Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1469/13.9TBMAI-C.P1
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: HERANÇA
QUOTA INDIVISA
HIPOTECA
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
Data do Acordão: 01/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - A herança é uma universalidade jurídica de bens, pelo que cada interessado não tem uma quota-parte em cada um de todos esses bens mas uma quota referida àquela universalidade, ao conjunto de todos os bens, só pela partilha se determinando aqueles em que se concretiza a quota-parte ou quinhão de cada interessado.
II- Apreendido na insolvência o quinhão hereditário do insolvente numa herança indivisa do qual faz parte um imóvel hipotecado, o credor hipotecário não beneficia de um crédito garantido sobre a insolvência.
Decisão Texto Integral:






Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório.
1. Nos autos de verificação e graduação de créditos que corre por apenso ao processo de insolvência de AA, foi proferida sentença que julgou verificados os créditos reconhecidos pelo Administrador da Insolvência e, em seguida, os graduou do seguinte modo:
“A. Para serem pagos pelo produto da venda do imóvel apreendido identificado em 10. dos factos provados:
- Em 1.º lugar, todas as dívidas da massa insolvente, descriminadas no art. 51.º, n.º 1, als. a) a j) do C.I.R.E. saem precípuas, na devida proporção, do produto da venda do imóvel (art. 46.º, n.º 1 do C.I.R.E.);
- Em 2.º lugar, como créditos privilegiados, os créditos do trabalhador BB referido em 2. dos factos provados;
- Em 3.º lugar, o crédito da Administração Tributária devido a título de IMI, no montante de 3,72€ relativo ao ano de 2012, cuja data de vencimento ocorreu em 30-04-2013, sobre o qual incidem juros de mora no valor de 0,08€, contados desde o dia seguinte.
- Em 4.º lugar, o crédito do “Instituto da Segurança Social, IP” referido em 6. g. dos factos provados;

- Em 5.º lugar, rateadamente, como os créditos comuns, os demais créditos reconhecidos;

B. Para serem pagos pelo produto da venda dos imóveis apreendidos identificados em 11. a 14. factos provados:

- Em 1.º lugar, todas as dívidas da massa insolvente, descriminadas no art. 51.º, n.º 1, als. a) a j) do C.I.R.E. saem precípuas, na devida proporção, do produto da venda do imóvel (art. 46.º, n.º 1 do C.I.R.E.);

- Em 2.º lugar, como créditos privilegiados, os créditos do trabalhador BB referido em 2. dos factos provados;

- Em 3.º lugar, como créditos garantidos, os créditos da “Banco CC, SA” referidos em 4. dos factos provados, até aos montantes garantidos;

- Em 4.º lugar, o crédito do “Instituto da Segurança Social, IP” referido em 6. g. dos factos provados;

- Em 5.º lugar, rateadamente, como os créditos comuns, os demais créditos reconhecidos;

C. Para serem pagos pelo produto da venda do imóvel apreendido identificado em 15. dos factos provados:

- Em 1.º lugar, todas as dívidas da massa insolvente, descriminadas no art. 51.º, n.º 1, als. a) a j) do C.I.R.E. saem precípuas, na devida proporção, do produto da venda do imóvel (art. 46.º, n.º 1 do C.I.R.E.);

- Em 2.º lugar, como créditos privilegiados, os créditos do trabalhador BB referido em 2. dos factos provados;

- Em 3.º lugar, o crédito do “Instituto da Segurança Social, IP” referido em 6. g. dos factos provados;

- Em 4.º lugar, rateadamente, como os créditos comuns, os demais créditos reconhecidos;

D. Para serem pagos pelo produto da venda dos bens móveis, quinhão hereditário e demais direitos apreendidos:

- Em 1.º lugar, todas as dívidas da massa insolvente, descriminadas no art. 51.º, n.º 1, als. a) a j) do C.I.R.E. saem precípuas, na devida proporção, do produto da venda do imóvel (art. 46.º, n.º 1 do C.I.R.E.);

- Em 2.º lugar, os créditos do trabalhador BB referido em 2. dos factos provados;

- Em 3.º lugar, o crédito da Fazenda Nacional no montante de €3.460,63 devidos a título de IVA com data de vencimento a partir de 02.07.2012;

- Em 4.º lugar, o crédito do “Instituto da Segurança Social, IP” referido em 6. g. dos factos provados;

- Em 5.º lugar, o crédito da “Banco DD, CRL” no montante de €10.640,07;

- Em 6.º lugar, rateadamente, como créditos comuns, os demais créditos reconhecidos.”


2. Recursos.
Desta sentença recorrem as credoras reclamantes Banco CC, S.A. e Banco DD, CRL, exarando respetivamente as seguintes conclusões que se reproduzem:
- O Banco CC, S.A.
«1. O tribunal “a quo” andou mal ao, na douta sentença de que se recorre, graduar para serem pagos pelo produto da venda dos imóveis apreendidos identificados em 11. a 14. dos factos provados os créditos do trabalhador BB referido em 2. dos factos provados; com preferência pelos créditos garantidos da Recorrente, Banco CC, SA referidos em 4. dos factos provados, até aos montantes garantidos;

2. Os factos dados como provados são insuficientes, face aos documentos que estão juntos aos autos para concluir, como conclui o douto Tribunal “a quo” ao graduar os créditos laborais com preferência aos da ora Recorrente, pelo pagamento do produto da venda dos imóveis identificados em 11 a 14 dos factos provados;

3. O privilégio creditório dos trabalhadores apenas pode abranger os imóveis existentes na massa insolvente que estavam afetos à atividade empresarial do insolvente que era a de empresário agrícola;

4. É ao trabalhador reclamante que compete a alegação e prova dos factos constitutivos do privilégio creditório que invoca, e este apenas invocou o seu privilégio creditório quanto aos imóveis e direitos identificados em 1. e quanto ao imóvel compreendido no quinhão hereditário apreendido;

5. O tribunal “a quo” não fez constar nos factos provados, e não provados, o motivo pelo qual conclui atribuir ao trabalhador BB o privilégio creditório sobre todos os bens imóveis apreendidos para a Massa Insolvente;

6. Ao proceder à graduação de créditos o Tribunal “a quo” deveria ter tido em conta a alegação que o trabalhador fez, mas também ao que de relevante resultasse da globalidade do processo de insolvência, o que não fez;

7. O Tribunal “a quo” não teve em conta os documentos juntos ao presente apenso de verificação e graduação de créditos, nomeadamente o facto de insolvente ser um empresário agrícola, e à alegação do trabalhador BB, de ter exercido a atividade de “maioral”, operador de máquinas e outras funcionalmente ligadas nas diversas herdades do Insolvente, entre elas, na Herdade assim como na Vila (imóvel melhor identificado na Verba nº 2 do Auto de Apreensão e Inventário de Direitos);

8. O trabalhador graduado, ao invés da decisão do Tribunal “a quo” assume que apenas prestava atividade nos imóveis identificados em 7. e não em nenhum dos imóveis urbanos sitos em Évora, sobre os quais a ora recorrente tem garantia real registada e são identificados nos factos 11. a 14. dos factos provados da sentença de que se recorre;

9. O tribunal “a quo” ao decidir como decidiu, contrariou os documentos no qual baseou a sua convicção visto que na lista de créditos reconhecidos apresentada pelo Administrador da Insolvência a fls. 237 e seguintes dos autos, os créditos do trabalhador BB são classificados como tendo garantia sobre os imóveis onde exercia a sua atividade, ou seja, o identificado na Verba n.º 1do Auto de apreensão de bens Imóveis do e verba n.º 2 do auto de apreensão de direitos;

10. Apenas existem elementos nos autos que levam a concluir pelo privilégio creditório do trabalhador BB sobre os 1/36 indivisos do prédio misto sito na Herdade descrito na Conservatória do Registo Predial com o n.º 394 e inscrito na matriz predial urbana sob o art. 511 e na matriz predial rústica sob o art. 17 da secção E – fls. 4 do apenso A, e sobre o prédio rústico denominado Vila, parte integrante da herança indivisa do pai do insolvente;

11. Ao concluir como concluiu na sentença proferida, graduando os créditos do trabalhador como privilegiados sobre todos os bens imóveis do Insolvente, o Tribunal “a quo” foi além da prova que existia no processo, não a relevando nos factos provados;

12. O Tribunal “a quo” homologou a lista de credores reconhecidos elaborada pelo Administrador da Insolvência mas não graduou os créditos em atenção ao que constava dessa lista nem fundamentou a decisão em contrário no que diz respeito aos créditos graduados em B. da decisão emanada;

13. O Tribunal “a quo” não teve em atenção o constante na lista apresentada pelo Administrador de Insolvência que não atribui carácter de crédito privilegiado ao trabalhador no que diz respeito aos prédios identificados nos factos 11. a 14 não reconhecendo que o trabalhador lá prestasse atividade;

14. Deve-se excluir o património do empregador insolvente não afeto à sua organização empresarial, os imóveis exclusivamente destinados à fruição pessoal do empregador tratando-se de pessoa singular, ou de qualquer modo integrados em estabelecimento diverso daquele em que o reclamante trabalhador desempenhou o seu trabalho;

15. Sendo o insolvente empresário agrícola, não se pode concluir que imóveis urbanos, sitos no centro da cidade de Évora, se possam incluir na atividade que o mesmo desenvolvia;

16. Mal andou o Tribunal “ a quo” ao graduar os créditos do trabalhador BB, como graduou em B. da decisão emanada, graduando-os para serem pagos antes dos créditos da ora Recorrente, visto que nenhum elemento dos autos leva a concluir que os imóveis identificados em 11 a 14 dos factos provados fizessem parte da atividade do insolvente e que o referido trabalhador lá tivesse prestado atividade, concluindo-se da reclamação apresentada pelo Trabalhador e da lista de créditos apresentada pelo Administrador de insolvência o inverso;

17. O Tribunal “a quo” não tem base fáctica para suportar a sua decisão;

18. A douta sentença não acautela, como devia, o direito da Recorrente, direito este que resulta das hipotecas registadas a seu favor sobre os bens imóveis identificados em 11 a 14 dos factos provados;

19. O crédito da Recorrente, no que diz respeito ao pagamento pelo produto da venda dos imóveis identificados em 11. a 14. dos factos provados, deve ser graduado em segundo lugar, após as dívidas da Massa Insolvente; 20. Ao não entender assim, a sentença ora posta em crise violou o disposto no art.º 686.º, n.º 1 do Código Civil, art.º 2.º, n.º1, al. a) do Código de Registo Predial, e art.º 868.º do Código de Processo Civil, art.º 47.º do CIRE e art. 333.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, devendo, assim, ser substituída por outra que proceda a uma correta aplicação de tais normativos legais.

Nestes termos, nos mais de direito e, sobretudo nos que serão objeto do douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso e substituída a douta decisão recorrida, por outra que proceda a uma correta graduação dos vários créditos relativos ao produto da venda dos imoveis apreendidos identificados em 11 a 14 dos factos provados, nomeadamente graduando o crédito da recorrente em segundo lugar, após as dividas da Massa Insolvente, e com preferência ao trabalhador BB. Assim, Vossas Excelências farão sã serena e objetiva Justiça!»

- O Banco DD, CRL

«I. Mal andou a Sentença recorrida quando graduou o crédito reclamado pela Recorrente como Crédito Comum.

II. Ao invés do ter graduado como Crédito garantido por Direito Real.

III. A questão de mérito suscitada pela ora Recorrente, Banco DD é apenas uma e resume-se, assim, a ver e reconhecer que a Sentença do Tribunal “a quo” ao graduar de forma desprivilegiada o crédito da Reclamante e ora Recorrente incorreu em erro de qualificação do mesmo, devido a lapso manifesto.

IV. Conforme resulta dos autos, tal crédito, o que a Douta Sentença omite, beneficia de garantia real – hipoteca sob o prédio misto denominado Vila, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 4654 inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 614-619,

V. Mais precisamente sobre ¼ do Direito de propriedade de tal bem.

VI. Com efeito, tendo sido registada a favor da Reclamante através da Apresentação Ap.3 de 1990/01/08 Hipoteca Voluntária onerando tal prédio,

VII. Em 17.11.1998 foi oficiosamente averbado a tal Apresentação o cancelamento de ¾ da referida Hipoteca – cfr. Certidão da Conservatória do Registo Predial referente a tal prédio e que se mostra junta aos autos.

VIII. A qual se mantém em vigor.

IX. Mantendo-se, por isso, garantido por Hipoteca, de que beneficia o crédito da Reclamante ¼ do referido prédio.

X. Duvidas não poderão, assim, subsistir quanto à Garantia Hipotecária de que beneficia o Crédito da Recorrente DD sobre ¼ do Direito de propriedade do prédio misto denominado Vila, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 4654 inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 614-619,

XI. E o qual faz parte do Direito que se encontra descrito como verba n.º1 no Auto de Apreensão de Direitos junto a fls.3 do Apenso A.

XII. O Crédito da Recorrente, porque beneficia de Hipoteca, é assim um Crédito garantido por um direito real e não um Crédito comum.

XIII. Como o reconheceu, aliás, o Senhor Administrador da Insolvência aquando da elaboração da Lista dos Créditos Reconhecidos e Não Reconhecidos elaborada nos termos do disposto no artigo 129º do CIRE e junta a fls.237 e ss., ai reconhecendo o crédito da Credora Reclamante/Recorrente DD como beneficiando de garantia, em virtude de ter hipoteca constituída sobre a verba n.º 1 do Auto de Apreensão de Direitos.

XIV. Acresce que, no prazo previsto no artigo 130º do CIRE, não foi deduzida qualquer impugnação ao crédito reclamado pela Credora Reclamante/Recorrente Caixa Agrícola e reconhecido pelo Senhor Administrador da Insolvência,

XV. Ora, dispõe o n.º 3 do citado artigo que “Se não houver impugnações, é de imediato proferida sentença de verificação e graduação de créditos em que, salvo o caso de erro manifesto, se homologa a lista de créditos reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e se graduam os créditos em atenção ao que conste dessa lista”.

XVI. O que não se verifica no caso dos autos.

XVII. Porquanto, caso fosse entendimento do Mmo. Juiz do Tribunal “a quo” verificar-se erro manifesto da parte do Senhor Administrador da Insolvência quando o mesmo reconheceu o crédito da Recorrente DD como garantido por direito real, deveria previamente à prolação da Sentença, fazer cumprir o princípio do Contraditório, ouvindo os Credores e o Senhor Administrador da Insolvência quanto a tal questão.

XVIII. Não o tendo feito, é porque considerou não padecer tal Lista de qualquer erro manifesto, pelo que se impunha na Sentença que graduou os créditos reclamados ter o Crédito da Recorrente sido graduado como garantido, o que não se fez, graduando-se, ao invés o mesmo, como Crédito comum.

XIX. O que só pode ter ficado a dever-se a Lapso manifesto.

XX. Porquanto, nos termos do disposto no artigo 47.º, n.os 1 e 2 do C.I.R.E., declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência.

XXI. A graduação de créditos verificados é geral para os bens da massa insolvente e é especial para os bens a que respeitem direitos reais de garantia e privilégios creditórios (cf. artigo 140.º, n.º 2, do C.I.R.E.).

XXII. Nos termos do disposto no artigo 47.º, n.º 4 do C.I.R.E., para efeitos deste Código, os créditos sobre a insolvência são qualificados como “garantidos”, os que beneficiem de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais previstos no Código Civil, “privilegiados”, os que beneficiam de privilégios gerais, mobiliários e imobiliários (al. a)); “subordinados” os enumerados no artigo 48.º, excepto quando beneficiem de privilégios creditórios, gerais ou especiais, ou de hipotecas legais, que não se extingam por efeito da declaração de insolvência, os quais são pagos depois de todos os restantes créditos, incluindo os comuns (al. b)); e “comuns” os demais créditos (al. c)).

XXIII. O Crédito Reconhecido da Credora Reclamante/Recorrente DD encontra-se garantido por uma hipoteca sobre o Direito que foi apreendido para a massa insolvente o que lhe concede preferência a ser pago pelo respetivo valor em relação aos demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo - cfr. artigos 686º e 693º e 751º do Código Civil.

XXIV. A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago com preferência do produto da venda do bem onerado até ao valor correspondente ao montante garantido.

XXV. O crédito hipotecário é um “crédito garantido” na terminologia do CIRE, logo, deve ser graduado antes dos demais, não garantidos nem privilegiados.

XXVI. A não inclusão da Hipoteca a favor do DD na Sentença de Verificação de Graduação de Créditos, reveste uma inexatidão que resulta de um lapso manifesto no que respeita à qualificação do crédito da Recorrente Caixa Agrícola.

XXVII. Mostrando-se assim violado de forma expressa o disposto no art.º 614.º do Código de Processo Civil e n.º 1 do artigo 686.º do Código Civil.

XXVIII. A Sentença em causa nos autos padece assim de erro de qualificação, que ficou a dever-se a lapso manifesto, no que respeita à graduação que foi feita do crédito reclamada pela Credora Reclamante DD, em atenção ao bem apreendido a favor da massa insolvente.

Por tudo quanto exposto, deverá a Sentença Recorrida ser substituída por outra que, reconheça o crédito reclamado pela Reclamante, e os gradue de forma correta os créditos reclamados e respetivas garantias, nos seguintes termos:

“Do produto da liquidação do direito e á ação à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do pai do insolvente, do qual faz parte ¼ indiviso do prédio misto, sito em Vila, descrito na Conservatória do Registo Predial com o n.º 552 e inscrito na matriz predial rústica com o artigo 25 secção B e nas matrizes prediais urbanas sob os artigos 619 e 614 da freguesia de Messejana, apreendido para a massa insolvente, será pago o crédito privilegiado da Credora DD, CRL.

Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!»

Respondeu o Ministério Público defendendo a alteração da sentença recorrida, na parte em que reconheceu, como privilegiado, o crédito do trabalhador BB sobre o produto da venda dos imóveis referidos nos pontos 11 a 14 e 15 dos factos provados, pugnando no mais pela sua confirmação.
Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Objeto do recurso.
O objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso não transitadas em julgado – cfr. artºs. 635º, nº4, 639º, nº1, 608º, nº2 e 663º, nº2, todos do Código de Processo Civil.
Considerando as conclusões das motivações dos recursos, importa decidir se o privilégio imobiliário geral de que goza o crédito do credor BB abrange os imóveis infra identificados nos pontos 11 a 14 dos factos provados e se o crédito da DD goza de garantia hipotecária sobre o produto da liquidação do direito e ação da herança indivisa aberta por óbito do pai do insolvente.
E isto porque havendo as recorrentes restringido o recurso às apontadas questões, numa sentença cujo dispositivo contém decisões distintas, os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso (artº 635º, nº5, do CPC); por iniciativa das partes, o recurso não envolve a apreciação da incidência do privilégio imobiliário do crédito do trabalhador BB sobre o produto da venda do imóvel identificado no ponto 15 dos factos provados, como supõem as contra-alegações da Digna Magistrada do Ministério Público; conforme, ou não, à lei o crédito do trabalhador BB deverá ser pago pelo produto da venda do imóvel identificado no ponto 15 dos factos provados, com a preferência que a sentença recorrida lhe reconheceu por efeito, nesta parte, do seu trânsito em julgado; decidir agora de forma oposta, como em doutas contra-alegações se defende, redundaria numa tarefa inútil, pois que havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, como seria então o caso, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar (artº 625º, nº1, do CPC), ou seja, a graduação que, quanto ao produto da venda deste imóvel, resulta da sentença recorrida; por haver transitado em julgado a graduação dos créditos que hão-de ser pagos pelo produto da venda do imóvel identificado no ponto 15 dos factos provados, o recurso não incidirá sobre esta questão.

II. Fundamentação.
1. Factos.
1. O insolvente deve a “EE Lda.” a quantia de €4.082,24, a título de capital pelo fornecimento de bens.

2. O insolvente deve a BB a quantia total de €38.953,72, a título de capital referente a créditos laborais.

3. O insolvente deve a “DD, CRL” a quantia total de €42.560,27, dos quais €42.282,77 correspondem a capital e €277,50 a outras quantias não especificadas.

4. O insolvente deve a “CC, SA” a quantia total de €429.427,94, sendo:

a. €55.178,21 relativos ao contrato de mútuo com hipoteca PT00350297010518785, dos quais €37.049,17 correspondem a capital, €16.536,50 a juros e €1.592,54 a outras quantias não especificadas;

b. €65.068,72 relativos ao contrato de mútuo com hipoteca PT00350297010519585, dos quais €49.764,08 correspondem a capital, €13.301,42 a juros e €2.003,22 a outras quantias não especificadas;

c. €55.973,20 relativos ao contrato de mútuo com hipoteca PT00350297010519585, dos quais €41.530,58 correspondem a capital, €13.174,79 a juros e €1.267,83 a outras quantias não especificadas;

d. €81.710,36 relativos ao contrato de mútuo PT00352033000136291, dos quais €42.500 correspondem a capital, €39.038,36 a juros e €1.592,51724 a outras quantias não especificadas;

e. €54.555,45 relativos ao contrato de mútuo PT00350297003159691, dos quais €26.666,66 correspondem a capital, €27.856,29 a juros e €32,50 a outras quantias não especificadas;

f. €112.766,24 relativos ao contrato de mútuo PT00350297013099990, dos quais €56.444,63 correspondem a capital e €56.321,61 a juros;

g. €4.175,76 relativos ao contrato de conta cartão, dos quais €1.713,60 correspondem a capital, €2.327,030 a juros e €135,13 a outras quantias não especificadas.

5. O insolvente deve à Administração Tributária a quantia total de €101.826,99, sendo:

a. A título de Coimas e encargos de Processos de Contra Ordenação, a quantia total de €7.334,91

b. A título de IRS:

- a quantia de 14.826,09€ com data de vencimento em 15-03-2010, sobre o qual incidem juros de mora no valor de 3.924,87 € contados desde o dia seguinte;
- a quantia de 18.705,19€ com data de vencimento em 23-11-2011, sobre o qual incidem juros de mora no valor de 2.199,05 € contados desde o dia seguinte;
- a quantia de 41.367,10€ com data de vencimento em 12-12-2011, sobre o qual incidem juros de mora no valor de 4.726,56 € contados desde o dia seguinte;
- a quantia de 67,46€ com data de vencimento em 28-03-2012, sobre o qual incidem juros de mora no valor de 6,35 € contados desde o dia seguinte;
c. A título de IVA:
- a quantia de 2.947,18€, a título de capital e juros, respeitante ao período de 01.01.2007 a 31.12.2009, com data de vencimento em 31-12-2011;
- a quantia de 363,75€ referente ao período de 01.10.2011 a 31.12.2011, com data de vencimento de 12.09.2012 e respetivos juros contados do dia seguinte ao vencimento no montante de €22,49;
- a quantia de 1.496,40€ referente ao período de 01.10.2011 a 31.12.2011, com data de vencimento de 04.10.2012 e respetivos juros contados do dia seguinte ao vencimento no montante de €86,20;
- a quantia de 363,75€ referente ao período de 01.01.2012 a 31.03.2012, com data de vencimento de 03.12.2012 e respetivos juros contados do dia seguinte ao vencimento no montante de €16,78;
- a quantia de 363,75€ referente ao período de 01.04.2012 a 30.06.2012, com data de vencimento de 11.03.2013 e respetivos juros contados do dia seguinte ao vencimento no montante de €12,26;
- a quantia de 363,75€ referente ao período de 01.07.2012 a 30.09.2012, com data de vencimento de 14.05.2014 e respetivos juros contados do dia seguinte ao vencimento no montante de €6,65;
- a quantia de 363,75€ referente ao período de 01.10.2012 a 31.12.2012, com data de vencimento de 13.08.2013 e respetivos juros contados do dia seguinte ao vencimento no montante de €1,10;
d. A título de Imposto de Selo a quantia de 46,94€, com vencimento em 13-04-2011, sobre o qual incidem juros de mora no valor de 7,34€, contados desde o dia seguinte.
e. A título de IMI:
- 48,73€ relativo ao ano de 2008, cuja data de vencimento ocorreu em 30-04-2009, sobre o qual incidem juros de mora no valor de 18,24€, contados desde o dia seguinte.
- 43,34€ relativo ao ano de 2009, cuja data de vencimento ocorreu em 30-04-2010, sobre o qual incidem juros de mora no valor de 10,98€, contados desde o dia seguinte.
- 43,34€ relativo ao ano de 2010, cuja data de vencimento ocorreu em 30-04-2011, sobre o qual incidem juros de mora no valor de 6,64€, contados desde o dia seguinte.
- 6,57€ relativo ao ano de 2011, respeitante ao prédio inscrito na matriz sob os arts. 511 (parte urbana) e 17-E (parte rústica), cuja data de vencimento ocorreu em 30-04-2012, sobre o qual incidem juros de mora no valor de 0,56€, contados desde o dia seguinte.
- 80,79€ relativo ao ano de 2011, cuja data de vencimento ocorreu em 30-04-2012, sobre o qual incidem juros de mora no valor de 7,11€, contados desde o dia seguinte.
- 3,72€ relativo ao ano de 2012, respeitante ao prédio urbano com os artigos 511 (parte urbana) e 17-E (parte rústica), cuja data de vencimento ocorreu em 30-04-2013, sobre o qual incidem juros de mora no valor de 0,08€, contados desde o dia seguinte.
- 238,31€ relativo ao ano de 2012, cuja data de vencimento ocorreu em 30-04-2013, sobre o qual incidem juros de mora no valor de 4,92€, contados desde o dia seguinte.
f. A título de IMT, a quantia de 272,46€ referente ao ano de 2011, cuja data de vencimento ocorreu em 30-04-2011, sobre o qual incidem juros de mora no valor de 41,82€, contados desde o dia seguinte.
g. Custas relativas a Processos de Execução e Processos de Contraordenação no valor de 2.086,79€
6. O insolvente deve ao “Instituto da Segurança Social, IP” o montante total de €26.066,31, correspondendo:
a. €1.635, 03 a título de contribuições e respetivos juros, referente ao período entre Julho de 2002 a Maio de 2005;
b. €2.017,92 a título de juro pelo pagamento de contribuições fora de prazo;
c. €7.929,07 a título de contribuições e respetivos juros, referente ao período entre Setembro de 2008 a Março de 2012;
d. €1.068,10 a título de custas processuais;
e. €7.929,07 a título de contribuições do regime geral e respetivos juros, referente ao período entre Setembro de 2008 a Março de 2012;
f. €10.535,44 a título de contribuições do regime do trabalhador independente e respetivos juros – tal crédito foi reconhecido como comum;
g. €2.532,81 a título de contribuições do regime do trabalhador independente e respetivos juros – tal crédito foi reconhecido como privilegiado;
h. €347,94 a título de custas processuais.
7. O insolvente deve a FF, GG e HH a quantia de €19.499,57.
8. O insolvente deve a “II SA” a quantia de €1.506,11 a título de capital referente ao fornecimento de serviços.
9. O insolvente deve a JJ o montante de €10.375,06, a título rendas vencidas.
10. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º 394/19940308, inscrito na respetiva matriz rústica sob o art. 17 da secção E e na matriz urbana sob o art. 511, o prédio misto denominado Herdade. Sobre o referido prédio mostra-se registada, com relevo para os autos:
I. Pela Ap. 1832 de 06.03.2011 mostra-se registada a aquisição de 1/36 a favor do insolvente.
11. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º 133/19890426, inscrito na respetiva matriz sob o art. 823, o prédio urbano. Sobre o referido prédio mostra-se registada, com relevo para os autos:
I. Pela Ap. 31 de 04.09.2000 mostra-se registada a aquisição a favor do insolvente.
II. Pela Ap. 32 de 2000.09.04, mostra-se registada hipoteca voluntária constituída a favor da “CC, SA” para garantia de empréstimo, juro anual de 10,417%, acrescido de 4% no caso de mora, a título de cláusula penal, e despesas no montante de 384.000$00, tudo no montante máximo de 14.136.096$00, sendo o capital máximo assegurado no montante de 9.600.000$00;
III. Pela Ap. 44 de 2005.09.13, mostra-se registada hipoteca voluntária constituída a favor da “CC, SA” para garantia de todas e quaisquer responsabilidades ou assumidas ou a assumir pelo insolvente provenientes de operações bancárias, juro anual de 11,45%, acrescido de 4% no caso de mora, a título de cláusula penal, e despesas no montante de €3.400, tudo no montante máximo de €127.797,50, sendo o capital máximo assegurado no montante de €85.000,00.
12. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º 479/19980601, inscrito na respetiva matriz sob o art. 705, o prédio urbano. Sobre o referido prédio mostra-se registada, com relevo para os autos:
I. Pela Ap. 29 de 06.11.2001 mostra-se registada a aquisição a favor do insolvente.
II. Pela Ap. 30 de 2001.11.06, mostra-se registada hipoteca voluntária constituída a favor da “CC, SA” para garantia de empréstimo, juro anual de 9,544%, acrescido de 4% no caso de mora, a título de cláusula penal, e despesas no montante de 480.000$00, tudo no montante máximo de 17.355.840$00, sendo o capital máximo assegurado no montante de 12.000.000$00;
III. Pela Ap. 44 de 2005.09.13, mostra-se registada hipoteca voluntária constituída a favor da “CC, SA” para garantia de todas e quaisquer responsabilidades ou assumidas ou a assumir pelo insolvente provenientes de operações bancárias, juro anual de 11,45%, acrescido de 4% no caso de mora, a título de cláusula penal, e despesas no montante de €3.400, tudo no montante máximo de €127.797,50, sendo o capital máximo assegurado no montante de €85.000,00.
13. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º 573/20010424, inscrito na respetiva matriz sob o art. 738, o prédio urbano. Sobre o referido prédio mostra-se registada, com relevo para os autos:
I. Pela Ap. 18 de 24.04.2001 mostra-se registada a aquisição a favor do insolvente.
II. Pela Ap. 19 de 2001.04.24, mostra-se registada hipoteca voluntária constituída a favor da “CC, SA” para garantia de empréstimo, juro anual de 9,544%, acrescido de 4% no caso de mora, a título de cláusula penal, e despesas no montante de 400.000$00, tudo no montante máximo de 14.463.200$00, sendo o capital máximo assegurado no montante de 10.000.000$00;
III. Pela Ap. 44 de 2005.09.13, mostra-se registada hipoteca voluntária constituída a favor da “CC, SA” para garantia de todas e quaisquer responsabilidades ou assumidas ou a assumir pelo insolvente provenientes de operações bancárias, juro anual de 11,45%, acrescido de 4% no caso de mora, a título de cláusula penal, e despesas no montante de €3.400, tudo no montante máximo de €127.797,50, sendo o capital máximo assegurado no montante de €85.000,00.
14. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º 566/20050913, inscrito na respetiva matriz sob o art. 823, o prédio urbano. Sobre o referido prédio mostra-se registada, com relevo para os autos:
I. Pela Ap. 588 de 06.12.2012 mostra-se registada a aquisição a favor do insolvente por dissolução da comunhão conjugal e partilha da herança.
II. Pela Ap. 44 de 2005.09.13, mostra-se registada hipoteca voluntária constituída a favor da “CC, SA” para garantia de todas e quaisquer responsabilidades ou assumidas ou a assumir pelo insolvente provenientes de operações bancárias, juro anual de 11,45%, acrescido de 4% no caso de mora, a título de cláusula penal, e despesas no montante de €3.400, tudo no montante máximo de €127.797,50, sendo o capital máximo assegurado no montante de €85.000,00.
15. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º 179/19921223-B, inscrito na respetiva matriz sob o art. 823, o prédio urbano. Sobre o referido prédio mostra-se registada, com relevo para os autos:
I. Pela Ap. 588 de 06.12.2012 mostra-se registada a aquisição a favor do insolvente por dissolução da comunhão conjugal e partilha da herança.

2. Direito.
2.1. Se o privilégio imobiliário geral de que goza o crédito do credor BB abrange os imóveis identificados nos pontos 11 a 14.
A sentença recorrida, depois de reproduzir os dizeres do artº 333º do Código do Trabalho, graduou o crédito laboral de Artur Almeida para ser pago “com precedência sobre os demais credores pelo produto da venda dos imóveis apreendidos”.
A recorrente CC discorda desta graduação porque sendo credora hipotecária dos imóveis identificados nos pontos 11 a 14 dos factos provados o seu crédito deve ser pago, pelo produto da venda destes, logo após as dívidas da Massa Insolvente e não após o crédito do trabalhador do insolvente, por não se provar, nem se haver alegado, que este prestasse a sua atividade, nos ditos imóveis, como é próprio do privilégio imobiliário especial de que gozam os créditos dos trabalhadores.
Como se anotou na decisão recorrida, os créditos do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação gozam de privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua atividade (artº 333º, nº1, al. b) do Código do Trabalho).
Decorre dos fundamentos de facto da decisão que o insolvente deve a BB a quantia total de € 38.953,72, a título de capital referente a créditos laborais (ponto 2), mas já não decorre dos mesmos que o dito trabalhador haja prestado a sua atividade nos imóveis identificados nos pontos 11 a 14 dos factos provados; assim, aplicando o direito aos factos que se provam, não se pode concluir que que o dito trabalhador haja prestado a sua atividade nos ditos imóveis e tanto basta para dar razão à recorrente.
De qualquer forma, acrescenta-se, os créditos reclamados por Artur Almeida reportam-se, na alegação deste, ao exercício das funções de maioral, de operador de máquinas e de diversas outras atividades agrícolas prestadas em herdades do insolvente (artºs 15º, 30º e 31º do requerimento junto aos autos de fls. 40 a 45), em prédios rústicos portanto; ora, os imóveis identificados nos pontos 11 a 14 dos factos provados são prédios urbanos e, como tal, o privilégio imobiliário especial de que goza o seu crédito não incide, de acordo com a sua alegação, sobre estes prédios.
Tem razão a recorrente CC, importando alterar a sentença recorrida, na parte em que graduou o crédito do trabalhador pelo produto da venda dos ditos imóveis (parte B do dispositivo da sentença).

2.2. Se o crédito da DD goza de garantia hipotecária sobre o produto da liquidação do direito e ação da herança indivisa aberta por óbito do pai do insolvente.
Por aplicação do disposto no artº 98º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), a decisão recorrida reconheceu à DD, requerente da insolvência, um privilégio creditório geral relativamente a um quarto do montante do crédito que reclamou, graduando-o para ser pago em ultimo lugar, sobre todos os bens móveis integrantes da massa insolvente.
A DD ancorando-se na garantia hipotecária que beneficia o crédito que reclamou sobre ¼ do direito de propriedade do prédio misto denominado Vila, o qual faz parte do quinhão hereditário do insolvente na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do pai do insolvente, objeto de apreensão nos autos, pretende que se reconheça esta garantia sobre o produto da liquidação do referido quinhão hereditário.
Da simples enunciação da questão já decorre a falta de razão da recorrente e isto porque a garantia hipotecária que anota não incide, nem poderia incidir (cfr. artº 688º, do C.Civ.), sobre o quinhão hereditário cujo produto da venda defende dever preferencialmente satisfazer o seu crédito; incide sobre um imóvel que integra a universalidade jurídica de bens que o quinhão hereditário representa.
Dito de modo porventura mais claro, o direito de propriedade do prédio misto denominado Vila, sobre o qual a alegada hipoteca incide sobre ¼, não se inclui no património do devedor, nem faz parte da massa insolvente, o que integra a massa insolvente, conforme se alega e resulta da sentença recorrida, é o quinhão hereditário do insolvente na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de LL (pai do insolvente), em cuja universalidade se insere o dito prédio misto Vila; ora, para efeitos do CIRE são “garantidos’ os créditos que beneficiem de garantias reais sobre bens integrantes da massa insolvente, até ao montante correspondente ao valor dos bens objeto das garantias [artº 47º, nº4, al. a)] assim e porque o crédito da recorrente não beneficia de garantia real sobre os bens integrantes da massa insolvente não é, para efeitos do dito diploma, um crédito garantido.
E isto porque, como se ajuizou no Ac. da R.G. de 5/6/2014 relatado, aliás, pelo ora 1º Adjunto e já citado nos autos, a “herança é uma universalidade jurídica de bens, pelo que cada interessado não tem uma quota-parte em cada um de todos esses bens mas uma quota referida àquela universalidade, ao conjunto de todos os bens, só pela partilha se determinando aqueles em que se concretiza a quota-parte ou quinhão de cada interessado”[1].
Só com a partilha o direito dos herdeiros se concretiza em elementos determinados, ou seja, só após o preenchimento dos quinhões dos herdeiros do pai do insolvente, decorrente da partilha da herança, se determinará a concreta titularidade dos bens que esta integra, até lá os bens integram a herança e os herdeiros têm direito à totalidade ou a uma quota dos bens do falecido (artº 2030º, nº2, do Código Civil), a um quinhão e não a bens concretamente determinados.
Por isto que, o objeto de liquidação na insolvência não é Vila mas sim o quinhão hereditário do insolvente na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de seu pai, do qual o referido imóvel faz parte, sobre o qual, desnecessário seria repeti-lo, não incide a garantia que a recorrente pretende fazer e daqui que não se veja como lhe dar razão.
Solução que não interfere com a garantia hipotecária sobre um dos bens imóveis que integra o referido quinhão hereditário, pois que, independentemente da sua futura titularidade, a hipoteca mantêm-se e mesmo que haja de ser expurgada (artº 721º, do Cód. Civil), a sentença que declarar o bem livre de hipoteca, em consequência da expurgação, não será proferida sem se mostrar que foram citados todos os credores hipotecários, não perdendo estes, em qualquer caso, os direitos de credores hipotecários (artº 723º, nºs 1 e 2 do Código Civil). A hipoteca que garante o crédito da recorrente manter-se-á, pois, com a venda do quinhão hereditário apreendido nos autos.
Por último, também não releva a indicação, não impugnada, por parte do administrador da insolvência, que o crédito da recorrente é um crédito garantido, por se mostrar constituída uma hipoteca sobre a verba nº1 do auto de apreensão de direitos (cfr. relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos junta aos autos de fls. 237 a 254 e requerimento retificativo de fls. 255 e 156) e isto porque, a homologação da lista de créditos reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência, na ausência de impugnações, não dispensa a sua sindicância pelo juiz, que a não homologará em caso de erro manifesto (nº3, do artº 130º, do CIRE); ora, pelas razões já adiantadas, a consideração que a hipoteca que garante o crédito da recorrente incide sobre o quinhão hereditário do insolvente na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de seu pai (verba nº1) traduz um erro manifesto a justificar correção pelo juiz, como acertadamente se decidiu.
Nesta parte a sentença impõe confirmação pelo que improcede o recurso da CCAM.
IV. Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto:
a) em julgar procedente o recurso da CC, S.A. e em alterar o ponto B da sentença recorrida, por forma a constar o seguinte:

“B. Para serem pagos pelo produto da venda dos imóveis apreendidos identificados em 11. a 14. factos provados:

- Em 1.º lugar, todas as dívidas da massa insolvente, descriminadas no art. 51.º, n.º 1, als. a) a j) do C.I.R.E. saem precípuas, na devida proporção, do produto da venda do imóvel (art. 46.º, n.º 1 do C.I.R.E.);

- Em 2.º lugar, como créditos garantidos, os créditos da “CC, SA” referidos em 4. dos factos provados, até aos montantes garantidos;

- Em 3.º lugar, o crédito do “Instituto da Segurança Social, IP” referido em 6. g. dos factos provados;

- Em 4.º lugar, rateadamente, como os créditos comuns, os demais créditos reconhecidos;”

b) em julgar improcedente o recurso da DD.

Custas, respetivamente, pela massa insolvente e pela recorrente CCAM.
Évora, 7/1/2016

Francisco Matos

Manuel Bargado

Elisabete Valente






__________________________________________________
[1] Disponível em www.dgsi.pt.