Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2356/06-3
Relator: ASSUNÇÃO RAIMUNDO
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS
Data do Acordão: 02/15/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I- No artº 2006º do C.Civil, fixa-se o princípio de que «os alimentos são devidos desde a proposição da acção»
II- Essa norma – por regular genericamente a obrigação de alimentos –, contém um evidente afloramento de uma regra geral, que, para ser afastada no caso da prestação de alimentos devida pelo FGADM, imporia a necessidade da consagração expressa de solução específica de sentido diverso.
III- Não existindo consagração expressa em contrário, a prestação a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores, será sempre devida desde a data de entrada do requerimento dirigido contra o referido Fundo.
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

Acordam os Juízes que compõem a Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
No Processo de Incumprimento do poder Paternal nº 291/2000.1, a correr termos no 2º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Faro, foi proferido o seguinte despacho:
“1. Relatório
A criança Iuri ……….., nascida em 2.10.1997, encontra-se confiada à guardo e cuidados da mãe Telma ……………….
O pai Arménio ……………….. ficou obrigado a pagar-lhe uma pensão de alimentos no valor mensal de 25.000$00 mas não o fez, nem sequer no incidente suscitado paro esse efeito.
A progenitora veio pedir a fixação de prestação substitutiva, naquele valor, a pagar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores.
Foi solicitado e elaborado pelo Centro Regional de Segurança Social do Algarve — Núcleo de Apoio à Infância inquérito acerca das condições económicas da mãe da) criança e necessidades deste.
II. Fundamentação
A. Factos Provados
Do referido inquérito resultam apurados os seguintes factos:
1. O agregado familiar da criança é actualmente constituído por ela própria pela sua mãe e companheiro desta.
2. O rendimento mensal do agregado familiar é constituído pelo vencimento do companheiro da progenitora da criança no valor de 550 € e por uma bolsa da progenitora no valor de 385,90€,
B. Apreciação do mérito do pedido
O Fundo de Garantia dos Alimentas Devidas a Menores assegura o pagamento dos alimentos em dívida desde que o rendimento Líquido da criança/jovem não seja superior ao salário mínimo nacional, entendendo-se que assim acontece quando a capitação de rendimentos do respectivo agregado familiar não seja superior àquele salário (cfr. artigo 3°, n° 1, alínea b) do Decreto Lei 573/99, de 30 de Dezembro).
O salário mínimo nacional no ano corrente é de 385,90€ (DL. 238/2005).
A capitação de rendimentos do referido agregado familiar é de 311,97€.
O valor máximo garantido é o equivalente a 4 Unidades de Conta e a graduação deve ser feita tendo em conta a capacidade económica do agregado familiar, o montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas da criança/jovem (artigo 3° n° 3 do citado diploma legal),
Resta, pois, decidir em conformidade como direito referido.
III. Decisão
Face ao exposto julgo o incidente procedente, por provado e em consequência, atribuo uma prestação de alimentos a favor da criança/jovem no valor mensal de 124,70€.
A quantia de 124,70 € é devida desde Maio de 2005 data em que a Segurança social foi notificada para proceder à elaboração de relatório ao abrigo do disposto no artigo 4°, n°s 1 e 2 do DL 164/99 de 13.5. (cfr. fls 98).
Notifique o Ministério Público, o representante legal da criança e o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (artigo 4°, no 3 do Decreto Lei n° 164/99, de 13 de Maio).
Envie ao IGFSS informação sobre a residência da requerente e do requerido.”
Inconformado com tal decisão recorreu o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social – FGADM, rematando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
1. O douto despacho do Mmo. Juiz a quo ao decidir que as prestações a assegurar pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social-FGADM são devidas “desde Maio de 2005, data em que a Segurança Social foi notificada para proceder à elaboração de relatório ao abrigo do disposto no artigo 4.º, nº.s 1 e 2 do DL 164/99 de 13.5.”, condena o IGFSS-FGADM ao pagamento de prestações vencidas, as quais, por decisão judicial, incumbem ao progenitor do menor.
2. Entende, pois, o Tribunal que sobre o Estado-FGADM deve recair o pagamento do débito acumulado pelo obrigado judicialmente a prestar alimentos.
Salvo o devido respeito, tal entendimento não tem suporte legal, já que o DL n.º 164/99, de 13 de Maio, é taxativo quanto ao início da responsabilidade do Fundo pelo pagamento das prestações.
3. No n.º 5, do art. 4.º, do citado diploma, é explicitamente estipulado que “o centro regional de segurança social inicia o pagamento das prestações, por conta do Fundo, no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal”, nada sendo dito quanto às prestações em dívida pelo obrigado a prestar alimentos.
4. A “ratio legis” dos diplomas que regulam o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores-FGADM, é a de assegurar as prestações de alimentos devidos a menores, um mês após a notificação da decisão do tribunal, nos precisos termos do n.º 5, do art. 4.º, do DL n.º 164/99, de 13 de Maio, e não a de o Estado se substituir ao obrigado judicialmente à prestação alimentícia.
5. Existe, pois, uma delimitação temporal expressa que estabelece o momento a partir do qual o Fundo deve prestar alimentos ao menor necessitado.
6. A Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, e o DL n.º 164/99, de 13 de Maio visam minorar os efeitos do incumprimento da obrigação de alimentos por parte do devedor e expressam a preocupação do Estado em assegurar aos menores os alimentos de que carecem, em função das condições actuais dos mesmos e do seu agregado familiar.
7. Não é prevista na Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, nem no DL n.º 164/99, de 13 de Maio, a responsabilidade do Estado-FGADM pelo pagamento de débitos acumulados pelo progenitor relapso. A admitir tal entendimento seria iludir o espírito da lei, abrindo a porta à desresponsabilização dos obrigados a prestar alimentos.
8. O que foi dito supra decorre do previsto no art. 9.º do CC, nos termos do qual “na fixação do sentido e alcance da lei, o interprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.
9. A prestação que recai sobre o Estado é, pois, uma prestação autónoma, que não visa substituir definitivamente a obrigação de alimentos do devedor, mas antes proporcionar aos menores a satisfação de uma necessidade actual de alimentos, que pode ser diversa da que determinou a primitiva prestação.
10. Não há qualquer semelhança entre a razão de ser da prestação alimentar fixada ao abrigo das disposições do Código Civil e a fixada no âmbito do Fundo. A primeira consubstancia a forma de concretização de um dos deveres em que se desdobra o exercício do poder paternal; a última visa assegurar, no desenvolvimento da política social do Estado, a protecção do menor, proporcionando-lhe as necessárias condições de subsistência.
11. Não pode proceder-se à aplicação analógica do regime do artigo nº. 2006.º do CC, dada a diversa natureza das prestações alimentares.
12. A decisão violou, assim, o n.º 5, do art. 4.º do Decreto-Lei nº. 164/99, de 13 de Maio.
Nestes termos e demais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o douto despacho recorrido, e, consequentemente, proferindo-se novo despacho que defina como data a partir da qual deverá ser assegurada a prestação de alimentos pelo FGADM, a do mês seguinte à da notificação da decisão do tribunal, cfr. n.º 5, do art. 4.º, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio.
O Ministério Público contra-alegou no sentido da confirmação da decisão.
O Exmº Juiz no despacho de sustentação do agravo defendeu a tese de que o FGADM deve responder pelas prestações vencidas desde a data em que lhe é ordenado a elaboração do relatório a que se refere o art. 4º nº2 do DL. 164/99, caso contrário, os eventuais atrasos na sua elaboração ser-lhe-iam favoráveis por retardarem a decisão e, consequentemente, o cumprimento da obrigação de pagamento.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
De acordo com a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça, o âmbito do recurso determina-se em face das conclusões da alegação do recorrente pelo que só abrange as questões aí contidas, como resulta das disposições conjugadas dos arts. 690º, nº 1 e 684 nº3 do Cód. Proc. Civil – cfr. acórdãos do S.T.J. de 2/12/82, BMJ nº 322, pág. 315; de 15/3/2005, nº 04B3876 e de 11/10/2005, nº 05B179, ambos publicados nas Bases de Dados Jurídicos do ITIJ.
Nesta conformidade, apreciando as conclusões do recorrente, a única questão a decidir nos presentes autos é meramente de direito e consiste em saber se na fixação da prestação a suportar pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores podem ser abrangidas as prestações já vencidas e não pagas pelo obrigado.
Vejamos o que nos dizem a Lei 75/98 de 19-11 e o DL. 164/99 de 13-5.
Dispõe o artº 1º da Lei nº 75/98 de 19/11, que « quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em Portugal não satisfizer as quantias em dívida (...) e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação ».
O Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio, que regulamenta a Lei nº 75/98, de 19 de Novembro, preceitua que «o centro regional de segurança social inicia o pagamento das prestações,..., no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal».
Em nenhum dos aludidos diplomas legais é referido que tal garantia abranja apenas as prestações vincendas. Contrariamente à opinião expendida pelo recorrente, não se vislumbra, da parte do legislador, qualquer indicação limitativa das prestações consoante a sua data de vencimento. O limite que existe é apenas no tocante ao quantitativo que o Estado poderá pagar ao menor - 4 UC – art. 2º da Lei 75/98.
No entanto o preâmbulo do DL 164/99 refere expressamente que “… Ao regulamentar a Lei 75/98, de 19 de Novembro, que consagrou a garantia de alimentos devidos a menores, cria-se uma nova prestação social, que traduz um avanço qualitativo inovador na política social desenvolvida pelo Estado, ao mesmo tempo que se dá cumprimento ao objectivo de reforço da protecção social devida a menores.
Institui-se o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, gerido pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, a quem cabe assegurar o pagamento das prestações de alimentos em caso de incumprimento da obrigação pelo respectivo devedor, através dos centros regionais de segurança social da área de residência do alimentado, após ordem do tribunal competente …”.
Portanto, a intervenção do Fundo de Garantia só pode surgir quando se verificar o incumprimento do obrigado a prestar alimentos, incumprimento que só se verifica relativamente às prestações já vencidas.
Caso a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não cumpra a sua obrigação e não sendo possível obter o pagamento pelo meio previsto no art.189º da OTM, verificado ainda que o alimentado não possui rendimento líquido superior ao do salário mínimo nacional, nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado – através do «FGADM» - assegurará, então, as prestações até ao início do efectivo cumprimento da obrigação, prestações que não têm de confinar-se ao montante que foi inicialmente fixado (arts.1º e 2º da Lei 75/98 e 3º do DL 164/99). A intervenção do Estado é, assim, feita no cumprimento de uma obrigação própria em situações de falta ou diminuição de meios de subsistência que decorre do direito a alimentos devidos a menores consagrado nos arts.63º/2 e 69º/2 da Constituição da República Portuguesa - cfr. Luís Miguel Lucas Pires, «os aspectos processuais e as garantias do direito a alimentos», in «Lex familiae», ano II – nº3, págs.81 a 92.
Resulta de todo o exposto que a intervenção do Fundo de Garantia visa suprir situações em que, como decorre do já citado preâmbulo do DL 164/99, não estão asseguradas ao menor “condições de subsistência mínimas”.
Ora se o momento desta intervenção fosse “no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal” como defende a recorrente, ficaria, em certa medida, na disponibilidade do FGADM a definição do momento em que seriam contabilizadas as prestações de alimentos em dívida, como bem pondera o despacho de sustentação do presente agravo. Bastaria para tal recorrer ou protelar com diversos expedientes processuais o momento do trânsito em julgado da sentença.
Concluímos assim que a questão do momento a partir do qual são devidos alimentos pelo FGADM, não é solucionada nem pela Lei 75/98 nem pelo DL. 164/99 que regulamentou aquela.
Nesta conformidade, em obediência à unidade e coerência interna do sistema jurídico, há que lançar mão do disposto no art. 10 do Código Civil.
Assim, no que respeita ao momento desde quando são devidos alimentos, dispõe o art. 2006 do Código Civil, que “os alimentos são devidos desde a propositura da acção ou …”. Referindo ainda o mesmo artigo que estando os alimentos fixados pelo tribunal ou por acordo, serão devidos desde o momento em que o devedor se constituiu em mora, sem prejuízo do disposto no artº 2273º nºs 1 e 2 do Código Civil.
E o momento que o nº5 do art. artº 4º do DL 164/99 estabelece é o início do pagamento pelo Fundo e não as prestações que tal pagamento envolverá.
Nesta conformidade, para o apuramento desde “quantum”, com referência a um determinado momento do incumprimento verificado, só nos poderemos socorrer do aludido regime geral do art. 2006 do Código Civil. E se ao Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, através dos referidos diplomas legais, cabe assegurar o pagamento das prestações de alimentos em caso de incumprimento da obrigação pelo respectivo devedor, temos de acompanhar a tese de que a responsabilidade daquele integra além das prestações vincendas, as prestações já vencidas.
Com efeito, tendo a intervenção do Fundo de Garantia natureza subsidiária, sendo seu pressuposto a não realização coactiva da prestação já fixada através das formas previstas no artº 189º da OTM, na prestação a suportar pelo referido Fundo de Garantia devem ser abrangidas também as prestações já vencidas e não pagas pela pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos – cfr. Acs. da Rel. Porto de 19-2-2002, Col Jur IV/2002, pág. 180; da Rel. de Lisboa de 9-6-2005, Proc. nº 3645/2005-8, www.dgsi.pt; e da Rel. Évora de 1-2-2007, Proc. nº 2219/06-2, de que fui 1ª Adjunta.
Nesta conformidade, tendo a decisão recorrida condenado a recorrente no pagamento das prestações desde Maio de 2005 data em que a Segurança Social foi notificada para proceder à elaboração de relatório, nada há a alterar.
Assim e pelo exposto nega-se provimento ao agravo
Sem custas.
(Texto escrito e revisto pela relatora, que assina e rubrica as restantes folhas)

Évora,














Relatora: Des. Assunção Raimundo
1º Adjunto: Des. Sérgio Abrantes Mendes
2º Adjunto: 2º Adjunto: Des. Luis Mata Ribeiro