Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
| ||
Relator: | JOSÉ LÚCIO | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO ULTRAPASSAGEM CULPA | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 01/16/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | 1 – Tem culpa exclusiva na produção do acidente o condutor do veículo automóvel estacionado na faixa de rodagem, na posição mais próxima da berma direita, que de forma súbita abre totalmente a porta do lado esquerdo quando se aproximava outro veículo, que fazia a manobra para o ultrapassar pelo lado esquerdo e se encontrava já a apenas 5 metros de distância, fazendo com que este desvie a sua trajectória para a esquerda e invada a meia-faixa reservada ao trânsito de sentido contrário, aí embatendo noutro veículo. 2- Efectivamente, tendo-se provado que a meia faixa de rodagem em questão tem apenas 4 metros de largura, e atenta a súbita necessidade de evitar o embate na porta que se abriu a tão curta distância, não é possível censurar o condutor do segundo veículo por ter efectuado o aludido desvio para a esquerda da trajectória em que seguia e assim ter passado a ocupar parcialmente a hemi-faixa de rodagem destinada ao trânsito de sentido oposto, dessa forma originando o embate. Sumário do relator | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Évora: 1 – Relatório 1.1. A Autora …, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra a Ré “B... Seguros, SA.”, incorporada na … com sede na …, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia total de € 40.690,06, a título de danos patrimoniais, correspondente a despesas suportadas em virtude do acidente de viação relatado na petição inicial, acrescida de juros, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento. Alegou, para tanto e em síntese, que, na qualidade de seguradora do veículo automóvel de matrícula ...-...EA e por força do contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil, teve de suportar o pagamento dos danos causados às vítimas do acidente ocorrido, no dia 17/10/08, na localidade de Pinhal Novo. O acidente ocorreu por culpa exclusiva do condutor do veículo de marca Ford Focus, matricula ...-...TX, segurado na Ré, que se encontrava estacionado na faixa de rodagem e quando o veículo de matrícula ...-...EA se aproximava do local o seu condutor abriu totalmente a porta do veículo, acto contínuo e reflexamente, com o intuito de evitar a colisão o condutor do ...-...EA desviou a sua trajectória para o lado esquerdo e acabou por colidir com o veículo de matricula 45.-...TX, conduzido pelo J..., que por ali circulava. A Autora pagou os prejuízos e assistência médica e medicamentosa prestada às vítimas que seguiam no veículo 45.-...TX e, por isso, assiste-lhe o direito ao reembolso das quantias despendidas. Devidamente citada, veio a Ré Companhia de Seguros contestar, alegando, em suma, que o condutor do veículo de matrícula ...-...EA seguia no local a velocidade excessiva e, em consequência disso, despistou-se e foi colidir com o veículo que seguia em sentido contrário. É falso que o veículo de matrícula ...-...TX estivesse a ocupar a totalidade da via e, ainda, que o seu condutor tivesse aberto a porta de repente quando se aproximava o veículo de matrícula ...-...EA. Termina pedindo a improcedência da acção e a absolvição do pedido. Realizada a audiência de julgamento, veio a ser proferida sentença, na qual foi julgada a acção totalmente procedente, por provada e, em consequência condenada a Ré a pagar à Autora a quantia de €40.690,06 (quarenta mil seiscentos e noventa euros e seis cêntimos), acrescida de juros de mora desde a data da citação até integral pagamento. 1.2. A ré veio então interpor o presente recurso, que foi admitido como de apelação. A terminar as suas alegações, concluiu o seguinte: 1 – O acidente dos autos não se deu por culpa exclusiva do condutor Ford Focus TX seguro na Recorrente. 2 – É verdade que o condutor do referido TX, quando este estava estacionado, abriu a porta para sair, no momento em que o veículo EA se estava a aproximar do TX. 3 – Acontece que a Rua no local era uma recta, com boa visibilidade e 8m de largura. 4 – Nestas circunstâncias o condutor do EA tinha espaço suficiente para contornar o TX estacionado sem ter que invadir a faixa contrária, nem perder o controlo do veículo que conduzia. 5 – Acrescendo que o EA foi embater no veículo em sentido contrário muito depois de ter contornado a porta do TX e não porque estivesse prestes a cruzar-se com o veículo que foi embater. 6 – Se o condutor do EA conduzisse atento, com velocidade adequada e não tão próximo dos veículos estacionados, como devia, o acidente nunca teria acontecido. 7 – Sendo certo que com velocidade especialmente moderada, como estava obrigado, o condutor do EA teria conseguido desviar-se, retomar a sua mão, travar e parar no espaço livre, visível à sua frente, sem causar o acidente. 8 - O condutor do EA violou as regras dispostas nos artºs 13 º, 24º e 25º e 35º do Cód. da Estrada e violou o dever geral de atenção e cuidado que cumpre a todos os automobilistas, em especial na condução dentro das povoações. 9 – Se se entender que o comportamento do condutor do Focus TX também deve ser censurável, devem, então, ser repartidas as culpas em proporção maior de culpa para o condutor do EA que deu maior contributo ao acidente. 10 – Consequentemente, na douta sentença Recorrida não se censurou como se devia o comportamento do condutor do EA e não se aplicou o estatuído nos artºs 13º, 24º,25º e 35º do Cód. da Estrada, devendo por isso a mesma ser revogada, absolvendo-se a Recorrente do pedido ou pelo menos na menor proporção da sua responsabilidade. 1.3. Pela recorrida foram apresentadas contra-alegações, que concluem como se segue: A interpretação feita pela MMª Juiz não merece qualquer reparo. A alegação da Recorrente de que o condutor do veículo EA tinha tempo e espaço para se desviar do veículo Ford Focus TX, mesmo com a porta aberta, tendo agido sem cuidado e atenção, não tem qualquer sustento no elenco de factos provados nem qualquer fundamento lógico. A Recorrente apesar de alegar tal facto no seu articulado de defesa, nenhuma prova fez sobre o mesmo. Não é expectável a um condutor, que circule a velocidade moderada e em cumprimento das regras estradais deparar-se com veículos estacionados a ocupar parte da via de trânsito por onde circula e que o condutor de um desses veículos abra totalmente a sua porta. Ficou demonstrado, em sede de Audiência de Discussão e Julgamento que um condutor ao circular na via em questão e deparando-se com um veículo imobilizado parcialmente na referida via e com a porta aberta tem necessariamente de invadir a hemi-faixa contrária. Tanto assim é que resultou provado que, para evitar o embate na porta do Ford Focus TX, o condutor do veículo EA teve de desviar a trajectória do seu veículo para a esquerda, invadindo a via de circulação destinada ao trânsito de veículos em sentido oposto, acabando por embater com a parte frontal do veículo EA na parte frontal do veículo de marca Rover 45.-...TX. A alegação de que o condutor do veículo EA imprimia ao referido veículo uma velocidade desadequada ao local e estado do tempo não tem qualquer sustentabilidade na medida em que tal factualidade não resultou demonstrada, nem se pode extrair de qualquer facto provado. Dos depoimentos prestados e dos documentos juntos aos autos, não se impunha outra decisão, senão considerar como não provado tal facto. A factualidade dada como provada não impunha um enquadramento jurídico diverso daquele que foi decidido. O condutor do veículo seguro na Recorrida não contribuiu de forma alguma para a ocorrência da colisão. Não existem quaisquer dúvidas de que a culpa pela ocorrência do acidente foi do condutor do veículo seguro na Recorrente, por ter violado, com a sua conduta, os artigos 3º, nº2; 48.º, nº4, 53.º, nº2 e 54.º, nº 1 do Código da Estrada. Nestes termos e nos melhores de direito, que V. Exa. mui doutamente suprirá, não deve ser dado provimento ao presente recurso, mantendo-se a Douta Sentença Recorrida e, consequentemente, absolver-se a Recorrida do pedido, fazendo-se assim Justiça. 1.4. Cumpre agora conhecer do mérito do recurso de apelação que vem interposto. * 2 – Os FactosNa primeira instância foi julgada provada a seguinte matéria de facto com relevância para a decisão de fundo agora impugnada: 1 - No dia 17 de Outubro de 2008, pelas 20 horas, na Rua Ferreira de Castro, em Pinhal Novo, área da comarca de Setúbal, ocorreu uma colisão. 2 - Foram intervenientes nessa colisão o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...-...EA, conduzido pelo F... e o veículo de marca Rover e matrícula 45.-...TX, conduzido pelo J.... 3 - No lado direito da via, atento o sentido de marcha do veículo de matrícula ...-...EA, junto ao café “Choco Frito”, encontravam-se estacionados dois veículos. 4 - No veículo de marca Ford Focus, matrícula 32-87-TX, estava no seu interior, sentado no lugar do condutor, M… . 5 - O veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...-...EA, circulava na Rua Ferreira de Castro, pela hemi-faixa de rodagem da direita, atento o sentido de marcha Norte/Sul. 6 - No local a estrada desenvolve-se em recta. 7- A via possui duas hemi faixas de rodagem, uma em cada sentido de trânsito. 8 - A via tem 8 metros de largura. 9 - No local não existe qualquer linha longitudinal delimitadora dos sentidos de trânsito. 10 - A responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros com a circulação do veículo de matrícula ...-...EA, encontrava-se transferida para a Autora “A... Seguros, SA.” através de contrato de seguro titulado pela apólice de seguros nº34/851367. 11 - A responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros com a circulação do veículo 32-87-TX encontrava-se transferida para a Ré através do contrato de seguro do ramo automóvel titulado pela apólice n.º … . 12- Os veículos estacionados no local ocupavam parcialmente a hemi-faixa de rodagem por onde circulava o condutor do veículo ...-...EA. 13 - E iniciou a manobra para contornar os veículos pelo seu lado esquerdo. 14 - O condutor do veículo ...-...EA manobrou-o de forma a contornar os veículos estacionados encostado o mais à direita que possível da sua hemi-faixa de rodagem. 15 -Quando o veículo ...-...EA se encontrava a cerca de 5 metros do primeiro veículo estacionado, o Ford Focus de matricula …-…-TX, o seu condutor abriu totalmente a porta do lado esquerdo. 16 - O condutor do Ford Focus …-…-TX ocupou parcialmente a hemifaixa de rodagem destinada ao trânsito que seguia no sentido de marcha Norte/Sul. 17 - Para evitar o embate na porta do Ford Focus, o condutor do veículo ...-...EA desviou a trajectória do seu veículo para a esquerda, atento o seu sentido de marcha. 18 - Invadindo a hemi-faixa de rodagem destinada ao trânsito de veículos em sentido oposto. 19 - Acabando por ir embater com a parte frontal do veículo ...-...EA na parte frontal do veículo de marca Rover 45.-...TX, que seguia pela Rua Ferreira de Castro, no sentido de marcha Sul/Norte. 20 - O local da colisão era precedido de um cruzamento e uma curva. 21 - O piso estava molhado. No veículo 45.-...TX, conduzido pelo J..., seguia como passageira a I… . 22 - Em consequência do embate, a I… sofreu traumatismo torácico, hematoma forte no peito e hematoma ligeiro no ombro. 23 - A I… foi transportada para as urgências do Centro Hospitalar de Setúbal. 24 - Nesse estabelecimento hospitalar foram-lhe prestados cuidados médicos no montante de €106,00. 25 - Valor que a Autora pagou. 26 - A Autora pagou a quantia de € 1.634,59, a título de despesas de transportes, medicamentos e consultas. 27 - E a quantia de €463,82,00 em despesas de farmácia. 28 - À clínica Tiagos Clínica, Lda., a Autora liquidou a quantia de € 355,20, referente a consulta médica, sessões de fisioterapia e despesas medicamentosas. 29 - No dia 10/11/09, na Clínica de Todos em Santos, Lda., a I… foi submetida a uma intervenção cirúrgica de mamoplastia. 30 - Pela intervenção cirúrgica e exames médicos realizados a Autora pagou a quantia de € 3.330,27. 31 - A Autora pagou ainda a quantia de € 625,60, em despesas de deslocações às consultas e exames médicos. 32 - Em consequências das lesões que sofreu a I… esteve numa situação de incapacidade temporária absoluta [ITA] no período compreendido entre 17 de Outubro de 2008 até 23 de Março de 2009 e desde 05 de Fevereiro de 2010 a 14 de Abril de 2010. 33 - No período de 24 de Março de 2009 até 03 de Fevereiro de 2010, esteve numa situação de incapacidade temporária parcial [ITP] de 20%. 34 - De 15 de Abril de 2010 até 04 de Outubro de 2010 passou a uma situação de incapacidade temporária parcial de 25%. 35 - No dia 24 de Junho de 2010, a I… teve alta dos serviços clínicos da Autora. 36 - Em consequência das lesões ficou a padecer de uma Incapacidade Parcial Permanente [I.P.P.] de 3%. 37 – Pelos períodos em que a I... esteve em situação de incapacidade temporária a Autora pagou-lhe a quantia de €1.821,62. 39 - A Autora pagou à I... a quantia de € 20.000,00, a título de danos não patrimoniais. 40 - Em virtude do embate o J... sofreu escoriações no membro superior esquerdo, hematoma na pálpebra do olho esquerdo e dores pelo corpo. 41 - Após a colisão foi assistido no Centro Hospitalar de Setúbal. 42 - Nesse estabelecimento foram-lhe prestados cuidados médicos no montante de € 106,00. 43 -Valor que a Autora pagou. 44 - A Autora suportou ainda a quantia de €33,30 relativa a despesas de tratamento e de assistência clínica. 45- Em consequência das lesões sofridas o J... esteve em situação de incapacidade temporária absoluta [ITA], no período compreendido entre 18 a 23 de Outubro de 2008. 46 - A I... necessitou de acompanhamento de terceira pessoa, acompanhamento este que foi efectuado J.... 47 - O qual faltou ao trabalho nos dias 04/11/2008, 05//11/2008, 13/11/2008, 04/12/2008, 09/12/2008, 18/12/2008, 31/12/2008, 08/01/2009, 12/02/2009, 03/03/2009, 11/03/2009. 48 - A Autora efectuou ainda, no períodos em que o J... esteve em situação de incapacidade temporária, bem como, em que esteve a prestar assistência familiar a I..., o pagamento da quantia de € 401,60. 49 - Em consequência da colisão o veículo Rover 45.-...TX, sofreu estragos na parte frontal, capôt, pára-choques, faróis, radiadores, air bag, guarda-lamas, suspensão, transmissão. 50 - A Autora solicitou aos seus serviços técnicos a realização de uma peritagem ao veículo Rover de matrícula 45.-...TX. 51 - O veículo apresentava danos no valor de € 9.460,56. 52 - À data do sinistro, o veículo tinha um valor comercial de € 5.134,00. 53 - E valor dos salvados foi avaliado em €500,00. 54 - A reparação do veículo foi considerada economicamente inviável. 55 - O veículo Rover 45.-...TX foi considerado como perda total. 56 - A Autora suportou o pagamento da quantia de € 5.248.50 pela perda total do veículo Rover TX. 57 - A Autora disponibilizou um veículo de substituição ao dono do Rover TX. 58 - A Autora despendeu a quantia de €134,60 pelo aluguer do veículo de substituição. 59 - Com o parqueamento do veículo Rover TX, na oficina Pinhal Reboques, Lda. no período compreendido entre o dia 17/10/2008 e 18/12/2008, a ora A. despendeu, ainda, a quantia de € 512,40. 60 - No acidente ficaram danificados os óculos e o telemóvel do condutor do Rover no valor de € 342,80, quantia que a Autora pagou.” * 3 – O DireitoComo é sabido, é pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, salvo questões de conhecimento oficioso. Importa portanto apreciar o recurso de apelação interposto pela ré, tendo presentes as conclusões por ela apresentadas. Em face dessas conclusões, constata-se que a recorrente impugna o que foi julgado quanto à culpa do seu segurado na produção do acidente dos autos, que foi declarada exclusiva. Segundo a apelante, os factos ocorridos imporiam ou a atribuição da culpa total ao segurado da autora ou ao menos a repartição de culpas, de forma a repartir também as responsabilidades emergentes do acidente. Sublinha-se que não vem questionado o julgamento da matéria de facto, pelo que a factualidade a considerar é aquela que foi fixada na primeira instância. Porém, assim sendo, afigura-se fortemente comprometida a posição da recorrente. Com efeito, em sede de contestação tinha ela defendido a improcedência do pedido da autora alegando que a culpa do acidente cabia ao segurado desta, por circular no local a velocidade excessiva e, em consequência disso, ter-se despistado e ido colidir com o veículo que seguia em sentido contrário. Perante os factos apurados, constata-se que não ficou provado facto algum que corrobore esta versão do acidente. Por outro lado, alegava a ré que era falso que o veículo de matrícula ...-...TX (seu segurado) estivesse a ocupar a totalidade da via e, ainda, que o seu condutor tivesse aberto a porta de repente quando se aproximava o veículo de matrícula ...-...EA (segurado na autora). Todavia, provou-se factualidade muito diferente: os veículos estacionados ocupavam parcialmente a hemi-faixa de rodagem por onde circulava o condutor do veículo seguro na autora, e o seu condutor iniciou a manobra para contornar esses veículos pelo seu lado esquerdo, fazendo-o de forma a contornar os veículos estacionados encostado o mais à direita que lhe era possível na sua hemi-faixa de rodagem; e quando o seu veículo se encontrava a cerca de 5 metros do primeiro veículo estacionado, o Ford Focus de matricula …-…-TX (seguro na ré), o condutor deste abriu totalmente a porta do lado esquerdo, ocupando assim parcialmente a hemifaixa de rodagem destinada ao trânsito que seguia no sentido de marcha Norte/Sul, pelo que, para evitar o embate na porta do Ford Focus, o condutor do veículo seguro na autora desviou a trajectória do seu veículo para a esquerda, atento o seu sentido de marcha, invadindo a hemi-faixa de rodagem destinada ao trânsito de veículos em sentido oposto, e aí embatendo frontalmente noutro veículo (factos descritos sob os n.ºs 12 a 18), embate este de que resultaram mos danos ressarcidos pela autora. Este conjunto de factos, relativos à dinâmica do acidente e explicativos da sua causalidade, contraria decididamente as conclusões da recorrente. Na verdade, se recordarmos que no local a faixa de rodagem tem 8 metros de largura, portanto apenas 4 metros de largura para cada hemi-faixa, logo se conclui que muito dificilmente cabem na mesma meia faixa de rodagem dois veículos normais situados lado a lado (ficam apenas dois metros para cada um); e obviamente que se for salvaguardada uma distância mínima de segurança entre um veículo e o outro então torna-se inevitável que o veículo que ultrapassa outro, pela sua esquerda, já se encontra na necessidade de invadir parcialmente a meia faixa de rodagem reservada ao trânsito proveniente do sentido oposto. Todavia, o que se passou foi que o condutor do veículo seguro na ré, que estava estacionado ocupando o lado direito da via, abriu totalmente a porta do lado esquerdo, quando o veículo seguro na autora estava a efectuar a manobra para o ultrapassar e se encontrava já a apenas 5 metros do referido veículo. Tal significa, obviamente, que o condutor do veículo em movimento mal teve tempo para, num reflexo instintivo, desviar o seu veículo mais para a esquerda, de modo a evitar embater na porta que se abria ocupando mais um segmento da meia faixa de rodagem em que seguia. Considerando a rapidez dos acontecimentos, e o carácter quase automático desse gesto de desviar o veículo para a esquerda para fugir ao embate com a porta, não se encontram motivos para censurar o comportamento do condutor do veículo seguro na autora. Não havia tempo nem espaço que permitisse outra manobra. Todos os condutores estão obrigados a circular com a atenção e os cuidados necessários a garantir a sua própria segurança e a dos outros, mas não lhes é exigível que contem com a imprudência alheia, manifestada em comportamentos inopinados e imprevisíveis. A infracção aos deveres de cuidado que se detecta e se mostra causal em relação ao acidente foi aquela praticada pelo responsável pelo veículo seguro na ré. Ao desviar ainda mais para a esquerda a sua trajectória inevitavelmente o condutor do veículo seguro na autora teria que invadir parte da meia faixa de rodagem destinada ao trânsito contrário; e daí que ocorresse o embate com o veículo que no momento surgiu em movimento contrário. Mas essa deslocação para a esquerda resultou do aparecimento súbito do obstáculo representado pela abertura da porta, que impediu o desenrolar normal da ultrapassagem. Desde logo, o art. 3º do Código da Estrada, no seu n.º 2, obriga todos os utentes das vias públicas a abster-se de actos que impeçam ou embaracem o trânsito ou comprometam a segurança, como no caso foi a acção de abrir a porta do lado esquerdo do veículo estacionado na própria faixa de rodagem, diminuindo bruscamente o espaço desta (tendo em conta medidas mínimas, num veículo que tenha 170 ou 180 cm. de largura, e esteja estacionado a apenas 30 cm da berma, essa abertura representa a ocupação de um espaço na faixa de rodagem que atinge a largura de 2,50 ou 2,60 metros, ou mesmo mais, forçando o veículo ultrapassante, caso tente manter-se também a uns 30 cm. dessa porta, a ficar pelo menos a 3 metros da berma direita - o que implica obviamente a invasão da meia faixa de rodagem do lado esquerdo, já que cada hemi-faixa só dispõe de 4 metros). Daí que mereça concordância a sentença recorrida, onde se concluiu que o acidente ocorreu por culpa do condutor do veículo Ford Focus – as concretas circunstâncias integradoras da actuação culposa do condutor do veículo automóvel estiveram na origem da colisão, e não se lograram apurar factos susceptíveis de concluir que o acidente não emergiu única e exclusivamente do comportamento negligente deste. Uma vez que a responsabilidade civil decorrente da utilização do veículo automóvel Ford Focus encontrava-se transferida para a Companhia de Seguros ré por força do contrato titulado pela apólice junta aos autos, é esta companhia a responsável pelo ressarcimento dos prejuízos. E tendo a autora suportado os prejuízos (pagou aos lesados despesas de natureza médica, cirúrgica, hospitalar, indemnização por incapacidade temporária parcial e por incapacidade absoluta total, valor do veículo e ainda danos de natureza não patrimonial) ficou subrogada na titularidade do direito de crédito que pertencia originariamente aos credores primitivos (os sinistrados I... e J...). Em suma, decidiu bem a sentença recorrida, pelo que se impõe a sua confirmação – improcedendo o recurso da ré. Em suma: 1 – Tem culpa exclusiva na produção do acidente o condutor do veículo automóvel estacionado na faixa de rodagem, na posição mais próxima da berma direita, que de forma súbita abre totalmente a porta do lado esquerdo quando se aproximava outro veículo, que fazia a manobra para o ultrapassar pelo lado esquerdo e se encontrava já a apenas 5 metros de distância, fazendo com que este desvie a sua trajectória para a esquerda e invada a meia-faixa reservada ao trânsito de sentido contrário, aí embatendo noutro veículo. 2- Efectivamente, tendo-se provado que a meia faixa de rodagem em questão tem apenas 4 metros de largura, e atenta a súbita necessidade de evitar o embate na porta que se abriu a tão curta distância, não é possível censurar o condutor do segundo veículo por ter efectuado o aludido desvio para a esquerda da trajectória em que seguia e assim ter passado a ocupar parcialmente a hemi-faixa de rodagem destinada ao trânsito de sentido oposto, dessa forma originando o embate. * 4 – DecisãoPelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação, e, consequentemente, em confirmar a sentença recorrida. Custas pela apelante. Notifique. Évora, 16 de Janeiro de 2014 (José Lúcio) (Francisco Xavier) (Elisabete Valente) |