Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | ALMEIDA SIMÕES | ||
| Descritores: | REPÚDIO DA HERANÇA ACÇÃO SUB-ROGATÓRIA | ||
| Data do Acordão: | 07/09/2009 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | AGRAVO CÍVEL | ||
| Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
| Sumário: | I - Se o interessado numa herança a ela renunciar, os credores do denunciante poderão lançar mão da Acção Subrogatória, prevista no artigo 1469º do Código de Processo Civil, para cobrarem os seus créditos. II - O direito de sub-rogação dos credores do repudiante não pode ser exercido directamente no processo de inventário. | ||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA No processo de inventário que corre termos no Tribunal de Família e Menores e de comarca de …, por óbito de “A”, o interessado “B” e seu pai “C” requereram, além do mais, que o quinhão hereditário da repudiante “D” seja considerado aceite por eles, em partes iguais, que, assim, ficam sub-rogados no direito da devedora. Invocaram, no essencial, que a referida “D” repudiou a herança, tendo deixado como único descendente o filho “E”, também interessado no inventário. Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido nos autos de apelação n° …, a repudiante “D” foi condenada a restituir aos requerentes a quantia de 615.553.878$40, convertida em euros, acrescida de juros, mas a decisão ainda não transitou em julgado, por ter sido suspensa a instância, em razão de pendência de causa prejudicial. No entanto, os requerentes, que são credores da repudiante, têm direito de aceitar a herança que foi repudiada pela sua devedora, de acordo com o artigo 2067° nº 1 do Código Civil, tendo necessidade do valor do quinhão hereditário para satisfação ou garantia parcial do seu crédito (artigos 606° nº 2 do CC, aplicável por força do artigo 2067°). O interessado “E”, filho da repudiante, deduziu oposição, excepcionando a legitimidade do requerente “C” para intervir no inventário, por não ser interessado directo na partilha. E aduziu, ainda, que foi também interposto recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, relativamente ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, ainda não decidido, pelo que inexiste decisão transitada a afirmar que os requerentes são credores de “D”; para além disso, a existência de um crédito sob condição suspensiva (artigo 270° CC) pressupõe necessariamente a existência de um acto ou negócio válido cuja eficácia está pendente da verificação de um facto futuro e incerto, pelo que, existindo uma decisão judicial em sede de recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, inexiste um direito constituído e válido. Foi depois proferida decisão que não tomou conhecimento do mérito da questão suscitada pelos requerentes, por se entender que o procedimento que visa acautelar a satisfação do direito de que se dizem titulares não pode ter lugar no âmbito do processo de inventário. Inconformados, os requerentes agravaram, tendo alegado e formulado as conclusões que se transcrevem: 1ª. A decisão recorrida violou, por a ter afastado, a norma do n° 1 do artigo 2067° do Código Civil, porquanto ela abrange não só a categoria do credor definitivo ou confirmado, mas também a categoria do credor condicional. 2ª. A decisão recorrida violou, por errada aplicação ao caso concreto, o artigo 1469° do CPC, visto que a acção subrogatória só é necessária para o credor que não tenha decisão judicial confirmativa do seu crédito, o que não é o caso, porque os agravantes têm duas decisões confirmativas do seu crédito, não lhes sendo exigível pedir o que já têm que é uma sentença. 3ª. A circunstância de a norma do nº 1 do artigo 2067° do CC não distinguir categorias de credores, definitivos os condicionais, o exercício da subrogação em nome da repudiante acarreta para os agravantes os direitos processuais próprios dela, isto é, os de intervir no inventário (nº 1 do art. 1327° do CPC) e os de deduzir o incidente de intervenção (art. 1330° do CPC), pelo que também estas normas processuais foram violadas. 4ª. Deve, pois, observar-se o regime jurídico constante das normas dos artigos 2067° e 606° a 609° do Código Civil. 5ª. Nestes termos, deve ser dado provimento ao agravo, ordenando-se que, após citação da repudiante, os agravantes sejam admitidos como aceitantes do quinhão da repudiante em nome desta, ficando, depois, a aguardar a verificação da condição até que os agravantes possam pedir a venda de tais bens constitutivos ou compositivos do quinhão, para a realização parcial do seu crédito. O interessado “E” contra-alegou no sentido da confirmação da decisão recorrida. Os Exmºs Desembargadores Adjuntos tiveram visto nos autos. A questão nuclear que se coloca no presente recurso consiste em saber se os agravantes, afirmando-se credores da repudiante da herança, podem, no processo de inventário, peticionar a aceitação da herança, em nome da repudiante. Vejamos, então: Dispõe o artigo 2067° n° 1 do Código Civil que os credores do repudiante podem aceitar a herança em nome dele, nos termos dos artigos 606º e seguintes. Trata-se de um verdadeiro direito potestativo dos credores do repudiante aceitarem a herança em nome deste, correspondendo a exigências de tutela dos credores de quem repudia a herança, exercendo esse direito num determinado prazo e verificados certos requisitos. A fundamentação expressa do direito dos credores nos artigos 6060 e seguintes do Código Civil (sub-rogação do credor ao devedor) exprime, sem dúvida, que o direito dos credores baseia-se na tutela da garantia patrimonial dos créditos de terceiro, funcionando no interesse simultâneo do devedor, que se liberta do seu débito, e do credor, que assim cobre o seu crédito e vê satisfeito o seu direito. Como salienta Antunes Varela, em anotação à referida norma, a sub-rogação do credor do repudiante não tem em vista qualquer alteração anómala da ordem dos sucessíveis, tornando-se evidente que a sub-rogação do credor ao devedor, com a fisionomia estruturante que lhe confere o artigo 606° do Código Civil, é o meio adequado para facultar ao credor do repudiante trazer ao património deste a herança ou fracção hereditária a que o repudiante teria direito se aceitasse a herança. Está aqui em causa a função externa do património como garantia comum dos credores. Jacinto Bastos faz notar que, embora o preceito do artigo 2067° n° 1 do Código Civil se refira à aceitação em nome do repudiante, a verdade é que se trata de uma ficção legal, por virtude da qual os credores se encontram na mesma situação jurídica em que estariam se o devedor tivesse realmente aceitado a herança; para este, porém, o repúdio foi válido, razão por que fica completamente estranho à herança, nada lhe cabendo ainda que depois de pagos os credores existe algum remanescente. No entanto, o direito de sub-rogação dos credores tem de ser exercido através da via judicial, sendo a norma do artigo 1469° do Código de Processo Civil, sob a epígrafe "acção subrogatória", que adjectiva o direito de os credores aceitarem a herança repudiada pelo seu devedor, dispondo: 1. A aceitação da herança por parte dos credores do repudiante faz-se na acção em que, pelos meios próprios, os aceitantes deduzam o pedido dos seus créditos contra o repudiante e contra aqueles para quem os bens passaram por virtude do repúdio. 2. Obtida sentença favorável, os credores podem executá-la contra a herança. Resulta, assim, que o pedido de aceitação da herança pelos credores há-de ser feito na acção "subrogatória" em que exerçam o seu direito, assegurando, nomeadamente, a legitimidade passiva e a prova do requisito do n° 2 do artigo 606° do Código Civil, de modo a que a sentença possa ser utilizada como título executivo no processo de inventário. Conforme refere Carvalho Fernandes, o meio judicial para os credores operarem a faculdade que lhes é conferida pelo artigo 2067º do Código Civil é a acção em que deduzam o pedido de pagamento dos seus créditos contra o repudiante e contra aqueles que receberam os bens por efeito do repúdio. A sentença favorável que os credores obtenham nesta acção permite-lhes executar a decisão contra a herança, ou seja, pagar-se à custa dos bens que a integram (Lições de Dtº das Sucessões, pg. 283). Deste modo, conclui-se que o direito de sub-rogação dos credores do repudiante não pode ser exercido directamente no processo de inventário. Pelo exposto, negando provimento ao agravo, acorda-se em confirmar a decisão recorrida. Custas pelos agravantes. Évora, 9 Julho 2009 |