com segurança - de acordo com uma análise criteriosa dos factos, segundo os critérios da razoabilidade - a falta de capacidade do requerente para fazer um uso adequado, de acordo com as normas vigentes, da arma cuja licença pretende. No qual a dado passo pode ler-se o seguinte: “… Introduzida pela Lei 12/2011, de 27.04: “sem prejuízo do disposto no artigo 30 da Constituição e do número seguinte… é susceptível de indiciar falta de idoneidade para efeitos de concessão de licença o facto de, entre outras razões devidamente fundamentadas, ao requerente ter sido aplicada medida de segurança ou ter sido condenado pela prática de crime doloso, cometido com uso de violência, em pena superior a 1 ano de prisão”. De acordo com este preceito - redacção vigente - são susceptíveis de indiciar a falta de idoneidade do requerente, para além da aplicação de medida de segurança ou a condenação pela prática de crime doloso cometido com uso de violência em pena superior a um ano de prisão, outras razões devidamente fundamentadas. Ou seja, por um lado, o legislador reduziu os efeitos da condenação anterior, passando a ser mais exigente (onde antes era susceptível de indiciar falta de idoneidade do requerente a aplicação de medida de segurança ou a condenação pela prática de crime, actualmente é susceptível de indiciar a falta de idoneidade a aplicação de medida de segurança ou a condenação pela prática de crime doloso cometido com uso de violência em pena superior a um ano de prisão), por outro lado, ampliou os factores a ponderar no juízo sobre a idoneidade do requerente, consagrando que, além daqueles, outras razões devidamente fundamentadas são susceptíveis de indiciar a falta de idoneidade. Equivale isto a dizer que a condenação pela prática de qualquer crime não permite só por si indiciar a falta de idoneidade, porém, nada obsta a que o tribunal, perante as circunstâncias concretas do caso - designadamente, a natureza do crime (ou crimes), o tempo decorrido desde a sua prática e circunstâncias em que ocorreu - possa considerar essa condenação (ou essas condenações) como razão/fundamento bastante para concluir que o requerente não goza da idoneidade exigível para que lhe seja concedida a requerida licença…”. Ora, analisando o presente caso parece claro que perante os factos em concreto apurados, maxime os relativos a cada um das condenações sofridas pelo requerente, outra não poderia ser a decisão a tomar, subscrevendo-se na íntegra a jurisprudência acabada de reproduzir. De facto para além da condenação pela prática de um crime de violência doméstica qualificado em pena e perante factologia em concreto apurada que só por si constitui presunção de inidoneidade, foi, igualmente, o requerente condenado - como bem refere o MP - pela prática de um crime de detenção de arma proibida que “revela que o mesmo, porque habilitado com licença de uso e porte de arma do tipo D e, portanto, necessariamente conhecedor do regime jurídico das armas e suas munições, escolheu, de forma consciente, desconsiderar o regime legal em vigor - que assenta no pressuposto de que a detenção de armas e munições é um privilégio e não um direito”. Acresce que as duas condenações pela prática de crimes de dano na forma continuada são de igual forma amplamente reveladores das características de personalidade do requerente que ali violou de forma repetida e sem contemplações os direitos e a propriedade de terceiros, sem qualquer laivo de arrependimento. Daí que, apesar do recorrente se apresentar familiar e profissionalmente inserido, essa integração social, por si só, não possa ter a virtualidade de afastar ou de atenuar o peso negativo das circunstâncias a que o tribunal a quo atendeu. E que consistiram nas quatro condenações por si sofridas, que atenta a natureza dos crimes e a sua repetição, justificam por si só a dúvida séria sobre a idoneidade para obtenção de licença de uso e porte de arma de caça. E este indeferimento da pretensão, que no caso se apresenta devidamente fundado, em nada contraria a Constituição, pois não atinge nenhum direito, liberdade ou garantia constitucionalmente consagrado, tal qual constitui, como já vimos, jurisprudência bem consolidada. * III- Decisão Termos em que se nega provimento ao recurso. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs. * Évora, 20/12/2016 ANTÓNIO CONDESSO |