Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
407/05-2
Relator: ÁLVARO RODRIGUES
Descritores: CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL
INDEFERIMENTO LIMINAR DE EMBARGOS DE TERCEIRO
INEFICÁCIA DO EFEITO SUSPENSIVO DO RECURSO
Data do Acordão: 06/09/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I - Ao ceder a sua posição contratual de arrendatário à sociedade de que era sócio-gerente, transmitiu para esta sociedade o seu direito ao arrendamento, deixando, portanto, de ser arrendatário do referido prédio rústico, e embora continuasse a explorar, usar e fruir do prédio objecto deste processo, só podia fazê-lo em nome da sociedade sua representada, visto que era sócio gerente da mesma, já que era esta a arrendatária por força da operada cessão da posição contratual, ou, então, sem título algum!
A cessão da posição contratual é o negócio jurídico pelo qual um dos outorgantes em qualquer contrato sinalagmático (cedente) transmite a terceiro (cessionário), com o consentimento do outro contraente, o complexo dos direitos e obrigações que lhe advieram desse contrato.
II - Não existem repristinações automáticas em matéria de arrendamentos rústicos ou urbanos e, muito menos, após a perda da posição contratual do locatário, por via da sua cessão ou cedência.
III - Tendo havido cessão da posição contratual do primitivo locatário para o cessionário, só uma nova cessão de sentido contrário, permitiria ao ora Agravante readquirir a posição de arrendatário que perdeu.
IV – O facto de ter sido atribuído efeito suspensivo, ao recurso interposto do despacho que indeferiu liminarmente os embargos de terceiro, não significa que a diligência do despejo decretada no processo principal devesse também ter sido suspensa, como pretendia o Recorrente.
Com efeito, se os Embargos de Terceiro não foram recebidos, eles não existem na realidade judiciária, até ulterior decisão, proferida em via de recurso, que, eventualmente, ordene o seu recebimento.
Decisão Texto Integral:
Agravo nº 407/05 – 2
(Embargos de Terceiro 114-B/99
Comarca de Ponte de Sôr)



Acordam na Secção Cível da Relação de Évora:

Nota Introdutória

No presente processo de Embargos de Terceiro, foram interpostos três recursos de Agravo, por banda do Embargante A., adiante melhor identificado, a saber:

1º-Agravo de fls.66, interposto do despacho que rejeitou os presentes Embargos, recurso este a que foi atribuído efeito suspensivo.

2º- Agravo de fls.101, interposto do despacho de deferimento de 14.04.04, que recaiu sobre o requerimento do mandatário dos actuais senhorios da herdade arrendada que, por ter sido atribuído efeito suspensivo ao recurso anterior (Agravo de fls. 66), havia pedido que não fosse abrangida por tal suspensão, a realização da diligência para a execução do despejo, e que, em consequência, fosse novamente agendada a referida diligência.
Tal Agravo foi admitido por despacho de fls.105
Este recurso, todavia, por falta de alegação tempestiva do agravante, foi julgado deserto, por despacho de fls. 115.

3º- Agravo de fls. 122, interposto do despacho proferido a fls. 120 indeferindo o requerimento apresentado pelo Embargante, pedindo que a diligência da realização do despejo, não tivesse lugar antes de decorridos 90 (noventa) dias, a fim de ultimar a transferência do gado para outras propriedades.
Este recurso foi admitido por despacho de 26 de Outubro de 2004 (fls. 114).

Cumpre, assim, conhecer de ambos os recursos que subiram a esta Relação (1º e 3º, já que o 2º foi julgado deserto) o que se fará pela ordem da sua interposição (artº 752º, nº 2), colhidos que se mostram os vistos legais, sem que nada obste ao conhecimento dos respectivos objectos, os quais são delimitados, como se sabe, pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos das disposições combinadas dos artºs 684º, nº 3 e 690, nºs 1 e 4 do CPC.


Agravo de fls. 66


RELATÓRIO

A., residente na Rua ………, tendo tomado conhecimento de que, por sentença transitada em julgado, foi ordenada à S., Lda. a entrega de um prédio rústico que se encontra em seu poder, tendo sido requerida a notificação da referida sociedade para proceder à entrega imediata do locado, veio deduzir Embargos de Terceiro, alegando, em resumo útil, que a referida S. não é, nem nunca foi arrendatária do prédio despejando, pois o acordo prévio da cessão da posição contratual que esteve na base da acção que culminou com o decretamento da entrega referida, foi efectuado entre a então senhoria da referida herdade e o arrendatário da mesma que é o ora Embargante.
Que tal cessão da posição contratual foi efectuada com o exclusivo propósito de a S., Lda. apresentar o correspondente documento nos competentes serviços do Ministério da Agricultura para instruir um projecto de investimentos, em virtude de a referida sociedade reunir os requisitos necessários para a obtenção do respectivo financiamento.
Todavia, passados cerca de 15 dias, a Sociedade desistiu dessa ideia, tendo a senhoria, cedente e cessionária acordado na extinção dos efeitos da cessão, sendo repristinado o vínculo locatício entre a senhoria e o arrendatário cedente, ou seja, o ora Embargante.
Assim o Embargante, como arrendatário, continuou a explorar, usar e fruir do prédio, objecto da acção decidida, como vinha fazendo desde o início do arrendamento, em seu nome, por sua conta e no seu interesse.
Que a S., Lda. é totalmente alheia à relação locatícia, tendo sido o Embargante que, desde a data em que foi celebrado o contrato de arrendamento, explora directamente o arrendado, nele colocando animais bovinos à engorda, em regime extensivo, vendendo-os, embolsando os respectivos resultados, assim como realizando culturas e sementeiras, fazendo seus os resultados da venda dos produtos respectivos.
Pede que sejam julgados procedentes os Embargos ora deduzidos, reconhecendo-se a qualidade de arrendatário ao Embargante, com as legais consequências, dando-se sem efeito o despacho que ordenou o despejo dos autos.
Concluso o processo, o Exmº Juiz do Tribunal a quo proferiu despacho considerando que tal como o próprio Embargante afirma na petição dos presentes Embargos de Terceiro, os factos ora alegados já o foram em sede de contestação no âmbito da acção principal e, levados à base instrutória sob os quesitos 4º a 6º, foram dados como não provados e foi com base nesta resposta negativa que a Ré S., Lda, apelou da sentença que julgou a referida acção procedente e decretou o despejo da mesma Ré.
Na dita Apelação, não obteve ganho de causa a Apelante, posto que foi considerado que se mantinha o regime da cessão da posição contratual para a Ré sociedade, tendo sido decretado o despejo da mesma.
Desta sorte, refere o despacho ora em recurso, «pretende o ora Embargante, através dos presentes Embargos, obter uma decisão no sentido que não logrou obter no âmbito da acção principal».
Em face do exposto, o Tribunal a quo considerou que o pedido do embargante era manifestamente improcedente, motivo pelo qual rejeitou os presentes Embargos de Terceiro.
Inconformado com tal decisão, o Embargante trouxe Agravo da mesma para esta Relação, alegando, em síntese, que pode o embargante vir a obter procedência dos embargos e assim ser-lhe reconhecida a qualidade de rendeiro do prédio despejando, com os poderes e deveres inerentes, sendo um desses poderes a fruição do mesmo.
Pela primeira vez traz a notícia de que a sociedade Ré dissolveu-se, conforme os documentos que junta, em 29.05.01.

Mais alega que no domínio do CPC/95, como consequência da ampliação do âmbito dos Embargos de Terceiro, operada no artº 351º, consagrou-se a sua vocação para a definição do direito de fundo com eficácia de caso julgado material.
O meio adequado para reagir contra eventual ofensa da posse em cumprimento de um mandado de despejo, são os embargos de terceiro.
Na acção principal (despejo) pediu-se que se declarasse com efeitos a partir do início de Outubro/98 cessado o contrato de arrendamento que vem vigorando entre os AA e a R, condenando-se a Ré a despejá-lo imediatamente, e ainda a pagar aos AA os montantes dos danos que entretanto ocorreram.



Remata a sua alegação com as seguintes:




Conclusões:

1ª Na acção principal de despejo à qual estão apensados os presentes embargos não são idênticos, pelo menos, o pedido e a causa de pedir.

2ª No CPC/95, como consequência da ampliação do âmbito dos Embargos de Terceiro, operada no artº 351º, consagrou-se a sua vocação para a definição do direito de fundo com eficácia de caso julgado material.

3ª Nada obsta, assim, a que os presentes embargos devam prosseguir os seus regulares termos.

4ª Por erro de interpretação, violou a decisão recorrida o disposto no CPC, artºs 351, 498 nºs 1e2, 497º nº1, 671º nº1, 234º-A nº1 e 354.

5ª Deve, o que se pede, revogar-se a decisão recorrida e substituir-se por outra em que se ordene o recebimento dos presentes embargos para contestar_ CPC, artºs 356º e 357º, nº1.

Os actuais senhorios do prédio rústico de que tratam os autos, J. e AM., apresentaram contra-alegações, relativas ao recurso que de seguida será apreciado, nas quais defendem a manutenção do decidido, equacionando a questão da inutilidade superveniente da presente lide e outras, revelando-se, todavia, de todo o interesse para a boa decisão do presente recurso, transcrever-se o historial das vicissitudes desta longa litigância que vem narrado naquelas suas alegações, dada a íntima conexão dos factos historiados com o presente recurso:

J. e A.M. intentaram, em 15 de Dezembro de 1998, uma acção especial emergente de contrato de arrendamento rural contra a S., Lda.

Na acção requeria-se o despejo da então ré do prédio rústico denominado …………., sito na freguesia de …….., em virtude de o contrato de arrendamento que existia entre ambos ter sido legalmente denunciado pelos então autores, enquanto proprietários do prédio.

No âmbito da acção supra referida, foi proferida sentença, em 5 de Março de 2003, nos termos da qual se entendeu que a denúncia do contrato era válida, condenando-se a ora agravada a entregar de imediato o prédio arrendado aos então autores e a pagar-lhes um montante a título de danos emergentes da não entrega atempada do mesmo.

Da decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Ponte de Sôr, recorreu a ora agravada, sendo que a decisão recorrida veio a ser confirmada pelo Tribunal da Relação de Évora.

Em virtude do douto acórdão proferido em 16 de Dezembro de 2003, que recusou fundamento à apelação e consequentemente confirmou a decisão recorrida, deveria a ora agravada ter entregue de imediato o locado, situação que efectivamente não se verificou.

Razão pela qual, em 23 de Janeiro de 2004, vieram os então autores requerer um mandado para a execução do despejo, nos termos do art. 59° do RAU.

Em 4 de Março de 2004, e na sequência do mandado para a execução do despejo, veio A. deduzir embargos de terceiro, nos termos do disposto no art. 351°n. °l do CPC.

Os embargos de terceiro foram declarados improcedentes.

Do despacho que rejeitou os embargos de terceiro foi interposto recurso.

Pretendia o ora agravante que o recurso tivesse efeito suspensivo e que, consequentemente, se ordenasse a suspensão do despejo.

O juiz não teve esse entendimento, em virtude do carácter urgente dos processos de despejo em caso de arrendamento rural e também pela circunstância dos factos invocados pelo ora agravante não justificarem a suspensão do despejo.

Em 12 de Julho de 2004 foi executado o despejo, ficando o seu conteúdo e termos a constar de auto.

Cumpre apreciar e decidir!

FUNDAMENTOS

Como defendem os senhorios do prédio que constitui objecto da presente lide, cuja legitimidade de intervenção na mesma é incontestável, já que é manifesto o seu interesse em contradizer, devendo até os mesmos serem considerados os verdadeiros Embargados, ora Agravados, muito embora o Embargante e ora Agravante não tenha identificado a parte contrária, (pois só eles teriam prejuízo na eventual procedência dos referidos Embargos de Terceiro, até porque a S., Lda. foi extinta e dissolvida em 29 de Maio de 2001, em face do que consta da escritura de dissolução de sociedade, junta pelo próprio Embargante, por cópia, a fls.89 e 90 do presente processo), o que o ora Agravante pretende obter mais não é do que o que não logrou alcançar na acção que julgou procedente o pedido dos Autores, aqui Agravados, e que, considerando procedente a denúncia do contrato de arrendamento relativamente à Ré S., Lda., decretou o despejo desta.

Foi exactamente este o entendimento da sentença ora em recurso!

Com efeito, em primeiro lugar, não se vislumbra qual a razão porque tendo a Sociedade referida sido dissolvida no ano de 2001, o ora Agravante que era o sócio – gerente da mesma, como consta da escritura de dissolução da referida sociedade que só agora juntou a este processo (na fase do recurso por si interposto) e, portanto, seu legal representante, não trouxe, segundo se colhe dos autos, o conhecimento de tal dissolução ao processo que contra a referida sociedade corria termos para a denúncia do contrato de arrendamento, inclusive tendo interposto recurso da decisão da 1ªInstância quando a Ré de tal processo já não existia, deixando censuravelmente que o mesmo continuasse a tramitar até 16 de Dezembro de 2003, data em que foi proferido o Acórdão desta Relação, que recusando fundamento à apelação, confirmou a sentença recorrida, ordenando a entrega do locado.
Só o fito de lucrar com a natural demora da tramitação processual poderá, quiçá, explicar tão estranha conduta.

Em segundo lugar, o Agravante bem sabe que, ao ceder a sua posição contratual de arrendatário à sociedade de que era sócio-gerente, transmitiu para esta sociedade o seu direito ao arrendamento, deixando, portanto, de ser arrendatário do referido prédio rústico, e embora continuasse a explorar, usar e fruir do prédio objecto deste processo, só podia fazê-lo em nome da sociedade sua representada, visto que era sócio gerente da mesma, já que era esta a arrendatária por força da operada cessão da posição contratual, ou, então, sem título algum!
A cessão da posição contratual é o negócio jurídico pelo qual um dos outorgantes em qualquer contrato sinalagmático (cedente) transmite a terceiro (cessionário), com o consentimento do outro contraente, o complexo dos direitos e obrigações que lhe advieram desse contrato (cf. A.Varela, Das Obrigações em geral, 3ª ed.2º-351).
Como assim, não só não tinha o ora Agravante qualquer direito locatício ou outro relativamente ao prédio rústico em questão, visto que havia cedido a sua posição de arrendatário à sociedade, como também a detenção de tal prédio e o uso e a fruição que alega, assim como o cumprimento de determinadas obrigações só o poderiam ser em nome da sociedade de que era sócio gerente, visto que nos termos do artº 1059º, nº2 do Código Civil, a cessão da posição do locatário está sujeita ao regime geral dos artºs 424º e segs.do mesmo Código, portanto, a tal transmissão do complexo de direitos e deveres a que nos vimos de referir.
Labora em erro o Agravante, ressalvado o devido respeito, ao afirmar que tendo sido celebrada a cessão da posição contratual para a sociedade, a fim de esta obter o financiamento pretendido, mas tendo a mesma sociedade desistido de tal projecto, senhoria, cedente e cessionária acordaram na extinção dos respectivos efeitos, sendo repristinada a relação locatícia entre a senhoria e o arrendatário cedente, ou seja o Embargante.
Não existem repristinações automáticas em matéria de arrendamentos rústicos ou urbanos e, muito menos, após a perda da posição contratual do locatário, por via da sua cessão ou cedência.
Tendo havido cessão da posição contratual do primitivo locatário para o cessionário, só uma nova cessão de sentido contrário, permitiria ao ora Agravante readquirir a posição de arrendatário que perdeu.
Não é isso que vem alegado, pois parece que o ora Agravante supõe que estando as partes de acordo, tudo volta ao princípio como se nada tivesse havido.
Mesmo após a extinção da sociedade, a posição contratual do locatário só seria transmissível ao ex-arrendatário, se tivesse sido convencionada tal reversão por escrito, como comanda o nº1 do artº 1059º do C.Civil.
Em suma, por via da falada cessão da posição contratual, o complexo dos direitos e obrigações do arrendatário saiu da esfera jurídica do ora Agravante, que assim deixou de ser arrendatário, e ingressou na esfera jurídica da sociedade cessionária, passando esta a ser a arrendatária, com os inerentes direitos e vinculações.
Para o que o ora Agravante voltasse a ser o arrendatário, teria de existir uma nova transmissão da referida posição que não aconteceu, pois não só tal não foi alegado, como, na acção julgada procedente foi considerada válida a referida cessão e decretado o referido despejo.

Sendo assim, só resta dizer que, embora seja correcto o entendimento do Agravante de que no CPC/95, como consequência da ampliação dos embargos de terceiro, consagrou-se a sua vocação para a definição do direito de fundo com eficácia de caso julgado material, a verdade é que no caso sub judicio nada há a definir, pois o direito de fundo, como lhe apelida o Agravante, ficou definido perfeitamente por via da cessão da sua posição contratual para a sociedade de que foi sócio gerente, não podendo, portanto, obstar ao despejo judicialmente decretado da referida sociedade, na pretensa qualidade de Terceiro possuidor ou titular de qualquer direito incompatível com a realização da diligência ordenada por decisão passada em julgado.

Face ao quanto exposto se deixa, outra solução não se depara do que a confirmação integral do despacho recorrido.


DECISÃO

Tudo visto e ponderado, acordam os Juízes desta Relação, pelas razões acabadas de expor, em negar provimento ao Agravo interposto, confirmando-se a decisão recorrida.




Agravo de fls. 122

O Embargante A., atrás identificado, interpôs novo Agravo, desta feita, da decisão do Exmº Juiz a quo, que indeferiu o seu requerimento de fls. 119, em que pedia que a diligência da realização do despejo, não tivesse lugar antes de decorridos 90 (noventa) dias, a fim de ultimar a transferência do gado para outras propriedades.
Este recurso foi admitido por despacho de 26 de Outubro de 2004 (fls. 124).
Remata a sua alegação deste Agravo, com as seguintes conclusões:

Atentos os fundamentos invocados no requerimento sobre o qual recaiu o despacho objecto do presente recurso, verifica-se que a execução do despejo nos autos é susceptível de causar ao agravante prejuízo irreparável ou pelo menos de difícil reparação.

O exercício do poder-dever previsto no CPC – artº 740º,2 d) não está excepcionado pela lei no caos de se tratar de um processo urgente.

Por erro de interpretação violou a decisão recorrida o disposto nos diplomas_ Dec. -Lei 524/99 de 10/12_ artº 35, nºs 1 e 2; CPC_ artº 740, 2 d) e seu nº 3.

Deve-se, o que se pede, revogar a decisão recorrida, substituindo-se por outra em que se defira o requerimento de fls. 101 dos autos, e se fixe o efeito suspensivo do recurso em causa, e em consequência se ordene a suspensão do despejo.

Nas suas contra-alegações, os Agravados afirmam que em 12 de Julho de 2004 foi executado o despejo, ficando o seu conteúdo e termos a constar de auto.

Que tal peça foi notificada ao Agravante que não infirmou a afirmação dos Agravados.
Que tendo já sido realizada a diligência cuja suspensão se pretendia, não há qualquer utilidade na prossecução do conhecimento do presente recurso.
Quanto ao mais, tecem doutas considerações sustentando a manutenção do decidido.
E historiam esta longa litigância, da seguinte forma, como, aliás, já se referiu na decisão do agravo antecedente, dado o carácter comum, a ambos os recursos, de tal sucessão de factos, mas que, por razão de comodidade, se transcrevem de novo:

J. e AM. intentaram, em 15 de Dezembro de 1998, uma acção especial emergente de contrato de arrendamento rural contra a S., Lda.

Na acção requeria-se o despejo da então ré do prédio rústico denominado ………..sito na freguesia de ……., em virtude de o contrato de arrendamento que existia entre ambos ter sido legalmente denunciado pelos então autores, enquanto proprietários do prédio.

No âmbito da acção supra referida, foi proferida sentença, em 5 de Março de 2003, nos termos da qual se entendeu que a denúncia do contrato era válida, condenando-se a ora agravada a entregar de imediato o prédio arrendado aos então autores e a pagar-lhes um montante a título de danos emergentes da não entrega atempada do mesmo.

Da decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Ponte de Sôr, recorreu a ora agravada, sendo que a decisão recorrida veio a ser confirmada pelo Tribunal da Relação de Évora.

Em virtude do douto acórdão proferido em 16 de Dezembro de 2003, que recusou fundamento à apelação e consequentemente confirmou a decisão recorrida, deveria a ora agravada ter entregue de imediato o locado, situação que efectivamente não se verificou.

Razão pela qual, em 23 de Janeiro de 2004, vieram os então autores requerer um mandado para a execução do despejo, nos termos do art. 59° do RAU.

Em 4 de Março de 2004, e na sequência do mandado para a execução do despejo, veio A. deduzir embargos de terceiro, nos termos do disposto no art. 351° n.º l do CPC.

Os embargos de terceiro foram declarados improcedentes.

Do despacho que rejeitou os embargos de terceiro foi interposto recurso.

Pretendia o ora agravante que o recurso tivesse efeito suspensivo e que, consequentemente, se ordenasse a suspensão do despejo.

O juiz não teve esse entendimento, em virtude do carácter urgente dos processos de despejo em caso de arrendamento rural e também pela circunstância dos factos invocados pelo ora agravante não justificarem a suspensão do despejo.

Em 12 de Julho de 2004 foi executado o despejo, ficando o seu conteúdo e termos a constar de auto.


FUNDAMENTOS


Antes do mais, importa transcrever o despacho ora em apreço, proferido a fls.120 e que indeferiu o requerimento do Embargante de fls. 119, no qual este pedia que a diligência da realização do despejo, não tivesse lugar antes de decorridos 90 (noventa) dias, a fim de ultimar a transferência do gado para outras propriedades.

Diz o referido despacho:

«O requerimento não merece deferimento, atentas duas razões:

- O carácter urgente dos processos de despejo em caso de arrendamento rural
- A circunstância de o motivo invocado ser, de modo patente, inadequado a suspender o despejo, já que nem sequer se refere o número de cabeças de gado e seja ele qual for são coisas móveis de facílima deslocação e conservação ou alienação com vida ou para abate.

Por esses motivos e atenta a manifesta desnecessidade de ouvir a parte contrária, não se acciona o mecanismo previsto no artigo 3º, nº3 do CPC.».

Refere a parte contrária, nas suas contra-alegações, citando Salvador da Costa, no caso de os embargos não serem recebidos, ainda que haja recurso da respectiva decisão, deve o Juiz declarar, no processo principal, a cessação da suspensão da instância, cumprindo o despacho relativo à realização da diligência.

É patente que o Embargante procurou adiar, tanto quanto possível, a realização do despejo, pois bem sabia que o Tribunal de Ponte de Sôr, por decisão proferida em acção instaurada para a cessação do contrato de arrendamento rural, contra a sociedade de que o ora Embargante/Agravante era sócio – gerente (que, como se referiu na decisão do agravo que antecede, foi dissolvida no ano de 2001, embora o Embargante, segundo se colhe dos autos, só em sede dos recursos interpostos neste processo de Embargos de Terceiro, tenha dado conhecimento de tal facto em juízo), proferiu sentença em 5 de Março de 2003, considerando válida a denúncia do contrato e condenando a sociedade agravada a entregar de imediato o prédio arrendado aos autores.
Esta decisão foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Évora, transitando, assim, em julgado.
Intentados os presentes Embargos de Terceiro, os mesmos foram liminarmente rejeitados, embora o Embargante tenha interposto recurso de tal decisão, que acabou de ser decidido no presente Acórdão.
Por outro lado, quando os senhorios do prédio requereram que o efeito suspensivo atribuído ao Agravo que o Embargante interpôs da decisão que rejeitou os Embargos, não abrangesse a realização da diligência, o Embargante foi sensibilizado para a iminência da diligência, tendo mesmo interposto recurso do despacho que deferiu o citado requerimento dos senhorios, embora, depois, deixando-o desertar por falta de alegação.
Assim sendo, não foi subitamente surpreendido pela necessidade de retirar o gado, e tomar providências para restituir a propriedade aos donos, como foi judicialmente determinado à sociedade de que é, ou melhor, era sócio-gerente, por sentença passada em julgado, pois tendo visto denegadas as pretensões formuladas nos processos a que fizemos referência, teve tempo suficiente para tratar da remoção dos animais e o mais que fosse necessário.
Pede o Agravante que se fixe efeito suspensivo ao presente recurso!
Tal pedido, contudo, baseia-se em manifesto lapso, pois ao presente recurso foi atribuído, na verdade, efeito suspensivo, como se colhe do despacho de fls.122 do processo, como também efeito suspensivo foi atribuído ao anterior Agravo.
Nem de outro modo poderia ser, uma vez que foi determinado que o recurso subisse nos próprios autos, tendo em atenção o disposto no artº 734º nº 2 do CPC.
Em todo o caso, embora aos recursos tenha, efectivamente, sido atribuído efeito suspensivo, tal não significa que a diligência do despejo decretada no processo principal devesse também ter sido suspensa, como pretendia o Recorrente.
Com efeito, se os Embargos de Terceiro não foram recebidos, eles não existem na realidade judiciária, até ulterior decisão, proferida em via de recurso, que, eventualmente, ordene o seu recebimento.
Por outras palavras, tudo se passa como se os Embargos não tivessem sido deduzidos, relativamente aos bens a que dizem respeito.
Apenas o despacho que recebesse os embargos, determinaria a suspensão dos termos do processo em que se inserem, quanto aos bens a que dizem respeito, como comanda expressamente o artº 356º do CPC., e tal despacho não foi proferido, mas sim o seu oposto, o de rejeição liminar.
Também não há qualquer violação do artº 740º, 2, d) do CPC, pois tal artigo nem sequer é aplicável no caso vertente, já que ao recurso foi atribuído efeito suspensivo, embora com base no nº1, como se impunha, pois subiu nos próprios autos.
Finalmente sempre cumprirá dizer que, no caso em apreço, pelo facto de a diligência ter sido, entretanto, efectuada, não ocorre inutilidade superveniente da lide, como pretendem os Agravados, desde logo porque outra é a instância em que foi decretado e realizado o despejo, embora neste processo se pedisse o protelamento de tal realização.
Além disso, também não se verifica a perda do objecto do recurso, já que o objecto do recurso é a própria decisão judicial recorrida [1] pois, como se sabe, os recursos visam a reapreciação pelo Tribunal superior das decisões dos Tribunais inferiores em hierarquia (artº 676º/1 do CPC).
O que se passa, no caso sub judicio, é que nem as razões alegadas pelo Agravante são de molde a fundamentar o deferimento da pretendida dilação temporal para a realização do despejo, como se deixou demonstrado, nem __ e essa é razão de capital relevância __ o Agravante tem qualquer direito a permanecer na referida propriedade ou a explorá-la, seja a título pessoal, pois, como ficou claro na decisão do Agravo de fls. 66, havia transmitido o direito de arrendamento para a S., Lda., seja a título de sócio-gerente e, portanto, representante legal da referida sociedade, visto que a mesma foi extinta e dissolvida, extinguindo-se, consequentemente, qualquer vínculo de representação com os inerentes poderes.



DECISÃO

São estes os termos em que, tudo visto e ponderado, delibera-se negar provimento ao presente Agravo, confirmando-se o despacho recorrido.

Custas de ambos os Agravos decididos no presente Acórdão, pelo Agravante.


Processado e revisto pelo relator.


Évora, 9 de Junho de 2005




______________________________

[1] Há basicamente duas concepções do objecto do recurso:
a) Objecto do recurso, como a decisão recorrida que se vai ver se foi aquela que ex lege devia ter sido proferida.
b) Objecto do recurso, como a questão sobre que incidiu a decisão recorrida.
O Prof. Castro Mendes entendia que, entre nós, foi consagrada a primeira concepção, estribando-se no artº 676º, nº1, reforçado pelo artº 684º nº2 , ambos do CPC ( Castro Mendes Direito Processual Civil (Recursos) 1972, pg.22/23).