Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
216/08.1JASTB-A.E1
Relator: GILBERTO CUNHA
Descritores: SEGREDO DE JUSTIÇA
INQUÉRITO
PRAZO
Data do Acordão: 10/01/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
1. Como se evidencia dos arts. 86.º, n.º 3, e 89.º, n.º 6 do Código de Processo Penal, a determinação da aplicação, ao processo, do segredo de justiça está indissoluvelmente ligada ao inquérito, rectius, ao seu prazo máximo; vale por dizer que somente nesse prazo pode ser determinada a aplicação, ao processo, do segredo de justiça, de modo que, ultrapassado este, jamais (não havendo, naturalmente, norma que o permitisse) se pode levar a cabo essa determinação.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

RELATÓRIO.

Em inquérito a correr termos na 2.ª Secção dos Serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial de Setúbal, o Ministério Público proferiu despacho a sujeitar o processo a segredo de justiça.

Apresentado o processo à senhora juíza de instrução, esta não validou aquela decisão do MP, por alegadamente se mostrar decorrido o prazo de 72 horas a que alude o n.º3 do art.86.º do CPP.

O Ministério Público veio a renovar a sua pretensão, tendo a senhora juíza de instrução indeferido a mesma com fundamento no facto de haver já decorrido o prazo de duração do inquérito.

Inconformado, o MP interpôs recurso extractando da motivação apresentada as conclusões que seguem:

1. As alterações ao Código de Processo Penal introduzidas pela Lei n.° 48/2007, trouxeram importantes modificações ao regime do segredo de justiça, já que a regra passou a ser a publicidade do processo, mesmo na fase de inquérito, ressalvadas as excepções previstas na lei;

2. Face a estas alterações, o segredo de justiça deixou de ser um regime com fonte legal directa e passou a depender de requerimento nesse sentido por parte dos sujeitos processuais ou de decisão do Ministério Público, validada pelo JIC, nos termos do disposto no n° 2 e 3 do art. 86° do CPP;
3. No caso do Ministério Público considerar que os interesses da investigação justificam a aplicação ao processo, durante a fase de inquérito, do segredo de justiça, essa decisão tem de ser validada pelo juiz de instrução no prazo máximo de setenta e duas horas, atento o preceituado no n° 3 do art. 86° do CPP.

4. No âmbito dos presentes autos, no qual se investigam factos susceptíveis de integrar a prática de um crime de abuso sexual de menor, p. e p. pelo art. 171° e 177° do Código Penal, foi determinada a aplicação do regime do segredo de justiça por decisão datada de 14.05.2009, data relativamente à qual ainda não tinha decorrido o prazo de duração máxima do inquérito, ou seja de 8 meses, que cessava apenas a 26.05.2009.

5. A Mmª JIC entendeu não validar a sujeição dos autos ao regime do segredo de justiça, por considerar que se mostrava excedido o prazo das 72 horas, a que se alude na parte final do n° 3 do art.86° do CPP.

6. Todavia, o desrespeito do prazo de 72 horas acarreta apenas uma mera irregularidade processual, que podia ter sido oficiosamente reparada, nos termos do disposto no art. 123° n° l e 2 do CPP, ou no prazo em que foi suscitada.

7. Sucede que, ao contrario da posição defendida pela Mmª Juiz no despacho de fls. 68 a 70, a sujeição dos presentes autos a segredo de justiça tinha sido já determinada em 14.05.2009, data relativamente à qual ainda não tinha decorrido o prazo de duração máxima do inquérito, ou seja de 8 meses, que cessava apenas a 26.05.2009,

8. Pelo que lhe competia reparar a irregularidade cometida e validar o segredo de justiça determinado nos autos, em conformidade com o previsto nos arts. 86° n° 3 e 123° do Código de Processo Penal, atenta a natureza dos factos em investigação e com vista à boa administração de justiça.
Termos em que se requer a revogação dos despachos recorridos e que seja proferido, em sua substituição, despacho que valide o segredo de justiça determinado nos autos, nos termos do disposto nos arts. 86° n° 3 do Código de Processo Penal.”

O recurso foi admitido.

Na 1.ª instância foi mantida a decisão recorrida.

Nesta instância o Exmo. Senhor Procurador da República teve vista dos autos e emitiu parecer no sentido do provimento do recurso, dizendo, no essencial, o seguinte:
“Como é por demais sabido, o artigo 86° do Código de Processo Penal foi objecto de profundas alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, com uma versão não correspondente, na essência, à que constava da Proposta de Lei n.º 109/X, constituindo, até, surpresa para os que com esta estavam basicamente de acordo, na sentida necessidade de introduzir alterações (aperfeiçoamentos) a um sistema (o do segredo de justiça, até então vigente) que vinha merecendo fundadas críticas (radicais, umas, moderadas e mais ponderadas, outras) por parte da comunidade jurídica [1] .

Essas profundas alterações - que correm o «risco» de ficarem para a história do direito processual penal português como a estocada dificilmente reversível na eficácia do combate à criminalidade grave e à criminalidade altamente organizada e sofisticada - manifestam-se, sobremaneira, na actual redacção dos n.°s 2 a 5 daquele artigo 86° e traduzem uma "radical alteração do paradigma do segredo de investigação, tomando regra a publicidade em todas as fases processuais, incluindo o inquérito", fase processual preliminar em que "o segredo de justiça passa a ser excepcional, limitado no tempo e sempre dependente de autorização judicial”. [2]

Mas, independentemente de considerações sobre (previsíveis) reflexos que o novo regime legal trará ao processo penal e ao eficaz combate à criminalidade grave, a verdade (que é a lei que hoje temos) é que o titular da acção penal (ainda, mas num acusatório que se vai cada vez mais desvanecendo, como o regime actual do segredo de justiça não deixa de espelhar), se fundadamente entender que os interesses da investigação justificam/reclamam a sujeição do inquérito a segredo de justiça, haverá de submeter esse seu entendimento a validação judicial atempada e oportunamente, isto é, no início do inquérito como, aliás, determina a Directiva do Procurador-Geral da República de 9 de Janeiro de 2008.

Na situação aprecianda, perante uma notícia de crime que continha os ingredientes indispensáveis e bastantes (quem era o suspeito/denunciado, a sua localização concreta, a sua residência, as suspeitas que sobre ele eram dadas a conhecer) para que, logo aquando da respectiva aquisição, se sujeitasse o processo a segredo de justiça e se validasse judicialmente tal determinação, não foi isso que foi feito e era possível e recomendável que tivesse acontecido.

É que, estando o segredo de justiça umbilicalmente ligado ao inquérito e ao prazo máximo de duração deste, só nesse prazo pode aquele ser determinado e não já quando se mostre esgotado.

Não obstante, quando o Ministério Público determinou a aplicação do regime do segredo de justiça ao inquérito em presença ainda o prazo máximo de duração deste não se mostrava esgotado, pelo que essa decisão deveria ter sido judicialmente validada.

A não ser assim, a colher o entendimento que norteia o (segundo) despacho objecto do recurso, o que se nos deparava seria, a pretexto do incumprimento do prazo de setenta e duas horas para apresentação dos autos a validação judicial da decisão determinativa da aplicação do regime do segredo (mera irregularidade oficiosamente sanável), a obstaculização, pura e simples, da aplicação de regime do segredo inquérito ao interno. (…)”

Colhidos os vistos e efectuada a conferência, cumpre decidir:
FUNDAMENTAÇÃO.
Os despachos recorridos:
1 – O despacho de 22.5.2009:

“Por despacho exarado em 14 de Maio de 2009, a Digna Magistrada do Ministério Público determinou a aplicação aos presentes autos do regime de segredo de justiça previsto no art. 86. ° do Código de Processo Penal.

Dispõe o art. 86.°, n.° 3, do Código de Processo Penal, que sempre que o Ministério Público entender que os interesses da investigação ou os direitos dos sujeitos processuais o justificam, pode determinar a aplicação ao processo, durante a fase de inquérito, do segredo de justiça, ficando essa decisão sujeita a validação pelo juiz de instrução no prazo máximo de setenta e duas horas.

No caso vertente, o prazo máximo de 72 (setenta e duas) horas a que alude o normativo supra citado atingiu o seu termo no domingo dia 17 de Maio de 2009, transitando para o primeiro dia útil seguinte, ou seja, para segunda-feira dia 18 de Maio de 2009.

Uma vez que se mostra decorrido o prazo a que alude o n.° 3 do ar. 86.° do Código de Processo Penal, sem prejuízo da renovação da decisão da Digna Magistrada do Ministério Público em apreço, por ora, não valido a sujeição dos presentes autos a segredo de justiça interno.”

2 – O despacho de 1 de Junho de 2009:

“Os presentes autos iniciaram-se em 26.09.2008, com um denúncia apresentada por M.P. mãe de M.I.P. contra L.G., por factos que, em abstracto, integram a materialidade de um crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo art. 171.° n.º l do Código Penal, punido com uma moldura legal de pena de l (um) ano a 8 (oito) anos de prisão.

O Ministério Público, por despacho de fls. 64 datado de 29.05.2009 [3] , determinou ao abrigo do disposto no art. 86.° n.º 3 do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.°48/2007 de 29 de Agosto, a exclusão da publicidade no inquérito.

Com a entrada em vigor da 15.ª alteração ao CPP, o inquérito passou a ser público, ressalvadas as hipóteses de prejuízo para a investigação ou para os direitos dos participantes ou das vítimas, sob pena de nulidade.

Todavia, parece-nos que não podemos validar tal despacho, porquanto se encontram esgotados os prazos máximos de conclusão do presente inquérito.

Nos termos do disposto no art. 276.° CPP, na redacção atribuída pela Lei n.°48/2007, de 29 de Agosto, o Ministério Público encerra o inquérito, arquivando-o ou deduzindo acusação, nos prazos máximos de seis meses se houver arguidos presos ou sob obrigação de permanência na habitação, ou de oito meses se os não houver.

Ademais, de acordo com o preceituado no n.° 3 do referido normativo, o prazo conta-se a partir do momento em que o inquérito tiver passado a correr contra pessoa determinada ou em que se tiver verificado a constituição de arguido.

In casu, o prazo de conclusão do inquérito é de 8 meses, uma vez que não há arguido sujeito às medidas de prisão preventiva ou de permanência na habitação, sendo certo que, apesar de o denunciado ainda não ter sido constituído arguido, o inquérito corre desde o início contra si, face ao teor da denúncia apresentada.


Ora, uma vez que o inquérito se iniciou em 29.09.2008 contra determinada pessoa, ainda que não tenha sido constituída arguida, resulta que já se mostra ultrapassado o prazo de duração do inquérito, oito meses, de acordo com os n.°s l e 3 do art. 276. ° do CPP.

Por outro lado, importa atentar no disposto no n.° 6 do art. 89.° CPP, que estabelece que “findos os prados previstos no artigo 276. °, o arguido, o assistente e o ofendido podem consultar todos os elementos de processo que se encontre em segredo de Justiça, salvo se o Juiz de instrução determinar, a requerimento do Ministério Público, que o acesso aos autos seja adiado por um período máximo de três meses, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez, quando estiver em causa a criminalidade a que se referem as alíneas i) a m) do artigo 1°, e por um prazo objectivamente indispensável à conclusão da investigação".

Em anotação a esta norma, escreveu Paulo Pinto de Albuquerque m Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2.ª Ed., p. 253, o poder de controlo judicial da duração do segredo interno “(...) não põe em causa nem a estrutura acusatória nem a função constitucional do Ministério Público. (...) Do que se trata aqui é de conferir ao JIC o poder de controlar os limites temporais do segredo interno pelo Ministério Público. Ultrapassado o prazo que a lei fixa para o Ministério Público exercer a sua função constitucional, é justo que o arguido e o assistente possam fazer valer o seu direito a um processo aberto e o façam diante do JIC".

Neste mesmo sentido, também se pronunciaram os Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto no Código de Processo Penal Anotado. Comentários e Notas Práticas, p. 237, "Findo o prazo previsto para a realização do inquérito, o arguido, o assistente e o ofendido podem consultar todos os elementos do processo que se encontrem em segredo de justiça. (...) Os prazos previstos no art. 276.° do CPP são prazos indicativos, mas o decurso de tais prazos impede que os autos se mantenham sob segredo de justiça, uma vez findo o mesmo, ou ultrapassado o requerido prazo de prorrogação por mais 3 meses." - cfr. ainda neste sentido Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, vol. I. 3.ª Ed. p. 609 e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27.02.2008, proc. n.° 0747210.

Assim, face ao princípio geral plasmado no art. 86.° n.° l do CPP, de que o processo penal é, a todo o tempo e sob pena de nulidade, público (com as excepções previstas na lei), impõe-se a conclusão que, in casu, estando já esgotados os prazos máximos de encerramento do inquérito sem que tenha havido despacho de arquivamento ou acusação, não será admissível determinar a aplicação do segredo de Justiça ao presente inquérito.

Face ao exposto, e à luz dos normativos referidos, decido não proceder à validação promovida.”

Apreciando.
Poderes de cognição deste tribunal. Objecto do recurso. Questões a examinar.

Constituindo jurisprudência uniforme que o objecto do recurso é definido e delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação (art.412º, nº1, do CPP), as questões que daquelas emergem e que reclamam solução, consistem em saber se a Meritíssima Juíza prolatora dos despachos recorridos deveria ou não validar a sujeição do inquérito a segredo de justiça.

Vejamos:

Para a compreensão das questões colocadas impõe-se, antes do mais, enquadrar a decisão recorrida no contexto processual em que a mesma se insere.

Do levantamento feito do processo, na sequência dos despachos anteriormente proferidos nestes autos de recurso tendo em vista conhecer do seu objecto incidente sobre a validação ou não do despacho que determinou a sujeição do inquérito ao segredo de justiça, resulta que:

- O inquérito iniciou-se a 4 de Setembro de 2008 [4] – data da apresentação da notícia do crime em investigação contra pessoa determinada no Departamento de Investigação Criminal de Setúbal da PJ, como resulta de fls.3 destes autos recursivos, e não apenas aquando da recepção nos serviços do Ministério Público da comunicação da instauração do inquérito feita ao abrigo do art.248.º n.º1 do CPP.

- Por seu despacho de 14 de Maio de 2009, o Ministério Público por considerar que a aplicação do regime de publicidade aos presentes autos (em que se investiga um crime de abuso sexual de menor) é susceptível de prejudicar os interesses da investigação, determinou, sob invocação do art. 86.º n.º3 do CPP, a sua sujeição ao regime de segredo de justiça e a remessa dos autos à Mmª Juiz de Instrução com vista à sua validação.

- A Mmª Juiz de instrução, por seu despacho de 22 de Maio de 2009, considerou que o prazo de 72 horas, a que alude o mesmo preceito, atingiu o seu termo no dia 17 de Maio de 2009 (domingo), transitando para o 1.º dia útil seguinte, pelo que tendo-lhe os autos sido conclusos a 19 de Maio, já depois de transcorrido o dito prazo, não validou a sujeição dos autos a segredo de justiça interno.

- O Ministério Público em 29 de Maio de 2009 determinou a remessa dos autos à Mmª Juiz de Instrução renovando o pedido de validação (v.fls.12).

- Foi nessa sequência que foi proferido o despacho de 1.6.2009, supra transcrito.
**
O inquérito em causa tem de se considerar aberto a 4 de Setembro de 2008, por nesta data ter havido, por denúncia, a notícia de um crime (arts. 241.º e 262.º, n.º 2 do CPP).
O n.º1 do art. 86.º do CPP, na redacção já em vigor à data da instauração do inquérito, estabelece a regra - publicidade do processo penal - e o seu n.º 3 consagra uma excepção - aplicação ao inquérito do segredo de justiça, por decisão do Ministério Público, mas sujeita a validação do juiz de instrução criminal.

O referido art. 86.º, estatui, mais precisamente:

«Sempre que o Ministério Público entender que os interesses da investigação ou os direitos dos sujeitos processuais o justifiquem, pode determinar a aplicação ao processo, durante a fase de inquérito, do segredo de justiça, ficando essa decisão sujeita a validação pelo juiz de instrução no prazo máximo de 72 horas».

Ressalte-se: essa determinação tem lugar durante a fase de inquérito.

O que se pode ter, então, por fase de inquérito?

Numa primeira leitura, a fase do inquérito vai desde a sua abertura até ao seu encerramento (arts. 262º, n.º 2, e 276º, n.º 1, do C. de Processo Penal). Sucede que, e não obstante haver prazos máximos para o encerramento do inquérito (contados, no entanto, desde que o inquérito passou a correr contra pessoa determinada ou desde que se verificou a constituição de arguido) - art. 276.º, n.ºs 1, 2, als. a), b) e c), e 3, do C. de Processo Penal -, a sua ultrapassagem, por serem, eles, meramente ordenadores, não peremptórios, portanto, não produz, em relação a ele, inquérito, na sua configuração como tal, quaisquer efeitos que não sejam os previstos no art. 276, n.ºs 4, 5 e 6, do C. de Processo Penal ( v., ainda, Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, revista e actualizada, 2000, págs. 92/93 ).

Daí que, nada mais havendo, a sobredita determinação podia ser efectivada durante a fase do inquérito, tal como se acabou de definir. Mas o certo é que há.

Dispõe o art. 89.º, n.º 6, do C. de Processo Penal, que «findos os prazos previstos no artigo 276º, o arguido, o assistente e o ofendido podem consultar todos os elementos de processo que se encontrem em segredo de justiça, salvo se o juiz de instrução determinar, a requerimento do Ministério Público, que o acesso aos autos seja adiado por um período máximo de três meses, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez, quando estiver em causa a criminalidade a que se referem as alíneas i) a m) do artigo 1º, e por um prazo objectivamente indispensável à conclusão da investigação».

O que significa, e muito claramente, que quando aquele art. 86º, n.º 3, consagra a determinação da aplicação, ao processo, do segredo de justiça, durante a fase de inquérito, esta, para este efeito, em obediência ao mencionado art. 89º, n.º 6, tem de ser entendida como delimitada pelo que o referido art. 276.º, nos seus n.ºs 1 e 2, consagra, para a fase de inquérito, em termos de prazos máximos.

No inquérito, e segundo o que é disponibilizado pelos presentes autos, está em causa a investigação de um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelos art. 171.º n.º1 e 177.º n.º1, alin. a) do Código Penal, punível, em abstracto, com pena de prisão de 1 ano e 4 meses a 10 anos e 8 meses), mas, não havendo arguidos presos, (o denunciado ainda não terá sido sequer constituído como arguido) o prazo de inquérito é de 8 meses ( art. 276º, n.º 1 do C. de Processo Penal), prazo este que se iniciou em 4 de Setembro de 2008 com a apresentação da participação na PJ contra o denunciado e que terminava (terminou), então, a 4 de Maio de 2009.

Como se evidencia daqueles arts. 86.º, n.º 3, e 89.º, n.º 6, a determinação da aplicação, ao processo, do segredo de justiça está indissoluvelmente ligada ao inquérito, rectius, ao seu prazo máximo; vale por dizer que somente nesse prazo pode ser determinada a aplicação, ao processo, do segredo de justiça, de modo que, ultrapassado este, jamais (não havendo, naturalmente, norma que o permitisse) se pode levar a cabo essa determinação.

Ora, quando o Ministério Público determinou, por seu despacho de 14 de Maio de 2009, a aplicação ao inquérito do segredo de justiça já se mostrava decorrido o prazo do inquérito, pelo que bem andou a senhora juíza em não validar tal decisão.

Por isso que, sem necessidade de mais considerações, o recurso não pode proceder.

DECISÃO.
Nestes termos e com tais fundamentos nega-se provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, mantendo-se, em consequência, os despachos recorridos.

Sem custas por não serem devidas.

Évora, 1 de Outubro de 2009

(Elaborado e integralmente revisto pelo relator).

Gilberto Cunha

Martinho Cardoso




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[1] - Para uma análise aturada, cfr., VINÍCIO RIBEIRO, Código de Processo Penal, Notas e Comentários pp 138-172.
[2] - Assim, Código de Processo Penal, Comentários e notas práticas. Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, pp. 221.
[3] - O despacho proferido em 29.05.2009 apenas renovou o pedido de validação pelo JIC do regime de segredo de justiça que o Ministério Público determinou no seu despacho de 14.5.2009.
[4] E não a 26-09-2008 ou a 29.09.2008, como vem referido no despacho recorrido proferido em 2.º lugar