Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
6/15.5PATMR.E1
Relator: PROENÇA DA COSTA
Descritores: REEXAME DOS PRESSUPOSTOS DA PRISÃO PREVENTIVA
AUDIÇÃO DO ARGUIDO
FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS
Data do Acordão: 03/08/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Ao invés do que se passa no 1.º interrogatório do arguido, a primeira vez que se passa a aplicar medida de coação, aquando do reexame dos pressupostos da prisão preventiva não se torna obrigatória a audição do arguido;
2. Tal audição só surgirá caso se patenteie necessária à decisão do caso concreto, porquanto circunstâncias – novas ou supervenientes – existam que conduzam, ou mesmo imponham, essa audição;
3. Não tendo o arguido alegado quaisquer factos ou circunstâncias que pudessem alterar a medida de coação de prisão preventiva que anteriormente lhe foi aplicada, satisfaz as exigências de fundamentação o despacho que, reexaminando os pressupostos dessa prisão preventiva, se limita a declarar que não se mostram alteradas as circunstâncias de facto e de direito que determinaram a aplicação daquela medida de coacção;
4. Encontrando-se o arguido indiciado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22-01, é de manter a medida de coacção de prisão preventiva que lhe foi aplicada – com fundamento na existência de perigo de fuga e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, bem como de continuação da actividade criminosa – se o desenvolvimento do inquérito permite solidificar e reforçar a prova existente e o arguido se limita, em termos vagos, a pretender uma alteração do seu estatuto de arguido detido.
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora.

No âmbito dos autos de Inquérito n.º 6/15.5PATMR, a correrem termos pela Comarca de Santarém – Instância Central – Secção de Instrução Criminal – Jl, por despacho datado de 3 de Setembro de 2015, o M.mo Juiz de Instrução veio determinar a manutenção da medida de coacção de prisão preventiva aplicada ao arguido B...
Por ter entendido que desde a aplicação ao arguido da medida de coacção de prisão preventiva, em 11.06.2015, não sobrevieram quaisquer factos que atenuem as exigências cautelares que fundamentaram tal decisão.
Pelo contrário, o desenvolvimento do inquérito permitiu solidificar e reforçar a prova já existente contra o arguido.

Inconformado com o assim decidido traz o arguido B…o presente recurso, onde formula as seguintes conclusões:
1. Em sede de reexame oficioso do estatuto coativo da medida de coação aplicada ao recorrente, foi proferido douto despacho que decidiu manter a prisão preventiva já vigente desde o primeiro interrogatório judicial.
2. No mesmo despacho fez o tribunal a quo constar a desnecessidade de audição do arguido, decisão que não fundamentou.
3. A forma liminar e despicienda com que se demitiu o arguido do seu direito em colaborar na determinação do seu estatuto coativo culmina numa manifesta ilegalidade.
4. Se o art. 212°, n.º 4 e o art. 194°, n.º 3 do CPP admitem que, em casos e com carácter de excecionalidade se exclua a audição prévia do arguido preso preventivamente ao se proceder à reapreciação da medida de coação, nunca será de considerar a falta de justificação, como uma admissível exclusão daquele direito.
5. O Recorrente encontra-se detido no Estabelecimento Prisional de…, estando perfeitamente localizável e contactável, pelo que não se afigura a existência de qualquer impossibilidade por parte daquele em poder ser ouvido no processo, sempre que tal lhe seja solicitado, o que, in casu, não aconteceu.
6. Viu-se o julgador impossibilitado de tomar contacto com o arguido de modo adequado a tirar conclusões sobre a sua perigosidade (atual, não pretérita) para o processo e demais pressupostos cautelares no que reporta à aplicação da Prisão Preventiva, bem como o arguido se viu impossibilitado de falar em sua defesa, oferecendo à apreciação do Tribunal o que tivesse por relevante para que, em consciência e com respeito pelos princípios fundamentais da Lei, se pudesse chegar a uma decisão nesta matéria.
7. O ora Recorrente não foi notificado sequer em momento algum da posição assumida pelo Ministério Público, não havendo sequer qualquer referência à mesma no Despacho recorrido, desconhecendo-se em absoluto o conteúdo da sua pronúncia sobre a eventual manutenção da medida de coação em vigor.
8. O Juiz de Instrução sequer invoca qualquer fundamento atendível para dispensar a audição do Recorrente antes de decretar a manutenção do seu encarceramento provisório.
9. Ora, a ausência de tal formalidade - audição do arguido – sem fundamentação bastante, viola o disposto no art. 213°, nº 3 do CPP, e n.º 1 do artigo 32º, 1º, 13º, n.º 1, 25º, todos da C.R.P.;
10. A decisão de manutenção da medida de prisão preventiva significa, como é óbvio, que o arguido se manterá preso, em princípio, por mais três meses e, nessa precisa medida o afeta, com a mais restritiva medida de coação contida no Código de Processo Penal a afetar-lhe, de forma extrema, os direitos constitucionalmente consagrados, designadamente o direito à liberdade;
11. Daí que, nem a característica rebus sic stantibus das medidas de coação, nem a possibilidade de o arguido poder, a qualquer momento, vir requerer a alteração da mesma alteram a precedente conclusão;
12. Podendo concluir-se, sem grandes dúvidas, que o despacho de manutenção da prisão preventiva se insere no âmbito da previsão da al. b) do n.º 1 do artigo 61º do Código de Processo Penal;
13. Ora, nos termos dos artigos 97º, nº 1, al. b) do Código de Processo Penal e 205º, nº 1 da CRP, os atos decisórios (despacho, no caso) do tribunal recorrido devem, nos termos do nº 4 do mesmo preceito, ser sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão;
14. Inexistindo tal fundamentação o despacho que dispensa a audição do arguido sofre de invalidade porquanto, como é sabido, a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal estão sujeitas ao princípio da legalidade, tal como previsto pelo artigo 118º do Código de Processo Penal;
15. Os elementos probatórios existentes no processo e a que alude o Despacho recorrido, se constituem indícios da prática dos factos pelo Recorrente em nada permitem que se conclua por um efetivo, real e atual perigo de Fuga e de Continuação da Atividade Criminosa.
16. Assim, ao decidir manter a prisão preventiva, quando eram suficientes, proporcionais e adequadas outras medidas, nomeadamente, Obrigação de Permanência na Habitação com Vigilância Eletrónica (OPHVE), nos termos, do artigo 201° do Código de Processo Penal e da Lei nº 122/99, de 20 de Agosto, violou o tribunal a quo aquele dispositivo, bem como o disposto nos artigos 191°, 193°, 197°, 198º, 201°, 202°, 204°, todos do C. P. Penal.
17. Tendo do mesmo modo, violados princípios constitucionalmente estatuídos, quais sejam os previstos nos artigos 27°, 28, 32°, nº 2, e nº 2 e 3 do art° 18°, todos da CRP.
18. De facto, a medida ora propugnada pelo recorrente mostra-se adequada e suficiente às necessidades cautelares do caso em apreço.
19. Seja ao alegado perigo de fuga, perigo de continuação da atividade criminosa (tendo em conta a natureza do crime indiciado), seja ao perigo de perturbação do decurso do inquérito.
20. Se o sustentáculo da Prisão Preventiva assenta num risco importante de Continuação da Atividade Criminosa e a Perturbação da Ordem Pública, é absolutamente inegável que fica inteiramente comprometida a possibilidade prática de algum desses riscos se vir a verificar por via de uma atuação do Recorrente quando sujeito a OPHVE, especialmente quando a obediência à referida Medida de Coação esteja controlada por pulseira eletrónica.
21. Remetido o Recorrente ao seu domicílio, não existe sequer a oportunidade para estes comportamentos se manifestarem de qualquer forma, até porque a OPHVE consubstancia, em medida semelhante à prisão preventiva, o afastamento da vida com o exterior e com a comunidade que se poderia ver lesada por potenciais (que nunca reais, note-se) comportamentos ilícitos do arguido.
22. Por seu turno, o art.º 193.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, estabelece o princípio da proporcionalidade, entre a medida de coação a aplicar e as sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas deve existir uma relação de conformidade;
23. Sendo certo que na parte final da norma convocada vem estatuído que tal conformidade deve ser aferida pela presumível dimensão das medidas que venham a ser aplicadas.
24. Atenta a moldura abstrata em questão, o passado isento de condenações criminosas e a idade do arguido, está-se em crer não poder ser afastada a hipótese de ao arguido vir a ser imposta uma pena de prisão suspensa na sua execução.
25. Pelo que a fixação de um estatuto coativo ao arguido de preso preventivo colide flagrantemente com o citado art.º 193.º, n.º 1, in fine.
26. Nesta confluência, é patente que a decisão violou as normas constantes dos art.ºs 193.º, n.º 3; 200.º e 201.º, todos do Código de Processo Penal.
27. Ademais, tendo por base o artigo 32º, n.º 2 da Constituição da República, segundo o qual todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação e atendendo ao normativo penal vigente é forçoso sublinhar o caracter excecional da medida de coação mais gravosa prevista na lei: a prisão preventiva.
28. Efetivamente, na senda da presunção de inocência se situam as disposições do artigo 27º e do artigo 28º da CRP e o Código de Processo Penal em vigor.
29. O requerente é primário e nunca esteve preso.
30. Trabalha, vive em união de facto encontrando-se a sua companheira, C…, grávida prevendo-se o final da gravidez no início do mês de janeiro de 2016, que em obediência aos princípios da proporcionalidade adequação sempre seria de não cominar ao mesmo medida privativa da liberdade;
31. A privação da sua liberdade - preventivamente - trará imediatamente prejuízos irreparáveis na inserção social do arguido, nomeadamente porque a sua situação laboral ainda é precária e o mercado de trabalho atravessa uma crise que não facilitará a sua rápida inserção no ativo.
32. Face aos condicionalismos pessoais do arguido e por tudo quanto exposto, deverá o douto despacho que determinou a manutenção do arguido à medida de coação prisão preventiva ser revogado e em sua substituição ser proferido outro que determine a substituição de tal medida por outra, designadamente Obrigação de Permanência na Habitação com Vigilância Eletrónica (OPHVE), a qual se mostra adequada e suficiente à prevenção dos perigos a que alude o artigo 204° do C.P.P., pelo que requer que seja elaborado o competente relatório de aplicabilidade.
Pelo exposto e pelo mais que for doutamente suprido por V. Exas. deve conceder-se provimento ao presente recurso, fazendo-se a costumada JUSTIÇA!

Respondeu ao recurso a Senhora Procuradora da República, Dizendo:
1 – Questão prévia: analisadas na sua substância as alegações de recurso apresentadas pelo recorrente, verificamos que as intituladas conclusões mas não são do que a própria motivação do recurso, pelo que se nos afigura que o requerimento de interposição de recurso se encontra motivado mas está desprovido de quaisquer conclusões, devendo o recorrente ser convidado a apresentá-la, nos termos do art. 414º nº 2 do CPP;
2 - Foi aplicada ao arguido a medida de coacção de prisão preventiva, em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, por se mostrar fortemente indiciada a prática pelo mesmo do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º do DL nº 15/93, de 22/01.
3 – A aplicação da prisão preventiva fundou-se no perigo concreto de fuga, no perigo de perturbação do inquérito, nomeadamente perigo para a conservação e veracidade da prova, e no perigo de continuação da actividade criminosa;
4 – Procedendo ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva, decidiu o M.mo. JIC manter o arguido sujeito à mesma medida de coacção, dado não terem sobrevindo quaisquer factos que atenuassem as exigências cautelares que se faziam sentir, as quais, pelo contrário, saíram reforçadas com a prova que, entretanto, se coligiu no inquérito;
5 – A audição do arguido aquando da revisão dos pressupostos da prisão preventiva não é obrigatória e, compulsados os autos, não se afigura que a mesma fosse necessária ou indispensável à tomada de decisão pelo tribunal, donde se conclui que a decisão em crise não violou o disposto no art. 213º nº 3 do CPP e arts. 13º, 25º e 32º nº 1 da CRP;
6 - O despacho recorrido cumpre cabalmente o dever de fundamentação no segmento em que se limita a afirmar que a audição do arguido é desnecessária, pelo que o despacho em crise não padece de invalidade por falta de fundamentação, nos termos dos arts. 97.º, nº 1 al. b) e 118º do CPP, quanto à justificação para dispensar aquela audição;
7 - No que diz respeito à alteração e revogação das medidas de coacção, o Código de Processo Penal acolheu o princípio rebus sic stantibus, segundo o qual a manutenção das medidas pressupõe a manutenção das circunstâncias que justificaram a sua aplicação;
8 – Não contendo os autos factos novos susceptíveis de afastar ou atenuar os perigos de fuga, de continuação da actividade criminosa e de perturbação do decurso do inquérito, que estiveram na génese da sujeição do arguido a prisão preventiva, é de concluir que se mantêm inalteráveis os pressupostos de facto e de direito que determinaram a aplicação daquela medida de coacção e que a mesma deverá manter-se;
9- Quanto à hipótese de uma eventual aplicação da OPHVE, a mesma foi oportunamente ponderada aquando da aplicação da prisão preventiva, tendo o M.mo. JIC concluído que aquela não se mostrava suficiente e, por isso, adequada à salvaguarda das exigências cautelares que, então como agora, se faziam então sentir;
10 - Já à data dos factos o arguido aparentava encontrar-se social e familiarmente inserido, estando a sua companheira grávida, sendo certo que tais circunstâncias não o impediram de protagonizar os factos indiciados, pelo que, neste contexto, se nos afigura estes aspectos da vida pessoal do arguido não são de molde a atenuar as exigências cautelares que estiveram na génese da aplicação da prisão preventiva;
11 – A OPHVE não se mostra suficiente para salvaguardar as exigências cautelares que, em concreto, se fazem sentir e, por isso, não estão reunidas as condições para alterar o estatuto coactivo do arguido, substituindo a prisão preventiva pela OPHVE;
12 - Não se verificando qualquer das situações previstas no art. 212º do Código de Processo Penal, nem tendo ocorrido qualquer atenuação das exigências cautelares que a tinham justificado, impunha-se, tal como foi decidido, manter a prisão preventiva;
13 - Bem andou o M.mo. JIC do tribunal a quo ao decidir como decidiu, não se mostrando violadas as disposições legais contidas nos arts. 202º, 204º, 212º e 213º do Código de Processo Penal, pelo que o despacho recorrido deverá ser integralmente mantido, assim se fazendo JUSTIÇA!

Nesta Instância, o Sr. Procurador Geral-Adjunto secundou o entendimento expressado pela Sra. Procuradora em 1.ª Instância.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

É do seguinte teor o despacho sindicado:
Revisão do estatuto coactivo:
Por não se revelar necessário, dispenso a audição do arguido.
Desde a aplicação ao arguido da medida de coacção de prisão preventiva, em 11.06.2015, não sobrevieram quaisquer factos que atenuem as exigências cautelares que fundamentaram tal decisão.
Pelo contrário, o desenvolvimento do inquérito permitiu solidificar e reforçar a prova já existente contra o arguido. .
Não se mostra excedido o prazo máximo fixado para esta medida coactiva.
*
Pelo exposto, ao abrigo do disposto no artigo 213°, do CPP, determino a manutenção da medida de coacção de prisão preventiva aplicada ao arguido B…,
Notifique.

Como consabido, são as conclusões retiradas pelo recorrente da sua motivação que definem o objecto do recurso.
Reexaminada que foi a medida de coacção anteriormente decretada pelo Tribunal recorrido – a de prisão preventiva -, veio o aqui impetrante suscitar várias questões em sede recursiva, tudo, de forma a ver alterada a primitiva medida coactiva.
Desde logo, entende que o Tribunal recorrido deveria ter procedido à audição do arguido/recorrente e antes de se decidir pela manutenção, ou não, da medida de coacção.
Não o fazendo, violado se mostra o disposto nos arts. 213.º, n.º 3, do Cód. Proc. Pen., 1.º, 32.º, n.º 1, 13.º, n.º 1 e 25.º, todos da C. R. P.
Diferentemente opina a Sra. Procuradora Geral- Adjunta, porquanto entende não ser a mesma necessária ou indispensável à tomada de decisão pelo Tribunal, daí o não se ter violado o conjunto normativo citado pelo recorrente.
Cumpre apreciar e decidir.
A Lei, em dois momentos vem tratar da audição do arguido antes da aplicação de medida de coacção. A saber:
- A quando da aplicação de medida no âmbito do inquérito, de acordo com o disposto no art.º 194.º, n.ºs 1 e 4, do Cód. Proc. Pen;
- Quando procede ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação, nos termos do disposto no art.º 213.º, n.ºs 1 e 3, do mesmo diploma adjectivo.
No caso concreto, importa deitar mão do que se dispõe no art.º 213.º, n.ºs 1 e 3, do Cód. Proc. Pen.
Dizendo-se no n.º 3 mencionado que sempre que necessário, o juiz ouve o Ministério Público e o arguido.
O que quer significar que, ao invés, do que se passa no 1.º interrogatório do arguido, a primeira vez que se passa a aplicar medida de coacção, não se torna obrigatória a audição do arguido. Ela só surgirá caso se patenteie necessária à decisão do caso concreto, porquanto circunstâncias - novas ou supervenientes - existam que conduzam, ou mesmo imponham, essa audição. Se essas circunstâncias não afluírem aos autos, desnecessária se mostra, pois, tal audição.
Devendo ler-se a expressão legal de “sempre que necessário” como sugerindo uma possibilidade e não uma obrigatoriedade de ouvir o arguido antes do reexame dos pressupostos da prisão preventiva.
No mesmo sentido vemos o entendimento do Tribunal Constitucional vertido no seu Aresto n.º 96/99, datado de 10 de Fevereiro de 1999, no Processo n.º 1006/98, da 2.ª Secção, onde se referiu que não se estando perante a ocorrência de factos ou circunstâncias diversas daquelas que já ocorriam aquando do decretamento da prisão preventiva (ocasião em que o arguido, teve, querendo, oportunidade de expor ao juiz razões de facto ou de direito que, na sua óptica, apontavam para a não necessidade de imposição da medida em face daqueles factos ou circunstâncias, ou que contraditavam aqueloutras que levaram ao proferimento da decisão afectadora do seu direito à liberdade), não se descortina em que é que o princípio do contraditório esteja afectado pela não obrigatoriedade de audição do mesmo arguido.
É que, o direito que o arguido tem em se fazer ouvir e contraditar todos os elementos (aqui se incluindo os de prova) ou argumentos (incluindo-se os de ordem jurídica), designadamente os carreados pela acusação, foi já devidamente assegurado aquando da imposição da medida de coacção em causa, sendo que a norma em análise visa um momento de reexame oficioso dos pressupostos e, particularmente, num caso em que estes se não mostraram alterados.
Não há, pois, por assim dizer, «matéria» diferenciada sobre a qual (e isso seria sempre exigido pelos princípios do asseguramento da plenitude das garantias de defesa e do contraditório) o arguido tivesse que se pronunciar, (…) a audição do arguido, num caso como o presente, não pode destinar-se "a facultar-lhe a reprodução de razões ou argumentos que já teve plena oportunidade de produzir no processo" e que, seguramente, foram ponderadas na precedente decisão determinadora da imposição da medida de coacção de prisão preventiva.
Razões são, tendo em conta a forma como vem produzido o recurso e que supra se analisará, para que se venha concluir pelo infundado do pretendido pelo aqui impetrante.

Importa, de pronto, apreciar e decidir se o despacho recorrido se mostra, ou não fundamentado, o mesmo é dizer se o mesmo violou, ou não, o disposto nos arts.º 97.º, n.º 1, al.ª b), do Cód. Proc. Pen. e 205.º, n.º 1, da C. R. P.
Nos termos do que se estatui no art.º 205.º, n.º 1, da C.R.P., as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
Por sua vez, o Código de Processo Penal, dando cumprimento ao preceito constitucional citado, vem referir no seu art.º 97.º, a necessidade de fundamentação dos actos decisórios- Sentenças e Despachos -, ao dizer no seu n.º 5 que tais actos são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.
Na lição do Prof. Gomes Canotilho, a necessidade de fundamentação dos actos decisórios decorre de três razões fundamentais, a saber:
- Controlo da administração da justiça;
- Exclusão do carácter voluntarístico e subjectivo do exercício da actividade jurisdicional e abertura do conhecimento da racionalidade e coerência argumentativa dos juízes.
- Melhor estruturação dos eventuais recursos, permitindo às partes um recorte mais preciso e rigoroso dos vícios das decisões judiciais recorridas.[1]
Como flui dos autos, o aqui impetrante foi ouvido em interrogatório judicial de arguido detido no âmbito dos presentes autos no dia 11 de Junho de 2015, altura em que lhe foi aplicada a medida de coacção de prisão preventiva. Tudo, por se encontrar fortemente indiciado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
Em 3 de Setembro de 2015 veio proceder-se ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva, tendo-se concluído pela sua manutenção, porquanto não sobrevieram quaisquer factos que atenuem as exigências cautelares que fundamentaram tal decisão. Ao invés, o desenvolvimento do inquérito permitiu solidificar e reforçar a prova já existente contra o arguido.
Não se tendo alegado, por outra via, quaisquer outros factos ou circunstâncias que pudessem alterar a medida de coacção decretada – assim se respondendo à questão retro em aberto -. Pelo que nenhuma outra fundamentação se exigia no contexto dos autos, para lá daquela que conduziu à aplicação da medida de coacção, ora em apreço.
De igual entendimento vemos o Acórdão da Relação de Guimarães de 19 de Outubro de 2009, no Processo n.º 316/07.5GBSTS-C.G1, onde se referiu que satisfaz as exigências de fundamentação, o despacho que, reexaminando os pressupostos da prisão preventiva, se limita a declarar que não se mostram alteradas as circunstâncias de facto e de direito que determinaram a aplicação daquela medida de coacção. Seria inútil exigir que nesses casos o juiz copiasse o despacho para o qual remete, o qual é do conhecimento dos interessados.[2]
O que nos conduz à conclusão da sem razão, uma vez mais, da pretensão trazida a pretório pelo aqui recorrente.

Quanto à questão nuclear trazida pelo recorrente e se prende em saber se se deve, ou não, substituir a medida de coacção fixada - prisão preventiva -, por outra de menor gravidade, v.g., a de obrigação de permanência na habitação.
Como consabido, e atento o que se dispõe no art.º 191.º, do Cód. Proc. Pen., as medidas de coacção são meios processuais limitadores da liberdade pessoal, que visam assegurar finalidades de natureza meramente cautelar num determinado e concreto processo.
Daí que só se devam manter enquanto necessárias ao prosseguimento dessas finalidades.[3]
Dito de outro modo, as medidas de coacção são meios processuais de limitação de liberdade pessoal ou patrimonial que têm por fim acautelar a eficácia do procedimento, quer quanto ao seu desenvolvimento, quer quanto à execução das decisões condenatórias.[4]
Exigindo-se para a sua aplicação, formalmente, a prévia constituição como arguido (art. 192º, nº1) e a existência de um processo criminal já instaurado; substancialmente, a verificação de um fumus comissi delicti, ou seja, um juízo de indiciação da prática de crime e a probabilidade de aplicação de uma pena (arts 192.º, n.º 2; 193.º e 197.º).
É assim que tais medidas só podem ser aplicadas as que a lei, taxativamente, enumera e se justifique a sua aplicação em função de exigências processuais de natureza cautelar, inspiradas pelos princípios da legalidade- art.º 199.º, do Cód. Proc. Pen., necessidade, adequação e proporcionalidade -art.º 193.º-, do mesmo diploma legal.
Sem esquecer o principio da precaridade, segundo o qual as medidas de coacção não devem ultrapassar a barreira do comunitariamente suportável.
Sendo que nenhuma medida de coacção, à excepção do termo de identidade e de residência, pode ser aplicada se em concreto se não verificar, no momento da sua aplicação, algum dos perigos a que se refere o art.º 204.º, do Cód. Proc. Pen; os chamados pericula libertatis. No caso concreto, o que se pretende é a substituição da medida de coacção inicialmente decretada - a de prisão preventiva -, por outra de menor gravidade, e que o recorrente indica, a de obrigação de permanência na habitação, com recurso a pulseira electrónica (art.º 201.º, do Cód. Proc. Pen.).
O que cumpre analisar é saber se se alteraram, ou não, as circunstâncias que determinaram a aplicação ao aqui recorrente da medida de coacção de prisão preventiva ou se se verificou, ou não, uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a aplicação dessa medida.
Diz-se no art.º 212.º, do Cód. Proc. Pen., que as medidas de coacção são imediatamente revogadas, por despacho do juiz, sempre que se verificar:
a) Terem sido aplicadas fora das hipóteses ou condições previstas na lei; ou
b) Terem deixado de subsistir as circunstâncias que justificaram a sua aplicação.
E no se n.º 3 dispõe-se que quando se verificar uma atenuação das medidas cautelares que determinaram a aplicação de uma medida de coacção, o juiz substitui-a por outra menos grave ou determina uma forma menos gravosa da sua execução.
Trata-se neste preceito legal do afloramento do princípio de que as medidas de coacção, pelas contínuas variações do seu condicionalismo, estão sujeitas á condição rebus sic stantibus[5].
Querendo-se com tal significar que só devem manter-se as medidas de coacção desde que a situação que lhes deu origem ou fundamento se mantenham.
O mesmo é dizer-se que a manutenção das medidas pressupõe a manutenção de uma situação de facto que lhes deu fundamento ou origem; caso contrário, impõe-se a sua revogação ou substituição.
O que dizer no caso em apreço da pretensão recursiva trazida pelo aqui recorrente?
Antes do mais, importa analisar o estatuto processual a que foi sujeito o aqui impetrante ao longo dos autos.
Como flui dos autos, ao aqui recorrente, foi-lhe aplicada, entre o mais, a medida de coacção de prisão preventiva no seguimento do primeiro interrogatório de arguido detido a que foi sujeito no dia 11 de Junho de 2015.
Tudo, por se mostrar fortemente indiciada a prática por si de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
Assentando a aplicação da predita medida na existência de perigo de fuga e de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas, bem como de continuação da actividade criminosa.
Tal medida de coacção foi revista e mantida ulteriormente, para além do mais, por o desenvolvimento do inquérito ter permitido solidificar e reforçar a prova já existente contra o arguido, como se refere no despacho revidendo.
Se bem lemos o ataque dirigido ao despacho revidendo, este só pode ter por fundamento o que se dispõe no art.º 212.º, al.ª b), do Cód. Proc. Pen., - o terem deixado de subsistir as circunstâncias que justificaram a aplicação da medida de prisão preventiva. Por não se entender, face ao modo como vem alegado, que se possa vir a questionar a aplicação ao caso do disposto na al.ª a), do art.º 212.º, do citado diploma adjectivo.
Porém, lendo e relendo a motivação e bem assim as conclusões do recurso não se descortina onde se aduzam razões que possam vir fundamentar a pretensão recursiva do impetrante, limitando-se, em termos vagos, a pretender uma alteração do seu estatuto de arguido detido.
Pelo que se tem de afastar a aplicação de qualquer outra medida de coacção, nomeadamente a da obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, por, entre o mais, se não figurarem como medidas de coacção bastantes para satisfazer as exigências cautelares do caso concreto e neutralizar os apontados perigos concretos existentes. Aliás como anteriormente ponderado pelo Tribunal recorrido e que, atempadamente, não foi objecto de qualquer contestação.
Considerar, ora e face ao que vem sendo mencionado, tal questão seria inverter o anteriormente decidido e sem que razões, suficientes, se perfilem no contexto dos presentes autos, para tanto.

Por fim, no que tange à violação pela decisão recorrida dos vários preceitos constitucionais invocados na peça recursiva. Face à não justificação por parte do recorrente em que consistiu essa violação – e o Tribunal a não lobrigar -, se não entende tal violação. Razão pela qual e sem curar de outros quaisquer considerandos se desatende a tal pretensão recursiva.

Termos são em que Acordam em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se em 3 Ucs, a taxa de justiça devida.

(texto elaborado e revisto pelo relator).


Évora, 8 de Março de 2016
José Proença da Costa
António Clemente Lima
__________________________________________________
[1] Ver, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, págs. 583.
[2] No mesmo sentido, ver o Ac. Relação de Coimbra, de 24.02.1999 e no Processo n.º 171/99, da mesma Relação, de 14.04.2004, no Processo n.º 1135/04.
[3] Ver, Fernando Gonçalves e M. João Alves, in As Medidas de Coacção no Processo Penal Português, a págs.105.
[4] Ver, Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, II, págs. 232.
[5] Ver, Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal, págs. 460.