Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | JOÃO GOMES DE SOUSA | ||
Descritores: | SEGREDO BANCÁRIO | ||
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Data do Acordão: | 10/25/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | 1. O artigo 135º do Código de Processo Penal deixou de ser vigente nos casos que se possam subsumir ao nº 3, al. c) do artigo 79.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, com a redacção dada pela Lei n.º 36/2010, de 2 de Setembro. Assim, os dados que constam desta alínea c) do nº 3 do artigo 79º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras - identificação do número da conta, da respectiva entidade bancária, da data da sua abertura, dos respectivos titulares e das pessoas autorizadas a movimentá-las, incluindo procuradores, e da data do seu encerramento - devem ser prestados a qualquer “autoridade judiciária”, no âmbito de um processo penal. E estas são, como se sabe, o Juiz, o Juiz de Instrução e o Ministério Público – artigo 1º, al. b) do Código de Processo Penal. | ||
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Decisão Texto Integral: | Relatório: Correm nos serviços do Ministério Público junto do Tribunal de Portimão uns autos de inquérito com o número supra indicado, onde se investiga a eventual prática de um crime de furto. Foi solicitado à Caixa Geral de Depósitos, pelo Ministério Público, informação sobre a identificação completa do titular da conta utilizada para efectuar carregamentos no telemóvel que terá sido subtraído por desconhecidos a OL. Respondeu esta entidade recusando-se a fornecer as pretendidas informações por os elementos solicitados estarem sujeitos a segredo bancário, nos termos do artº 78º do RGICSF (DL 298/92, de 31 de Dezembro), e não ocorrer, no caso, nenhuma das excepções previstas no artigo seguinte. Face à recusa, o Exmo. Senhor Procurador Adjunto, uma vez que tais elementos se mostram essenciais ao sucesso da investigação criminal, acabou por requerer ao Mmº Juiz de Instrução Criminal que ordenasse à referida instituição bancária o fornecimento dos elementos bancários solicitados, sob pena e cominação nas legais consequências na recusa em cumprir uma ordem judicial, nos termos e para os efeitos no disposto nos artigos 1350 do CPP e artigo 5190 e 519°-A do CPC O Mmº Juiz decidiu por seu despacho de 06 de Maio de 2011, que a Caixa Geral de Depósitos fornecesse os elementos solicitados, no prazo de 10 dias, sob pena de não o fazendo, ser condenada em multa nos termos do artigo 5190 do C.P.Civil. Inconformada, veio a Caixa Geral de Depósitos interpor o presente recurso, pugnando pela defesa da natureza protegida pelo sigilo bancário das informações pretendidas e pedindo que o despacho recorrido seja declarado nulo e substituído por outro, que considere válida e legal a invocação do segredo bancário ou que se submeta tal decisão ao Tribunal da Relação, com as seguintes conclusões: 1.º O Tribunal a quo faz pedido de informação bancária que é protegida pelo dever de segredo (elementos de confirmação de existência de conta bancária e de identificação dos titulares dessa conta identificada), nos termos do disposto nos artigos 78.º e 79.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF). 2.º A CGD, invocando o dever de segredo bancário ao qual está por lei obrigada, recusou anteriormente a prestação dos elementos informativos. 3.º O tribunal a quo não faz uma consideração válida sobre a ilegitimidade da anterior recusa da Caixa Geral de Depósitos perante o disposto no artigo 135º, nº 1, do Código de Processo Penal, e do artigo 195º do Código Penal. 4.º O tribunal a quo viola o disposto no n.º 3 do artigo 135.º, no sentido em que é da competência do tribunal superior decidir da prestação de informação com quebra do dever de segredo profissional, ao simplesmente desaplicá-lo; 5.º A nova redacção da alínea d) do nº 2 do artigo 79º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras não veio alterar substancialmente o regime legal do segredo bancário, quando reza “Às autoridades judiciárias no âmbito de um processo penal” 6.º Face à legitimidade da anterior recusa da CGD, em cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 135.º do Código de Processo Penal, deveria o Tribunal a quo ter suscitado junto do Tribunal da Relação de Évora o incidente de prestação de informação com quebra do dever de segredo; 7.º Na verdade, concordando com a interpretação daquela norma feita pelo Supremo Tribunal de Justiça já no seu Acórdão de 06/02/2003, relativo ao processo n.º 03P159, in www.dgsi.pt, Sumário – ponto III, confirmado e reforçado no acórdão de fixação de jurisprudência de 13.02.2008, também a CGD defende que, “A decisão sobre o rompimento do segredo é da exclusiva competência de um tribunal superior ou do plenário do Supremo Tribunal de Justiça, se o incidente se tiver suscitado perante este tribunal”. 8.º O despacho ora recorrido está, nos termos do disposto na alínea e), do artigo 119º do Código de Processo Penal, ferido de nulidade por violação da regra de competência em razão da hierarquia, ínsita no nº 3, do artigo 135º do Código de Processo Penal, quer na parte em que decide o conflito dos interesses em jogo, quer na parte em que declara lícita a quebra do segredo bancário, quer ainda na parte em que ordena a entrega da informação bancária já antes recusada ao abrigo do segredo bancário. 9.º Sendo nulo o despacho, e inexistindo decisão do Tribunal da Relação que determine no caso concreto a quebra do segredo bancário, não pode a CGD considerar-se deste desobrigada, nem desresponsabilizada perante o seu cliente, nos termos do artigo 84º do Regime Geral da Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras aprovado pelo Decreto-Lei nº 292/98, de 31 de Dezembro. 10.º Ao abrigo da 2ª parte alínea d), do nº 1, do artigo 401º Código de Processo Penal, a CGD tem legitimidade para interpor o presente recurso, e fá-lo tempestivamente. Termos em que deve o despacho ora recorrido ser declarado nulo e substituído por outro que, nos termos do n.º 2 do artigo 135.º do Código de Processo Penal, declare, com fundamento que seja válido e legal, ilegítima a invocação do segredo bancário por parte da CGD em carta remetida aos Serviços do Ministério Público, legitimando assim a prestação de informação protegida pelo dever de segredo, e ordene a satisfação da ordem contida no despacho, ou que submeta à decisão do Tribunal da Relação a derrogação do sigilo legitimamente evocado, nos termos do artigo 135º, nº 3, do mesmo Código de Processo Penal, desresponsabilizando-se em qualquer dos casos a ora Recorrente perante o seu cliente, titular do direito ao segredo bancário, face ao disposto no artigo 84º do RGICSF e no artigo 195º do Código Penal. * Respondeu o Ministério Público sustentando a improcedência do recurso e a confirmação da decisão recorrida. Nesta Relação a Exmª Srª Procuradora Geral-adjunta emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º do Código de Processo Penal. * Fundamentação Cumpre decidir. Os factos relevantes para a decisão do presente incidente são os que ficaram referidos no relatório que antecede. A questão suscitada no recurso limita-se a apurar se a CGD estava obrigada a prestar as informações solicitadas e a quem. O dever de sigilo bancário é uma concreta manifestação do direito ao bom-nome e reputação e à reserva da vida privada, previsto no artigo 26º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa e visa proteger as relações de confiança entre as instituições bancárias e os seus clientes, tidas como indispensáveis ao normal desenvolvimento do modelo económico adoptado e só pode ser restringido para salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos – artigo 18, nº 2, da Constituição da República Portuguesa. Naturalmente que a recorrente é mera obrigada ao dever de segredo profissional (dever de sigilo), já que os principais beneficiários do direito constitucional consagrado são os seus clientes. E isso é patente no dispositivo que consagra esse dever profissional de segredo, o artigo 78º do referido Regime (“1 - Os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, mandatários, comitidos e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços”). Bem como na consagração da regra geral de que os seus clientes são os absolutos titulares do direito à exposição do segredo (artigo 79º, nº 1 do mesmo diploma). Na sequência deste óbvio entendimento a sua regulamentação é rodeada de cautelas de salvaguarda de outros direitos constitucionais reconhecidos e conflituantes com os direitos que o dever de sigilo pretende acautelar. Essas cautelas mostram-se evidentes no disposto no artigo 79º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro. Este dispunha, na parte interessante: “2 - Fora do caso previsto no número anterior (autorização do cliente), os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados: a) Ao Banco de Portugal, no âmbito das suas atribuições; b) À Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, no âmbito das suas atribuições; c) Ao Fundo de Garantia de Depósitos e ao Sistema de Indemnização aos Investidores, no âmbito das respectivas atribuições; d) Nos termos previstos na lei penal e de processo penal; e) À administração tributária, no âmbito das suas atribuições; f) Quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo”. Há uma nítida repartição destas excepções pelo seu carácter objectivo e subjectivo. Subjectivo quando se refere às instituições Banco de Portugal, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, Fundo de Garantia de Depósitos, ao Sistema de Indemnização aos Investidores e à administração tributária De carácter objectivo nas duas restantes alíneas [d) e f)], com remissão directa para a lei penal e de processo penal ou qualquer outra disposição legal autorizativa. Ora, a nova redacção dada ao artigo 79º, nº 2 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, constante da Lei n.º 36/2010, de 2 de Setembro altera a natureza de uma excepção, que deixa de ter carácter objectivo e passa a ter carácter subjectivo, precisamente a alínea d) referente às autoridades judiciárias. A diferença é patente numa leitura da nova redacção do preceito, em contraposição com a anterior: “2 - Fora do caso previsto no número anterior, os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados: a) Ao Banco de Portugal, no âmbito das suas atribuições; b) À Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, no âmbito das suas atribuições; c) Ao Fundo de Garantia de Depósitos e ao Sistema de Indemnização aos Investidores, no âmbito das respectivas atribuições; d) Às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal; e) À administração tributária, no âmbito das suas atribuições; f) Quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo”. Assim, com a redacção hoje vigente, mantém-se apenas uma excepção objectiva [a alínea f)], tendo todas as outras um carácter subjectivo abarcando todas as entidades referidas no preceito, estando todas as entidades ali referidas em pé de igualdade na consagração da excepção ao dever de segredo. Isto é, o dever de segredo não se aplica a qualquer das entidades referidas no preceito (no âmbito objectivo das suas atribuições e, no caso da alínea d), no âmbito do processo penal), sendo que relativamente às entidades judiciárias apenas se excepciona com o conteúdo da al. c) do nº 3 do preceito. E assim como não consta que a recorrente suscite qualquer tipo de incidente para prestar informações ao Banco de Portugal ou à CNVM, por exemplo, precisamente porque a letra do preceito a isso a obriga, a sua recusa em prestar informações a qualquer entidade judiciária é ilícita, desde que seja no âmbito do processo penal e da previsão da alínea c) do nº 3 do preceito. A sua remissão para a letra do artigo 135º, nº 1 do Código de Processo Penal é abusiva pois que a alteração introduzida à al. d) do artigo 79º e o acrescento do nº 3 do preceito do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras veio a revogar de forma implícita a referência que nesse preceito é feita a instituições de crédito, desde que o teor das informações prestadas caiba na previsão da alínea c) do nº 3. Acresce que o fim da remissão para a “lei penal e de processo penal” e a consagração de uma excepção de carácter subjectivo quer, precisamente, consagrar o fim da remissão para o incidente previsto no artigo 135º do Código de Processo Penal (precisamente porque o pedido já não é feito no âmbito da “lei penal e de processo penal”), quando as entidades que solicitam informação são “autoridades judiciárias” e quando o pedido se contém na previsão da al. c) do nº 3 do preceito. Em breve, o artigo 135º do Código de Processo Penal deixou de ser vigente nos casos que se possam subsumir ao nº 3, al. c) do artigo 79º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, com a redacção dada pela Lei n.º 36/2010, de 2 de Setembro. É essa a função, aliás, da al. c) do novo nº 3 do preceito. “c) O Banco de Portugal adopta as medidas necessárias para assegurar o acesso reservado a esta base, sendo a informação nela referida apenas respeitante à identificação do número da conta, da respectiva entidade bancária, da data da sua abertura, dos respectivos titulares e das pessoas autorizadas a movimentá-las, incluindo procuradores, e da data do seu encerramento, e apenas podendo ser transmitida às entidades referidas na alínea d) do n.º 2 do presente artigo, no âmbito de um processo penal. Assim, os dados que constam desta alínea c) do nº 3 do artigo 79º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras - identificação do número da conta, da respectiva entidade bancária, da data da sua abertura, dos respectivos titulares e das pessoas autorizadas a movimentá-las, incluindo procuradores, e da data do seu encerramento - devem ser prestados a qualquer “autoridade judiciária”, no âmbito de um processo penal. E estas são, como se sabe, o Juiz, o Juiz de Instrução e o Ministério Público – artigo 1º, al. b) do Código de Processo Penal. De onde decorre que a recorrente já desobedeceu à ordem emanada pelo Ministério Público nos presentes autos, visto que é patente que a informação requerida se insere na previsão daquela alínea. A leitura da recorrente é, apenas, engenhosa e pretende a não entrada em vigor de um diploma legal. E aqui está um caso em que um recurso serve um propósito legislativo por via indirecta, por via judicial. Só por isso mereceria a improcedência. Merece pelas razões apontadas, de leitura literal, histórica e sistemática dos textos legais vigentes. * C - Dispositivo Assim, em face do exposto, se decide declarar improcedente o recurso interposto. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 (seis) Ucs. (elaborado e revisto pelo signatário antes de assinado). Évora, 25 de Outubro de 2011 João Gomes de Sousa Ana Bacelar |