Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
406/09.0 TTSTB.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: CONFISSÃO
VALOR PROBATÓRIO
FALTA DE REGISTO DO TRABALHO SUPLEMENTAR
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
TRABALHO SUPLEMENTAR
Data do Acordão: 12/20/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: TRIBUNAL DO TRABALHO DE SETÚBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Sumário:
I- A alteração da matéria de facto pela Relação deve ser realizada ponderadamente, em casos excepcionais e pontuais; só deverá ocorrer se, do confronto dos meios de prova indicados pelo recorrente com a globalidade dos elementos que integram os autos, se concluir que tais elementos probatórios, evidenciando a existência de erro de julgamento, sustentam, em concreto e de modo inequívoco, o sentido pretendido pelo recorrente.
II- Tendo a ré apresentado um documento que entregou no IDCT, que contém o horário de trabalho dos autores, como sendo de 35 horas, estamos perante uma declaração que consta de documento particular dirigido a um terceiro.
III- Logo, de acordo com as regras relativas à força probatória da confissão, porque estamos perante uma confissão extrajudicial, constante de um documento particular, feita a um terceiro, a mesma obedece à regra da livre apreciação pelo julgador, ou seja, o valor confessório da declaração é livremente apreciado. Constitui apenas um meio de prova que é avaliado em conjugação com os demais meios de prova oferecidos.
IV- A falta de registo do trabalho suplementar prestado pelo trabalhador não determina a inversão do ónus da prova quanto ao número de horas prestado, devendo o trabalhador cumprir a prova desse facto.
V- Tendo o autor ocupado um lugar de Director e beneficiando de um regime de isenção de facto de horário de trabalho, não “picando” o relógio de ponto, não pode agora vir imputar a responsabilidade à entidade empregadora da falta de apresentação do registo das entradas e saídas na empresa, para justificar a inversão do ónus da prova quanto ao reclamado trabalho suplementar.
VI- Provando-se que, no período entre Fevereiro de 2002 e Abril de 2004, o autor prestava ao serviço da ré uma carga horária nunca inferior a 10 horas por dia, ou seja, pelo menos 50 horas por semana, é manifesto que, o mesmo prestou trabalho para além do seu período de trabalho semanal, que era de 40 horas.
VII- E, tendo a ré conhecimento das horas de serviço prestadas pelo autor, pagando-lhe inclusive um subsídio de isenção de horário de trabalho, embora a isenção de horário não estivesse formalizada, é evidente que consentiu tal carga horária.
VIII- Daí que se considere que o autor provou a realização de trabalho suplementar, muito embora a quantificação de tal trabalho tenha de ser apurada em incidente de liquidação de sentença, sendo que ao valor valor referente ao trabalho suplementar que vier a ser liquidado, terá que se deduzido o montante que a ré pagou a título de isenção de horário de trabalho, tendo o valor deste subsídio de ser relegado também para o incidente de liquidação, uma vez que se desconhece o montante que o autor recebeu a tal título no período em causa.

Sumário da relatora
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I. Relatório
Na presente acção n.º 406/09.0TTSTB e na acção cuja apensação foi oportunamente determinada, n.º 419/09.1TTSTB, ambas instauradas no Tribunal do Trabalho de Setúbal, são autores:
M…, residente na Rua…, Alcochete;
P…, residente na Avenida…, Barreiro;
I…, residente na Urbanização…, Lavradio;
F…, residente na Rua…o, São Domingos de Rana.
Intentaram as aludidas acções declarativas de condenação, com processo comum, emergentes de contrato individual de trabalho, contra:
W…, S.A., com sede no Parque Industrial…, Quinta do Anjo.
Os autores M…, P… e I… alegam, em síntese e nos presentes autos, terem sido empregados da ré durante vários anos, tendo os respectivos contratos cessado por efeito de processo de despedimento colectivo; desempenhavam funções de carácter administrativo; tendo o seu período normal de trabalho a duração de sete horas por dia e trinta e cinco horas por semana, prestaram, invariavelmente, oito horas de trabalho diário e quarenta horas de trabalho semanal; o trabalho suplementar assim prestado não era objecto de qualquer registo e os trabalhadores não receberam qualquer compensação financeira ou descanso adicional; não lhes foram pagas igualmente diuturnidades previstas no contrato colectivo de trabalho aplicável ao sector.
O autor F…, no processo apenso, alega ter sido empregado da ré de Abril de 1998 a Março de 2009, data em que o contrato cessou por extinção do posto de trabalho; também a ele não foram pagos trabalho suplementar e diuturnidades.
Pedem que, com a procedência da acção, a ré seja condenada nos seguintes termos:
- A pagar à autora M…, a quantia global de € 44.890,25, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos;
- A pagar ao autor P… a quantia global de € 45.785,91, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos;
- A pagar à autora I… a quantia global de € 33.190,11, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos;
- A pagar ao autor F… a quantia global de € 169.123,61, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos.
Frustrada a obtenção de acordo na audiência de partes, a ré contestou, em ambos os processos, impugnando os factos alegados pelos autores, nomeadamente a prestação de trabalho suplementar. Defende a inaplicabilidade do contrato colectivo de trabalho invocado pelos autores e a aplicabilidade da lei geral do trabalho às relações entre as partes. Suscita, ainda, a prescrição dos créditos vencidos há mais de cinco anos.
Conclui reiterando a improcedência das acções, com a consequente absolvição do pedido.
Foi proferido despacho saneador em cada um dos processos e aí dispensada a selecção da base instrutória.
Os autores M…, P… e I… requereram ampliação dos respectivos pedidos (teor de fls. 329 e seguintes) com fundamento no facto de não terem contabilizado correctamente a retribuição correspondente ao trabalho suplementar equivalente a duas horas diárias pela circunstância de a ré não ter procedido ao registo do trabalho suplementar.
Assim, peticionam aqueles autores que a ré seja condenada:
- A pagar à autora M… a quantia global de € 79.646,36, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos;
- A pagar ao autor P… a quantia global de € 33.685,68, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos;
- A pagar à autora I… a quantia global de € 61.870,18, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos.
Em resposta, a ré impugna os factos alegados pelos autores e defende a improcedência dos pedidos.
Foi admitida a ampliação do pedido, por despacho de fls. 410.
Concluído o julgamento e proferido despacho de resposta à matéria de facto, nos termos documentados de fls. 469 a 472 do processo 406/09.0TTSTB e, no processo apenso n.º 419/09.1TTSTB, a fls. 140 e seguintes.
O despacho de resposta aos quesitos foi objecto de reclamação por parte dos autores (fls. 479), com resposta da ré (fls. 484), parcialmente deferida, conforme despacho de fls. 487 e 488 do processo principal.
Lavrada sentença, conclui-se a mesma proferindo decisão nos seguintes termos:
IV. Decisão
Face a todo o exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno a R. a pagar aos AA. a título de diuturnidades vencidas e não pagas, acrescidas de juros de mora à taxa legal desde a data do vencimento até integral pagamento:
- à A. M… a quantia de € 750,92;
- ao A. P… a quantia de € 189;
- à A. I… a quantia de € 1.778,40;
- ao A. F… a quantia de € 750,92.
Absolvo a R. do mais peticionado.
Custas…”
Os autores M… e F…, não se conformando com a decisão, vieram interpor recursos separados.
A autora M…, nas respectivas alegações, formula as seguintes conclusões (transcrição de fls. 533 e seguintes):
1. Na douta decisão recorrida considerou-se não ser possível pronunciar-se sobre créditos de trabalho suplementar por não ter sido assente o horário de trabalho do contrato de trabalho da Recorrente e por apenas ter sido feita prova de que a Recorrente prestou efectivamente 40 horas de trabalho por semana, sem que se precisasse a hora de entrada, saída e almoço de cada dia em concreto.
2. Salvo o devido respeito, entende-se ser esta decisão incorrecta.
3. O CCT aplicável na empresa desde Fevereiro 2002 previa que o horário de trabalho seria de 35 horas por semana, salvo acordo expresso do trabalho em contrário.
4. Não foi alegado ou provado qualquer acordo expresso da Recorrente no sentido de dar o seu assentimento para um acordo de 40 horas.
5. Pelo que não pode deixar de se entender que, pelo menos desde Fevereiro de 2002, o horário da Recorrente previa a prestação de 35 horas semanais.
6. De resto, é expressamente afirmado pela R., a fls 448, que o horário observado era de 35 horas – não podendo tal facto deixar de se considerar assente por confissão.
7. Deve, pois, ficar consignado em sede de resposta à matéria de facto que o horário de trabalho da Recorrente era, pelo menos desde Fevereiro de 2002.
8. Mas considerou ainda a M.ma Juíza não poder proceder o pedido de pagamento de trabalho suplementar por não ter sido alegado ou provado o concreto tempo de trabalho efectuado pela Recorrente em cada dia, designadamente a hora de entrada, saída e intervalo para almoço.
9. Salvo o devido respeito, não é necessária qualquer prova adicional e, mesmo que fosse, caberia à Recorrida a sua produção, atento o ónus da prova e, de todo o modo, a prova produzida permite perceber o horário concreto observado pela Recorrente.
10. Antes de mais, no que respeita ao pedido de pagamento de trabalho suplementar, o ónus da prova inverte-se por ter sido a Recorrida que culposamente impediu a prova documental sobre o horário que em concreto a Recorrida observou:
11. De facto, ao não ter qualquer registo de trabalho suplementar, em violação da lei e do CCT; ao não ter qualquer registo de presença dos trabalhadores, em violação da lei e do CCT, ao não juntar aos autos, apesar de solicitada para o efeito, qualquer documento que permitisse aferir do trabalho prestado pela Recorrente, a Recorrida constitui-se responsável pelo impedimento de prova dos factos em causa, pelo que ónus se inverterá, ao abrigo do disposto no artigo 334.º/2 do Código Civil
12. Ocorrendo inversão do ónus de prova, não é naturalmente aplicável o disposto no artigo 26.º/2 do CCT – referente à necessidade de apresentação de documento idóneo para comprovar trabalho suplementar cujo pagamento se tenha vencido há mais de cinco anos.
13. Mas de todo o modo, afigura-se que a prova feita e assente na decisão, de que a Recorrida exigia aos seus trabalhadores a prestação de 40 horas de serviço (cfr. ponto 4) da fundamentação de facto) é, em conjugação com o horário de trabalho praticado, suficiente para aferir da existência ou não da prestação de trabalho suplementar.
14. De facto, sendo essa política a da Recorrida, a Recorrente foi por ela abrangida.
15. Entende a Meritíssima Juíza a quo que seria ainda necessária, além da prova genérica de prestação de quarenta horas de trabalho semanal, a prova, em relação a cada dia de trabalho, da hora concreta de entrada, de saída e ainda intervalo para almoço.
16. Tal exigência afigura-se manifestamente excessiva - para a avaliação do trabalho realizado fora do horário de trabalho interesse antes de mais e acima de tudo, apurar a carga horária efectivamente exercida – não se a mesma se iniciou ou terminou a dada hora e, se se conclui por um número de horas trabalhado superior ao contemplado no horário de trabalho, forçoso se torna concluir pela prestação de trabalho suplementar – independentemente da hora a que o mesmo se inicia ou termina.
17. Acrescente-se ainda o seguinte: a exigência de prova ao ponto de indicação diária de entrada, saída e intervalo para refeição, para um período de referência de vários anos, seria, sem se estar na posse dos registos de trabalho suplementar ou dos registos de tempo de trabalho, virtualmente impossível, aqui se retomando o acima referido sobre a inversão do ónus de prova - tanto mais que a Recorrida, notificada para o efeito, comunicou (em sede de contestação) muito oportunamente não deter quaisquer elementos referentes ao registo de entrada e saída da Recorrente durante qualquer período em que os respectivos contratos estiveram em vigor.
18. Sem prejuízo do referido, constam do processo elementos que permitem concluir pela efectiva prestação de quarenta horas semanais de trabalho por parte da Recorrente.
19. De facto, uma vez mais, é a própria Recorrida, na douta contestação apresentada, que admite que os trabalhadores prestavam efectivamente quarenta horas de trabalho por semana.
20. De facto, nos artigos 13.º a 20.º da referida contestação alega-se que à Recorrente foi indicado um período de trabalho de quarenta horas.
21. Adiante, no artigo 31.º admite-se que o trabalho prestado pela Recorrente H… se reportou sempre a uma carga semanal de quarenta horas.
22. Isto é, é a própria Recorrida que admite expressamente que a Recorrente prestou quarenta horas de trabalho semanal durante a pendência do contrato, facto que se deverá dar como provado.
23. Por fim, a prova testemunhal produzida em julgamento, acima devidamente transcrita, permite afirmar com segurança que os horários prestados em cada dia, como sendo entre as 09 e as 18, com intervalo de uma hora para almoço.
24. Deve, pois, concluir-se pela observância, pela Recorrente, pela prestação, de facto, de quarenta horas de trabalho semanais, sendo tal prestação não apenas conhecida, mas exigida pela Recorrida
25. Assim, deverá acrescentar-se ao ponto 3) da Fundamentação de Facto
Os AA. prestaram um serviço efectivo de quarenta horas semanais.
26. Ainda que tal não seja decisivo e essencial para a decisão, poderá acrescentar-se:
Era o seguinte o horário dos AA.: - H… e I…: 9-18 horas, com uma hora de intervalo para almoço; P…, das 07 às 16, com uma hora de intervalo para almoço.
27. Neste contexto, apurado que está o horário de trabalho e o trabalho efectivamente prestado, poderá ser aferida a existência de trabalho suplementar.
28. Face aos elementos em presença, não pode senão considerar-se ter a Recorrente efectuado trabalho suplementar em número de horas correspondente ao diferencial entre o número de horas previsto e o número de horas praticado.
29. É ainda devido o pagamento da penalização a que se refere a cláusula 37.ª/5 do CCT de 2005: adicionalmente ao valor devido por conta do trabalho suplementar, a inexistência de registo de trabalho suplementar confere ao trabalhador o direito à retribuição correspondente ao valor de duas horas de trabalho suplementar por cada dia em que tenha desempenhado a sua actividade fora do respectivo horário.
30. A contabilização dos créditos nos termos referidos ascende a € 62.657,92, o qual deverá ser pago à Recorrente acrescido do de juros vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento.
31. Valor que se atribuir ao presente recurso.
32. Decidindo como decidiu a douta sentença recorrida violou o disposto no 344.º/2 do Código Civil e nas cláusulas 39.º/1/a) do CCT 1990 e 41.º e 37.º/5 do CCT 2005 e ainda os artigos 258.º do Código do Trabalho 2003 e 268.º do Código do Trabalho 2009.
Termina sustentando que deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência,
- ser alterada a decisão sobe a matéria de facto nos termos deduzidos nos pontos 7, 24 e 25 das conclusões do presente recurso;
- ser revogada a douta sentença recorrida e, em sua substituição, ser a acção julgada procedente, nos termos acima enunciados e, em consequência, ser a recorrida condenada a pagar à recorrente a quantia de € 62.657,92, acrescida dos juros vencidos desde a citação e dos vincendos até efectivo e integral pagamento.
A ré apresentou contra-alegações, concluindo nos seguintes termos:
I. A douta decisão decidiu e bem que a causa de pedir de um credito relativo a trabalho suplementar deve ser constituída pelos seguintes elementos: a) alegação do horário de trabalho do trabalhador com indicação das horas de início e termo do período normal de trabalho diário bem como dos respectivos intervalos; b) indicação das horas de trabalho prestado fora dos horários de trabalho estabelecidos; c) e que esse trabalho tenha sido prévia e expressamente ordenado pelo empregador ou pelo menos por ele consentido.
II. E a verdade é que a Recorrente não logrou fazer prova em primeiro lugar da existência de um contrato de trabalho celebrado com a Recorrida, estabelecendo um horário de 35h com a determinação das horas de início e termo do período normal de trabalho diário, do intervalo de descanso para almoço, e descanso semanal, nem qual foi o período de suspensão por motivos de baixa, em segundo lugar, não provou qual foi o horário diário de trabalho efectuado, em cada dia específico, durante toda a vigência de contrato, em terceiro lugar não logrou provar quais as horas prestadas fora do horário de trabalho estabelecido e a partir de que horas foram prestadas e em quarto não provou que esse trabalho suplementar tenha sido prévia e expressamente ordenado pela Recorrida, ou aceite, ou mesmo que o tenha submetido a aprovação e o mesmo lhe tenha sido recusado.
III. Logo os elementos constitutivos da causa de pedir não foram preenchidos, carecendo de base legal o peticionado pela Recorrente, nem sequer lhe serve de desculpa a invocada inversão do ónus da prova, quando decorre da materialidade assente:
IV. A existência de relógio de ponto;
V. A existência de picagem de ponto no início e fim do horário de trabalho;
VI. A existência de um formulário interno, de preenchimento obrigatório pelo trabalhador, sempre que este tivesse que efectuar horas a mais;
VII. A submissão desse formulário à chefia directa para aprovação;
VIII. O processamento das horas extraordinárias pelo departamento de recursos humanos, (Vide recibos de vencimento);
IX. Sendo certo que decorre da prova produzida em julgamento, que a Recorrente, sempre que tinha que efectuar um número de horas a mais, dava conhecimento dessas horas suplementares, através de um formulário próprio, ao seu chefe directo, que o assinava e depois o submetia para processamento aos recursos humanos e que à recorrente lhe foram processadas horas de trabalho suplementar;
X. Neste contexto cabia sim à Recorrente alegar e provar a submissão desse formulário sobre as ditas horas prestadas a mais, à sua chefia directa, e provar que as mesmas lhe foram recusadas, assim como provar que efectuou reclamações escritas sobre o trabalho suplementar efectuado e não pago, o que na verdade não fez prova.
XI. Do descrito e salvo o devido respeito, carece de qualquer fundamentação o invocado pela Recorrente, sobre a inversão do ónus de prova, sobre o horário de trabalho e sobre o trabalho suplementar.
XII. Não lhe bastando invocar depoimentos sem qualquer suporte documental, sendo de relembrar a parcialidade dos depoimentos prestados pelas testemunhas por si indicadas, com interesse indirecto no desfecho desta acção, uma vez que intentaram no Tribunal de Trabalho do Barreiro, uma acção motivada pela mesma causa de pedir e com semelhantes argumentos, a qual foi no sentido favorável da ora Recorrida, o mesmo se diga em relação aos restantes Autores no presente processo, P… e I…, sobre os quais existe sentença transitada em julgado favorável à ora Recorrida.
XIII. Tudo visto e sendo o período normal de trabalho o tempo de trabalho que o trabalhador se obriga a prestar medido em número de horas por dia e por semana (art. 158º do CT 2003), e o horário de trabalho a determinação das horas de inicio e termo do período normal de trabalho diário bem como dos intervalos de descanso (art. 159º do CT de 2003), e o trabalho suplementar aquele que é prestado fora do horário de trabalho (nº 1 do art. 197º do CT de 2003), cabia à Recorrente provar qual o horário estabelecido com a Recorrida, indicando qual as horas de entrada e de saída e os respectivos intervalos de descanso, assim como a partir de que horas efectuou em cada dia, trabalho suplementar e se esse trabalho foi conhecido e expressamente autorizado. Vide jurisprudência Ac. da RL de 11.12.02 in CJ ano XXVII Tomo V p 158 “ I- para que se verifique a existência do trabalho suplementar e o direito à respectiva remuneração é necessário que o trabalho seja prestado para além do período normal de trabalho e que tal trabalho foi prestado, pelo menos com conhecimento e consentimento expresso do empregador.
II- mas para ter direito á retribuição, o trabalhador tem de provar quantas horas prestou em cada um dos dias desse período. “
XIV. À Recorrente, não basta no caso em apreço, invocar que tinha um horário de 40 h, ou que era prática da Recorrida estabelecer um horário de trabalho de 40 h, alegando para tanto que o CCT celebrado entre a APAT e o SIMAVIP prevê 35h, e como tal efectuou 1 hora a mais durante a vigência do contrato, ou pelo menos a partir de Fevereiro de 2002 (vide alegações II da redução do pedido). Seguindo o raciocínio da Recorrente seria caso para perguntar se na celebração do contrato acordou efectuar 40h e a partir de 2001 ao abrigo de que base legal ou documental, a Recorrente acordaria efectuar 35h, uma vez que não juntou qualquer prova desse presumível acordo ou demonstrou a sua filiação ao dito CCT?
XV. Sendo certo que o horário máximo permitido pelo dito CTT, não corresponde a 35h, Vide CCT nº 3 e 6 da cláusula 28º …”Para os trabalhadores de armazém, é de 10 horas diárias, desde que não excede as 45h semanais e o horário normal é de 8/40h.
XVI. Para os restantes trabalhadores, o horário máximo permitido pelo alegado CCT é de 10 horas diárias desde que não ultrapasse as 40h semanais.”
XVII. E a verdade é que a Recorrente não alegou ou demonstrado nos autos, estar filiada no sindicato que subscreveu o dito CCT, para efeitos de aplicabilidade do mesmo, e mesmo a ser hipoteticamente sustentável a sua aplicação o seria a partir de 2006 através de portarias de extensão, decorrendo do mesmo a possibilidade de praticar um horário de trabalho de 40h.
XVIII.No caso concreto e tudo visto é absolutamente indiferente o regime jurídico aplicável, já que a Recorrente não provou os elementos constitutivos da causa de pedir de um crédito relativo a trabalho suplementar, razões pelas quais não merece qualquer reparo a douta decisão proferida.
Termina afirmando que devem ser julgadas improcedentes as alegações da recorrente e confirmada a douta sentença recorrida.
O autor F..., nas respectivas alegações, formula as seguintes conclusões:
1. O presente recurso é interposto da decisão que considerou improcedente o pedido de condenação da Recorrida no pagamento de créditos emergentes da prestação de trabalho suplementar.
2. Foi dado como não provado, na resposta ao artigo 12.º da petição inicial, que o Recorrente era responsável pelo departamento de facturação da Recorrente.
3. O depoimento de Rui Padeiro permite sustentar decisão em contrário, pelo que deverá ser a resposta à matéria de facto alterada no sentido de se consignar que o Recorrente era responsável pelo departamento de facturação da Recorrida desde 1998
4. Mas considerou ainda a Meritíssima Juíza não poder proceder o pedido de pagamento de trabalho suplementar por não ter sido alegado ou provado o concreto tempo de trabalho efectuado pelo Recorrente em cada dia, designadamente a hora de entrada, saída e intervalo para almoço.
5. Mas de todo o modo, afigura-se que a prova feita e assente na decisão, de que o Recorrente prestou trabalho em número de horas nunca inferior a 50 horas por semana, com entrada às 9.30 e saída às 20.30 (cfr. ponto 41) da fundamentação de facto) é, em conjugação com o horário de trabalho praticado, suficiente para aferir da existência ou não da prestação de trabalho suplementar.
6. Entende a Meritíssima Juíza a quo que seria ainda necessária, além da prova genérica de prestação de quarenta horas de trabalho semanal, a prova, em relação a cada dia de trabalho, da hora concreta de entrada, de saída e ainda intervalo para almoço.
7. Tal exigência afigura-se manifestamente excessiva - para a avaliação do trabalho realizado fora do horário de trabalho interessa, antes de mais e acima de tudo, apurar a carga horária efectivamente exercida – não se a mesma se iniciou ou terminou a dada hora e, se se conclui por um número de horas trabalhado superior ao contemplado no horário de trabalho, forçoso se torna concluir pela prestação de trabalho suplementar – independentemente da hora a que o mesmo se inicia ou termina.
8. O horário de trabalho para os trabalhadores administrativos previa um limite semanal de 40 horas até Fevereiro de 2002 e de 35 horas daí em diante.
9. Até Abril de 2004, todo o trabalho efectuado para além dos limites do horário de trabalho deve ser contabilizado como trabalho suplementar, deduzindo-se o que tenha sido paga a título de subsídio de isenção de horário de trabalho – que se encontrava a ser pago mau grado o Recorrente não estar abrangido pelo regime de isenção.
10. Considerando que, durante este período, foi a Recorrida que deu instruções ao Recorrente para não efectuar registo de entrada e saída, inviabilizando a existência de documento idóneo para comprovar os tempos de trabalho, inverte-se o ónus de prova, nos termos do artigo 334.º/2 do Código Civil quanto à prestação de trabalho suplementar – cabendo à Requerida demonstrar que não foi prestado qualquer trabalho suplementar neste período.
11. Deste modo se afastando também a aplicação do disposto na cláusula 26.º/2 do CCT – referente à necessidade de apresentação de documento idóneo para a comprovação de realização de trabalho suplementar prestado há mais de cinco anos.
12. O valor dos créditos assim contabilizados é de € 96.340,24.
13. É ainda devido o pagamento de trabalho suplementar realizado após Maio de 2004, quando o Recorrente passou a estar sujeito a regime de isenção de horário de trabalho.
14. De facto, o valor do subsídio de isenção era correspondente ao valor de uma hora e um quarto, considerando o valor hora da retribuição base.
15. O Recorrente efectuou sempre mais três horas por dia, apenas para poder satisfazer as crescentes responsabilidades laborais que lhe eram distribuídas pela Recorrida, devidamente provadas.
16. Isto é, contra um pagamento de cerca de uma hora e um quarto, o Recorrente efectuava sempre mais três horas, em termos que, a não serem de algum modo compensadas, gerariam uma inaceitável exploração do Recorrente, a que figura da isenção não quer nem pode proteger.
17. Entende-se nesse contexto que, registando-se uma contínua e sistemática prestação de serviço de mais de três horas sobre o limite do horário de trabalho diário, deverá ser considerado trabalho suplementar todo o que supere todo o trabalho que exceda a hora e três quartos sobre o limite máximo diário.
18. Isto é, em três horas de trabalho diário prestado para lá dos limites previstos no horário de trabalho, uma hora e um quarto por dia deveria ser contabilizada, e paga, como trabalho suplementar.
19. Valor a que acresce a penalização prevista no artigo 37.º/5 do CCT de 2005 (idêntica à prevista no artigo 231.º/5 do Código do Trabalho actual).
20. O montante devido é de € 54.857,59.
21. O total dos valores devidos é de € 150.927,83, valor a que acresce o de juros desde a citação até efectivo e integral pagamento.
22. Valor que se atribuir ao presente recurso.
23. Decidindo como decidiu a douta sentença recorrida violou o disposto no 344.º/2 do Código Civil e nas cláusulas 39.º/1/a) do CCT 1990 e 41.º e 37.º/5 do CCT 2005 e ainda os artigos 258.º do Código do Trabalho 2003 e 268.º do Código do Trabalho 2009.
Termina afirmando que deverá o presente recurso ser considerado procedente e, em consequência,
- Ser alterada a decisão sobe a matéria de facto nos termos deduzidos no ponto 3 das conclusões do presente recurso;
- Ser revogada a douta sentença recorrida e, em sua substituição, ser a acção julgada procedente, nos termos acima enunciados e, em consequência, ser a Recorrida condenada a pagar à Recorrente a quantia de € 150.927,83, acrescida dos juros vencidos desde a citação e dos vincendos até efectivo e integral pagamento,
Também aqui a ré apresentou contra-alegações, concluindo nos seguintes termos:
I. Salvo o devido respeito não concordamos, com as alegações do Recorrente, uma vez que decorre da douta sentença proferida, entre outros factos provados, que “os AA. não alegaram ou provaram estar filiados no sindicato que subscreveu o CCT; que o Recorrente foi contratado em Abril de 1998 com a categoria de Director /chefe de serviços (49); que, pelo menos a partir de 2004, começou a auferir Isenção de Horário de Trabalho, (39) tendo sido formalizado em 3 de Maio de 2004 (40); que o Recorrente com a categoria profissional de director tinha um horário de trabalho flexível e foi esse o motivo pelo qual foi requerida a IHT (57); que a recorrida tem nas suas instalações relógio de ponto (54); que o manual de acolhimento foi elaborado pelo Recorrente entre 2003-2004, onde vem descrito o seguinte “Cartão de ponto: Será entregue aos colaboradores um cartão de ponto. O colaborador deve picar o ponto ao início do trabalho e no fim do mesmo (53-55); que o Recorrente nunca efectuou o registo do seu tempo de trabalho mediante o recurso ao relógio de ponto existente na Recorrida (58)”;
II. A douta decisão decidiu e bem que a causa de pedir de um crédito relativo a trabalho suplementar deve ser constituída pelos seguintes elementos: a) alegação do horário de trabalho do trabalhador com indicação das horas de início e termo do período normal de trabalho diário bem como dos respectivos intervalos; b) indicação das horas de trabalho prestado fora dos horários de trabalho estabelecidos; c) e que esse trabalho tenha sido prévia e expressamente ordenado pelo empregador ou pelo menos por ele consentido.
III. E a verdade é que o Recorrente não logrou fazer prova em primeiro lugar da existência de um contrato de trabalho celebrado com a Recorrida, estabelecendo um horário com a determinação das horas de início e termo do período normal de trabalho diário, do intervalo de descanso para almoço, e descanso semanal, em segundo lugar, não provou qual foi o horário diário de trabalho efectuado, em cada dia específico, durante toda a vigência de contrato, em terceiro lugar não logrou provar quais as horas prestadas fora do horário de trabalho estabelecido e a partir de que horas foram prestadas e em quarto não provou que esse trabalho suplementar tenha sido prévia e expressamente ordenado pela Recorrida, ou aceite, ou mesmo que o tenha submetido a aprovação e o mesmo lhe tenha sido recusado.
Ficou sim provada, a existência de um horário flexível.
IV. Logo os elementos constitutivos da causa de pedir não foram preenchidos, carecendo de base legal o peticionado pelo Recorrente, nem sequer lhe serve de desculpa a invocada inversão do ónus da prova, quando decorre da materialidade assente:
V. A existência de relógio de ponto;
VI. A existência de picagem de ponto no início e fim do horário de trabalho;
VII. A existência de um formulário interno, de preenchimento obrigatório pelo trabalhador, sempre que este tivesse que efectuar horas a mais;
VIII. A submissão desse formulário à chefia directa para aprovação;
IX. O processamento das horas extraordinárias pelo departamento de recursos humanos, (Vide recibos de vencimento);
X. A atribuição de isenção de horário de trabalho desde 2004;
XI. Sendo certo que decorre da prova produzida em julgamento, que o Recorrente, sempre que tinha que efectuar um número de horas a mais, dava conhecimento dessas horas suplementares, através de um formulário próprio, ao seu chefe directo, que o assinava e depois o submetia para processamento aos recursos humanos e que ao recorrente lhe foram processadas horas de trabalho suplementar;
XII. Neste contexto cabia sim ao Recorrente alegar e provar a submissão desse formulário sobre as ditas horas prestadas a mais, à sua chefia directa, e provar que as mesmas lhe foram recusadas, assim como provar que efectuou reclamações escritas sobre o trabalho suplementar efectuado e não pago, o que na verdade nem invocou nem fez prova.
XIII. Do descrito e salvo o devido respeito, carece de qualquer fundamentação o invocado pelo Recorrente, sobre a inversão do ónus de prova, sobre o horário de trabalho e sobre o trabalho suplementar.
XIV. Não lhe bastando invocar depoimentos sem qualquer suporte documental, sendo de relembrar a parcialidade dos depoimentos prestados pelas testemunhas por si indicadas, com interesse indirecto no desfecho desta acção, uma vez que intentaram no Tribunal de Trabalho do Barreiro, uma acção motivada pela mesma causa de pedir e com semelhantes argumentos, a qual foi no sentido favorável da ora Recorrida, o mesmo se diga em relação aos restantes Autores no presente processo, P… e I…, sobre os quais existe sentença transitada em julgado favorável à ora Recorrida.
XV. O mesmo se diga quando o Recorrente alega que entre 1998 e 2004, não estando abrangido pelo regime de isenção, aplicar-se-lhe-ia até 2002 o regime geral, e a partir dessa data seria aplicável o CCT celebrado entre a APAT e o SIMAVIP, logo o seu horário de trabalho era de 40 h, e passou a ser desde Fevereiro de 2002 a ser de 35h, e dessa forma teria direito ao pagamento de créditos relativos a trabalho suplementar;
XVI. Seguindo esse raciocínio, e aplicando o regime geral (art.º. 337º nº 2 da lei 7 de 2009 de 12 de Fevereiro), ou mesmo o alegado CCT, (art.26º nº 2) então o regime de prova dos créditos emergentes do contrato relativos, no presente caso, ao pagamento de trabalho suplementar, que se tenham vencido há mais de 5 anos, só podem ser provados por documento idóneo, caso o não sejam, como não o foram, os créditos invocados até ao ano de 2004 devem ser considerados não escritos;
XVII. E a partir de 3 de Maio de 2004, estando abrangido pela IHT, com horário flexível, e como tal não sujeito aos limites máximos dos períodos normais de trabalho (nº2 e nº1 al.a) do art. 178º, e nº 1 al. a) do art. 177º, ambos do CT de 2003), não se põe sequer no presente caso, a questão de ter efectuado trabalho suplementar;
XVIII. E nem sequer releva o alegado, de que a partir de 2002 se lhe aplicaria o CCT, uma vez que não demonstrou ou provou estar filiado no sindicato representativo do sector, condição necessária para efeitos de aplicabilidade (principio da dupla filiação nº 1 do art. 552º, 553º ambos CT de 2003);
XIX. Tudo visto e sendo o período normal de trabalho o tempo de trabalho que o trabalhador se obriga a prestar medido em número de horas por dia e por semana (art. 158º do CT 2003), e o horário de trabalho a determinação das horas de início e termo do período normal de trabalho diário bem como dos intervalos de descanso (art. 159º do CT de 2003), e o trabalho suplementar aquele que é prestado fora do horário de trabalho (nº 1 do art. 197º do CT de 2003), cabia ao Recorrente provar qual o horário estabelecido com a Recorrida, indicando qual as horas de entrada e de saída e os respectivos intervalos de descanso, assim como a partir de que horas efectuou em cada dia, trabalho suplementar e se esse trabalho foi conhecido e expressamente autorizado. Vide jurisprudência Ac. Da RL de 11.12.02 in CJ ano XXVII Tomo V p 158 “ I-Para que se verifique a existência do trabalho suplementar e o direito à respectiva remuneração é necessário que o trabalho seja prestado para além do período normal de trabalho e que tal trabalho foi prestado, pelo menos com conhecimento e consentimento expresso do empregador.II– mas para ter direito à retribuição, o trabalhador tem de provar quantas horas prestou em cada um dos dias desse período.”
XX. Ao Recorrente, não é suficiente, invocar que tinha um horário de 40 h, ou que era prática da Recorrida estabelecer um horário de trabalho de 40 h, alegando para tanto que o CCT celebrado entre a APAT e o SIMAVIP prevê 35h, e como tal efectuou 1 hora a mais durante a vigência do contrato, ou pelo menos a partir de Fevereiro de 2002 (vide alegações II da redução do pedido), quando,
XXI. O horário máximo permitido pelo dito CTT, não corresponde a 35h, Vide CCT nº 3 e 6 da cláusula 28º …”Para os trabalhadores de armazém, é de 10 horas diárias, desde que não excede as 45h semanais e o horário normal é de 8/40h.
XXII. Para os restantes trabalhadores, o horário máximo permitido pelo alegado CCT é de 10 horas diárias desde que não ultrapasse as 40h semanais.”
XXIII. E a verdade é que o Recorrente não alegou ou demonstrou nos autos, estar filiado no sindicato que subscreveu o dito CCT, para efeitos de aplicabilidade do mesmo, e mesmo a ser hipoteticamente sustentável a sua aplicação, seria a partir de 2006 através de portarias de extensão, decorrendo do mesmo a possibilidade de praticar um horário de trabalho de 40h.
XXIV. Sendo certo que sempre teve um horário flexível e desde 2004 foi-lhe atribuído isenção de horário de trabalho
XXV. No caso concreto e tudo visto é absolutamente indiferente o regime jurídico aplicável, já que o Recorrente não provou os elementos constitutivos da causa de pedir de um crédito relativo a trabalho suplementar, nem que tenha exercido as funções de director no departamento de facturação, razões pelas quais não merece qualquer reparo a douta decisão proferida.
Termina afirmando que o recurso deve ser julgado improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Os recursos foram oportunamente admitidos.
O Ministério Público, neste Tribunal da Relação, considerando que a sentença impugnada se encontra devidamente fundamentada de facto e de direito e não merece censura, emitiu parecer no sentido da improcedência das apelações.
Notificados os recorrentes e a recorrida, não foi oferecida resposta.
Os autores recorrentes apresentaram redução do pedido, que foi admitida.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II. Objecto do Recurso

De harmonia com o disposto nos artigos 684º, nº3 e 685º-A, nº1 do Código do Processo Civil aplicável ex vi do artigo 1º, nº2, alínea a) do Código do Processo de Trabalho, é consabido que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso, que in casu não se vislumbra.

Em função destas premissas, importa conhecer nestes autos:

§ A impugnação da matéria de facto.
§ A pretendida condenação da ré no pagamento aos recorrentes de quantias relativas a alegado trabalho suplementar prestado.

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III. Matéria de Facto
Com interesse para a decisão a proferir, importa começar por considerar os factos que, em sede de sentença, se julgaram provados e que são os seguintes:
Dos factos provados no processo n.º 406/09.0TTSTB:
1) Os AA. (M…, P…, I…) foram empregados da R. durante vários anos, tendo os respectivos contratos cessado no passado mês de Março (2009) por efeito de processo de despedimento colectivo levado a cabo pela R.. (resposta ao art. 1.º da petição inicial)
2) Os AA. (M…, P…, I…) desempenhavam funções de carácter administrativo. (resposta ao art. 2.º da petição inicial)
3) O horário de trabalho constante dos contratos de trabalho dos AA. P… e I… correspondia a 40 horas semanais e, em 07/07/2005, a R. comunicou à ACT-Delegação de Setúbal que os horários de trabalho dos AA. I…, M… e P… eram de 35 horas/semanais, sendo que, de acordo com tal comunicação, as duas primeiras entravam às 09h00 e saíam às 18h00 (sendo a sua hora de almoço das 12h às 14h) descansando ao sábado e ao domingo e que, quanto ao A. P…, a entrada era feita pelas 07h00 e a saída pelas 16h00 (sendo a sua hora de almoço entre as 12h e as 14h) e o descanso semanal aos sábados e domingos.” (resposta ao art. 7.º da petição inicial)
4) Era, e é, política da R. a prestação de 40 horas de trabalho semanal para todos os trabalhadores, incluindo os trabalhadores administrativos. (resposta ao art. 8.º da petição inicial)
5) O horário de trabalho que consta do Manual de Acolhimento corresponde a 40 horas semanais. (resposta ao art. 9.º da petição inicial)
6) Foram processadas, nos recibos de vencimentos dos trabalhadores M…, P… e I…, as horas suplementares que constam dos mesmos e pelos montantes neles indicados, a saber:
a. quanto à A. M… foram-lhe processadas as horas suplementares constantes dos recibos de fls. 37 (28.02.2001), 38 (31.03.2001), 39 (30/04/2001), 74 (20.11.2004), 87 (20.12.2004), 89 (20.02.2006), 93 (20.06.2006), 96 (20/08/2006), 97 (20.09.2006), 102 (20.01.2007), 103 (20.02.2006), 104 (20.03.2007), 107 (28.02.2009), 116 (20.02.2008);
b. quanto ao A. P… foram-lhe processadas as horas suplementares constantes dos recibos de fls. 132 (20.12.2005), 133 ( 20.12.2005), 134 (20.02.2006 e 20.03.2006), 135 (20.04.2006 e 20.05.2006), 136 (20.06.2006), 137 (20.07.2006), 139 (20.01.2006), 140 (20.12.2006), 142 (20.03.2007), 143 (20.09.2007), 153 (20.09.2008), 154 (20.12.2008), 155 (20.11.2008), 156 (20.12.2008);
c. quanto à A. I…, foram-lhe processadas as horas suplementares constantes dos recibos de fls. 158 (158 (20.01.2005), 159 (20.02.2005), 160 (20.03.2005), 162 (20.05.2002), 163 (20.06.2005), 166 (20.09.2005), 167 (20.10.2005), 168 (20.11.2005), 171 (20.02.2006), 172 (20.03.2006), 173 (20.04.2006), 174 (20.05.2006), 176 (20.06.2006), 177 (20.07.2006), 178 (20.08.2006), 179 (20.09.2006), 180 (20.10.2006), 181 (20.11.2006), 183 (20.12.2006), 185 (20.02.2007), 191 (20.06.2007), 194 (20.09.2007), 195 (20.10.2007), 196 (20.11.2007), 198 (20.12.2007), 200 (20.02.2008), 204 (20.05.2008), 205 (20.06.2008) 206 (20.07.2008), 207(20.08.2008) 209 (20.10.2008), 211 (20.12.2008). (resposta ao art. 15.º da petição inicial)
7) As horas suplementares prestadas e a que se referem os recibos de vencimento aludidos na alínea que antecede foram-no mediante as instruções e com o conhecimento da Ré. (resposta ao art. 17.º da petição inicial)
8) A A. M… foi admitida ao serviço da R. em 1 de Abril de 1998, com a categoria de oficial de 1.ª. (resposta ao art. 23.º da petição inicial)
9) Em período não concretamente apurado a A. M… esteve de baixa médica. (resposta aos arts. 24.º e 25.º da petição inicial)
10) A A. M… recebeu mensalmente, a título de diuturnidades:
a. entre Abril e Dezembro de 2001, um total de € 188,55;
b. entre Janeiro e Dezembro de 2002, um total de € 286,93;
c. entre Janeiro e Dezembro de 2003, um total de € 305,50;
d. entre Janeiro e Dezembro de 2004, um total de € 493,50;
e. entre Janeiro e Dezembro de 2005, um total de € 591,00;
f. entre Janeiro e Dezembro de 2006, um total de € 603,00;
g. entre Janeiro e Dezembro de 2007, um total de € 860,40;
h. entre Janeiro de 2008 e Fevereiro de 2009, um total de € 1.102,80. (resposta ao art. 36.º da petição inicial)
11) O A. P… foi admitido ao serviço da R. em Janeiro de 2005, com a categoria de oficial de 3.ª. (resposta ao art. 39.º da petição inicial)
12) Prestou 1030 dias de serviço. (resposta ao art. 40.º da petição inicial)
13) Entre Janeiro de 2008 e Fevereiro de 2009, o A. P… recebeu € 189,00, a título de diuturnidades. (resposta ao art. 51.º da petição inicial)
14) Ao A. P… foram processados nos respectivos recibos de vencimento (que constituem fls. 129 a 157) os valores destes constantes correspondentes às rubricas ali elencadas. (resposta aos arts. 54.º a 59.º da petição inicial)
15) A A. I… foi admitida ao serviço da R. em Julho de 1999, com a categoria de oficial de 2.ª. (resposta ao art. 61.º da petição inicial)
16) Prestou 2267 dias de serviço. (resposta ao art. 62.º da petição inicial)
17) A partir de Janeiro de 2007, a A. I… passou a ter isenção do horário de trabalho e a ser paga em conformidade com tal isenção. (resposta ao art. 64.º da petição inicial)
18) A A. I… recebeu mensalmente, a título de diuturnidades:
a. entre Julho e Janeiro de 2002: € 0,00;
b. entre Janeiro e Dezembro Março de 2003: € 0,00;
c. entre Janeiro e Dezembro de 2004: € 0,00;
d. entre Janeiro e Dezembro de 2005 um total de € 292,46;
e. entre Janeiro e Dezembro de 2006 um total de € 453,00;
f. entre Janeiro e Dezembro de 2007 um total de € 624,60;
g. entre Janeiro de 2008 e Fevereiro de 2009 um total de € 733,60; (resposta ao art. 81.º da petição inicial)
19) Existiu relativamente aos AA. P… e I… um acordo escrito, intitulado contrato de trabalho a termo certo, no qual ficou estipulado na cláusula quarta, o horário de trabalho de 8 horas diárias/40 horas semanais (cfr doc 1), e na cláusula quinta 40 horas semanais (cfr doc. 2), respectivamente, não se colocando em relação a estes AA., a questão dos tais créditos salariais, pela existência de acordo escrito, logo inexistência de fundamentação legal. (resposta ao art. 22.º da contestação)
20) A A. M… iniciou o seu contrato em 01/04/1998, com a categoria profissional de oficial de 1.ª e não alterou a sua categoria profissional durante a vigência do contrato. (resposta ao art. 35.º da contestação)
21) a) A A. M…, a partir de Abril de 2001 passou a receber a 1.ª diuturnidade, a qual foi paga mensalmente até Abril de 2004; b) A partir de Abril de 2004 passou a receber a 2.ª diuturnidade, a qual foi paga mensalmente até Abril de 2007; c) A partir de Abril de 2007 passou a receber a 3.ª diuturnidade a qual foi paga mensalmente até ao final do contrato em 2009. (resposta ao art. 37.º da contestação)
22) Relativamente ao A. P…, ficou estabelecido por acordo escrito o horário de trabalho, através da celebração de um contrato de trabalho no dia 10/01/05. (resposta ao art. 40.º da contestação)
23) No qual ficou estabelecido na cláusula quarta, o horário de 8 horas diárias/40 horas semanais. (resposta ao art. 41.º da contestação)
24) Entre a R. e o A. P… foi celebrado em 10/07/2005, acordo escrito denominado “aditamento a contrato de trabalho a termo certo” ao contrato celebrado em 10/01/2005, no qual se estabeleceu que:
Artigo 2.º
1. A retribuição mensal a pagar pelo trabalho prestado é de € 653,00, acrescido de 15% referente a subsídio de turno.
Artigo 4.º
1. O horário de trabalho é de 40 horas semanais, com o objectivo diário de 8 horas, a cumprir por turnos, rotativos semanais, o 1.º turno com o horário entre as 7:00h e as 15:30h e o segundo turno entre as 15:30h e as 0:00h.
(…)
Artigo 5.º
O presente aditamento ao contrato de trabalho vigorará a partir de 10 de Julho de 2005, pelo período de 1 (um) ano, sendo celebrado ao abrigo da alínea a) e f) do n.º 2 do art. 129.º do Decreto-Lei n.º 99/2003, de 27/08, em virtude da substituição directa de uma trabalhadora ausente, devido a licença de maternidade e por acréscimo de actividade da empresa nomeadamente no departamento centro logístico.
(resposta ao art. 48.º da contestação)
25) A R. pagou à A. I… a quantia de € 12.647,55, correspondente ao pagamento da compensação relativa ao processo de despedimento colectivo (doc. 5). (resposta ao art. 62.º da contestação)
26) A A. I… iniciou o seu contrato em Julho de 1999, com a categoria profissional de oficial de 2ª e não alterou a sua categoria profissional durante a vigência do contrato. (resposta ao art. 68.º da contestação)
Dos factos provados no processo n.º 419/09.1TTSTB:
27) O A. F… foi admitido ao serviço da R., em Abril de 1998, com a categoria de Director/Chefe de Serviços. (resposta ao art. 1.º da petição inicial)
28) O contrato de trabalho do A. F… com a R. cessou em Março de 2009. (resposta ao art. 2.º da petição inicial)
29) Em 1998, é nomeado área informática tendo como principais tarefas as de montar a Rede interna, Site da empresa, Aplicações B2B e actividades acessórias. (resposta ao art. 7.º da petição inicial)
30) Em 1999, passa a ser responsável pelo centro logístico (armazenagem e serviços de valor acrescentado) e, em data não concretamente apurada, aquele departamento logístico foi entregue à responsabilidade de P... (resposta ao art. 8.º da petição inicial)
31) No período compreendido entre 2000/2003, o A. F… foi o responsável pela implementação e coordenação dos sistemas de qualidade, com vista à obtenção dos certificados ISO 9000 e ISO 9001. (resposta ao art. 9.º da petição inicial)
32) A R. obteve a certificação mencionada na alínea que antecede, tendo o A. F… passado a exercer posteriormente as funções de Director da Qualidade e Ambiente. (resposta ao art. 10.º da petição inicial)
33) Nessas funções, o A. F… é responsável pela Gestão do Sistema de Gestão da Qualidade e Ambiente, efectuando a gestão documental da empresa, assegurando a realização de monitorizações, manutenção, controlo do cumprimento da legislação, auditorias internas na área de Higiene e Segurança no Trabalho e de Gestão de Danos em Mercadorias. (resposta ao art. 11.º da petição inicial)
34) À data, o título que constava nos cartões-de-visita facilitados pela empresa era o de Director de Sistemas, Qualidade e Coordenador de Projectos. (resposta ao art. 13.º da petição inicial)
35) O A. F… entre Fevereiro de 2006 e Novembro de 2008, assegurou cerca de 240 horas de formação aos trabalhadores da R.. (resposta aos arts. 17.º e 18.º da petição inicial)
36) No período compreendido entre 2004/2009, o A. F… foi responsável pelos Recursos Humanos. (resposta aos arts. 20.º e 21.º da petição inicial)
37) A R., em 2006, sofreu um processo de transformação interna que a subdividiu em departamentos W.E.O.. (resposta ao art. 22.º da petição inicial)
38) Os assuntos legais da R. eram tratados, em regime de outsourcing por uma outra empresa. (resposta ao art. 23.º da petição inicial)
39) Pelo menos a partir de 2004, o A. F… começou a auferir isenção de horário. (resposta ao art. 25.º da petição inicial)
40) Essa isenção de horário foi formalizada junto da entidade competente em 3 de Maio de 2004. (resposta ao art. 26.º da petição inicial)
41) Sendo que o A. F... sempre prestou serviço mediante uma carga horária nunca inferior a 10 horas por dia. (resposta ao art. 27.º da petição inicial)
42) Durante o tempo que esteve ao serviço, o horário de trabalho normal do A. F... era o de entrada às 9.30h e saída nunca antes das 20.30h. (resposta ao art. 28.º da petição inicial)
43) A R. tinha, e tem, como prática estabelecer um horário de trabalho de 40 horas semanais para todos os trabalhadores. (resposta ao art. 30.º da petição inicial)
44) Era de 40 horas o período normal de trabalho constante do documento de apresentação da empresa aos trabalhadores (cfr. documento n.º 3, que é o “Manual de Acolhimento” que a R. distribuía a todos os colaboradores). (resposta ao art. 32.º da petição inicial)
45) [O autor] Fazia-o [o que consta supra sob os números 41 e 42, com referência aos artigos 27.º e 28.º da petição inicial] com perfeito conhecimento da R. – que de resto é manifestado pela atribuição de um subsídio de isenção de horário. (resposta ao art. 34.º da petição inicial)
46) Quer antes quer depois da isenção de horário lhe ser devidamente atribuída. (resposta ao art. 35.º da petição inicial)
47) As horas referidas em 41) não eram objecto de qualquer registo. (resposta ao art. 36.º da petição inicial)
48) O A. F... recebeu mensalmente, a título de diuturnidades:
a. entre Abril e Dezembro de 2001, um total de € 188,55;
b. entre Janeiro e Dezembro de 2002, um total de € 286,93;
c. entre Janeiro e Dezembro Março de 2003, um total de € 305,50;
d. entre Janeiro e Dezembro de 2004, um total de € 493,50;
e. entre Janeiro e Dezembro de 2005, um total de € 591,00;
f. entre Janeiro e Dezembro de 2006, um total de € 603,00;
g. entre Janeiro e Dezembro de 2007, um total de € 860,40;
h. entre Janeiro de 2008 e Fevereiro de 2008, um total de € 1.102,80; (resposta ao art. 80.º da petição inicial)
49) O A. F... foi contratado em Abril de 1998, com a categoria de Director/chefe de Serviços. (resposta ao art. 3.º da contestação)
50) É o próprio A. F... que junta (vide doc. nº 1 em sede de PI) um documento, datado de 6 de Março de 2008, emitido pela R., no qual é declarada de forma expressa a categoria profissional de Director, desde o ano de 1998, se não vejamos: “Palmela 6 de Março de 2008
DECLARAÇÃO
A W…. SA,….. declara para os devidos efeitos que o Sr. F… , …….., é funcionário nesta empresa desde 15/04/1998 com a categoria profissional de Director da Qualidade …” (resposta ao art. 4.º da contestação)
51) E era com essa categoria que o próprio A. se apresentava no seu curriculum Vitae, cfr doc. 1 Página 2, documento efectuado pelo A. em 30.09.01 o qual se transcreve parcialmente: Curriculum Vitae…. Experiência Profissional ….. 1998 – W… Lda. ….. Exerço o cargo de Director ……” coordenador das áreas da Qualidade, Sistemas de Informação e Projectos. (resposta ao art. 5.º da contestação)
52) O contrato cessou em Março de 2009. (resposta ao art. 6.º da contestação)
53) Relativo ao Manual de Acolhimento, junto à PI como doc. 3, foi o mesmo elaborado pelo A. F..., quando exercia funções como Director na área de recursos humanos, entre 2003-2004, cabendo ao A., a responsabilidade pela elaboração do dito Manual. Vide última folha do dito manual “F… e E…” (resposta ao art. 38.º da contestação)
54) A R. tem nas suas instalações relógio de ponto. (resposta ao art. 42.º da contestação)
55) No manual de acolhimento celebrado entre 2003-2004, vem descrito o seguinte: “CARTÃO DE PONTO: Será entregue aos colaboradores um cartão de ponto. O colaborador deve picar o ponto ao início do trabalho e no fim do mesmo.” (resposta ao art. 43.º da contestação)
56) No entanto o A. F... desde a data de início do contrato até final do mesmo (15 de Abril de 1998 – Março de 2009) nunca picou o cartão de ponto. (resposta ao art. 44.º da contestação)
57) O A. F..., com a categoria profissional de director, tinha um horário de trabalho flexível e foi esse o motivo pelo qual foi requerida a IHT [isenção de horário de trabalho]. (resposta ao art. 45.º da contestação)
58) Sendo que o A. F... nunca efectuou o registo do seu tempo de trabalho mediante o recurso ao relógio de ponto, existente na R.. (resposta ao art. 59.º da contestação)
59) W…, S.A., é membro da APAT, Associação dos Transitários de Portugal, desde 02/02/2002. (documento fls. 409).
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IV. Reapreciação da prova
1.Recurso interposto pela autora M...:
No âmbito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, insurge-se a recorrente contra a circunstância do tribunal a quo não ter dado como provado que, pelo menos, desde Fevereiro de 2002, o horário de trabalho da autora era de 35 horas semanais, assim como que os AA prestaram um serviço efectivo de 40 horas semanais, sustentando que, inclusive, se pode acrescentar (ainda que tal não seja decisivo e essencial para a decisão) que o horário dos AA era o seguinte: M... e I..., das 9-18 horas, com uma hora de intervalo para almoço; P..., das 7 às 16, com uma hora de intervalo para almoço.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do artigo 712.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 1.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685.º-B, a decisão com base neles proferida.
Esta norma estabelece que, quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados [n.º 1, alínea a)] e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [n.º 1, alínea b)]. Neste último caso, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
“A efectivação do segundo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não implica a repetição do julgamento pelo tribunal de 2.ª instância – um novo julgamento, no sentido de produzir, ex novo, respostas aos quesitos da base instrutória –, mas, apenas, verificar, mediante a análise da prova produzida, nomeadamente a que foi objecto de gravação, se as respostas dadas pelo tribunal recorrido têm nas provas suporte razoável, ou se, pelo contrário, a convicção do tribunal de 1.ª instância assentou em erro tão flagrante que o mero exame das provas gravadas revela que a decisão não pode subsistir” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de Junho de 2007 (disponível em www.dgsi.pt, processo 06S3540).
Assim, as disposições em causa não visam propriamente a concretização de um segundo julgamento que inclua a reapreciação global e genérica de toda a prova, tendo antes em vista um segundo grau de apreciação da matéria de facto, de modo a colmatar eventuais erros de julgamento, nos concretos pontos de facto que o recorrente assinala.
Importa ter presente a prevalência do princípio da liberdade de julgamento, consagrado no artigo 655.º do Código de Processo Civil e que tem inteira aplicação no âmbito do processo de trabalho, nos termos do qual o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto controvertido; não invalida a convicção do tribunal o facto de não existir uma prova directa e imediata da generalidade dos factos em discussão, sendo legítimo que se extraiam conclusões em função de elementos de prova, segundo juízos de normalidade e de razoabilidade, ou que se retirem ilações a partir de factos conhecidos.
Por isso, a alteração da matéria de facto pela Relação deve ser realizada ponderadamente, em casos excepcionais e pontuais; só deverá ocorrer se, do confronto dos meios de prova indicados pelo recorrente com a globalidade dos elementos que integram os autos, se concluir que tais elementos probatórios, evidenciando a existência de erro de julgamento, sustentam, em concreto e de modo inequívoco, o sentido pretendido pelo recorrente.
A recorrente assinala os factos que questiona e os elementos de prova em que sustenta a sua pretensão, procedendo inclusive à transcrição dos depoimentos de testemunhas inquiridas em audiência, em que se baseia para impugnar a decisão da matéria de facto.
A sua pretensão será então apreciada no enquadramento que se deixou enunciado.
Pretende a recorrente M… que se altere a decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, dando-se como assente que, pelo menos, desde Fevereiro de 2002, o horário de trabalho da autora era de 35 horas semanais.
Alicerça esta pretensão, na alegada confissão deste facto pela recorrida.
Extrai tal confissão, da circunstância da recorrida ter junto ao processo, a fls. 448, um documento com informação por si prestada ao IDCT, em 7 de Julho de 2007, no sentido do horário de trabalho da recorrente ser de 35 horas semanais.
Vejamos se tem razão.
Na petição inicial apresentada, a recorrente fundamenta a circunstância de se dever considerar que o seu horário de trabalho era de 35 horas semanais, por aplicação do CCT da Associação dos Transitários de Portugal-APAT e o Sindicato dos Trabalhadores da Marinha Mercante, Agências de Viagens, Transitários e Pesca-SIMAMEVIP, publicado no BTE, 1ª série, nº 1, de 8/1/2005 e, antes deste, por aplicação do CCT entre as mesmas partes outorgantes, publicado no BTE, 1ª série, nº20, de 29 de Maio de 1990, sendo que, qualquer destes instrumentos de regulamentação colectiva previa um período normal de trabalho com a duração de sete horas por dia e trinta e cinco por semana (artigos 4º a 6º da petição inicial)
Após, alega que sempre prestou para a ré, invariavelmente, oito horas de trabalho diário e quarenta horas de trabalho semanal.
Na contestação oferecida, a ré nega a aplicação dos instrumentos de regulamentação colectiva invocados, argumentando que às relações laborais entre as partes, se aplica a lei geral vigente à data, a qual estipulava um horário de trabalho de oito horas diárias e 40 semanais.
A fls. 448 dos autos, a ré veio requerer a junção de um documento como meio de prova, documento esse que consubstancia uma declaração escrita emitida pela ré e entregue no IDCT.
A junção deste documento ao processo, foi deferida.
Do teor deste documento, pretende a autora extrair a invocada confissão.
Ora, em relação à figura jurídica da confissão, há que considerar a confissão como meio de prova e a confissão do pedido que é uma causa de extinção da instância.
A confissão como meio de prova (que é a que nos interessa, no âmbito da questão sub judice), mostra-se definida no artigo 352º do Código Civil:
“Confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária”.
A confissão pode ser judicial ou extrajudicial, sendo a primeira a que é feita em juízo e a segunda é feita por algum modo diferente da confissão judicial (artigo 355º do Código Civil).
A confissão judicial diz-se espontânea, quando feita por iniciativa do confitente nos articulados, por termo ou por qualquer outro modo admissível no processo.
Contrariamente, será provocada quando feita a requerimento da parte contrária ou de comparte e prestada em depoimento de parte.
Já a confissão extrajudicial será autêntica ou particular, consoante se faça por escritura ou auto público, verbalmente ou em escrito particular.
A confissão pode ser expressa, presumida ou tácita.
A expressa resulta de declaração directamente destinada a reconhecer a realidade do facto desfavorável ao declarante.
A tácita ou presumida resulta da presunção (legal) do reconhecimento de facto desfavorável, que a lei extrai de certas formas de comportamento omissivo da parte.
Antunes Varela diz ser o que acontece, por exemplo, com a falta de contestação por parte do réu que tenha sido ou deva considerar-se regularmente citado na sua própria pessoa (artigo 484º do Código de Processo Civil), com a falta de impugnação especificada de factos articulados pela parte contrária (artigos 490º, nºs 1 e 2 e 505º do mesmo Código)- Manual de Processo Civil, 2ª edição, pags 543 e 544.
A declaração confessória deve ser inequívoca, salvo se a lei o dispensar (artigo 357º, nº1 do aludido diploma legal); e deve ser sempre feita por pessoa com capacidade e poder para dispor de direito a que o facto confessado se refira.
A força probatória da confissão depende da forma que ela revista.
De harmonia com o disposto no nº1 do artigo 358º do Código Civil, a confissão judicial escrita (quer espontânea, quer provocada, quer feita nos articulados, quer reduzida a termo ou produzida em depoimento escrito), tem força probatória plena contra o confitente.
A confissão extrajudicial, feita em documento, quer autêntico, quer particular, considera-se provada, quanto à autenticidade da declaração, nos termos aplicáveis à força probatória formal do documento.
E, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, a declaração confessória, reveste-se de força probatória plena (artigo 358º, nº2 do Código de Processo Civil).
Existem depois situações em que a confissão é livremente apreciada pelo julgador.
A regra da livre apreciação, aplica-se, nomeadamente, às seguintes situações: confissão judicial não escrita; confissão extrajudicial constante de documento feita a terceiro; confissão extrajudicial não constante, nos casos em que seja admissível a prova testemunhal; recusa de comparência da parte notificada para depor; afirmação da parte de que não se recorda ou nada sabe sobre os factos; esclarecimentos e informações prestados ao tribunal fora do formalismo próprio do depoimento de parte (artigos 358º, nºs 3 e 4, 357º, nº2, ambos do Código Civil e 559º, nº3 do Código de Processo Civil).
Apreciada genericamente a figura jurídica da confissão como meio de prova, bem a como a sua força probatória, analisemos agora a situação concretamente colocada pela recorrente.
Por requerimento de fls. 448, a ré requereu a junção aos autos de alguns documentos referentes aos horários de trabalho praticados pela W…, entregues no IDCT, delegação de Setúbal, em 7/7/2005. A ré justifica a apresentação dos documentos, para contra prova do alegado na petição inicial quanto à prática de horário de trabalho de 35 horas semanais, ao invés das 40 alegadas.
O documento de fls. 449, consubstancia um escrito, contendo o horário de trabalho de vários trabalhadores, como sendo das 9 horas às 18 horas, com um intervalo para almoço das 12 horas às 14 horas. Entre os trabalhadores identificados, abrangidos por este horário, surge o nome da recorrente.
Consta de tal documento um carimbo aposto pelo IDCT, com data de 7/7/2005, o que permite concluir que se trata de um documento dirigido e entregue ao IDCT.
Estamos pois perante uma declaração emitida pela recorrida de que o horário da recorrente era das 9 horas às 18 horas, com um intervalo para almoço das 12 horas às 14 horas. Tal declaração consta de documento particular dirigido a um terceiro.
Logo, de acordo com as regras relativas à força probatória da confissão, porque estamos perante uma confissão extrajudicial, constante de um documento particular, feita a um terceiro, a mesma obedece à regra da livre apreciação pelo julgador, ou seja, o valor confessório da declaração é livremente apreciado. Constitui apenas um meio de prova que é avaliado em conjugação com os demais meios de prova oferecidos.
Neste sentido, se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, no Acordão de 30/9/2009, P. 09S0623:
“A confissão só tem força probatória plena contra o confitente quando seja escrita e feita em juízo, ou quando sendo extrajudicial, conste de documento autêntico ou particular dirigido à parte contrária ou a quem a represente; quando não reúna estes requisitos, fica sujeita às regras da livre apreciação do julgador”.
Idêntica posição foi defendida no Acordão de 11/1/2011, Revista nº 6026/04.8TTBRG.G1.S1:
“I-As declarações de rendimentos de pessoas singulares para efeitos fiscais (IRS) são documentos particulares em que o contribuinte é o declarante, a admnistração fiscal a declaratária, sendo as seguradoras terceiros.
II - Os elementos que integram tais declarações, quando invocados por terceiros, estão sujeitos, quanto à força probatória, à regra da livre apreciação pelo tribunal.
III - A norma do n.º 7 do art. 64.º do DL n.º 291/2007, na redacção do DL n.º 153/2008, não exclui do regime de prova livre as declarações fiscais dos contribuintes, apesar de dever o julgador atribuir aos elementos probatórios nelas referidos como que um valor reforçado, utilizando-os como suporte de partida e componente predominante da prova do facto, mas sem que, por isso, lhe seja vedado conjugar esses elementos com outros meios de prova, pois que não se estabelece aí qualquer vinculação àquele meio probatório, exigindo-o para prova do facto, nem quanto à sua força probatória, concedendo-lhe o privilégio de excluir a atendibilidade de outras”
Também no Acordão do Supremo tribunal de Justiça de 15/2/2006, P. 05S3732, se escreveu:
“1.O documento particular emitido pela ré para ser apresentado a um terceiro, a C, em que se refere que o autor é trabalhador efectivo da empresa, vale apenas como elemento de prova sujeito à livre apreciação do tribunal, tal como sucede em relação à confissão extrajudicial.
2. Só nas relações declarante/declaratário, a declaração assume valor confessório, fazendo nessa medida prova plena contra o declarante”.
Estes Acordãos encontram-se disponíveis em www.dgsi.pt.
Deste modo, encontrando-se a força probatória da confissão extrajudicial feita pela ré, no documento supra identificado, sujeita apenas à livre apreciação do julgador, só resta a este Tribunal apreciar se a circunstância do tribunal de 1ª instância não ter dado como provado que, pelo menos, desde Fevereiro de 2002, a autora M... tinha um horário de trabalho de 35 horas semanais, encontra ou não suporte na prova produzida.
Na decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal de 1ª instância, em relação aos artigos 4º a 6º da petição inicial, supra aludidos (cfr. pág. 29 da sentença), o tribunal não respondeu, por considerar (correctamente, diga-se, desde já), que os mesmos consubstanciavam “juízos conclusivos” e continham “alegações matéria de direito”.
Nestes artigos haviam sido mencionados os instrumentos de regulamentação colectiva que a recorrente considerava aplicáveis e cláusulas previstas nos mesmos, para fundamentar porque se deveria considerar que a autora M... estava apenas obrigada a cumprir um horário de 35 horas semanais.
Na fundamentação da convicção do tribunal, quanto à resposta dada à matéria de facto, referiu o tribunal de 1ª instância:
«Relativamente ao caso concreto da Autora M... não existe contrato de trabalho reduzido a escrito. Daí que a nossa convicção haja sido formulada com base nos recibos de vencimento carreados para o processo (e que serviram de suporte à resposta ao quesito 15º) no conteúdo do Manual de Acolhimento e, fundamentalmente, no depoimento de F…, o qual, por ter trabalhado mais directamente com a Autora (sua subordinada na qualidade de Assistente de Direcção) melhor posicionado estava para saber os pormenores de tal relação laboral.
Esta testemunha confirmou que o horário de trabalho praticado pela D. M… era de 40 horas semanais. Salientou que esta Autora teve um problema de saúde que a impediu de trabalhar durante largos meses (embora não soubesse concretizar o período em que tal ocorreu).
Declarou ainda que as horas correspondentes ao trabalho suplementar constavam das folhas de “picagem de ponto” e eram pagas no final do mês».
Ora, após audição da gravação do depoimento da testemunha F..., retira-se do mesmo que a testemunha era Director de Qualidade, quando trabalhava para a ré e que a autora M... era sua subordinada (sensivelmente entre 1m20s e 1m23s). Com esforço e também pelas perguntas feitas pelo Advogado sensivelmente aos 3m05s, percebe-se que a testemunha terá respondido que a autora M... tinha uma carga horária de 40 horas semanais em função dos horários estabelecidos pela ré. Mais adiante, sensivelmente entre 45m e 45m12s, consegue-se ouvir a testemunha referir que o horário era de 40 horas semanais de trabalho.
Deste modo, revelando esta testemunha conhecimento do horário semanal praticado pela autora M..., por ser seu superior hierárquico, afigura-se-nos razoável, sensato e de acordo com as regras da experiência comum, que o julgador do tribunal de 1ª instância, tenha considerado este depoimento testemunhal, não relevando o documento junto pela ré, entregue no IDCT, em circunstâncias que se desconhecem e para finalidade concretamente também desconhecida, no que respeita ao facto cujo aditamento a recorrente pretende.
Daí que o único facto que esse documento serviu para provar tenha sido que a R. comunicou à ACT-Delegação de Setúbal que os horários de trabalho dos AA. I..., M... e PP... eram de 35 horas/semanais, sendo que, de acordo com tal comunicação, as duas primeiras entravam às 09h00 e saíam às 18h00 (sendo a sua hora de almoço das 12h às 14h) descansando ao sábado e ao domingo e que, quanto ao A. PP..., a entrada era feita pelas 07h00 e a saída pelas 16h00 (sendo a sua hora de almoço entre as 12h e as 14h) e o descanso semanal aos sábados e domingos. (ponto 3 dos factos assentes).
Isso mesmo é referido no despacho que apreciou a reclamação à decisão sobre a matéria de facto:
“Por outro lado, a comunicação da ré à ACT apenas nos permite concluir, salvo o devido respeito por opinião contrária aquilo que dela directamente resulta, ou seja, que foi comunicado pela Ré àquela entidade em 7.7.2005 que os horários de trabalho dos AA. M..., PP... e I... eram de 7h diárias e 35 h semanais”.
Deste modo, consideramos que a convicção formada pelo tribunal encontra suporte na prova apresentada sujeita à livre apreciação do julgador.
Pelo exposto, entende-se que não há fundamento para alterar a decisão da matéria de facto, designadamente acrescentando o facto pretendido pela recorrente, uma vez que os elementos probatórios não evidenciam a existência de qualquer erro de julgamento.
Destarte, improcedem, nesta parte, as conclusões de recurso.
Ainda no âmbito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, insurge-se a recorrente contra a circunstância do tribunal de 1ª instância não ter dado como assente que os AA. H..., I... e P... prestaram um serviço efectivo de quarenta horas semanais, com a possibilidade até de menção exacta dos horários dos trabalhadores.
Fundamenta a sua discordância com a decisão proferida nos seguintes aspectos:
. cabia à recorrida a prova de que não foi prestado trabalho suplementar;
.a recorrente alegou que sempre prestou 40 horas de trabalho suplementar e esta matéria não foi impugnada;
. a prova produzida permitiria concluir pela efectiva e concreta prestação de 40 horas de trabalho semanal por parte da recorrente.
Apreciemos a questão suscitada e os diversos motivos de discordância apresentados.
De harmonia com o normativo inserto no nº1 do artigo 342º do Código Civil, àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
Na petição inicial a recorrente alegou ter realizado trabalho suplementar suplementar ao serviço da ré, peticionando o seu pagamento.
Por força do referido artigo 342º, nº1, competia pois à Apelante a alegação e prova dos factos constitutivos do reclamado direito.
A mesma veio afirmar, em sede de recurso, que ocorreu, porém, uma inversão do ónus da prova, ao abrigo do artigo 344º, nº2 do Código Civil, por a parte contrária, culposamente ter tornado impossível a prova ao onerado.
Não lhe assiste qualquer razão, nesta argumentação.
O trabalho suplementar corresponde ao trabalho prestado fora do horário de trabalho, abrangendo todas as situações de desvio ao período normal de actividade do trabalhador, como seja o trabalho para além do horário normal em dia útil e o trabalho em dias de descanso semanal e feriados (Código de Trabalho de 2003, que é o aplicável ao caso dos autos).
O seu pagamento pressupõe, em princípio, a prova dos factos, constitutivos do direito, competindo, assim, ao trabalhador a prova da sua prestação efectiva, bem como a sua determinação pela entidade empregadora, sendo certo que a jurisprudência tem vindo a entender, para que o trabalhador tenha direito à retribuição por trabalho suplementar é necessário que demonstre que esse trabalho existiu, bastando porém a prova de que foi efectuado com o conhecimento e sem oposição da entidade empregadora.
A recorrente, para fundamentar a invocada inversão do ónus da prova, argumenta que a recorrida não juntou aos autos os registos dos tempos de trabalho, requeridos, quando tinha o dever legal de possuir tais registos.
Com tal argumentação a questão que se coloca é a de saber se não tendo a entidade empregadora cumprido a norma sobre o registo obrigatório do trabalho suplementar prevista no artigo 204º do Código do Trabalho de 2003, pode beneficiar dessa prática ilegal, para depois não proceder ao seu pagamento.
O regime de registo do trabalho suplementar previsto no aludido artigo 204º, é um regime de controlo apertado e formal da prestação do trabalho suplementar de forma a permitir, por um lado, a fiscalização pelos organismos da Administração, Inspecção- Geral do Trabalho e, por outro, a garantir aos trabalhadores, mediante o acesso ao registo obrigatório e à informação dele constante, o exercício dos direitos emergentes da sua prestação.
O nº7 deste artigo prevê como sanção para o incumprimento das regras previstas pelos nºs 1 a 4, que o trabalhador, por cada dia em que tenha desempenhado a sua actividade fora do horário de trabalho, adquire o direito à retribuição correspondente ao valor de duas horas de trabalho suplementar.
Mais do que uma sanção, como refere Pedro Romano Martinez, o conteúdo desta norma aproxima-se mais da ideia de presunção ilidível: sempre que o trabalhador demonstre que trabalhou fora do horário e quais os dias em que o fez, presume-se que o terá feito durante duas horas (Código Trabalho anotado, 2003, págs. 339/340).
Para a questão em apreciação, importa porém ter presente que a inexistência do registo previsto pelo artigo 204º, jamais poderia ser desconhecida da trabalhadora porque ele pressupõe a sua assinatura, como decorre do n.º2 do mesmo art.º204, impondo-se assim que a autora tivesse actuado no sentido de promover junto da entidade empregadora a regularização dessa situação, pois era à autora que lhe incumbiria fazer a prova de ter prestado o trabalho suplementar, por força do n.º1 do art.º 342 do C. Civil.
Além disso, a inversão do ónus de prova exige que a prova de determinada factualidade, por acção ou omissão da parte contrária, se tenha tornado impossível de fazer e em que esse comportamento da parte contrária, lhe seja imputável a título culposo.
Ora, na situação sub judice, a autora não estava impossibilitada de fazer a prova do trabalho suplementar alegadamente prestado com o recurso a outros meios de prova, designadamente a testemunhal e documental.
Por isso mesmo, consideramos que a falta de registo do trabalho suplementar prestado pelo trabalhador não determina a inversão do ónus da prova quanto ao número de horas prestado, devendo o trabalhador cumprir a prova desse facto.
Aliás, a dificuldade de prova dos factos alegados pela autora/recorrente é idêntica à que se coloca em relação à prova da maioria dos factos alegados nas demais acções, não havendo, por isso, fundamento para qualquer inversão do ónus da prova, ao abrigo do estipulado no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil.
Neste sentido, vejam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça proferidos em 19.11.2008 (P08S1871), 20.05.2009 (P08S3536) e 11.7.2012 (P.1861/09.3TTLSB), disponíveis em www.dgsi.
O entendimento supra manifestado já foi igualmente defendido por este Tribunal no Acordão de 10.1.2012, P. 295/10.1TTABT.E1, disponível na referida base de dados.
Posto isto, importa concluir que não se verificou qualquer inversão do ónus da prova.
Cabe então apreciar da invocada prova da prestação efectiva de 40 horas de trabalho semanal pela recorrente por alegada confissão da recorrida.
Sustenta a recorrente que a recorrida admite expressamente, na sua contestação, que a recorrente prestou 40 horas de trabalho semanal durante a pendência do contrato, por isso, deverá tal facto ser dado como provado.
Ora, da leitura atenta do articulado de defesa apresentado, apenas se extrai que a ré considera que às relações laborais em discussão no processo se aplicava o regime geral da lei laboral que estipulava um horário de trabalho de 8 horas diárias e 40 semanais (artigo 10º da contestação). Trata-se de uma mera apreciação respeitante à legislação aplicável.
Quanto ao número de horas efectivamente prestado pela recorrente nada é admitido, encontrando-se a factualidade em causa impugnada, como decorre do artigo 2º-Impugnação.
Os artigos 13º a 20º e 31º da contestação, invocados pela recorrente, apenas contêm conclusões ou apreciações de direito, conforme foi muito bem observado pelo tribunal de 1ª instância, que não respondeu aos mesmos, pelo que do seu teor é absolutamente impossível extrair qualquer declaração confessória da verificação de um facto.
Não há pois qualquer fundamento para alterar a decisão sobre a matéria de facto proferida pela 1ª instância, por existência de declaração confessória não apreciada.
Por fim, no âmbito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, sustenta a recorrente que da prova testemunhal produzida em julgamento permite afirmar com segurança os horários prestados em cada dia, como sendo entre as 9 horas e as 18 horas, com intervalo de uma hora para almoço.
Na fundamentação da sua discordância com a decisão proferida pelo tribunal a quo, invoca a recorrente os depoimentos das testemunhas V…, C…, M…
Por sua vez, nas contra-alegações, contrapõe a recorrida com os depoimentos das testemunhas S…, D… e E...
Este tribunal procedeu à audição integral dos depoimentos das seis testemunhas.
A testemunha M… começou por afirmar que o período de trabalho era das 9h às 18h, com uma hora de almoço (sensivelmente entre 4m30s e 4m39), mas depois a esclarecimento solicitados pela parte contrária, afirmou que não sabia se a autora Helena tinha isenção de horário, bem como desconhecia se ela fazia 40 horas semanais (sensivelmente entre 14m34s e 15m05s).
A testemunha V…, nem sequer se pronunciou sobre o horário da recorrente. Falou essencialmente do seu horário e do horário da autora I....
A testemunha C…, referiu que, tendo sido admitida em 2000, ao serviço da ré, trabalhou directamente com a autora M... até 2001. No período de Abril de 2002 a Janeiro de 2003, a testemunha esteve ausente da empresa. Enquanto trabalhou com a recorrente, segundo afirmou, tinham um horário das 9 às 18, mas que havia vários horários na empresa, consoante o departamento, Também mencionou que tinham uma hora de almoço, que não identificou.
Já quanto às testemunhas indicadas pela ré, nas contra-alegações, todas foram unânimes em afirmar que o horário de trabalho da autora era das 9h às 18 horas, com intervalo para almoço entre as 12h e as 14 horas.
A testemunha S… referiu que os horários praticados na ré são os horários que constam do “Manual de Acolhimento”, que está junto como documento 1, junto com o P. 419/09.1TTSTB, conhecidos por todos, porque tal Manual está divulgado na intranet, encontrando-se os horários de trabalho também junto à picagem de ponto. A autora M... tinha um horário das 9h às 18 horas, com almoço entre as 12h e as 14 horas. A testemunha referiu que, por vezes, chegou a almoçar com a autora M... e que a encontrou em restaurantes. Também explicou que nas instalações da ré não servem refeições, embora tenha admitido que existe uma sala com mesas, mas que nunca viu ninguém almoçar nessa sala, porque não a frequenta à hora de almoço. Igualmente fez referência à circunstância das instalações da ré se situarem no Parque Industrial da Auto-Europa, em Palmela e que o restaurante mais próximo se situa a cerca de 20 minutos.
A testemunha D… confirmou, igualmente que o horário de trabalho da autora M... era das 9h às 18 horas, com um intervalo para almoço entre as 12 horas e as 14 horas, por ser esse o horário de almoço que se pratica na empresa, revelando ter conhecimento directo desta situação pela circunstância de estar na recepção e, por tal motivo, as pessoas terem de passar por si quando vão almoçar e quando regressam.
A testemunha E… que trabalhou com a autora M… afirmou que embora existissem vários horários na empresa, a pausa para almoço era sempre de duas horas. Igualmente referiu que a autora M chegava sempre entre as 9h e as 10 horas e que era habitual ela e o autor F... saírem ao mesmo tempo para almoçarem
Ora, perante três testemunhas apresentadas pela ré a afirmarem que o horário de trabalho da autora era das 9h às 18h, com duas horas de almoço e uma testemunha que só trabalhou com a autora cerca de um ano, a afirmar que o horário de trabalho da autora era das 9h às 18h, com uma hora de almoço, é normal que esta contradição de depoimentos tenha suscitado dúvidas ao julgador que presidiu ao julgamento sobre qual o efectivo horário de trabalho da autora.
A prova não foi suficientemente consistente (nomeadamente a invocada pela recorrente em sede de recurso), para que o tribunal criasse a convicção de que o horário de trabalho efectivamente prestado pela autora M... era de 40 horas semanais.
A convicção do tribunal encontra pois suporte na prova produzida, pelo que, inexiste fundamento para alterar a decisão da matéria de facto, nos termos pretendidos pela recorrente.
Nestes termos, julgam-se igualmente improcedentes, as alegações de recurso, nesta parte.
Por fim, ainda no âmbito da questão da reapreciação da prova, sustenta a recorrente que a circunstância de se ter dado como assente que era política da recorrida a prestação de 40 horas de trabalho semanal para todos os trabalhadores, incluindo os trabalhadores administrativos, era suficiente para se entender que a recorrente foi objecto dessa política, tendo-lhe assim sido exigida a prestação de trabalho suplementar.
Não tem a recorrente razão neste fundamento de recurso.
A circunstância de ser prática ou política da empresa que os seus trabalhadores prestassem 40 horas de trabalho semanal, não significa que a autora estivesse abrangida por esta política, que tem um carácter naturalmente genérico, sendo que recaía sobre a autora M..., o ónus de provar que estava abrangida por tal política. E a recorrente não logrou provar tal prova. É que, em abstracto, até podemos equacionar a hipótese de não obstante essa política empresarial, a recorrente, estar, por exemplo abrangida por uma isenção de horário de trabalho, como aconteceu com a autora I..., que a partir de certa altura passou a ter isenção de horário de trabalho e também exercia funções de carácter administrativo, (cfr. factos 2 e 17).
Concluindo, a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1ª instância encontra suporte na prova produzida e teve em consideração as regras do ónus da prova, pelo que, não há fundamento para alterar a mesma.
Improcedem assim as alegações e conclusões de recurso, relativas à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, apresentadas pela recorrente M....
2.Recurso interposto pelo autor F...
No âmbito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, insurge-se o recorrente contra a circunstância da resposta ao artigo 12º da sua petição inicial ter sido dada como não provada, quando o depoimento da testemunha Rui Padeiro seria suficiente para considerar o facto contido neste artigo como provado.
Apreciemos a questão.
O artigo 12º da petição inicial apresentada pelo recorrente, tem o seguinte teor:
“Em 2001, passa a exercer também as funções de coordenador de projectos”.
Na decisão proferida sobre a matéria de facto, o tribunal a quo, considerou o facto constante neste artigo como não provado.
Após audição integral do depoimento da testemunha R… registado em dois ficheiros, em momento algum, referiu esta testemunha que, entre as diversas funções que enunciou como sendo da responsabilidade do recorrente, se encontravam as funções de coordenador de projectos.
Logo, o depoimento desta testemunha jamais poderia ser considerado para dar como provado o facto constante do artigo 12º da petição inicial do recorrente.
Pelo exposto, inexiste fundamento para alterar a decisão da matéria de facto, nos termos pretendidos pelo recorrente, com referência ao referido artigo da petição incial.
Destarte, improcedem as conclusões de recurso nesta parte.
Sustenta ainda o recorrente que se verifica uma inversão do ónus da prova quanto ao trabalho suplementar prestado até Abril de 2004, nos termos do artigo 334º, nº2 do Código Civil.
Baseia este entendimento na circunstância da recorrida não ter registo de trabalho suplementar, nos termos legalmente exigidos, bem como na circunstância do recorrente ter recebido ordens para não efectuar o registo de entrada e saída, o que inviabilizou a possibilidade de apresentar prova documental idónea para se apurar exactamente o número de horas praticadas.
Cumpre apreciar e decidir.
Quanto à invocada inversão do ónus da prova por falta de registo do trabalho suplementar, uma vez que tal questão já foi supra apreciada, no âmbito do recurso interposto pela autora M..., remetemos para o aí referido, concluindo, como aí se concluiu que, com base em tal fundamento, não se verifica a inversão do ónus da prova.
Quanto à invocada impossibilidade de apresentação de documento idóneo imputado à requerida, como referimos supra, a inversão do ónus de prova exige que a prova de determinada factualidade, por acção ou omissão da parte contrária, se tenha tornado impossível de fazer e em que esse comportamento da parte contrária, lhe seja imputável a título culposo.
No caso concreto, resultou provado nos autos que, embora a ré tivesse nas suas instalações um relógio de ponto, o autor F… durante toda a vigência do contrato de trabalho (de 15/4/1998 a Março de 2009), nunca picou o cartão de ponto. Sendo Director, o autor tinha um horário flexível, motivo pelo qual foi requerida a isenção horário de trabalho, formalizada junto da entidade competente em 3 de Maio de 2004 (factos 40, 54, 56 a 58).
Perante esta factualidade, é pois manifesto que o autor, em termos práticos nunca teve uma hora de entrada e uma hora de saída. Sempre beneficiou, no fundo, de uma total isenção de horário, muito embora, a mesma apenas tenha sido formalizada em 3 de Maio de 2004.
Logo, não se pode considerar a recorrida responsável, a título culposo, por o autor não ter tido possibilidade de apresentar um suposto documento idóneo que comprovasse a realização do alegado trabalho suplementar até Abril de 2004.
Ocupando o autor um lugar de Director e tendo a sua relação laboral com a ré durado quase onze anos, seguramente que o mesmo teve muito tempo para obter um documento escrito, emanado da própria entidade empregadora que tivesse força probatória bastante para demonstrar os seus alegados créditos.
Não pode vir agora imputar a responsabilidade à entidade empregadora da falta de apresentação de tal documento. Não foi a empregadora que tornou impossível a prova ao onerado.
Pelo exposto, consideramos que não se verifica uma situação de inversão do ónus da prova, nos termos previstos pelo artigo 344º, nº2 do Código Civil, pelo que era ao autor que incumbia fazer a prova, através de documento idóneo, da prestação de trabalho suplementar, realizado há mais de cinco anos.
As regras do ónus da prova foram devidamente tidas em conta pelo tribunal de 1ª instância, pelo que não há que alterar a decisão da matéria de facto, com base no fundamento invocado.
Logo, improcedem as conclusões de recurso, nesta parte.
Concluindo, ambos os recursos de mostram improcedentes, quanto à deduzida impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
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V. Enquadramento Jurídico
Considerando que os dois recorrentes discordaram da aplicação do direito, feita pelo tribunal a quo, no essencial, pelos mesmos fundamentos, iremos apreciar conjuntamente os dois recursos.
Insurgem-se os recorrentes contra a decisão posta em crise, por na mesma não se ter considerado que, ambos prestaram trabalho suplementar.
Em função da redução do pedido declarada em ambos os recursos, reclamam os autores o pagamento de trabalho suplementar alegadamente realizado entre Fevereiro de 2002 e Fevereiro de 2009.
De harmonia com o preceituado no artigo 8º da Lei 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho de 2003, teremos de considerar como legislação aplicável ao caso concreto, quer o D.L. 421/83, de 2 de Dezembro (no período entre Fevereiro de 2002 e 30 de Novembro de 2003), quer o Código do Trabalho de 2003 (com entrada em vigor em 1 de Dezembro de 2003).
Preceitua o artigo 2º, nº1 do D.L. 421/83, que se considera trabalho suplementar todo aquele que é prestado fora do horário de trabalho.
Consagra o nº2 do normativo que não se compreende na noção de trabalho suplementar:
a) O trabalho prestado por trabalhadores isentos de horário de trabalho em dia normal de trabalho;
b) O trabalho prestado para compensar suspensões de actividade de duração não superior a 48 horas seguidas ou interpoladas por um dia de descanso ou feriado, quando haja acordo entre a entidade empregadora e os trabalhadores.
Estipula, por sua vez, o artigo 197º do Código do Trabalho de 2003:
“1-Considera-se trabalho suplementar todo aquele todo aquele que é prestado foram do horário de trabalho.
2- Nos casos em que tenha sido limitada a isenção de horário de trabalho a um determinado número de horas de trabalho, diário ou semanal, considera-se trabalho suplementar o que seja prestado fora desse período.
3- Quando tenha sido estipulado que a isenção de horário de trabalho não prejudica o período normal de trabalho diário ou semanal considera-se trabalho suplementar aquele que exceda a duração do período normal de trabalho diário ou semanal.
4- Não se compreende na noção de trabalho suplementar :
a) O trabalho prestado por trabalhador isento de horário de trabalho em dia normal de trabalho, sem prejuízo do previsto no número anterior;
b) O trabalho prestado para compensar suspensões de actividade, independentemente da causa, de duração não superior a quarenta e oito horas seguidas ou interpoladas por um dia de descanso ou feriado, quando haja acordo entre o empregador e o trabalhador;
c) A tolerância de quinze minutos prevista no nº2 do artigo 163º;
d) A formação profissional, ainda que realizada fora do horário de trabalho, desde que não exceda duas horas diárias.”
Em ambos os normativos, a noção de trabalho suplementar é coincidente. É trabalho suplementar aquele que é prestado fora do horário de trabalho.
E, de harmonia com o preceituado no artigo 342º, nº1 do Código Civil, competia aos autores alegar e provar que trabalharam para a ré para além dos respectivos horários de trabalho.
Mais lhes incumbia alegar e provar que a realização de trabalho para além do horário ocorreu por ordem ou instruções da R, ou pelo menos que o trabalho suplementar foi executado, com conhecimento, por interesse, conveniência e sem oposição da R (artigo 258.º n° 5 do Código do Trabalho).
A sentença recorrida fundamentou a absolvição da ré em relação aos peticionados créditos fundamentados na prestação de trabalho suplementar, nos seguintes termos:
“A causa de pedir de um crédito relativo a trabalho suplementar deve ser constituída pelos seguintes elementos de facto: a) alegação do horário de trabalho do trabalhador (com a indicação das horas de início e do termo do período normal de trabalho diário, bem como dos respectivos intervalos); b) indicação das horas de trabalho prestado fora dos horários de trabalho estabelecidos; c) e que esse trabalho tenha sido prévia e expressamente ordenado pelo empregador ou, pelo menos, por ele consentido.
Aos AA. competia alegar e provar os factos que integravam a respectiva causa de pedir, nos termos do art. 342.º, n.º 2, do Código Civil.
(…)
Sucede que os AA. M..., P... e I... não provaram, em concreto, quantas horas de trabalho diário prestaram.

Não lograram os AA. M..., P... e I... provar que, durante a sua relação laboral com a R., prestaram uma hora de trabalho diário suplementar (arts. 26.º, 41.º e 63.º da petição inicial), tendo sido considerado provado apenas que prestaram o trabalho suplementar que foi processado nos recibos de vencimento referidos na resposta ao art. 15.º da petição inicial.

Por outro lado, também não conseguiram demonstrar que a R. não procedia ao registo do trabalho excedentário (v. resposta ao art. 11.º da petição inicial), pelo que fica afastada a aplicabilidade do disposto na cláusula 37.ª, n.º 5, do CCT (atribuição do direito à retribuição correspondente ao valor de duas horas de trabalho suplementar por cada dia em que tenha desempenhado a sua actividade fora do respectivo horário de trabalho).

Ou seja, não é possível concluir, atenta a factualidade provada, se os AA. M..., P... e I... prestaram trabalho suplementar (para além daquele que foi remunerado, cfr. resposta ao art. 15.º da petição inicial), quer se tenha em consideração o horário de trabalho de 40 horas, prática da empresa, quer o horário de trabalho comunicado à ACT, pois que se desconhece, em concreto e em relação a cada dia de trabalho, a que horas os AA. M..., P... e I... iniciaram, interromperam para refeição, retomaram e concluíram a sua jornada de trabalho.

Deste modo, a sua pretensão, no que respeita à retribuição por trabalho suplementar prestado não pode proceder.
(…)
Relativamente ao A. F..., provou-se que iniciou relação laboral com a R. em Abril de 1998 e que, a partir de 2004, passou a auferir isenção de horário, que foi comunicada à entidade competente em 3 de Maio de 2004.

Mais se provou que o A. F... prestou sempre serviço mediante uma carga horária nunca inferior a 10 horas por dia e que o seu horário normal de entrada era às 09:30h e saída nunca antes das 20:30h, o que fazia com o conhecimento da R., sem que, no entanto, essas horas fossem objecto de registo. Provou-se, ainda, que existindo nas instalações da R. um relógio de ponto, o A. F... nunca efectuou o registo do seu tempo de trabalho mediante o recurso ao relógio de ponto, e que aquele tinha um horário de trabalho flexível.

Em face dos factos provados, entende-se não ser possível concluir relativamente a cada dia de trabalho, a que horas o A. F... iniciou, interrompeu para refeição, retomou e concluiu a sua jornada de trabalho. Não basta a prova genérica de que, em regra, prestava cerca de dez horas de trabalho, tanto mais que se provou ter horário de trabalho flexível, o que motivou a atribuição de isenção de horário de trabalho a partir de 2004.

Assim, não pode proceder a pretensão do A. F... quanto à retribuição do trabalho suplementar prestado, por falta de prova”.

Em face de tal fundamentação, consideramos que o tribunal de 1ª instância fez uma correcta interpretação dos factos e das normas legais atinentes, no que respeita à recorrente M....

Efectivamente, em relação a esta autora deveria a mesma ter demonstrado qual era o seu concreto horário de entrada e saída do serviço, bem como a sua hora de almoço, assim como que tal horário era expressamente ordenado pela ré ou, pelo menos, era por ela consentido.

Só com a prova de tal factualidade, seria possível concluir se a autora tinha prestado trabalho suplementar.

Certo é que a autora não logrou fazer tal prova.

Bem andou pois o tribunal de 1ª instância ao absolver a ré do pedido de pagamento de alegado trabalho suplementar formulado pela autora M....

Em relação ao recorrente F..., ficou provado que o mesmo tinha um horário flexível, o que motivou a isenção de horário de trabalho a partir de 2004.

Concentremo-nos, primeiro, no período posterior à atribuição formal da isenção de horário de trabalho.

O artigo 178º, nº1 do Código do Trabalho de 2003 (aplicável à data dos factos), prevê as modalidades possíveis de isenção de horário de trabalho.

São elas:

a) Não sujeição aos limites máximos dos períodos normais de trabalho;

b) Possibilidade de alargamento da prestação a um determinado número de horas, por dia ou por semana;

c) Observância dos períodos normais de trabalho acordados.

Na falta de estipulação das partes o regime de isenção de horário, considera-se existir a modalidade prevista na alínea a).

No caso concreto, não resultando dos factos assentes, qualquer especifica estipulação quanto à isenção atribuída ao autor, teremos de considerar que o mesmo tinha uma isenção total, isto é, deixou de estar sujeito aos limites do período normal de trabalho diário e semanal.

Tem sido controversa a questão de saber se um trabalhador com isenção de horário de trabalho total tem ou não direito ao pagamento de trabalho suplementar.

Já o Supremo Tribunal Admnistrativo, quando tinha competência laboral, entendia que os trabalhadores isentos de horário de trabalho não tinham direito ao pagamento de trabalho suplementar. Neste sentido, vejam-se os Acordãos de 17/10/61, Est.Soc. e Corp., nº1, pag. 97 e de 12/3/68, Acordãos Doutrinais nº 77/712.

O Supremo Tribunal de Justiça, ao longo de anos, não foi unânime no tratamento dado à questão.

No sentido de considerar que as horas prestadas para além do período normal semanal pelo trabalhador isento de horário de trabalho, quando excedam o limite legal de prestação de trabalho suplementar deveriam ser pagas com os acréscimos legais que a estas corresponde, podemos indicar os Acordãos de 12/3/2003, P. 2238/12-4ª e de 24/2/2010, P. 401/08.6VFX.L1.S1-4ª, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

Já no sentido de entender que os trabalhadores isentos de horário de trabalho não tinham direito ao pagamento de horário suplementar, pronunciaram-se os Acordãos de 13/31991, BMJ 405/335, de 30/5/1995, BMJ 447/324 e de 16/12/2010, P.1806/07.5TTPRT.P1.S1-4ª, disponível em www.dgsi.pt.

Recentemente foi proferido o Acordão Uniformizador de Jurisprudência, de 23/5/2012, no âmbito do qual se uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos:

“Ao trabalhador isento de horário de trabalho, na modalidade de isenção total, não é devido o pagamento de trabalho suplementar em dia normal de trabalho, conforme resulta dos artigos 17º, nº 1, alínea a), do DL nº 409/71, de 27 de Setembro, e 197º, nº 4, alínea a), do Código do Trabalho de 2003, mesmo que ultrapasse os limites legais diários ou anuais estabelecidos nos artigos 5º, nº 1, alíneas a) e b), do DL nº 421/83 de 2 de Dezembro, e 200º, nº 1, alíneas a) a c), do Código do Trabalho/2003, após a entrada em vigor deste diploma”, (disponível na base de dados do STJ, P.407/08.5TTMTS.P1.S1)”.

Na sequência deste entendimento jurisprudencial, que sempre se nos afigurou ser o mais correcto, em face da letra e do espírito da lei, resta concluir que, tendo sido atribuído ao recorrente F... isenção total de horário de trabalho, a partir de 3 de Maio de 2004, o mesmo não teria direito ao pagamento de trabalho suplementar em dia normal de trabalho, a partir de tal data.

No período anterior à atribuição da isenção de horário de trabalho, o mesmo tinha um horário flexível, o que significa que não estava sujeito a horas de início e termo do período normal de trabalho.

Todavia, continuava a estar sujeito a um período normal de trabalho.

Em relação a este autor resultou provado nos autos que o mesmo, durante todo o tempo que esteve ao serviço, executava normalmente um horário de trabalho com entrada às 9h30m e saída nunca antes das 20h30.

É certo que não se provou qual o período de pausa para almoço, mas provou-se que esta autor sempre prestou serviço mediante uma carga horária nunca inferior a dez horas por dia (facto 41).

Tal significa que o autor F..., durante a semana prestava, pelo menos 50 horas de trabalho.

Na sentença recorrida considerou-se que, às relações laborais em discussão nos autos, se aplica o CCT celebrado entre a APAT e o SIMAMEVIP, considerando que a ré é associada da APAT e que, por força dos regulamentos de extensão, aprovados pelas Portarias nºs 718/2006, de 17 de Julho, 964/2007, de 21 de Agosto, 624/2008, de 21 de Julho e 1210/2009 de 8 de Outubro, se estendeu a aplicabilidade do CCT, entre outros, às relações de trabalho entre empregadores filiados na associação de empregadores outorgantes e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias previstas nas convenções, não representados pelas associações sindicais outorgantes.

É certo que a extensão do CCT se verificou por força das referidas Portarias. Todavia, tal extensão apenas se concretizou a partir de 22 de Julho de 2006 (artigo 2º, nº1da Portaria nº 718/2006, de 17 de Julho), aplicando-se retroactivamente a 1 de Janeiro de 2006, quanto às tabelas salariais e cláusulas de conteúdo pecuniário (nº2 do referido artigo).

Assim, no período de Fevereiro de 2002 (data em que a ré se tornou membro da APAT) e Abril de 2004, o CCT identificado não era aplicável às relações laborais em discussão nos autos, uma vez que os autores não demonstraram estar filiados no sindicato que subscreveu o CCT.

Assim, quanto ao período normal de trabalho do autor F..., há que considerar o período normal de trabalho previsto nos artigos 1º Lei nº21/96, de 23 de Julho e 163º do Código do Trabalho de 2003. Ou seja, o autor F... tinha um período de trabalho semanal de 40 horas.

E, tendo o recorrente, no período entre Fevereiro de 2002 e Abril de 2004, prestado trabalho, mediante uma carga horária nunca inferior a 10 horas por dia, ou seja, pelo menos 50 horas por semana, é manifesto que, o mesmo prestou trabalho para além do seu período de trabalho semanal.

Conforme resultou provado, a ré tinha conhecimento das horas de serviço prestadas pelo autor (facto 45). Torna-se assim evidente que a ré consentia em tal carga horária. Aliás, até atribuía ao autor um subsídio de isenção de horário de trabalho, mesmo antes da formalização da isenção de horário de trabalho (factos 45 e 46).

Pelo exposto, é manifesto que o autor F... logrou provar que, no período entre Fevereiro de 2002 e Abril de 2004, prestou trabalho suplementar, nos termos previstos pelo artigo 2º, nº1 do D.L. 421/83, artigo 197º do Código do Trabalho de 2003.

Contudo, em face dos factos assentes, não é possível quantificar o trabalho que foi prestado a tal título. Logo, terá de se relegar essa liquidação para incidente próprio, ao abrigo do disposto no artigo 661º, nº2 do Código de Processo Civil, (nesse incidente deve ter-se em consideração o regime especial de prova previsto no nº2 do artigo 381º do Código do Trabalho de 2003).
O incidente de liquidação está limitado pelo valor do pedido formulado pelo autor, depois da redução.
No incidente de liquidação que vier a ter lugar, deve ter-se ainda em conta que o autor recebeu no período mencionado, subsídio de isenção de horário de trabalho.

Isto é, ao valor referente ao trabalho suplementar que vier a ser liquidado, terá que se deduzido o montante que a ré pagou a título de isenção de horário de trabalho, tendo o valor deste subsídio de ser relegado também para o incidente de liquidação, uma vez que se desconhece o montante que o autor recebeu a tal título no período em causa (neste sentido, veja-se o Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/3/2002, P.02S2767, disponível em www.dgsi.pt).

Sobre as quantias em dívida acrescem juros moratórios, à taxa legal em vigor, devidos desde a sua liquidação judicial e até integral pagamento (artigos 559º, 804º, 805º e 806º, todos do Código Civil).
Em suma, as conclusões de recurso apresentadas pelo recorrente F... mostram-se procedentes, pelo que no que respeita a este autor, a sentença recorrida terá de ser revogada.
Nesta sequência só nos resta concluir pela improcedência das conclusões de recurso apresentadas pela autora M... e pela procedência das conclusões de recurso, apresentadas pelo autor F..., com a consequente revogação parcial da sentença recorrida.
Custas em ambas as instâncias, a suportar pelas partes, na proporção do respectivo decaimento.

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VI. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto pela autora M... e conceder provimento ao recurso interposto pelo autor F... e, consequentemente revoga-se parcialmente a sentença recorrida, condenando-se a ré a pagar ao autor F...:
a) a quantia relativa ao trabalho suplementar prestado, no período entre Fevereiro de 2002 e Abril de 2004, deduzida do montante que o autor tenha recebido, no mesmo período, a título de isenção de horário de trabalho, devendo a liquidação de tais valores ser feita em incidente de liquidação de sentença e respeitar o limite do pedido formulado, depois da redução;
b) juros moratórios sobre a quantia em dívida, à taxa legal, desde a liquidação judicial de tal quantia até integral pagamento.
No mais, mantém-se a sentença recorrida.
Custas em ambas as instâncias, a suportar pelas partes, na proporção do respectivo decaimento.
Notifique.
Évora, 20 de Dezembro de 2012
(Paula Maria Videira do Paço)
(Acácio André Proença)
(José António Santos Feteira)