Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
17/09.0GBLGS.E1
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
DEVERES QUE PODEM CONDICIONAR A SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
JUÍZO DE CONVENIÊNCIA E ADEQUAÇÃO
Data do Acordão: 03/19/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSOS PENAIS
Decisão: PROVIDOS EM PARTE
Sumário:
I - A subordinação da suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta está condicionada a um julgamento sobre a conveniência e adequação desse dever ou regra à realização das finalidades da punição.

II - Independentemente desse condicionamento, por imperativo constitucional as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são sempre fundamentadas, devendo também ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão de subordinação da suspensão da prisão ao cumprimento de um dever.

III - A imposição do dever não é automática nem arbitrária, carece de fundada justificação na fundamentação da sentença, não podendo o tribunal limitar-se a estipulá-la no dispositivo.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. No Processo comum colectivo n.º 17/09.0GBLGS, do 2º juízo do Tribunal Judicial de Lagos, foi proferido acórdão em que se decidiu:

– Condenar J, pela prática de um crime de falsificação de documento das alíneas b) e e) do nº 1 e nº 3 do art. 256º do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão; pela prática de cada um de dois crimes de furto qualificado da alínea b) do nº 1 do art. 204º do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão; em cúmulo, na pena única de 5 anos de prisão, suspensa por igual período na sua execução, sujeita à condição de entregar em 18 meses 1.500 euros à Prevenção Rodoviária Portuguesa;

– Condenar AM, pela prática de um crime de falsificação de documento das alíneas b ) e e ) do nº 1 e nº 3 do artº 256º do Código Penal, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão; pela prática de cada um de dois crimes de furto qualificado da alínea b ) do nº 1 do artº 204º do Código Penal, na pena de 3 anos e 4 meses de prisão; em cúmulo, na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão;

– Condenam AJ, pela prática de um crime de falsificação de documento das alíneas b ) e e ) do nº 1 e nº 3 do artº 256º do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão ; pela prática de cada um de dois crimes de furto qualificado da alínea b ) do nº 1 do artº 204º do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão; em cúmulo, na pena única de 7 anos de prisão.

Inconformados com o assim decidido, recorreram os três arguidos.

Tendo falecido entretanto o arguido AP, foi declarado extinto o procedimento criminal quanto a ele.

O arguido J, apresentou as conclusões seguintes:

“I - Vem o presente recurso interposto do douto acórdão de fls. ..., que: (…). Contudo,

II - O Arguido J não regista antecedentes criminais.

III - A conduta do Recorrente anterior aos factos e a posterior a estes denotam que a prática dos crimes pelos quais foi condenado pelo Tribunal “a quo” se tratou de um caso isolado, sem precedentes.

IV - O douto Tribunal "a quo", conhecendo a falta de registo de antecedentes criminais do Arguido, dispunha de fundamento bastante para censurar o Recorrente com uma pena de prisão não superior a 8 (oito) meses, pela prática do crime de falsificação de documento, previsto e punido pelas als. b) e e) do nº. 1 e nº. 3 do artº. 256º. do Cód. Penal, uma pena de prisão não superior a 1 (um) ano, pela prática de cada um dos crimes de furto qualificado, ambos previstos e punidos pela al. b) do nº. 1 do artº. 204º do Cód. Penal, operando o cúmulo jurídico destas penas, justificava-se que fosse imposta ao Recorrente a pena única de um ano e seis meses de prisão, suspensa por igual período na sua execução.

V - E não o tendo feito, violou o disposto no artº. 71º., nºs. 1 e 2 do Cód. Penal.

VI - Ao condenar o Recorrente em pena de prisão inferior ao aplicado, nos termos ora pugnados, dar-se-á grande contributo para a reintegração do agente na sociedade, cumprindo-se o disposto no artº. 40.º do Cód. Penal, assim, merecendo provimento o presente Recurso.

VII - A obrigação de suspensão da execução da pena de prisão com imposição de deveres (artº. 50.° nºs. 2 e 3, do Cód. Penal), deve responder à ideia da exigibilidade e ao princípio da proporcionalidade que são ideias básicas do Estado de Direito.

VIII - Assim, conexionando esta obrigação com a cláusula de exigibilidade e o princípio da proporcionalidade, estabelece o artº. 51.°, n°. 2 do Cód. Penal que "os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir".

IX - Ora, provou-se que o Arguido vive com a sua companheira, é agente imobiliário e está desempregado. Nada mais quanto à sua situação económica.

X- O Tribunal "a quo" não teve em conta a situação económica e demais condições de vida do Arguido ao impor-lhe um dever que representa para ele e para o seu agregado familiar uma obrigação de carácter pecuniário, cujo cumprimento não é razoavelmente de lhe exigir.

XI - Qualquer cálculo que se pretenda fazer sobre qual seja a capacidade do Arguido para suportar um encargo económico, resulta arbitrário. Não é possível afirmar-se, com seriedade, que é adequado à sua situação onerá-lo com esta ou aquela quantia.

XII - Assim, sem uma base minimamente segura quanto a uma condição de solvência económica adequada à obrigação a fixar, não é legal decretar uma condição de suspensão da pena como a dos autos.

XIII - A imposição de tal dever, nas actuais circunstâncias de vida do Arguido, significa, previsivelmente, uma condenação em prisão efectiva.

XIV - O Tribunal “a quo” violou o princípio da razoabilidade que preside ao disposto no artº. 51º. n°. 2 do Cód. Penal e interpretou o artº. 50°. do mesmo Diploma legal com um alcance que ele não impõe, porquanto as necessidades de prevenção geral e especial estão asseguradas com a ameaça da pena de prisão.

XV - Por outro lado, dizer-se que o Arguido sempre poderá provar que não pôde, sem culpa, proceder ao pagamento, é inverter o sentido da lei; é onerar o Arguido com uma fonte de ansiedade e de incerteza, além do gravame processual, que não pode ter estado na intenção legislativa.

XVI - Nestes termos, terá de concluir-se que no caso dos autos, a suspensão da execução da pena subordinada à obrigação de entrega, em 18 meses, da quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) à Prevenção Rodoviária Portuguesa, extravasa as capacidades de pagamento do Arguido e se tome, por essa via uma condição ferida de irrazoabilidade, em violação do disposto no artº. 51.°, nº. 2, do Cód. Penal; e, portanto, é ilegal decretá-la.

XVII - Logo, o douto acórdão recorrido violou expressamente o disposto nos artºs. 50º., nºs. 1 e 2 e 51º., nºs. 1 e 2, ambos do Cód. Penal.

XVIII - Verificam-se, no entender do Arguido, os pressupostos da aplicação da suspensão da pena de prisão na modalidade simples, e consequentemente deve revogar-se a obrigação imposta no douto acórdão ora recorrido.

NESTES TERMOS, requer-se a V. Exªs. Senhores Conselheiros, seja dado provimento ao presente recurso, considerando-o procedente e, em consequência, revogando parcialmente o douto acórdão recorrido e substituindo-o por outra decisão que:

a) Condene o Arguido numa pena de prisão não superior a 8 (oito) meses, pela prática do crime de falsificação de documento, previsto e punido pelas als. b) e e) do nº. 1 e nº. 3 do artº. 256º. do Cód. Penal, numa pena de prisão não superior a 1 (um) ano, pela prática de cada um dos crimes de furto qualificado, ambos previstos e punidos pela al. b) do nº. 1 do artº. 204º do Cód. Penal; e operando o cúmulo jurídico destas penas, numa pena única de um ano e seis meses de prisão, suspensa por igual período na sua execução.

b) Verificando-se os pressupostos da aplicação da suspensão da pena de prisão na modalidade simples, revogue a obrigação imposta no douto acórdão recorrido de entrega, em 18 meses, da quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) à Prevenção Rodoviária Portuguesa,”.

O AM apresentou as conclusões seguintes:

“1. (…) 3. Desde logo, e como questão prévia, entende o Recorrente que a audiência de discussão e julgamento, datada de 18 de Novembro de 2010, se acha irremediavelmente ferida de nulidade.

4. Isto porque, tal como consta do despacho recorrido, o Recorrente não esteve presente na referida audiência.

5. E, assim sendo, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 333º C.P.P., verificando-se a falta de um arguido regularmente notificado, tem o tribunal que, das duas uma: • limitar-se a tomar as medidas admissíveis e necessárias para obter a sua comparência ou • adiar a audiência – se a presença do arguido se mostrar indispensável para a descoberta da verdade material – e bem assim tomando todas as medidas admissíveis por lei para garantir a comparência daquele

6. Sendo que, no caso em apreço, o tribunal de 1ª Instância não fez, nem uma, nem outra – permitindo o inicio e desenrolar da audiência como se o Recorrente estivesse presente.

7. Ademais, como é por todos consabido, a regra é a da obrigatoriedade da presença do arguido, como claramente se retira do n.º 1 do art. 332º do C.P.P. – só excepcionável nos casos e nos termos do já referido n.º 1 do art. 333º do C.P.P.

8. Ou seja, perante a falta do Recorrente, o tribunal a quo devia ter, pelo menos, determinado que fossem realizadas as diligências possíveis e necessárias para assegurar a presença daquele – o que, lendo a acta lavrada da referida audiência, bem se percebe, não fez!

9. Assim sendo, e como a douta Relação de Coimbra muito bem reconheceu (em Acórdão já parcialmente transcrito no corpo do presente recurso), na esteira, aliás, do entendimento do Supremo Tribunal de Justiça quanto à mesma questão, encontra-se a dita audiência ferida, nos termos conjugados dos arts. 118º/1 e 119º/c), ambos do C.P.P., de nulidade insanável – tornando-se, assim, num acto manifestamente inválido.

10. E a cominação de tal nulidade não poderá ser outra que não a repetição, quanto ao arguido aqui recorrente, da audiência de discussão e julgamento, de acordo com o n.ºs 1 e 2 do art. 122º do C.P.P.

11. Ou seja, devem V.Exas. determinar a invalidade da audiência de discussão e julgamento realizada a 18-11-2010, por a mesma se encontrar ferida de nulidade, determinando que a mesma seja, quanto ao aqui Recorrente, repetida.

12. Ao que acresce que, no modesto entendimento do Recorrente, a presença deste em audiência era indispensável para a descoberta da verdade material.

13. Pelo menos, no tocante ao crime de falsificação de documento constante dos autos.

14. Isto porque, o referido ilícito penal, exige, para que se considere ter sido praticado, um fortíssimo elemento volitivo do agente – ou seja, este tem que, no mínimo, ter conhecimento da alegada falsificação.

15. Dito de outro modo, para que alguém possa ser condenado pelo crime previsto nas alíneas b) e e) do n.º 1 e n.º 3 do art. 256º do Código Penal, tem que se estabelecer que estava, pelo menos, ciente da dita falsificação.

16. Ora, in casu, tal convicção só poderia ter sido formada (ainda para mais quando, como se disse no corpo do presente recurso, inexistem quaisquer elementos probatórios nos autos relativos a este crime) com a presença, em audiência, do Recorrente – porquanto este era o único que podia esclarecer o tribunal sobre se quis falsificar, ou se sabia que a matrícula do veículo em que se fazia transportar se achava adulterada de modo a auxiliar ao cometimento dos alegados crimes de furto qualificado de que vinha, também, acusado.

17. Razão pela qual, deveria o tribunal recorrido, conforme plasma o n.º 1 do art. 333º do C.P.P., ter adiado a audiência de discussão e julgamento.

18. Não o tendo feito, veio a fazer com que aquela audiência ficasse viciada de nulidade insanável nos termos da alínea c) do art. 119º do C.P.P. – tendo como consequência que a mesma tenha que, ao abrigo dos n.ºs 1 e 2 do art. 122º C.P.P., ser, no tocante ao Recorrente, repetida.

19. Note-se que, como já se discutiu amplamente antes, quanto à ausência do Recorrente nada consta da acta lavrada da audiência de discussão e julgamento daquele dia de 18-11-2010 (que foi, aliás, a única sessão).

20. O tribunal recorrido não deixou consignado, nem que tenha feito qualquer diligência para assegurar a presença do Recorrente (porque, efectivamente, nada foi feito nesse sentido), nem que entendia que a presença deste era dispensável para o apuramento da verdade material, fundamentando-o.

21. Ora, este comportamento por parte do tribunal recorrido é gritantemente atentatório dos direitos do Recorrente – seja do seu direito a estar presente nas diligências que lhe digam respeito (arts. 61º/1/a) e 332º/1 do C.P.P.), seja dos princípios da oralidade e da imediação na audiência, seja do seu direito – constitucionalmente consagrado e protegido – de que lhe sejam asseguradas todas as garantias de defesa (art. 32º/1 da Constituição da República Portuguesa)!

22. Pelo que, e para os devidos efeitos legais, se alega a inconstitucionalidade da interpretação feita pelo tribunal recorrido da norma constante do art. 333º/1 C.P.P., no sentido de permitir o inicio e desenrolar da audiência de discussão e julgamento, na ausência do arguido (sem o seu consentimento), sem que seja feita qualquer diligência no sentido de assegurar a presença do mesmo, ou sem a adiar (uma vez que, como se sustentou já, no caso em apreço, deve entender-se que a presença daquele era indispensável para a descoberta da verdade material), por violação do art. 32º/1 da C.R.P.

23. No concernente à matéria de facto dada como provada o Recorrente impugna, nos termos da alínea a) do n.º 3 do art. 412º C.P.P., o constante dos pontos 1. a 4.

24. Quanto ao que se acha provado no ponto 1. da matéria de facto dada como provada o Recorrente não pode concordar com o ter-se considerado provado que tenham sido “os arguidos” a romperem a fechadura do veículo “Peugeot 206”, nele tendo entrado e dali retirado os objectos constantes dos autos.

25. Isto porque, pura e simplesmente, não foi produzida qualquer prova nesse sentido – note-se que nem qualquer das testemunhas ouvidas afirmou ter visto os Arguidos (qualquer deles) a perpetrar os actos descritos no ponto anterior das presentes conclusões, nem qualquer outro dos elementos recolhidos durante o Inquérito aponta nesse sentido!

26. O que apenas se provou foi que, de algum modo que não foi possível apurar-se, os Arguidos vieram a apossar-se dos bens que estavam no interior da já referida viatura.

27. Neste particular, atente-se, em especial, nas declarações da testemunha da Acusação JR – já acima devida e oportunamente identificadas e parcialmente transcritas e que indicam, sem margem para dúvidas, que nem mesmo o denunciante viu qualquer dos arguidos a entrar dentro da viatura em apreço.

28. Razão pela qual, deve o ponto 1 da matéria de facto dada como provada passar a ter a seguinte redacção:

1. No dia 16.2.2009, pelas 12.30 horas, na Praia do Pontal da Carrapateira, Aljezur, os arguidos apossaram-se de objectos, documentos e dinheiro que se encontravam no interior do veículo “Peugeot 206” usado por BG, cujo valor ultrapassava os 370 euros.”

29.Também o ponto 2 da matéria de facto dada como provada, no entender do Recorrente, se acha incorrectamente julgada.

30. Porque, novamente, o tribunal recorrido entendeu que foram os Arguidos (todos eles) que “entraram” no veículo “Peugeot 106” e dali “retiraram” objectos, jóias, documentos e dinheiro quando nenhum dos elementos de prova vai nesse sentido!

31. Novamente fazendo fé no depoimento da testemunha da Acusação JR (devidamente identificado e parcialmente transcrito supra), apenas um dos arguidos – não se precisando qual – entrou dentro da viatura em causa.

32. Aliás, o próprio tribunal recorrido assim o reconhece na fundamentação da sua decisão (cfr. fls. 788 dos autos) – o que evidencia, a nosso ver, a existência de uma contradição insanável, nos termos da alínea b) do n.º 2 do art. 410º C.P.P., entre este ponto 2. da matéria de facto dada como provada e a fundamentação da decisão de 1ª Instância.

33. Pelo que, deve o ponto 2. da matéria factual dada como provada passar a ter a seguinte redacção:

2. Na mesma ocasião e de seguida, um dos arguidos abeirou-se da viatura “Peugeot 106” de JM e GR, ali entrou e do mesmo retirou objectos, jóias, documentos e dinheiro que ali estavam e cujo valor ultrapassa os 929 euros.”

34. No que concerne ao ponto 3. da matéria dada como provada, não pode o Recorrente conformar-se com o facto de se ter dado como provado algo em relação ao qual o acervo probatório é completamente inexistente.

35. Em síntese, e além do denunciante anónimo (cuja denúncia não pode sequer ser valorada pelo tribunal recorrido), ninguém observou que os arguidos se deslocassem num veículo cuja matriculo não fosse a constante do respectivo registo automóvel.

36. Ambos os militares da G.N.R., testemunhas da Acusação, que depuseram (e cujos depoimentos foram já acima concretamente identificados e parcialmente transcritos) afirmam peremptoriamente que, desde o primeiro momento em que avistaram a viatura BMW 118 em que os arguidos se faziam transportar, a matrícula desta era a que constava do respectivo registo automóvel – a saber, xxx.

37. Ou seja, não foi produzida qualquer prova no sentido de os Arguidos, em qualquer momento, terem aposto à matrícula em causa qualquer artifício que a alterasse.

38. Nem sequer o facto de terem sido apreendidos aos Arguidos, aquando da sua detenção, autocolantes com o n.º 0 prova, ou sequer indicia, que aqueles tivessem adulterado a matrícula do carro em que seguiam!

39. Assim sendo, terá este ponto 3. da matéria de facto dada como provada que passar para a factualidade dada como não provada.

40. No referente ao ponto 4. da matéria dada como provada, e pelas razões acima apresentadas, não se pode admitir-se ter-se consignado que os Arguidos tivessem falsificado a já referida matrícula, por forma a não serem responsabilizados pelos pretensos furtos que alegadamente terão cometido.

41. Porque, repete-se, carreados os autos, verificamos não existir qualquer elemento probatório que aponte nesse sentido.

42. Deste modo, deverá o ponto 4. da matéria de facto dada como provada passar a ter a seguinte redacção:

“4. Agiram de forma concertada, livre, deliberada e consciente, querendo fazer seus os objectos e valores que estivessem nos veículos, sabendo a sua conduta proibida.”

43. No que se refere à matéria de Direito, o Recorrente, desde já alega (novamente) a existência de contradição insanável entre parte da factualidade dada como provada no ponto 2. da matéria de facto dada como provada e a fundamentação do Acórdão recorrido – conforme esta se encontra estabelecida na alínea b) do n.º 2 do art. 410º do C.P.P.

44. Ou seja, é contraditório afirmar-se, naquele ponto 2., que os arguidos entraram no “Peugeot 106” e dali retiraram objectos e, após, na fundamentação sustentar que apenas um dos Arguidos (não se precisando qual) penetrou no interior da viatura em causa – e isto mesmo tendo em consideração que o tribunal recorrido considerou que os arguidos actuaram em equipa (“de forma concertada”).

45. Em relação ao crime de falsificação por que o Recorrente foi condenado, é entendimento deste (como, aliás, se alegou já) que tal condenação não podia ter acontecido, visto que inexistem nos autos elementos probatórios que permitam sustentar tal condenação.

46. Resumindo, e tendo em conta a prova testemunhal (a única de onde se poderia extrair qualquer elemento que suportasse a convicção de que os Arguidos, e concretamente o Recorrente, tivessem praticado o crime de falsificação em causa), temos que ninguém viu, em momento algum, no veículo automóvel em que os arguidos se faziam transportar qualquer outra matrícula que não a constante do respectivo registo automóvel.

47. Como se disse, a única pessoa que terá avistado os arguidos num veículo cuja matrícula não fosse a devidamente registada foi o denunciante anónimo – porém, a denúncia em causa, não só pode estar baseada num erro de quem a fez (não é difícil, a uma certa distância confundir um “6” com um “0”), como, de todo o modo, não pode ser valorada pelo tribunal.

48. E note-se que, mesmo que houvesse algum elemento de prova que pudesse suportar a convicção de que os Arguidos haviam aposto, ao veículo em que se transportavam, algum artificio que alterasse a respectiva matrícula (que, como se disse já amplamente, não há) o tribunal recorrido nunca poderia ter condenado o Recorrente pelo crime de falsificação de documento referido.

49. Isto porque, como também já se deixou claro, tal crime exige, pelo menos, que o agente tenha conhecimento da falsificação que lhe é imputada.

50. Ora, em concreto, nada se apurou quanto ao conhecimento, pelo Recorrente, de que o veículo “BMW 118” em que seguia, circulava com uma matrícula adulterada.

51. Não há, quanto a isto, qualquer prova testemunhal ou outra, sendo que o Recorrente não esteve presente na sessão única de discussão e julgamento!

52. Pelo exposto, quanto ao crime de falsificação de documento, terão V. Exas. que determinar a absolvição do Recorrente.

53. Mas, seja como for, o Recorrente entende que a pena que concretamente lhe foi aplicada se encontra incorrectamente determinada.

54. Da leitura da fundamentação da decisão ora recorrida, percebe-se (porquanto o tribunal a quo o assume abertamente) que a medida concreta das penas aplicadas aos arguidos se baseou exclusivamente no registo criminal dos mesmos.

55. Isto porque este é o único elemento objectivo relevante de que o tribunal de 1ª Instância teve conhecimento.

56. Sendo que, no que concerne ao Recorrente, o seu registo criminal apenas aponta a condenação, em 22.6.2005, na pena de prisão de 1 ano, pela prática de 1 crime de evasão, cometido em 7.8.1996.

57. Porém, o tribunal olvidou considerar que, desde logo, o crime em causa foi imediata e integralmente perdoado.

58. Depois, que esse crime de evasão foi perpetrado cerca de 13 anos antes dos factos objecto dos presentes autos, sendo respeitante a uma evasão do Recorrente do estabelecimento prisional em que se encontrava preventivamente detido por um crime que não havia cometido – o que se confirma pela inexistência de qualquer outro registo no seu C.R.C.

59. Ademais, o tribunal recorrido faz também uma incorrecta interpretação da fonte de rendimentos do Recorrente – que, pelo menos até Maio de 2008 fez descontos para a Segurança Social e, pelo menos até 2005, cumpriu, na íntegra, as suas obrigações fiscais (cfr. ponto 7. da matéria de facto dada como provada pelo tribunal recorrido).

60. Ao que acresce que o Recorrente é pai de dois filhos maiores que lhe providenciarão o necessário apoio económico e uma forte estrutura soció-familiar.

61. Em suma, não se compreende como pôde o tribunal a quo ter aplicado ao Recorrente uma pena única mais gravosa do que aquela que aplicou ao co-Arguido J – sendo que a situação de ambos, pelo que já se explicou, é virtualmente idêntica.

62. Porque, também quanto ao Recorrente, a ameaça de cumprimento de pena de prisão efectiva se afigura como suficiente, tanto no que respeita à prevenção geral, como à prevenção especial.

63. Aliás, na óptica do Recorrente, a distinção referida entre o Recorrente e o co-Arguido J, não só viola o disposto no art. 71º do C.P., como a própria interpretação feita pelo tribunal de 1ª Instância deste preceito normativo no sentido de permitir aplicar penas distintas ao Recorrente e ao co-Arguido mencionado é inegavelmente violadora do princípio da igualdade previsto no art. 13º da C.R.P. – inconstitucionalidade que desde já se alega.

64. Ademais, pelo que se disse supra, e para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art. 412º C.P.P., a decisão recorrida viola, manifestamente o art. 71º do C.P.

65. Pelo exposto, deverão V. Exas., no limite, determinar a redução da medida concreta da pena aplicada ao Recorrente para uma pena única de 5 anos de prisão, suspensa por igual período.

Nestes termos, e nos mais de Direito, devem V. Exas. julgar procedente o presente recurso e, em consequência:

• determinar a nulidade insanável da audiência de discussão e julgamento de 18 de Novembro de 2010, nos termos dos arts. 118º/1 e 119/c) do C.P.P., por violação, pelo tribunal recorrido, do disposto no n.º 1 do art. 333º C.P.P. – por, verificando que o Recorrente, regularmente notificado para tal, não estava presente na dita audiência, nada ter determinado no sentido de serem feitas as possíveis e necessárias diligências para assegurar a sua presença ou

• determinar a nulidade insanável da audiência de discussão e julgamento de 18 de Novembro de 2010, nos termos do art. 119º/c) do C.P.P., por, sendo a presença do Recorrente indispensável para a descoberta da verdade material (pelo menos no tocante ao crime de falsificação de documento), não ter, como se encontra plasmado no n.º 1 do art. 333º C.P.P., decidido o adiamento daquela. Ou

• considerar procedentes as alegações atinentes às alterações dos pontos 1., 2. e 4. da matéria de facto dada como provada e passar o ponto 3. da matéria de facto dada como provada para a matéria de facto não provada. Ou

• determinar a absolvição do Recorrente no concernente ao crime de falsificação de documento objecto dos autos, por manifesta falta de prova que sustente decisão contrária, ou, no limite,

• determinar a redução da medida concreta da pena única aplicada ao Recorrente para 5 anos de prisão, suspensa na sua execução.”.

O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela improcedência e concluindo por seu turno:

Quanto ao recurso do arguido J,

“1ª - O Tribunal na determinação das penas parcelares aplicadas atendeu às fortes exigências de prevenção geral tendo em conta o volume enormíssimo de furtos deste tipo que anualmente acontecem como se pode constatar através dos Inquéritos contra desconhecidos que são anualmente instaurados e arquivados nesta Comarca de Lagos e a sangria de divisas que representam na maioria dos casos as indemnizações pagas aos estrangeiros.

2ª – O Tribunal atendeu igualmente às circunstâncias enumeradas no artigo 71º do Código Penal, nomeadamente as referidas nas alíneas a) e e), esta de forma positiva, como também na determinação da pena única no artigo 77º do mesmo Código, pelo que as penas parcelares são justas e adequadas, como igualmente o é a pena única aplicada em cúmulo jurídico.

3ª - O montante da quantia condição da suspensão da pena é razoavelmente de exigir pois o facto de o Tribunal só ter dado como provado que o recorrente vive com a sua companheira, que é agente imobiliário e que está desempregado e não ter sido possível averiguar mais relativamente às suas condições sociais por sua falta voluntária de colaboração, conforme informações dadas pelo I.R.S., visava condicionar o Tribunal no sentido de inviabilizar a sua condenação em penas de carácter pecuniário para além do mínimo que poderia ser exigido, sempre podendo argumentar, como agora, com a sua incapacidade económica.

4ª – Contudo referiu o recorrente que era inventor de artefacto regulador de dióxido de carbono - que o Tribunal só não deu como provado por não ter o recorrente confirmado a invenção – pelo que os direitos da comercialização da respectiva patente sempre darão ao seu autor compensação mais ou menos avultada, pelo que o montante da condição de suspensão da pena conjugado com o prazo para o seu pagamento torna a condição viável, razoável e exigível.

5ª - Ao impor a condição e os seus termos quis o Tribunal fazer sentir ao condenado o mal que tinha feito à sociedade e contribuir deste modo para que esta o aceitasse novamente, não impor-lhe uma condenação em prisão efectiva o que se intui se se atender ao seu valor fraccionado que dará cerca dos 83 €/mês.

6ª – O Tribunal fez uma correcta aplicação dos artigos 50º nºs 1 e 2, 51º nºs 1 e 2 e 71º nºs 1 e 2, todos do Código Penal.”

Quanto ao recurso do arguido AM,

“1ª – A não comparência do recorrente à Audiência de 18/11/2010 seguiu-se à sua não comparência às Audiências de 24/6/2010 (fls. 678/679), apesar de devidamente notificado e à de 21/10/2010, sendo que por ausência dos arguidos as Audiências foram sucessivamente adiadas até à referida de 18/11/2010, tendo o Tribunal considerado que era conveniente para a descoberta da verdade o julgamento conjunto de todos os arguidos e assim pretendeu garantir a comparência do recorrente, o que não aconteceu por sua livre e consciente vontade, não tendo sequer justificado a ausência.

2ª – No respeitante à obrigatoriedade ou não da presença do arguido na Audiência de Julgamento os presentes autos mostram à evidência a diligência do Tribunal: o recorrente prestou TIR, foi notificado das datas designadas para o julgamento e não obstante o Tribunal ter adiado por 3 vezes para conseguir a sua comparência o mesmo não compareceu nem tão pouco justificou a falta, nem foi requerido que pretendia prestar declarações até ao encerramento da Audiência, pelo que legitimou a possibilidade do julgamento ocorrer na sua ausência, não se verificando qualquer nulidade.

3ª – O recorrente, não obstante ter tomado conhecimento das obrigações decorrentes do TIR das quais se alheou, somente se tendo interessado pela situação assim que se viu confrontado com a condenação na pena de 5 anos e 6 meses de prisão, o vir agora arguir a nulidade do Acórdão por facto por si criado só pode significar que a sua pretensão era provocar a morosidade na aplicação da justiça e com isso garantir a sua impunidade.

4ª – O crime de falsificação não exigiu, para ser dado por provado, a presença em Audiência do recorrente porque dentro da viatura que o recorrente e os seus companheiros previamente alugaram e onde se deslocavam quando interceptados pela GNR, foram encontrados além dos objectos furtados das viaturas assaltadas também ferramentas próprias de gatunos de automóveis e ainda autocolantes com o número "0", iguais ao aposto na referida viatura, donde resulta óbvia a intenção dos condenados em proceder à falsificação, tratando-se aliás do modus operandi habitual neste tipo de crime de furto no interior de veículo.

5ª – A omissão de nada constar na Acta de Julgamento sobre o Tribunal não considerar absolutamente indispensável a presença do recorrente no julgamento configura uma mera irregularidade que por não ter sido arguida se encontra sanada; não obstante sempre se diz que se tratou de um manifesto e evidente lapso em relação ao qual já foi requerida a respectiva correcção com vista à mesma reflectir o que exactamente se passou.

6ª – Assim não foi violado qualquer direito de defesa do recorrente como os princípios de estar presente na Audiência, da oralidade e da imediação por força do artigo 333º nº 2, tendo em conta que está amplamente justificada a razão porque se procedeu ao julgamento, nem se encontra por esse mesmo motivo de qualquer modo beliscado o seu direito de defesa consagrado no artigo 32º nº 1 da CRP.

7ª – A alegada inconstitucionalidade da interpretação atribuída ao Tribunal da norma do artigo 333º nº 1 do CPP no sentido de se iniciar a Audiência na ausência do recorrente soçobra desde logo por força do erro em que o recorrente manifestamente navega de não considerar que o julgamento foi duas vezes adiado pela sua não comparência do recorrente como aconteceu.

8ª – No respeitante à impugnação da matéria de facto há a salientar que

- Tendo sido três os arguidos condenados pela sua actuação em co-autoria, só o aqui recorrente põe em causa os factos provados e não obstante fazer apelo ao princípio da igualdade na aplicação das penas a si e ao também condenado pelos mesmos factos J;

- O recorrente não tira qualquer consequência da impugnação, aceitando a condenação quanto aos crimes de furto, discordando de pormenores dos factos provados que não colidem com os elementos do tipo.

9ª - Quanto ao ponto 1 dos factos provados a circunstância de o recorrente com outros dois companheiros terem sido sinalizados a olhar para dentro dos carros, serem posteriormente apanhados pela GNR que os perseguiu e na revista ao veículo os apanhou com os objectos furtados dos veículos assaltados, transportando ainda ferramentas próprias dos gatunos de automóveis, ainda o estar rompida/estroncada a fechadura do veículo assaltado Peugeot 206, tudo são factos concretos que face às regras da experiência comum apontam inelutavelmente para o facto provado.

10ª - O referir-se o plural no facto provado sob o nº 2, concretamente que "os arguidos abeiraram-se da viatura, ali entraram e do mesmo retiraram …" está a exprimir que os mesmos actuaram mancomunados, em conjugação de esforços e intenções ou seja em co-autoria, onde se exige uma decisão e execução conjunta para atingir um determinado resultado, não sendo, porém, necessário que todos os agentes intervenham em todos os actos para atingir o fim pretendido, razão pela qual igualmente não se verifica o vício da contradição insanável na fundamentação por nesta se referir que um dos arguidos saiu de dentro de um dos Peugeot.

11ª - Quanto à falsificação da matrícula do veículo, o ter sido indicada à GNR, quando alertada para os furtos, a matrícula xxx como a correspondendo à da viatura onde os gatunos se transportavam, quando a verdadeira matrícula era xxx, quando da revista a esta encontravam-se no seu interior vários autocolantes com o nº 0 este facto concreto face às regras da experiência comum aponta inelutavelmente para o facto provado pois indica que falsificavam a matrícula nos locais de “ataque” para posteriormente tirarem o elemento falsificador e assim de forma simples e profissional conseguirem despistar e inviabilizar a localização da viatura.

12ª – Assim não tem razão de ser a nova redacção pretendida pelo recorrente para os factos provados sob os nºs 1 a 4, pois as alterações propostas - à excepção da proposta relativamente à falsificação – são perfeitamente inócuas.

13ª - Quanto às penas parcelares aplicadas o Tribunal na sua determinação atendeu às fortes exigências de prevenção geral tendo em conta o volume enormíssimo de furtos deste tipo que anualmente acontecem como se pode constatar através dos Inquéritos contra desconhecidos que são anualmente instaurados e arquivados nesta Comarca de Lagos e a sangria de divisas que representam na maioria dos casos as indemnizações pagas aos estrangeiros.

14ª – O Tribunal atendeu igualmente às circunstâncias enumeradas no artigo 71º do Código Penal, nomeadamente as referidas nas alíneas a) e e), como também na determinação da pena única no artigo 77º do mesmo Código, tendo ainda em conta que o recorrente quanto às suas condições sociais não quis colaborar com o I.R.S., com está documentado nos autos, igualmente não quis colaborar com o Tribunal não comparecendo ao Julgamento nem justificando a falta, pelo que as penas parcelares são justas e adequadas, como igualmente o é a pena única aplicada em cúmulo jurídico, o que afasta per se a suspensão da pena.

15ª - A distinção entre as penas aplicadas ao recorrente e ao co-arguido J é o reflexo que a situação de ambos é só virtualmente idêntica, reflectindo a diferença a ausência de antecedentes criminais e a sua condição familiar, razão pela qual a distinção das penas referida não viola o princípio da igualdade, nem a interpretação feita pelo Tribunal é inconstitucional.

16ª - O douto Acórdão recorrido não violou qualquer disposição legal e aplicou correctamente o artigo 71º do Código Penal.”

Neste Tribunal, o Sr. Procuradora-geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência.

Colhidos os Vistos, teve lugar a conferência.

2. Na sentença consideraram-se os seguintes factos provados:

“1. No dia 16.2.2009, pelas 12.30 horas, na Praia do Pontal da Carrapateira, Aljezur, os arguidos romperam a fechadura do veículo “ Peugeot ” 206 usado por BG, ali entraram e do mesmo retiraram objectos, documentos e dinheiro que ali estavam e cujo valor ultrapassava os 370 euros;

2. Na mesma ocasião e de seguida, abeiraram-se da viatura “ Peugeot ” 106 de JM e GR, ali entraram e do mesmo retiraram objectos, jóias, documentos e dinheiro que ali estavam e cujo valor ultrapassava os 929 euros;

3. Nesta actividade, faziam-se os arguidos transportar num automóvel BMW 118, alugado e à matrícula do qual (xxxx) haviam aposto um autocolante com o nº 0 por cima daquele primeiro dígito;

4. Agiram de forma concertada, livre, deliberada e consciente, querendo fazer seus os objectos e valores que estivessem nos veículos e falsificar a matrícula por forma a não serem responsabilizados pelos assaltos, sabendo a sua conduta proibida;

5. Os bens e valores foram todos recuperados, por acção policial;

6. O arguido J não tem antecedentes criminais ;

7. Vive com a sua companheira e é agente imobiliário, desempregado. Estudou até ao 6º ano de escolaridade;

7. O arguido AM foi condenado em 22.6.2005, na pena de 1 ano de prisão, pela prática de crime de evasão, cometido em 7.8.1996 . É solteiro e gerente de sociedade comercial, mas desde 2005 que não apresenta declaração de I.R.S. , não descontando para a Segurança Social desde Maio de 2008;
(…)

Não se provaram outros factos nomeadamente:

1.1 Respeitantes à personalidade e condições sociais do arguido AM ;
2.2 Que o arguido J seja inventor de artefacto regulador de dióxido de carbono ;

3.3 Que o arguido AJ se dedique à venda ambulante, ou que tenha uma filha.

3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, independentemente do conhecimento oficioso dos vícios do art. 410º, nº 2 do Código de Processo Penal (AFJ de 19.10.95), as questões a apreciar são as seguintes:

(a) Recurso do arguido AM

(a.1.) – Nulidade insanável da audiência de julgamento (preterição das diligências para assegurar a presença do arguido faltoso em julgamento e indispensabilidade da presença deste para a descoberta da verdade no tocante ao crime de falsificação de documento);

(a.2.) – Impugnação da matéria de facto (alterações dos pontos 1., 2. e 4. da matéria de facto dada como provada e passagem do ponto 3. da matéria de facto dada provada para os facto não provados);

(a.3.) – Absolvição pelo crime de falsificação de documento (por falta de prova que sustente decisão contrária);

(a.4.) - Redução da medida concreta da pena única para 5 anos de prisão e suspensão na sua execução.

(b) Recurso do arguido J

(b.1.) – Redução das penas parcelares e da medida concreta da pena única para um ano e seis meses de prisão, mantendo-se a suspensão da sua execução;

(b.2.) – Revogação da condição imposta (entrega da quantia de € 1.500,00 à Prevenção Rodoviária Portuguesa).

Como o arguido AM impugna a decisão de facto, e como a apreciação do recurso nesta parte pode aproveitar ao co-arguido não recorrente de facto, inverte-se a ordem de conhecimento.

(a) Do recurso do arguido AM:
(a.1.) Da nulidade insanável da audiência de julgamento

Começa o recorrente por suscitar como questão prévia a (in)validade da audiência de discussão e julgamento por ter tido lugar sem a sua presença.

Fá-lo em duas vertentes. Reconhecendo que se encontrava regularmente notificado e que faltou, considera que competiria ao tribunal ter tomado as medidas admissíveis e necessárias para obter a sua comparência ou ter adiado a audiência caso essa presença se mostrasse indispensável. Acrescenta que, exigindo o crime de falsificação “ um fortíssimo elemento volitivo do agente”, a convicção sobre os factos provados só poderia ter-se formado com a presença do arguido em audiência. Por último, constata que, quanto à ausência do Recorrente e para além da mera consignação da sua falta, nada mais constava da acta de julgamento.

Nela não consta igualmente, acrescentamos nós, que o tribunal tenha dado cumprimento ao disposto no art. 116, nº 1 do Código de Processo Penal, apesar do arguido não ter apresentado justificação para a sua falta. Inexiste qualquer decisão sobre a justificação ou não falta.

Posteriormente à interposição do recurso, veio o tribunal proceder à correcção da acta inicial, reconhecendo que dela não ficara a constar nem a promoção do Ministério Público, no sentido de que a audiência tivesse lugar na ausência do arguido por não se revelar imprescindível a sua presença desde o início, nem a não oposição da sua então defensora oficiosa, nem, por último, a deliberação do tribunal colectivo.

Esta deliberação veio a ter o seguinte teor, numa posterior deliberação rectificativa: “sem prejuízo de ser ouvido posteriormente, não se vê imprescindibilidade na presença do arguido no início da presente audiência de julgamento, pelo que determino que a mesma se inicie na sua ausência, nos termos do disposto no art. 33º, nº 1 do Código de Processo Penal”.

A desconformidade legal sinalizada, traduzida na ausência de consignação em acta de tão relevante ocorrência processual, veio a ser posteriormente considerada pelo colectivo como um erro de escrita, e assim corrigida.

O incumprimento do disposto no art. 99º do Código de Processo Penal, com preterição do comando da al. c) – de que a acta deve conter “descrição especificada das operações praticadas … e dos resultados alcançados, de modo a garantir a genuína expressão da ocorrência” – não é um simples lapso ou erro de escrita. É uma ilegalidade que, não configurando nulidade, a lei trata como vício de irregularidade, de considerar agora como já reparada (art. 123º do Código de Processo Penal).

Também não se trataria de uma reforma de auto perdido, como pretende o recorrente, já que nada se perdeu, extraviou ou destruiu. Não é de aplicar o disposto no art.102º do Código de Processo Penal, e a ilegalidade encontra-se sanada, como dissemos.

Consigna-se, por último, que nunca esteve em causa uma eventual falsidade, não subsistindo dúvida de que a acta agora reparada espelha as ocorrências que em julgamento tiveram efectivamente lugar.

Impõe-se, então, apreciar se a audiência que decorreu sem a presença do recorrente é válida.

Consigna-se, como ponto de partida, que a ausência do arguido em julgamento não teve a ver com falta de notificação. Ele foi regularmente convocado. Esteve sempre representado por defensor oficioso. Também não requereu o adiamento da audiência, nem a designação de nova data para continuação do julgamento com a sua audição.

A norma processual penal de que parte a regulamentação da presença do arguido em julgamento é o segmento inicial do nº 1 do art. 332º do CPP: “é obrigatória a presença do arguido na audiência”.

Continuamos a considerar que esta (para nós) inequívoca regra da obrigatoriedade de presença em julgamento visa prosseguir o processo justo, que assegure os direitos de defesa, mas que viabilize também a boa decisão da causa. E a boa decisão da causa, que pressupõe a descoberta da verdade, ganha com a contribuição (sempre voluntária) do arguido, na formação da decisão do caso.

Daí que se não trate de um mero direito de presença em julgamento, mas também de um dever de presença. Deste direito/dever de presença não pode decorrer a inviabilização do julgamento na falta do arguido, o que, no limite, colocaria na disponibilidade deste a sua sujeição a julgamento, ou pelo menos a possibilidade de retardar intoleravelmente o processo. E um retardamento intolerável do processo violaria, por seu turno, o art. 6º da C.E.D.H., por incumprimento do “prazo razoável”.

O actual regime previsto no art. 333º do CPP surge precisamente como resposta ao problema da morosidade processual decorrente dos sucessivos adiamentos da audiência de julgamento por falta do arguido (sobre a sua evolução histórica cfr. ARL de 03-03-2009 Rel. Nuno Gomes da Silva e ARE de 31-01-2012 Rel. António João Latas).

Assim, a obrigatoriedade-regra da presença do arguido na audiência afirma-se “sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 2 do art. 333º e nºs 1 e 2 do art.334º do CPP”.

E o art. 333º preceitua, ao que ora interessa, que “se o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da audiência, o presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência, e a audiência só é adiada se o tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua presença desde o início da audiência (nº1); se o tribunal considerar que a audiência pode começar sem a presença do arguido, ou se a falta do arguido tiver como causa os impedimentos enunciados nos n.ºs 2 a 4 do artigo 117.º, a audiência não é adiada, sendo inquiridas ou ouvidas as pessoas presentes pela ordem referida nas alíneas b) e c) do artigo 341.º, sem prejuízo da alteração que seja necessário efectuar no rol apresentado, e as suas declarações documentadas, aplicando-se sempre que necessário o disposto no n.º 6 do artigo 117.º (nº 2); no caso referido no número anterior, o arguido mantém o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência, e se ocorrer na primeira data marcada, o advogado constituído ou o defensor nomeado ao arguido pode requerer que este seja ouvido na segunda data designada pelo juiz ao abrigo do artigo 312.º, n.º 2. nº 3.

No caso, o tribunal considerou não imprescindível a presença do arguido desde o início, inquiriu as pessoas presentes e encerrou a sessão da audiência sem ouvir o arguido, designando data para continuação com leitura do acórdão.

Para além da já constatada omissão de cumprimento do art. 116, nº 1 do Código de Processo Penal, que não releva para decisão da questão prévia aqui suscitada, cumpre determinar se, ao ter iniciado o julgamento, o tribunal cometeu nulidade, por o ter feito sem previamente ter tomado as medidas admissíveis e necessárias para obter a sua comparência.

Por acórdão publicado no D.R., 1ª S., em 10.12.2012, o Supremo Tribunal de Justiça veio decidir esta questão. E fixou jurisprudência no seguinte sentido: “notificado o arguido da audiência de julgamento por forma regular, e faltando injustificadamente à mesma, se o tribunal considerar que a sua presença não é necessária para a descoberta da verdade, nos termos do n.º 1 do artigo 333.º do CPP, deverá dar início ao julgamento, sem tomar quaisquer medidas para assegurar a presença do arguido, e poderá encerrar a audiência na primeira data designada, na ausência do arguido, a não ser que o seu defensor requeira que ele seja ouvido na segunda data marcada, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo (Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 9/2012).

É certo que, como se disse, o tribunal não fez consignar em acta a ausência de justificação para a falta do arguido. Mas, percorridos os autos, nada transparece no sentido de que tenha sido requerida essa justificação ou apresentado motivo para a falta. E, repete-se, sempre assistido por defensor, também não foi requerida a audição do arguido numa segunda data marcada.

Inexiste assim fundamento, quer de facto quer de direito, que leve a afastar a jurisprudência fixada, que é assim de aplicar.

Não ocorre a arguida nulidade, nem se encontra violada norma ou princípio constitucional. Como se sabe, com a revisão constitucional de 1997 o n.º 6 do artigo 32.º da Constituição passou a dispor que “a lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em actos processuais, incluindo a audiência de julgamento”.A Constituição da República Portuguesa aceita o julgamento na ausência do arguido, desde que assegurados os direitos de defesa. E nada demonstra que o não tenham sido, no caso em apreciação.

A alegada repercussão da ausência do arguido na (in)demonstração dos factos que realizam o crime de falsificação de documento será abordada em sede de impugnação da decisão de facto.

(a.2.) – Da impugnação da matéria de facto (alterações dos pontos 1., 2. e 4. da matéria de facto dada como provada e passagem do ponto 3. da matéria de facto dada como provada para a matéria de facto não provada)

Impõe o art. 412º, nº3 do Código de Processo Penal que, quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e/ou as que deviam ser renovadas. Essa especificação deve fazer-se por referência ao consignado na acta indicando o recorrente concretamente as passagens em que se funda a impugnação (nº4). Na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações, bastará “a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas pelo recorrente,” de acordo com a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça em 08.03.2012 (AFJ nº 3/2012). E assim também será de considerar cumprido o ónus de especificação das concretas provas, na ausência de uma referência às especificações (ausentes) da acta.

No caso, o recorrente procedeu à transcrição das concretas provas em que funda a impugnação, procedendo de acordo com a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça (AFJ nº 3/2012).

Como pontos de facto com referência às concretas provas indicou os seguintes: inexiste prova de que o recorrente entrou em qualquer um dos dois veículos automóveis, pelo que deles não pôde ter retirado qualquer bem, já que ninguém o viu ou disse que o viu; a aposição de autocolante por cima da matrícula do veículo em que se faziam transportar não está demonstrada, pois não pode ser provada por depoimento de pessoa anónima.

Os factos impugnados são pois estes:

1. No dia 16.2.2009, pelas 12.30 horas, na Praia do Pontal da Carrapateira, Aljezur, os arguidos romperam a fechadura do veículo “ Peugeot ” 206 usado por BG, ali entraram e do mesmo retiraram objectos, documentos e dinheiro que ali estavam e cujo valor ultrapassava os 370 euros;

2. Na mesma ocasião e de seguida, abeiraram-se da viatura “ Peugeot ” 106 de JM e GR, ali entraram e do mesmo retiraram objectos, jóias, documentos e dinheiro que ali estavam e cujo valor ultrapassava os 929 euros;

3. Nesta actividade, faziam-se os arguidos transportar num automóvel BMW 118, alugado e à matrícula do qual (xxx) haviam aposto um autocolante com o nº 0 por cima daquele primeiro dígito;

4. Agiram de forma concertada, livre, deliberada e consciente, querendo fazer seus os objectos e valores que estivessem nos veículos e falsificar a matrícula de forma a não serem responsabilizados pelos assaltos, sabendo a sua conduta proibida”.

Cumpre começar por rever a motivação do acórdão:

“A convicção do tribunal quanto aos factos provados relativamente ao núcleo do processo, formou-se com base no testemunho isento e revelando conhecimento de JR, agente da G.N.R. que recebeu chamada telefónica de cidadão que dava conta da actividade levada a cabo pelos arguidos, referindo ainda a matrícula do automóvel em que se deslocavam, como sendo xxx , pelo que logo se deslocou ao local , onde ainda pode constatar que um dos arguidos saía de dentro de um dos “ Peugeot ” assaltados , dirigindo-se ao BMW onde se encontravam os outros dois, arrancando depois . A testemunha seguiu os arguidos à distância, mas sem os perder de vista, combinando via rádio a montagem de operação de abordagem da viatura que seguia, o que veio a acontecer.

Feita a abordagem e revista aos arguidos e viatura onde se transportavam, foram encontrados e apreendidos todos os objectos e valores tirados dos “ Peugeot ” assaltados pelos arguidos (e entregues depois aos donos), tal como consta dos autos e foi confirmado pelos testemunhos de GR e de BG . Foram ainda apreendidas várias ferramentas próprias de gatunos de automóveis, bem como autocolantes com o número 0, o mesmo que os arguidos apuseram na viatura em que se transportavam e que tinha a matrícula verdadeira de xxx, tal como resulta da respectiva documentação, junta aos autos.

Não há pois qualquer dúvida sobre a veracidade dos factos imputados aos arguidos.

O mais apurado resulta das declarações dos arguidos, do relatório social efectuado, dos C.R.C. e das informações prestadas pela segurança social.

Não foi possível averiguar mais relativamente às condições sociais dos arguidos AM e J, pois não quiseram colaborar nesse sentido, conforme resulta das informações dadas a tal propósito pelo I.R.S. .

Essa impossibilidade foi ainda reforçada pela atitude do arguido AM, que faltou à audiência. Façamos votos para que não venha a ser beneficiado e assim enaltecido pela sua atitude.

O arguido J ainda referiu em audiência ser inventor de artefacto regulador de dióxido de carbono. Todavia, tal afirmação, sem qualquer tipo de confirmação, não mereceu o crédito do tribunal.

Também o arguido AJ referiu dedicar-se à venda ambulante, sendo pai de uma filha com dois anos.

Contudo, o seu relatório social nada confirma, no sentido da verdade de tais afirmações, que a ser assim, não deixariam de ser ali referidas, com toda a segurança.

O constante de fls. 298 acerca do aluguer pelo arguido AJ, durante longo período de tempo, de inúmeros veículos idênticos àquele onde se faziam transportar no dia 16.2.2009, embora venha de alguma forma confirmar o carácter ambulatório da sua actividade, põe o respectivo acento tónico da mesma não na venda, mas antes na aquisição, mormente a de bens alheios.”

Adiantamos que o recorrente tem razão em parte.

Justificam-se algumas das correcções factuais que propõe, desde logo decorrentes do próprio texto do acórdão e independentemente da audição das gravações da prova.

Assim, se é inexacta a afirmação do recorrente de que “o que apenas se provou foi que, de algum modo que não foi possível apurar-se, os arguidos vieram a apossar-se dos bens que estavam no interior das viaturas” – mais do que isso se apurou – há que reconhecer que não há prova da concreta identidade do(s) arguido(s) que entraram nos veículos e deles retiraram os objectos.

Sabe-se, sim, que pelo menos um deles se introduziu nos veículos, que algum deles os abriu, e que esse ou esses retiraram os objectos do interior das viaturas.

Nenhuma testemunha depôs de forma a confirmar a presença dos três arguidos dentro de qualquer dos veículos. Apenas a testemunha GNR afirmou ter visto um deles a abandonar uma das viaturas automóveis dos ofendidos. Não há outra prova (por exemplo lofoscópica) da presença dos três.

Das regras da experiência comum resultaria mesmo o contrário: num furto de coisa no interior de veículo cometido por três agentes será desnecessária a introdução dos três agentes no veículo da vítima, o que até se pode apresentar como contraproducente.

Assim, impõe-se nesta parte a correcção da matéria de facto do acórdão, devendo os factos provados descritos nos pontos 1. e 2. passar a assumir a seguinte redacção:

Ponto 1 - No dia 16.2.2009, pelas 12.30 horas, na Praia do Pontal da Carrapateira, Aljezur, os três arguidos abeiraram-se da viatura “ Peugeot ” 206 usado por BG, e pelo menos um deles rompeu a fechadura do veículo, nele entrou e do mesmo retirou objectos, documentos e dinheiro que ali estavam e cujo valor ultrapassava os 370 euros;

Ponto 2 - Na mesma ocasião e de seguida, os três arguidos abeiraram-se da viatura “Peugeot” 106 de JM e GR, e pelo menos um deles nele entrou, do mesmo retirou objectos, jóias, documentos e dinheiro que ali estavam e cujo valor ultrapassava os 929 euros.

A prova dos factos na redacção que ora assumem, e que o recorrente até aceita, resulta do teor do depoimento da testemunha GNR (que ainda viu um dos arguidos a sair de um dos veículos, movendo-lhes perseguição e vindo a detê-los, aos três, na posse dos artigos subtraídos), dos autos de apreensão, e da leitura que estas provas merecem no sentido da conclusão quanto ao modo como os arguidos se apropriaram dos objectos – por subtracção.

Também o ponto 3. da matéria provada, merece correcção.

Esta impõe-se da simples leitura da motivação da matéria de facto no acórdão.

Como bem nota o recorrente, o tribunal baseou-se em denunciante anónimo, denúncia que não pode ser valorada pelo tribunal de julgamento.

E não o pode ser, nem directa, nem indirectamente.

Ninguém concretamente identificado observou estes factos, afinal trazidos ao inquérito por pessoa anónima. Ou seja, nenhuma testemunha identificada depôs no sentido de ter visto o veículo em que os arguidos se deslocavam aquando do cometimento dos crimes de furto, apresentando a matrícula coberta, alterada ou viciada.

Lê-se no exame crítico do acórdão que a testemunha G.N.R. “recebeu chamada telefónica de cidadão que dava conta da actividade levada a cabo pelos arguidos, referindo a matrícula do automóvel em que se deslocavam, como sendo xxx”, E que, feita a abordagem aos arguidos foram apreendidos no veículo em que se faziam transportar, os artigos subtraídos “bem como autocolantes com o número 0”.

Mas esta testemunha (JR) já não viu o veículo dos arguidos com a matrícula coberta, sendo certo que lhes moveu perseguição logo após o segundo furto, sem nunca os ter perdido de vista (segundo o que afirma no seu depoimento).

O depoimento de JR não pode ser valorado na parte em que relata algo que foi transmitido por pessoa não identificada. Materializa prova proibida, que não pode ser utilizada.

Trata-se de um depoimento indirecto, no sentido de narração de um facto que não se presenciou e cujo relato se recebeu de terceiro. Na ausência de identificação da testemunha-fonte não é possível proceder-se de acordo com a disciplina do art. 129º do Código de Processo Penal, que proíbe o depoimento indirecto, só viabilizável dentro de determinadas condições.

Também o art. 130º do Código de Processo Penal proíbe a utilização de rumores ou vozes públicas.

Expurgada desta prova, o conjunto das restantes, designadamente a apreensão de autocolantes com o algarismo zero, é insuficiente para convencer da veracidade do facto probando impugnado.

É provável que os autocolantes se destinassem ou tivessem tido a utilidade que lhes é dada no acórdão em crise. Mas, na conhecida expressão de Cavaleiro de Ferreira, “provável e provado são expressões antitéticas sob o ponto de vista jurídico”.

Assim, os factos descritos em 3. e 4. assumirão a seguinte redacção:

Ponto 3 - Nesta actividade, faziam-se os arguidos transportar num automóvel BMW 118, alugado;

Ponto 4 - Agiram de forma concertada, livre, deliberada e consciente, querendo fazer seus os objectos e valores que estivessem nos veículos, sabendo a sua conduta proibida.

E os segmentos de facto retirados destes pontos, passarão para os factos não provados.

Fica assim também sanada a contradição suscitada em recurso (vício da alínea b) do n.º 2 do art. 410º do Código de Processo Penal), entre parte da factualidade dada como provada no ponto 2. da matéria de facto e a fundamentação do acórdão.

Era efectivamente contraditório afirmar-se, naquele ponto 2., que os arguidos entraram no Peugeot e dali retiraram objectos e, após, na fundamentação, sustentar que apenas um deles penetrou nesse veículo.

(a.3.) – Da absolvição do Recorrente do crime de falsificação de documento:

O recorrente retira este pedido da falta de prova que sustente decisão contrária à improcedência da acusação.

E o acórdão é de revogar nesta parte, uma vez que os factos que realizavam o tipo de crime de falsificação (da matrícula do veículo automóvel utilizado na prática dos crimes de furto) ficaram por demonstrar.

Impõe-se a absolvição pelo crime de falsificação de documento das alíneas b) e e) do nº 1 e nº 3 do art. 256º do Código Penal

Mas já as restantes alterações operadas na matéria de facto provada se revelam juridicamente inconsequentes.

Demonstrada a actuação conjunta e concertada dos três arguidos, na execução de um projecto subtractivo e apropriativo comum, conhecido e querido por todos, é indiferente o ter-se ou não apurado qual dos arguidos, em concreto, entrou nas viaturas.

As circunstâncias comprovadas revelam a execução de um projecto comum, com partilha de papéis, de esforços e de vontades. Revelam, em suma, uma comparticipação própria da co-autoria. Mantém-se, pois, a condenação dos (três) arguidos como co-autores dos dois crimes de furto de objectos no interior de veículos automóveis.

(a.4.) – Redução da medida concreta da pena única e suspensão na sua execução.

Da alteração operada na matéria de facto – no sentido de terem sido considerados não provados os factos que realizavam o crime de falsificação de documento – fica o recurso (re)circunscrito à apreciação das penas correspondentes a dois crimes de furto qualificado da alínea b) do nº 1 do art. 204º do Código Penal e à reformulação da pena única.

Na construção dogmática de Figueiredo Dias (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2005) e de Anabela Rodrigues (A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Coimbra Editora, 1995), toda a pena prossegue finalidades exclusivamente preventivas.

Figueiredo Dias resume o seu pensamento da forma seguinte: “toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção geral e especial; a pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa; dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais” (Direito Penal Português, Parte Geral I, Coimbra Editora, 2004, p.81).

A prevenção geral positiva ou de integração apresenta-se como a finalidade primordial a prosseguir com as penas, não podendo a prevenção especial positiva pôr em causa o mínimo de pena imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, tendo a culpa como limite.

Embora a ponderação da pena de substituição se coloque, não no início, mas no momento derradeiro do processo de determinação da pena – cujos passos, como se sabe, são os seguintes: 1º escolha da pena principal; 2º determinação da medida concreta da pena principal; 3º ponderação da aplicação de uma pena de substituição; sua escolha e determinação concreta – não deixamos de a equacionar abstractamente aqui, na estrita medida da compreensão global do sistema punitivo, o que se afigura pertinente.

Recordando as palavras de Anabela Rodrigues, “a sociedade tolera uma certa perda do efeito preventivo geral – isto é, conforma-se com a aplicação de uma pena de substituição, mas, quando a sua aplicação possa ser entendida pela sociedade, no caso concreto, como uma injustificada indulgência e prova de fraqueza face ao crime, quaisquer razões de prevenção especial que aconselhassem a substituição cedem, devendo aplicar-se a prisão” (em “Estudos em Homenagem ao Professor Eduardo Correia).

Neste quadro global de ponderação, vejamos as penas a que se chegou no acórdão.

O recorrente foi condenado em duas penas de 3 anos e 4 meses de prisão, pela prática de dois crimes de furto qualificado da alínea b) do nº 1 do artº 204º do Código Penal.

Este crime é punível com a pena de um mês a cinco anos de prisão ou com pena de multa até 600 dias.

O afastamento da pena de multa principal, obedecendo aos critérios legais, particularmente ao art. 70º do Código Penal, não merece reparo e o recorrente não o discute.

Centrando-nos na medida concreta das penas de prisão, o tribunal fixou-as em 3 anos e 4 meses de prisão.

O arguido tem 60 anos de idade. Como antecedentes criminais, no CRC regista apenas uma condenação, por crime de evasão cometido em 1996. Não há nota de que tenha voltado a delinquir. Os artigos furtados, nos valores de € 370 e de € 929, estão recuperados. Inexiste quantificação de eventuais danos causados nos veículos.

Algumas das considerações feitas no acórdão em sede de pena, de que os arguidos transportariam consigo “várias ferramentas próprias de gatunos de automóveis”, não constam dos factos provados, não podendo ser consideradas.

Da reapreciação de todas as circunstâncias provadas que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor e contra o arguido, considera-se que o grau da ilicitude não justifica, para nenhum dos crimes, uma pena situada acima do ponto médio da moldura abstracta.

Reconhecendo-se exigências de prevenção geral, que o acórdão sinaliza, bem como algumas exigências de prevenção especial, considera-se que as penas concretas fixadas ultrapassam os limites da culpa revelada no facto.

As considerações que se possam fazer sobre a personalidade do arguido cingem-se, como se sabe, à sua personalidade revelada no facto. “O agente deve ser punido pelo que fez, não por aquilo que é como pessoa, ou aquilo em que se tornou por sua culpa” (Vaz Patto, Os Fins das Penas e a Prática Judiciária, www.tre.pt).

As penas concretas não devem ultrapassar os dois anos de prisão, assim se respeitando agora o limite da culpa.

A moldura penal do cúmulo jurídico é então de dois a quatro anos de prisão, cumprindo reponderar a pena única, sendo que a anteriormente fixada no acórdão aditava uma parcelar agora retirada.

Na determinação da pena concreta são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, de acordo com o comando de art. 77º, nº1 do CP.

A existência deste critério especial obriga, na conhecida lição de Figueiredo Dias, a conexionar os arts 77º, nº1 e 71º, nº2 do CP, tudo se devendo passar “como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade revelará, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente. (exigências de prevenção especial de socialização” (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 2005, p. 291).

Pouco se sabe deste arguido.

Mas a ponderação da pena única não poderá deixar de atender à circunstância de os dois crimes terem sido cometidos na mesma ocasião e “logo de seguida”, o que, associado a um quadro de passado criminal pouco significativo, não pode deixar de revestir reduzido peso global agravativo.

Evidencia-se uma biocasionalidade, não radicada na personalidade, mostrando-se justificada uma pena que pouco se afaste do mínimo da moldura penal do cúmulo (de dois a quatro anos de prisão). A pena única deverá situar-se em dois anos e dez meses de prisão.

Esta pena admite substituição (art. 50º do Código Penal).

Na jurisprudência do S.T.J., em que nos revemos, “a suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do direito, através da advertência da condenação e da injunção que impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores inscritos nas normas. A suspensão da execução, acompanhada das medidas e das condições admitidas na lei que forem consideradas adequadas a cada situação, permite, além disso, manter as condições de sociabilidade próprias à condução da vida no respeito pelos valores do direito como factores de inclusão, evitando os riscos de fractura familiar, social, laboral e comportamental como factores de exclusão.

Por fim, a suspensão da execução da pena não depende de um qualquer modelo de discricionariedade, mas, antes, do exercício de um poder-dever vinculado, devendo ser decretada, na modalidade que for considerada mais conveniente, sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos (STJ 07.11.2007, Henriques Gaspar, www.dgsi.pt/jstj.).

Os factos apurados não permitem concluir que o tribunal se deva afastar deste poder-dever vinculado, de suspender a execução da pena aplicada ao arguido, aplicando-a na modalidade que se apresenta mais adequada. Assim, e aceitando-se que o juízo de prognose favorável ora assumido sofre alguma compressão decorrente do desconhecimento da pessoa do arguido (que optou pela ausência a julgamento), considera-se por isso conveniente o regime de prova, devendo o recorrente ser acompanhado no processo de ressocialização em liberdade.

O que se determina.

(b) Recurso do arguido J

Este arguido não recorreu de facto.

Circunscreveu-se à matéria de direito e, nesta, à pena e sua medida e ao quantum indemnizatório condicionante da suspensão da execução da prisão.

Impõe-se, porém, retirar do recurso interposto pelo co-arguido as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão, o que abrange a condenação deste recorrente (art. 403º, nº3, do CPP).

Da alteração supra operada na matéria de facto – no sentido de terem sido considerados não provados os factos que realizavam o crime de falsificação de documento independentemente da(s) pessoa(s) do agente (não se pode imputar objectivamente a alguém algo que não se provou) – resulta a absolvição, também do arguido J, da prática deste crime.

O recurso fica, assim, (re)circunscrito à apreciação das penas correspondentes a dois crimes de furto qualificado da alínea b) do nº 1 do art. 204º do Código Penal e à reformulação da pena única.

(b.1.) – Da redução das penas parcelares e da medida concreta da pena única

O acórdão fixou as duas parcelares em 3 anos de prisão e achou a pena única de 5 anos de prisão (que englobava então ainda a pena de 2 anos de prisão, correspondente ao crime de falsificação de documento). Suspendeu-a na execução, na condição de entrega em 18 meses da quantia de € 1.500 à Prevenção Rodoviária Portuguesa.

Visa o recurso a redução da(s) pena(s), bem como da verba arbitrada.

Valem aqui as considerações supra efectuadas sobre o quadro legal e os princípios gerais que disciplinam a pena, e que obrigam o tribunal num procedimento normativamente vinculado, repete-se.

Limitar-nos-emos a concretizar aquilo que de específico se impuser abordar, relativamente a este recorrente.

Assim, os crimes da condenação são puníveis com a pena de um mês a cinco anos de prisão ou com pena de multa até 600 dias.

O afastamento da pena de multa principal, obedecendo aos critérios legais, particularmente ao art. 70º do Código Penal, não merece reparo. O recorrente também não o discute.

Centrando-nos na medida concreta das penas de prisão, o tribunal fixou-as em três anos.

O arguido tem 46 anos de idade, vive com a companheira, encontra-se desempregado, fez o 6º ano de escolaridade, não lhe são conhecidos antecedentes criminais, não há nota de que tenha voltado a delinquir. Os artigos furtados, nos valores de € 370 e de € 929, estão recuperados. Inexiste qualquer apuro de eventuais danos causados nos veículos.

Algumas das considerações feitas no acórdão em sede de pena, de que os arguidos transportariam consigo “várias ferramentas próprias de gatunos de automóveis”, não constam dos factos provados, não podendo ser consideradas, como notámos já.

Da reapreciação de todas as circunstâncias provadas que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor e contra o arguido, considera-se que o grau da ilicitude não justifica, em nenhum dos casos, uma pena situada acima do ponto médio da moldura abstracta.

Reconhecendo-se exigências de prevenção geral que o acórdão sinaliza, bem como algumas exigências de prevenção especial, considera-se ainda que as penas concretas fixadas ultrapassam o limite da culpa revelada no facto.

As considerações que se possam fazer sobre a personalidade do arguido cingem-se, como se sabe, à sua personalidade revelada no facto. As penas concretas devem situar-se em dois anos de prisão, assim se respeitando o limite da culpa.

A ponderação da pena única – no quadro legal já explanado supra, que aqui aproveita independentemente de repetições desnecessárias – não poderá deixar de atender, também aqui, à circunstância de os dois crimes terem sido cometidos na mesma ocasião e “logo de seguida”, o que, associado a um quadro de primariedade do arguido, não pode deixar de revestir reduzido peso global agravativo.

Evidencia-se assim uma biocasionalidade, não radicada na personalidade, mostrando-se justificada uma pena que não se afaste muito do mínimo da moldura penal do cúmulo (de dois a quatro anos de prisão). A pena única deverá situar-se, também quanto a este arguido, em dois anos e dez meses de prisão.

(b.2.) Da revogação da condição imposta.

Por último, pugna o recorrente pela revogação da condição da suspensão da execução da pena. Alega não ter meios de pagar a quantia arbitrada, uma vez que está desempregado, verificando-se os pressupostos da aplicação da suspensão da pena de prisão na modalidade simples.

O art. 50º, nº 2 do Código Penal prevê a subordinação da suspensão da execução da pena de prisão “ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta” e ao art. 51º, nº 1, al. c) do Código Penal prevê a entrega a instituições de uma contribuição monetária ou prestação de valor equivalente.

Embora nada refira, terá sido ao abrigo destas normas que o tribunal impôs a “entrega, em dezoito meses, da quantia de € 1.500, à Prevenção Rodoviária Portuguesa”.

Mas o art. 50º, nº 2 do Código Penal condiciona esta possibilidade a um julgamento sobre a conveniência e adequação, do dever ou regra, à realização das finalidades da punição.

Independentemente dessa circunstância, por imperativo constitucional, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei (art. 205º, n.º 1 da CRP). O art. 97º, n.º 5 do CPP preceitua também que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão. Do art. 379º, n.º 1 a) do CPP resulta que a nulidade por falta de fundamentação é um vício da sentença.

Acontece que a imposição do dever em causa surge apenas no dispositivo do acórdão. E esta imposição, apesar de não poder ser nem automática nem arbitrária, não é justificada (na fundamentação da decisão ou em qualquer outra parte), desconhecendo-se os motivos de facto e de direito que a edificam.

Independentemente das omissões apontadas ao acórdão – ausência de fundamentação de facto e de direito – outras circunstâncias há que relevam também no sentido da procedência da pretensão do recorrente.

A suspensão condicionada é um “meio razoável e flexível para exercer uma influência ressocializadora sobre o agente, sem privação da liberdade”. A sua vantagem “reside precisamente na possibilidade de adaptar a sanção às circunstâncias e necessidades do agente” (JeschecK, Weigend, Tratado de Derecho Penal, 2002, p. 898-899). Permite potenciar largamente as virtualidades do instituto da suspensão da execução da pena, que não se limita assim a descansar na “ideia da ameaça da pena e do seu efeito intimidativo”, sendo antes integrado pela imposição ao agente de deveres e regras de conduta que reforçam tanto a socialização do delinquente como a reparação das consequências do crime (Figueiredo Dias, DPP, As Consequências Jurídicas do Crime, 2005 reimp., p.339).

Mas, como temos lembrado em anteriores acórdãos, para que se cumpra tal desiderato, deve o arguido encontrar-se em condições de poder cumprir a obrigação pecuniária, na quantidade e no tempo determinados na sentença.

Para tanto, incumbe ao tribunal averiguar das possibilidades do cumprimento do dever a impor, de forma a fixá-lo num modo quantitativa e temporalmente compatível com as condições do condenado, só assim se prosseguindo o direito deste a uma pena justa.

A esta compatibilização se refere o art. 51º do CP, cujo nº 2 estipula que “os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir”, prevendo-se no nº 3 a modificação dos deveres por ocorrência de circunstâncias relevantes supervenientes.

Daí o dizer-se que este nº 2 completa, com um princípio da razoabilidade, os princípios gerais que norteiam a fixação da pena – da adequação e da proporcionalidade.

Ora, o acórdão não inclui nos factos provados qualquer circunstância que permita intuir da possibilidade (ou não) de cumprimento do dever imposto. Sabe-se apenas que o arguido está desempregado e desconhecem-se-lhe os rendimentos ou a situação económica.

Assim, não só são desconhecidas as razões que fundamentaram a imposição do dever, como improvável se afiguraria a sua exequibilidade.

A decisão é de revogar nesta parte.

4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em

- Julgar parcialmente procedentes os recursos,

- Alterar a matéria de facto conforme explanado em (a.2),

- Revogar o acórdão na parte em que condenou os arguidos pela prática de um crime de falsificação de documento,

- Reduzir para dois anos de prisão as penas parcelares aplicadas aos recorrentes, e reduzir a pena única para dois anos e dez meses de prisão, a cada um deles,

- Decretar a suspensão da pena com regime de prova ao recorrente AM,

- Revogar o dever imposto ao recorrente J como condicionante da suspensão da execução da sua pena,

- Confirmar no mais a decisão recorrida.

Sem custas

Évora, 19.03.2013

(Ana Maria Barata de Brito)

(António João Latas)