Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | PAULA DO PAÇO | ||
Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL TACÓGRAFO APRESENTAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 11/08/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Decisão: | PROVIDO | ||
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Sumário: | I – O artigo 15.º, n.º 7 do Regulamento (CEE) n.º 3821/85, na redação dada pelo artigo 26.º do Regulamento (CE) n.º 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, pretende essencialmente assegurar a imediata apresentação aos agentes do controlo das folhas de registo utilizadas no dia em curso e nos 28 dias anteriores. II – Não sendo apresentadas todas ou alguma(s) das aludidas folhas de registo, deve o condutor apresentar um documento comprovativo que justifique a ausência das folhas de registo em relação aos dias em falta, pois só por esta via o agente encarregado da fiscalização pode concluir que todas as folhas existentes com referência ao período temporal imposto pela norma, lhe foram apresentadas ou não e, nesta última situação, autuar o agente infrator. | ||
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Decisão Texto Integral: | P.1523/15.2T8BJA.E1 Recurso Penal Relatora: Paula do Paço Adjunto: Moisés Silva Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora I. Relatório Transportes BB, Lda. impugnou judicialmente a decisão da Autoridade para as Condições de Trabalho (doravante designada ACT) que lhe aplicou a coima única de € 3.750,00 pela imputada prática de uma contraordenação leve, p. e p. pelos artigos 6.º, n.º 1 do Regulamento (CE) n.º 561/2006 de 15 de março, e 18º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, alínea a) da Lei n.º 27/2009, de 30 de agosto, consistente na ultrapassagem do período de condução alargado permitido por lei ao ter efetuado uma condução de 10:14 horas, no dia 01.11.204; e uma contraordenação muito grave, p. e p. na alínea b) do n.º 1 do artigo 25.º da Lei n.º 27/2010, e no artigo 15.º n.º 7 do Regulamento (CEE) n.º 3821/85, do Conselho, de 20 de dezembro, na redação dada pelo Regulamento (CE) nº 561/2006, consistente na falta de apresentação ao agente de fiscalização dos discos diagramas utilizados no tacógrafo nos últimos 28 dias. O tribunal de 1.ª instância julgou procedente a impugnação e, em consequência, revogou a decisão proferida pela ACT e absolveu a impugnante. Não se conformando, veio o Ministério Público interpor recurso quanto ao decidido em relação à contraordenação muito grave, rematando as suas alegações com as conclusões que se transcrevem: «1. Foi proferida sentença que absolveu a arguida, revogando a decisão administrativa recorrida e, bem assim, ordenando o arquivamento dos autos. 2. Decorre da sentença recorrida, no que respeita à contraordenação muito grave, punida com coima de 3 500€, designadamente o seguinte: «2. No dia 24.11.2014, o motorista CC, circulava ao volante do veículo pesado de mercadorias de matrícula …, sem que se fizesse acompanhar do registo utilizado no tacógrafo nos 28 dias anteriores, encontrando-se em falta o registo referente ao dia 18.11.2014. 3. O condutor, no ato de fiscalização, não apresentou qualquer documento justificativo da inexistência dos discos diagramas referente ao dia 18.11.2014; (…) 15. O motorista CC não trabalhou no dia 18.11.2014, em virtude de ser o seu dia de folga semanal.» 3. Tal factualidade não é permitida pelo ordenamento jurídico e preenche o tipo objetivo do ilícito contraordenacional muito grave, p. e p. pelo art. 25º, nº 1, al b) da Lei 27/2010 e do art. 15º, nº7, al. a) e c) do Regulamento (CEE) nº3821/85, alterado pelo Regulamento (CE) nº561/2006. 4. Atento o disposto no art . 13º, nº 1 da Lei nº 27/2010 e nos arts. 550º e 551º, nº 1 do Cód. do Trabalho, a arguida é responsável pela prática da infração cometida pelo seu condutor por a mesma não ter organizado o trabalho de modo a que aquele cumprisse a norma infringida, sendo imputável a infração a título de negligência, a qual se subsume à al . b) do artigo 25º, nº 1 da Lei 27/2010, uma vez, na altura da fiscalização, o seu condutor não possuía documento justificativo da não apresentação de folhas de registos relativos ao dia 18/11/2014. 5. Desta forma, e ao concluir pelo não preenchimento do tipo objetivo da contraordenação muito grave, a Mmª Juíza incorre em violação do art. 25º, nº 1, al b) da Lei 27/2010 e do art. 15º, nº7, al. a) e c) do Regulamento (CEE) nº3821/85, alterado pelo Regulamento (CE) nº561/2006, pelo que deve a sentença absolutória ser revogada.» Admitido o recurso pelo tribunal de 1.ª instância, a impugnante respondeu, concluindo: «I. A sentença proferida pelo Tribunal a quo não merece qualquer juízo de censura, devendo manter-se integralmente. II. Dos factos dados como provados, destacam-se os seguintes: a. Da Decisão Administrativa: O condutor não apresentou qualquer documento justificativo da inexistência dos discos diagramas referente ao dia 18.11.2014; b. Da Impugnação: O condutor não trabalhou no dia 18.11.2014, em virtude de ser o seu dia de folga semanal. III. O Tribunal recorrido considerou, e bem, que, atenta a matéria de facto provada e não provada, não se encontram preenchidos os elementos objetivos da infração imputada à Arguida. IV. Isto porque, a infração em causa nos presentes autos consiste na incapacidade revelada pelo condutor em apresentar a totalidade dos discos produzidos no período de 28 dias que antecede o dia em que foi fiscalizado, o que não se confunde com a falta de apresentação de 28 folhas de registo. V. Assim, se o condutor não exerceu atividade de condução em algum desses 28 dias anteriores ao da fiscalização, como sucedeu, in casu, em 18.04.2014, deverá o mesmo considerar-se, justificadamente, dispensado de apresentar o registo relativo a esse dia, que, aliás, não tem razão para existir. VI. Não deverá, pois, colher, a tese apresentada pelo Ministério Público no presente recurso, uma vez que o que a lei portuguesa tipifica como comportamento contraordenacional é a incapacidade, injustificada, de apresentação dos elementos constantes das alíneas do nº 1 do Art. 25º da Lei nº 27/2010, de 30 de Agosto, e não a incapacidade de apresentação dos documentos justificativos do incumprimento das obrigações impostas no Art. 15º do Regulamento (CEE) nº 3821/85. VII. A posição do Tribunal a quo tem, aliás, apoio na jurisprudência, a qual tem entendido que “(…) para que se tenha por demonstrada a violação da exigência decorrente da conjugação do estatuído nas normas anteriormente citadas, necessário é, designadamente, que esteja demonstrado que o condutor fiscalizado tenha exercido efetivamente a condução profissional num dos 28 dias antecedentes ao da fiscalização e que não apresente as folhas de registo correspondentes aos dias em que aquela condução tenha sido exercida e que estejam compreendidos nos aludidos 28 dias anteriores ao da fiscalização.” – cfr. Ac. RC proferidos no âmbito dos processos nºs 231/14/6T8CTB e 62/14.3T8CTB, citado no Ac. RC proferido no âmbito do processo nº 404/16.7T8CVL.C1. VIII. Bem andou, portanto, o Tribunal recorrido, ao absolver a Arguida da contraordenação de que vinha acusada, devendo o Tribunal ad quem manter essa decisão, improcedendo o recurso ora apresentado pelo Ministério Público.» Tendo os autos subido ao Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no qual deu por reproduzidas as conclusões apresentadas no recurso e propugnou pela procedência do mesmo. A recorrida respondeu reiterando a posição assumida nas contra-alegações. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. * II. Objeto do recursoÉ consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso – artigos 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, ex vi do artigo 41.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro (RGCO) e artigos 50.º, n.º 4 e 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro. Em função destas premissas, a única questão que importa apreciar é a de saber se os factos provados permitem concluir que a recorrida cometeu a contraordenação muito grave que lhe havia sido imputada, extraindo-se da conclusão a que se chegue, as devidas consequências. * III. Matéria de FactoEm matéria contraordenacional, o Tribunal da Relação apenas conhece da matéria de direito, pelo que a matéria de facto a considerar é a que foi fixada pela 1ª instância que, no caso, é a seguinte: 1. Na semana iniciada no dia 27 de Outubro a 02 de Novembro de 2014, o motorista CC, funcionário da arguida, excedeu o período de condução alargado permitido por lei ao efetuar um período de condução diário de 10:14 horas no dia 01 de Novembro de 2014; 2. No dia 24.11.2014, o motorista CC, circulava ao volante do veículo pesado de mercadorias de matrícula…, sem que se fizesse acompanhar do registo utilizado no tacógrafo nos 28 dias anteriores, encontrando-se em falta o registo referente ao dia 18.11.2014 3. O condutor, no ato de fiscalização, não apresentou qualquer documento justificativo da inexistência dos discos diagramas referente ao dia 18.11.2014; 4. A arguida é uma sociedade comercial que se dedica à prestação de serviços de transporte rodoviário nacional e internacional, por conta de outrem, de líquidos alimentares, matérias perigosas, carga geral, carga com temperatura controlada, pulverulentos, logística e distribuição; 5. A arguida tem ao seu serviço uma frota automóvel composta por várias centenas de veículos pesados de mercadorias; 6. A arguida proporciona a todos os motoristas a frequência de ações de formação quanto a várias questões, em especial as que se relacionam com higiene e segurança no trabalho, com as normas estradais e segurança rodoviária; 7. Os motoristas autuados receberam adequada formação; 8. Quando iniciaram a sua atividade ao serviço da sociedade arguida, foram acompanhados inicialmente, na execução das suas jornadas de trabalho, e pelo período de três semanas, por um motorista com mais anos de serviço; 9. Foi-lhes entregue o “Manual de Motorista”, que contém todas as informações acerca da condução de veículos pesados, as relações e comunicação entre o motorista e o gestor de tráfego, o quadro legal aplicável em matéria de segurança e higiene no trabalho e as normas estradais; 10. A jornada de trabalho dos motoristas é organizada pela empresa, por intermédio do gestor de tráfego; 11. A arguida efetua a definição do itinerário estradal, com os concretos locais de carga e descarga da mercadoria, bem como da velocidade média a que o motorista deve circular, bem como as pausas e períodos de descanso; 12. As jornadas de trabalho são delineadas de modo a respeitar todos os comandos legais, quer no plano de higiene e segurança no trabalho, quer as normas estradais; 13. O serviço distribuído ao motorista … permitia que procedesse ao respeito do período diário de condução alargado que era permitido efetuar; 14. Os 14 minutos que excederam o período de condução permitido ficaram-se a dever a razões alheias à arguida; 15. O motorista CC não trabalhou no dia 18.11.2014, em virtude de ser o seu dia de folga semanal. * IV. FundamentaçãoComo referido anteriormente, importa apreciar se o acervo factual provado permite concluir que a recorrida cometeu a contraordenação muito grave que lhe havia sido imputada. Na fundamentação da sentença escreveu-se o seguinte a respeito desta matéria: «Segundo o art. 15º nº 7 do Regulamento nº 3821/85 als. a) e b), na redação do Regulamento (CE) 561/2006 em vigor a partir de 1/1/2008, sempre que o condutor conduza um veículo equipado com um aparelho de controlo em conformidade com os anexos I e I B, deve poder apresentar, a pedido dos agentes encarregados do controlo, as folhas de registo do dia em curso e dos 28 dias anteriores. De acordo com o disposto na alínea c) os agentes fiscalizadores podem verificar o cumprimento do Regulamento (CE) nº 561/2006 através da análise das folhas de registo ou dos dados, visualizados ou impressos, registados pelo aparelho de controlo ou pelo cartão de condutor ou, na falta destes meios, através da análise de qualquer outro documento comprovativo que permita justificar o incumprimento de qualquer disposição. Por sua vez, o art. 25º da lei 27/2010 de 30/08 tem a seguinte redação: Apresentação de dados a agente encarregado da fiscalização 1 — Constitui contraordenação muito grave a não apresentação, quando solicitada por agente encarregado da fiscalização: a) De folhas de registo e impressões, bem como de dados descarregados do cartão do condutor; b) De cartão de condutor, das folhas de registo utilizadas e de qualquer registo manual e impressão efetuados, que o condutor esteja obrigado a apresentar; c) De escala de serviço com o conteúdo e pela forma previstos na regulamentação comunitária aplicável. 2 — Constitui contraordenação grave o acionamento incorreto do dispositivo de comutação. * Vejamos, pois, se estão preenchidos os elementos objetivos da infração imputada à arguida. Provou-se, com efeito, que o motorista no ato da fiscalização, não possuía um dos discos respeitante ao período dos 28 dias anteriores, em virtude de se encontrar de folga nesse mesmo dia. Contudo, tal não integra os elementos típicos da infração imputada à arguida. Com efeito, não se exige no referido regulamento que o motorista apresente 28 discos ou 28 registos, mas tão só as folhas de registo da atividade produzida nos 28 dias antecedentes. Como se explica no Documento Explicativo do Regulamento (CE) n.º 561/2006 com vista à harmonização da aplicação dos controlos de estrada, disponível no endereço eletrónico http://ec.europa.eu/transport/modes/road/social_provisions/doc/trace_explanatory_text_pt.pdf, (pág. 87), o condutor deve estar em condições de apresentar, além do mais, qualquer folha do registo em curso e/ou as utilizadas nesse dia ou nos 28 dias anteriores, não sendo obrigatório apresentar 28 folhas de registo. Os membros da tripulação que não trabalhem a tempo inteiro podem gerar muito menos folhas de registo em 28 dias. A infração consiste, assim, na incapacidade de apresentação dos registos produzidos no período de 28 dias anteriores à fiscalização e não na falta de apresentação de 28 folhas de registo. Basta pensar que nos dias de descanso semanal que o motorista tenha gozado no período de 28 dias anteriores, em que, conduzindo um veículo equipado com tacógrafo analógico, não poderá apresentar folhas de registo correspondentes a tais dias, tal como sucedeu no presente caso. Ora, no caso em apreço, provou-se que o motorista não exerceu a condução de viaturas pesadas sujeitas a aparelho de controlo nos 28 dias anteriores ao da fiscalização, razão pela qual não poderia ter em seu poder folhas de registo respeitantes a tal período. Assim, a falta de apresentação e folhas de registo relativas ao período de 28 dias anterior ao dia da fiscalização encontra-se justificada, o que afasta o cometimento da infração imputada à sociedade arguida. É certo que, na ausência de registos, os agentes fiscalizadores podem verificar o cumprimento das disposições sociais em matéria de transportes rodoviários de mercadorias mediante a análise de quaisquer outros documentos que permitam justificar o incumprimento. E é no âmbito da harmonização dos procedimentos de fiscalização que surge a denominada declaração de atividade. Com efeito, a previsão de um documento destinado a justificar o incumprimento do preceituado no art. 15º nº 7 do Re. CEE 3820/85 resulta do disposto no art. 11º da Diretiva nº 2006/22/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, relativo ao estabelecimento das melhores práticas de controlo do cumprimento da legislação comunitária em matéria social, segundo o qual (nº 3) a Comissão elaborará formulários eletrónicos, que possam ser impressos, destinados a ser utilizados quando o condutor tiver estado em situação de baixa por doença ou de gozo de férias anuais, ou quando o condutor tiver conduzido outro veículo, isento da aplicação do Regulamento (CEE) nº 3820/85 durante o período previsto no nº 7 do art. 15 do Regulamento (CEE) nº 3821/85. Foi em cumprimento de tal Diretiva que a Comissão adotou a Decisão 2007/230/CE, publicada no Jornal oficial da União Europeia de 14/07/2007, a qual foi alterada pela decisão da Comissão de 14 de Dezembro de 2009, publicada no mesmo Jornal em 16/12/2009, que veio acrescentar outras situações, como, por exemplo, quando o condutor gozava de baixa ou de um período de repouso, realizava outras atividades profissionais distintas da condução, ou estava disponível. No entanto, tal decisão, embora vincule o Estado Português, enquanto Estado-membro da União Europeia, não é diretamente aplicável na ordem jurídica interna, carecendo de um ato normativo que a torne obrigatória na ordem jurídica portuguesa, tal como resulta do art. 288º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. E tal ato não existe na ordem jurídica portuguesa, isto é, o Estado Português não tornou obrigatória, por via legislativa, regulamentar ou administrativa, a utilização do formulário de Declaração de Atividade anexo à dita Decisão, sendo certo que as Diretivas nº 2006/22/CE, 2009/4/CE e 2009/5/CE deixaram aos Estados membros a competência para tomar as medidas legislativas, regulamentares ou administrativas necessárias à implementação do sistema de controlo e fiscalização do cumprimento dos Regulamentos 3821/85 e 561/2006. Com efeito, a Lei 27/2010 de 30 de Agosto, que transpôs a Diretiva nº 2006/22/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, alterada pelas Diretivas nºs 2009/4/CE, da Comissão, de 23 de Janeiro, e 2009/5/CE, da Comissão, de 30 de Janeiro, não estabeleceu qualquer obrigatoriedade de uso do formulário anexo à Decisão 2007/230/CE para justificar a ausência de folhas de registo no período a que respeita o nº 7 do art. 15º do Reg. 3821/85. E também não estabelece qualquer outra forma de o comprovar, designadamente a apresentação de outros documentos. Assim, tendo-se apurado que o condutor da viatura da arguida apenas exerceu a condução nos dias indicados nos diagramas apresentados e não conduziu qualquer veículo sujeito ao aparelho de controlo nos restantes dias anteriores, não podendo, por essa razão, apresentar as folhas de registo correspondentes aos restantes 28 dias anteriores à data da fiscalização, fica afastado o cometimento da infração que vem imputada à arguida, ainda que não tivesse apresentado qualquer outro documento justificativo da ausência dos registos no período em causa (Declaração de Atividade ou qualquer outro documento ou registo manual). Com efeito, as normas tidas como infringidas (art. 15º nº 7 do Reg. (CE) 3821/85 e art. 25º da lei 27/2010) não compreendem nos seus elementos típicos objetivos a incapacidade de apresentação dos documentos justificativos do incumprimento das obrigações impostas no art. 15º do Regulamento (CE) 3821/85 a que se refere a alínea c) do seu nº 7, mas apenas a incapacidade, injustificada, de apresentação a) de folhas de registo e impressões, bem como de dados descarregados do cartão do condutor; b) de cartão de condutor, das folhas de registo utilizadas e de qualquer registo manual e impressão efetuados, que o condutor esteja obrigado a apresentar, c) de escala de serviço com o conteúdo e pela forma previstos na regulamentação comunitária aplicável (nº 1 do art. 25º da lei 27/2010). As impressões e registos manuais a que a norma faz referência são, no primeiro caso, os dados impressos registados pelo aparelho de controlo e, no segundo caso, os registos manuais de tempos de trabalho e pausas efetuados em caso de impossibilidade de utilização do aparelho de controlo (v.g., por avaria), únicos cuja apresentação é obrigatória por via do disposto no nº 7 do art. 15º do Reg. 3821/85. Não se incluem entre esses registos manuais ou impressões as declarações justificativas da ausência daqueles registos ou elementos, que têm carácter facultativo. Tanto basta para concluir pela improcedência da acusação.» Analisemos a questão. Prescreve o artigo 15.º, n.º 7 do Regulamento (CEE) n.º 3821/85, de 20/12, na redação dada pelo artigo 26.º do Regulamento (CE) n.º 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006 que o condutor deve poder apresentar a pedido dos agentes encarregados do controlo, as folhas de registo utilizadas no dia em curso e nos 28 dias anteriores (dias de calendário, subentenda-se) A não apresentação das folhas de registo, quando solicitada por agente encarregado da fiscalização constitui contraordenação muito grave, nos termos previstos pelo artigo 25.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2010, de 30 de agosto. Na concreta situação dos autos, resultou demonstrado que no dia 24/11/2014, foi realizada uma ação de fiscalização pelos agentes da autoridade competentes, tendo por objeto a condução efetuada pelo motorista CC, que se encontrava a conduzir o veículo pesado de mercadorias com a matrícula … Solicitado o registo utilizado no tacógrafo nos 28 dias anteriores, encontrava-se em falta o registo referente ao dia 18/11/2014, não tendo o condutor, no ato de fiscalização, apresentado qualquer documento justificativo da inexistência dos discos diagramas respeitantes à referida data. Em sede de julgamento, a arguida, agora recorrida, provou que o motorista não trabalhou no mencionado dia 18/11/2014, por ter estado de folga. O tribunal de 1.ª instância, considerou que o elemento objetivo do tipo de ilícito em causa, não integra a falta de apresentação, no ato de fiscalização, do documento que justifique a ausência ou não apresentação das folhas de registo utilizadas nos 28 dias anteriores e, em consequência, julgou improcedente a acusação. A questão de saber se o preenchimento do ilícito contraordenacional exige a apresentação, no momento da fiscalização, de um documento que justifique o incumprimento da disposição contida no n.º 7 do artigo 15.º do Regulamento (CEE) n.º 3821/85, na redação dada pelo artigo 26.º do Regulamento (CE) n.º 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, não se mostra pacífica na jurisprudência portuguesa. Esta Secção Social, já apreciou anteriormente a questão. Por exemplo, no acórdão de 20/04/2017, proferido no processo 957/16.0T8STR.E1 [Moisés Silva][1], acessível em www.dgsi.pt, escreveu-se: «Está provado que o motorista ao serviço da arguida não apresentou os registos do tacógrafo relativos aos últimos 28 dias. Está também provado que o motorista esteve de férias entre 13 e 26 de maio de 2013. A ação de controlo e a não apresentação dos registos do tacógrafo ocorreu em 29 de maio de 2013. O condutor devia ter apresentado os registos do tacógrafo desde o dia 02.05.2013 até ao dia 29.05.2013, data do controlo, ou a justificação da não apresentação. Apesar de ter estado de férias entre os dias 13 e 26 de maio, tal não o desobrigava do dever jurídico de apresentar ao agente de controlo os discos de registo de tacógrafo dos dias 02 a 12 de maio e a declaração relativa ao período de férias onde constasse esta causa objetiva para justificar a não apresentação dos registos no período de férias. O art.º 11.º n.º 3 da Diretiva 2006/22/C do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de março de 2006, prescreve que: nos termos do n.º 2 do artigo 12.º, a Comissão elaborará formulários eletrónicos, que possam ser imprimidos, destinados a ser utilizados quando o condutor tiver estado em situação de baixa por doença ou de gozo de férias anuais, ou quando o condutor tiver conduzido outro veículo, isento da aplicação do Regulamento (CEE) n.º 3820/85, durante o período previsto no primeiro travessão do primeiro parágrafo do n.º 7 do artigo 15.º do Regulamento (CEE) n.º 3821/85. Em obediência a esta determinação, a Comissão, em 14.12.2009, decidiu no ponto 1 que: os registos efetuados no tacógrafo são a primeira fonte de informação nos controlos na estrada. A ausência de registos apenas se pode justificar quando, por razões objetivas, não tenha sido possível realizar registos no tacógrafo, incluindo entradas efetuadas manualmente. Em tais casos, deve ser emitida a declaração que confirme tais razões. Ponderada a Decisão e a Diretiva que lhe subjaz, concluímos que a declaração que confirme as causas objetivas que justificam o não registo nos tacógrafos, não pode ser uma declaração qualquer, mas apenas a declaração constante do formulário Anexo à Decisão da Comissão. Trata-se de um documento que o condutor deve obrigatoriamente trazer consigo, nos casos em que não conduziu em todos os 28 dias, a fim de o apresentar ao agente de controlo sempre que lhe seja pedido. Como se prescreve no ponto 4 da Decisão da Comissão, o formulário de declaração apenas deve ser utilizado se, por razões técnicas objetivas, os registos do tacógrafo não conseguirem demonstrar o cumprimento das disposições do Regulamento (CE) n.º 561/2006. É um documento de modelo obrigatório que deve acompanhar o condutor, se for o caso, para este o apresentar ao agente de controlo no momento em que é fiscalizado e não em momento posterior. Se não apresentar os registos do tacógrafo nem o formulário Anexo à Decisão da Comissão, mostra-se consumada a contraordenação ao disposto no art.º 15.º n.º 7, alínea a) do Regulamento CEE n.º 3821/1985, de 20.12, punida nos termos dos art.ºs 13.º n.ºs 1 e 2, 14.º n.º 4 e 25.º da Lei 27/2010, de 30.08. Quando o art.º 5.º n.º 7 da Lei n.º 27/2010, de 30.08, prescreve que “sempre que o controlo efetuado na estrada a condutor de veículo registado noutro Estado membro indicie infração para cuja prova sejam necessários outros elementos além dos transportados no veículo, é solicitada a informação em falta ao organismo referido no artigo 10.º, o qual providencia junto do organismo congénere do Estado membro em causa a obtenção da informação pertinente”, não visa dispensar a apresentação dos documentos que a legislação comunitária e esta lei exigem ao condutor, mas a cooperação entre as entidades oficiais dos diversos países com vista ao efetivo cumprimento da legislação aplicável e à obtenção de elementos que eventualmente se mostrem necessários, para além dos documentos cuja apresentação é obrigatória. Os registos dos tacógrafos analógicos ou digitais, e/ou a declaração de atividade que contenha a causa objetiva de justificação na falta daqueles, têm sempre de ser apresentados aos agentes de controlo, independentemente da nacionalidade do condutor, empresa, início ou destino da viagem, pelo que não ocorre a inconstitucionalidade do art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa. Em relação aos condutores e empresas portuguesas as autoridades nacionais de controlo têm facilidade em averiguar, o que não se verifica quando estão em causa sujeitos jurídicos de países diferentes, caso em que a cooperação internacional é essencial para a prossecução dos objetivos de garantia da segurança e saúde no trabalho para os condutores e para a redução dos riscos inerentes a esta atividade perigosa em relação a quaisquer pessoas, animais ou bens que possam correr riscos pela condução efetuada fora das condições legais, como decorre do Regulamento CE n.º 561/2006, de 15.03. A empregadora do condutor e dona do veículo só deixaria de ser responsabilizada pela contraordenação verificada se provasse que organizou o trabalho de modo a que o condutor pudesse trazer consigo os discos tacógrafos utilizados pelos mesmos nos 28 dias anteriores ou a declaração com a causa justificativa objetiva da falta dos referidos registos. A arguida não provou que cumpriu este seu dever, pelo que é responsável pela prática da contraordenação e coima em que foi condenada.» A ora Relatora já sustentou ou subscreveu posição diversa em acórdãos da Relação de Coimbra, em que teve intervenção. Contudo, porque a posição então manifestada nos parece cada vez mais isolada e porque a a recente alteração da composição desta secção social nos leva a reponderar a questão, entendemos ser de rever a posição anterior, com base na própria legislação. Efetivamente, afigura-se-nos que artigo 15.º, n.º 7 do Regulamento (CEE) n.º 3821/85, na redação já referida, pretende essencialmente assegurar a imediata apresentação aos agentes do controlo das folhas de registo utilizadas no dia em curso e nos 28 dias anteriores. Nos termos legais, é a obrigação de apresentação que constitui o dever imposto pela norma. Repare-se na letra do dispositivo legal: «Sempre que o condutor conduza um veículo equipado com um aparelho de controlo em conformidade com o anexo I, deve poder apresentar, a pedido dos agentes do controlo: (i) as folhas de registo do dia em curso e as utilizadas pelo condutor nos 28 dias anteriores (…)». (realce nosso) Não sendo apresentadas todas ou alguma(s) das aludidas folhas de registo, deve o condutor apresentar um documento comprovativo que justifique a ausência das folhas de registo em relação aos dias em falta, pois só por esta via, o agente encarregado da fiscalização pode concluir que todas as folhas existentes com referência ao período temporal imposto pela norma, lhe foram apresentadas ou não e, nesta última situação, autuar o agente infrator. Neste sentido, v.g. Acórdão da Relação do Porto de 05/12/2011, P. 68/11.4TTVCT.P1 [Paula Leal de Carvalho]; Acórdão da Relação de Guimarães, de 20/10/2016, P.1154/15.7T8BCL.G1 [Alda Martins]; e, Acórdão da Relação de Lisboa, de 16703/2016, P. 196/15.7T8BRR.L1.4 [José Eduardo Sapateiro]. Face ao exposto, a matéria factual assente, leva-nos a concluir pelo preenchimento do elemento objetivo do ilícito, sendo irrelevante o facto descrito no ponto 15. Apreciemos agora o elemento subjetivo do ilícito que, seja na modalidade de dolo ou de negligência, tem de resultar sempre da matéria de facto dada como provada. O artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2010, veio dispor que “1. A empresa é responsável por qualquer infração cometida pelo condutor”, sem prejuízo da possibilidade da exclusão dessa responsabilidade no caso do n.º 2 desse preceito, de harmonia com o qual “2. A responsabilidade da empresa é excluída se esta demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) nº 3821/85, (…), e no capítulo II do Regulamento (CE) nº 561/2006 (…)”, caso este em que essa responsabilidade é do trabalhador, como se diz no seu nº 3, nos termos do qual “3. O condutor é responsável pela infração na situação a que se refere o número anterior ou quando esteja em causa a violação do disposto no artigo 22º.”. Este preceito veio dar execução ao disposto nos artigos 10.º, n.º 3, e 19.º, n.º 1, do Regulamento (CE) 561/2006, dele resultando a imputação da contraordenação ao empregador, salvo se este fizer a prova prevista no nº 2 do mesmo. No caso dos autos, a arguida/recorrida não obstante tenha demonstrado que organizava o trabalho dos seus motoristas por intermédio do gestor de tráfego, definindo o itinerário estradal, os concretos locais de carga e descarga da mercadoria, a velocidade média a que os motoristas devem circular, bem como as pausas e períodos de descanso, não logrou demonstrar especificamente que entregou ao motorista CC qualquer documento que permitisse justificar o incumprimento do dever imposto pelo artigo 15.º n.º 7 do Regulamento (CEE) n.º 3821/85, na redação dada pelo artigo 26.º do Regulamento (CE) n.º 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, ou que tenha transmitido instruções concretas, adequadas e suficientes para que o motorista pudesse obter tal documento e tê-lo na sua posse para ser exibido, no momento da fiscalização. A circunstância de ter resultado provado que a arguida proporcionou a todos os motoristas, nomeadamente ao condutor fiscalizado, formação relacionada com as normas estradais e de segurança rodoviária e lhes entregou o “Manual de Motorista”, são procedimentos, sem dúvida, importantes e necessários, mas não são adequados para garantir o planeamento da organização e realização do trabalho de harmonia com o regulamento. Este tem de ser feito no dia-a-dia da gestão do serviço de cada motorista, por forma a compatibilizar a sua atividade com o cumprimento das regras impostas pelo Regulamento. Destarte, não tendo a arguida ilidido a presunção de culpa, mostra-se igualmente preenchido o elemento subjetivo do ilícito, sob a forma de negligência por a arguida não ter agido com o dever de cuidado a que estava obrigada e de que era capaz. Em suma, os factos provados permitem-nos concluir que a arguida/recorrida cometeu o ilícito contraordenacional em causa no recurso, razão pela qual se impõe a revogação da decisão recorrida. Demonstrada a prática da contraordenação muito grave imputada pela ACT, e não tendo sido colocado em causa no recurso, o montante da coima aplicada pela ACT, há que confirmar a decisão administrativa quanto à concreta medida da coima aplicada. Concluindo, o recurso mostra-se procedente. * V. DecisãoNestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em dar provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e condenando-se a sociedade Transportes BB, Lda. pela prática de uma contraordenação muito grave resultante da violação do artigo 15.º n.º 7 do Regulamento (CEE) n.º 3821/85, do Conselho, de 20 de dezembro, na redação dada pelo Regulamento (CE) nº 561/2006, na coima de € 3.500,00. Sem custas. Évora, 8 de novembro de 2017 Paula Paço (relatora) Moisés Silva __________________________________________________ [1] Adjunto neste acórdão |