Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
81/13.7TALLE.E1
Relator: ANTÓNIO JOÃO LATAS
Descritores: CONCURSO DE INFRACÇÕES
CRIME CONTINUADO
ENUMERAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS E NÃO PROVADOS
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 09/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I - A construção da figura do crime continuado, a sua autonomização no campo mais vasto da pluralidade de infrações, tal como veio a ser acolhida no C.Penal de 1982, assenta essencialmente no menor grau de culpa do agente fundamentado no momento exógeno das condutas, na disposição exterior para o facto (e não na tendência, interna, do agente para o crime), que assim constitui a chave para decidir da subtração da figura ao regime do concurso efetivo de infrações.

II - Sobre a questão de saber se é efetivo ou aparente o concurso entre os crimes de falsificação de documento e burla, na situação em que a falsificação é praticada com intenção de realizar a burla, como se verifica no caso presente, tem a jurisprudência uniformizadora decidido invariavelmente no sentido do concurso efetivo real (vd AFJ do STJ de 19.02.1992 e Assento do STJ 8/2000), não obstante a doutrina maioritária em sentido contrário, entendimento aquele que foi reafirmado no AFJ nº 10/2013.

III - O tribunal de julgamento deve enumerar e decidir os factos relevantes para a decisão das diversas questões elencadas no art. 368.º do CPP e apenas estes, não sendo obrigatória a discriminação das alegações de facto feitas na contestação ou na acusação, bem como no pedido civil e respetiva contestação, que respeitem a factos inócuospara a decisão, a factos meramente negatórios,ou seja, os que representem apenas alegação factual contrária à da acusação, para além das alegações meramente conclusivas e/ou que constituam matéria de direito.

IV - Só os factos que na sentença sob recurso constam entre os que foram singular e expressamente julgados provados ou não provados, podem ser impugnados, justificando a pretensão do impugnante no sentido de o tribunal de recurso proferir decisão de sentido diverso da recorrida (cfr nº3 b) do art. 412.º do CPP).

Sumariado pelo relator
Decisão Texto Integral:
Em conferência, acordam os Juízes na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório
1. – Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal coletivo que correram termos no Juízo Central Criminal de Faro (Juiz 4) do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, foi sujeito a julgamento LF, nascido em 19/10/1961, natural de Loulé, divorciado, quem o MP imputara a prática de dois crimes de burla qualificada, p. e p. pelos art. 217º n.º 1 e 218º n.º 1 e 2 al. a) e c) do CP, e um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo art. 256º n.º 1 al. a) do CP.

2. R. constituiu-se assistente e, em seu nome e como sucessora de MC, deduziu pedido de indemnização contra o arguido e o Banco …SA, pretendendo obter o pagamento das quantias de que o arguido se teria apropriado, que contabilizou em 969.713,02 euros, acrescido de 379.859,37 euros de juros vencidos e de juros vincendos.

2. – Após audiência de discussão e julgamento, o tribunal coletivo decidiu:

- Absolver o arguido LF da acusação da prática de dois crimes de burla mas apenas quanto à circunstância qualificativa prevista na al. c) do n.º2 do art. 218º do CP;

- Condenar o arguido LF pela prática de:

i. um crime de burla qualificada, p. e p. pelos art. 217º n.º 1 e 218º n.º2 al. a) do CP, na pena de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão;
ii. um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º n.º 1 e 218º n.º2 al. a) do CP, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;
iii. um crime de falsificação, p. e p. pelo art. 256º n.º1 al. a) do CP, na pena de 9 (nove) meses de prisão;

- condenar, em cúmulo jurídico das penas singulares ora aplicadas, o arguido LF na pena conjunta de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- condenar os demandados LF e Banco----, SA a pagarem solidariamente à demandante R. a quantia de 834.805,93 euros (oitocentos e trinta e quatro mil oitocentos e cinco euros e noventa e três cents), a que acrescem juros de mora (à taxa legal), até pagamento, sendo:

i. devidos pelo Banco demandado desde os últimos 5 anos anteriores à data da instauração do procedimento criminal (cinco anos que antecedem 28.12.2012), sendo os juros contados sobre o valor em dívida na data do início da sua contagem, e sobre os valores posteriormente desviados pelo arguido a contar da data de cada uma dessas «apropriações» (posteriores a 28.12.2007) – sendo que a partir de 06.03.2008 os juros incidem sobre o valor em dívida depois de descontado o valor que foi devolvido naquela data;

ii. devidos pelo arguido desde a data de cada um dos actos apropriativos, sobre o valor da apropriação, descontados os valores devolvidos a partir das datas das devoluções, nos moldes referidos para o Banco popular Portugal, SA, devidamente adaptados.

- Absolver os demandados do demais peticionado;

3. – Deste acórdão recorreram o arguido e o demandado Banco Popular Portugal, SA

3.1. – O arguido extrai da sua motivação as seguintes conclusões:

«Em conclusão

XIV
1 – O recorrente considera que acórdão recorrido fez errada apreciação da prova,
Porém,

2 – Só através da reapreciação da prova poderá o recorrente ver reexaminados e reavaliados tais factos;

3 - Da análise do acórdão recorrido resulta não existir qualquer fundamentação da convicção do julgador relativamente aos factos dados como provados.

4 - A fundamentação deve ser de modo a permitir aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via do recurso, conforme impõe o artº 410º, nº 2 do CPP;

5 - E extraprocessualmente, a fundamentação deve assegurar, pelo conteúdo, um respeito efectivo pelo princípio da legalidade na sentença e a própria independência e imparcialidade dos juízes, uma vez que os destinatários da decisão não são apenas os sujeitos processuais mas a própria sociedade.

6- O princípio do dever de fundamentação dos actos decisórios, é um princípio geral extensivo a todos os ramos de direito, previsto no artº 208º, nº 1, da Constituição;

7 - Todos os actos decisórios em direito processual penal, de acordo com o disposto no artº 97º, nº 4 do CPP, devem respeitar o princípio da fundamentação;

8 – No acórdão recorrido verifica-se falta de fundamentação quanto aos factos constantes nos pontos 11, de fls 5, 16 de fls 6 28 e 29 de fls 12.

9 - No processo penal, têm de ser fixados factos, efectivamente provados, e não meras suposições.

10– Não existe qualquer tipo de fundamentação nestes factos a não ser uma eventual e mera suposição sem qualquer suporte legal e/ou factual.


12 - Significa isto que todos os actos decisórios em direito processual penal, de acordo com o disposto no artº supra referido, devem respeitar o princípio da fundamentação e, quando tal não se verifique, constitui a nulidade relativa especial prevista no artº 379º, al. a), com o regime fixado nos artºs. 121º e 122, todos do CPP.

13 - Nulidade esta que se verifica no presente acórdão e a qual deverá ser declarada

14 - Ora, Desde logo verifica-se que entre os factos provados e não provados existem contradições.

15 - A assistente durante o seu primeiro depoimento, prestado em 09.11.2017, pelas 14h:19m:14s e que durou até 15h:28m:31s refere expressamente e por mais do que uma vez que sabia que eram efectuadas aplicações financeiras.

Ora,

16 - Quanto aos factos não provados nas alíneas f) e g) verifica-se que existe, primeiro, contradição com alguns dos factos provados e depois porque resulta da prova gravada que os factos deveriam ter sido dados como provados.

Isto é,

17 - Nos factos a fls 4 nos pontos 3) e 6) é referido as aplicações financeiras quando as demandadas foram informadas das mesmas.

Acresce que,

18 - Ao longo dos facto dados como provados, o acórdão recorrido nunca refere que a assistente e sua irmã tinham conhecimento das aplicações financeiras e para que o recorrente se deslocava a casa das mesmas, podendo ouvir-se claramente das declarações prestadas pela assistente que o ora recorrente “ia a casa delas para que assinassem os documentos para fazerem novas aplicações financeiras” (primeiro depoimento, prestado em 09.11.2017, pelas 14h:19m:14s e que durou até 15h:28m:31s)

Aliás,

18 - É clara a “ aversão” do acórdão recorrido em dar como provado que a assistente e a sua irmã tinham conhecimento de tais produtos (aplicações financeiras quando o faz logo nos primeiros) se atentarmos no ponto 11, 16, 21 dos factos dados como provados devidamente explanados a fls 57 e 58 das presentes alegações.

19 – Estamos pois, perante ausência de factos e fundamentação.

20 – Relativamente aos pontos 28 e 29 a fls 12 do acórdão recorrido verifica-se, no entender do recorrente que poderá configurar uma situação de erro na apreciação da prova.

21 - Como resulta, tanto das declarações da assistente como do seu filho, expressamente referem que não sabem como tais documentos estavam na sua posse (fls 101 a 104).

22 - A assistente vai mais longe ao dizer que não foi o ora recorrente que lhe entregou tais documentos, bem como o seu filho, o qual diz desconhecer quem o fez. (Vide gravações de 09.11.2017 às 14:19:53 e de 22.11.2017 às 11:44:22 da assistente e LD de 21.11.2017 às 15:45:30)

Ora,

23 - O que se verifica confrontando a decisão recorrida é que esse erro com o âmbito assim definido, verifica-se na decisão recorrida.

24 - O que existe, é uma discordância do recorrente em relação ao modo como a prova produzida foi apreciada o que é coisa diversa e não pode ser confundida com a existência de tal erro notório que, reafirma-se, resulta do próprio texto da decisão recorrida e da prova produzida.

25 - O crime continuado, dá-se quando existe a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente prote­jam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua conside­ravelmente a culpa do agente.

Ora,

26 - No caso dos presentes autos, o Tribunal a quo, não considerou que o bem jurídico em causa é um e apenas um só.

Isto é,

27 - Apesar de serem duas titulares, a conta bancária é só uma!

28 - Pelo que, pode verificar-se a continua­ção criminosa mesmo que sejam diver­sos os ofendidos, o que se verifica nos presentes autos uma vez que o crime visou o mesmo bem jurídico.

29 - O recorrente, considera que se verificam os pressupostos legais para que seja condenado apenas no crime de burla na forma continuada nos termos do disposto no artº 30º do CP.

30 - Termos em que salvo melhor opinião deveria o acórdão recorrido ter condenado o arguido noutra pena, devendo o mesmo ser revogado quanto a esta matéria e o ora recorrente ser condenado apenas por um crime de burla qualificada na forma qualificada.

Por mera cautela,
Do crime de Falsificação

31 - No caso subjúdice, e apenas por mera cautela, uma vez que entende o recorrente não existir prova da prática deste crime, há um concurso aparente de normas sob a forma da consunção entre o crime de falsificação de documentos e o crime de burla.

32 - Terá que se entender “ se a falsificação de documentos é realizada como meio para atingir o crime de burla o agente apenas deverá ser punido pela prática de um crime de burla”.

33 - Atendendo à vária doutrina, e aos factos supostamente dados como provados (com ausência de fundamentação no entender do recorrente) é claro e evidente que o recorrente, a ter eventualmente praticado este crime, apenas e só o terá praticado como meio necessário para praticar o crime de burla.

34 - Trata-se, pois, de um caso de consunção impura na medida em que o crime punido com a pena mais grave é consumido pelo menos grave.

35 - Aliás, esta solução é a única que se imporá caso se continue a dar como provado sem qualquer fundamento que o recorrente praticou este crime, pelo respeito ao princípio ne bis in idem, consagrado constitucionalmente no artº 29º, nº 5 da CRP.

36 - Impor-se-á a alteração da sentença recorrida, devendo o recorrente:

a) Ser absolvido do crime de falsificação ou

Por mera cautela,

b) Ser condenado apenas e só como autor material de um crime de burla qualificada.

37 - Termos em que, também nesta parte deve o acórdão recorrido ser revogado!

38- A medida concreta da pena decorre da prevenção cujos os critérios determinativos são a tutela dos bens jurídicos e a reinserção do agente na comunidade;

39- A prevenção, no modelo regulativo considerado, é uma prevenção geral positiva ou de integração decorrente do princípio político-criminal da necessidade da pena inscrito no artº 18º, nº 2 da Constituição;

40 - Na determinação do substracto da medida da pena, ao julgador cabe eleger a totalidade das circunstâncias do complexo integral do facto que releva para a culpa e a prevenção;

41 - Essa eleição de circunstância, na perspectiva e quadro enunciados, tem o seu fundamento no artº 72º, nº 2 do CP;

42 - À luz do artº 72º, nº 1, do CP a culpa e a prevenção são as categorias que determinam, dentro da moldura penal aplicável, a medida da pena;

43 - À aferição da culpa é necessariamente reportada ao momento da prática do crime pelo agente;

44 - Ora, conforme resulta do acórdão recorrido e por nós sublinhado, o arguido confessou os factos.

Ora,

45 - Face ao que ficou dado como provado a pena a aplicar ao ora recorrente teria de ser inferior.

46 - Ocorre insuficiência para a decisão da matéria de facto provada uma vez que dos factos vertidos no acórdão recorrido, faltam elementos necessários para que fosse formulado um juízo de condenação diferente dos termos em que o foi feito.

47 - Existe, uma discordância do recorrente em relação ao modo como a prova produzida foi apreciada o que é coisa diversa e não pode ser confundida com a existência de tal erro notório que, reafirma-se, resulta do próprio texto da decisão recorrida e da prova produzida.

48 - No que concerne às exigências de prevenção de futuros crimes, estas são prementes, tendo em conta o número de crimes deste tipo que diariamente são cometidos em Portugal.

49 - A ausência de antecedentes criminais do arguido dão nota das exigências de prevenção especial.

50 - Assim, no caso do recorrente, a ausência de antecedentes criminais não reflete elevadas exigências de prevenção.

51 - Temos por certo - o que conduz à desnecessidade de maior fundamentação - que a suspensão da execução de uma pena não superior a 5 anos se impõe ao Tribunal sempre que se verifiquem os demais requisitos exigidos pelo inciso legal que se acaba de reproduzir.

52 - A pena de prisão em medida não superior a 5 anos (e a ela nos estaremos a referir sempre que, de ora em diante, se fale apenas em pena de prisão) não pode deixar de ser suspensa na sua execução sempre que o Tribunal conclua que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

53 - Ora, as penas visam a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (artigo 40°, n° 1 do Código Penal).

54 - Importa ponderar a possibilidade de se dever suspender a execução da pena de prisão a aplicar aos arguidos e neste caso concreto ao ora recorrente, pois, conforme decorre do relatório social, o qual o acórdão recorrido teve em atenção apenas em parte, o recorrente encontra-se socialmente inserido, com situação económica e pessoal regular e a sua conduta anterior e posterior aos factos não tem quaisquer condenações.

55 - É filho único e a sua mãe é octogenária, doente e necessita de cuidados diários.

56 - Tendo em conta a mera natureza dos crimes em causa (abstractamente considerados – burla qualificada), entende-se que as exigências de prevenção geral não se opõem a uma suspensão da execução da pena.

57 - No caso do recorrente LF importa ter presente a circunstância de o mesmo não ter antecedentes criminais.

58 - Entende-se que estas circunstâncias são suficientes para que o Tribunal conclua que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

59 - Assim, deverá a pena de prisão a aplicar a este arguido ser suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeitando-se o arguido a regime de prova (aliás, no caso, obrigatório - artigo 53°, n.° 3 do Código Penal).


60 - Fazer o ora recorrente cumprir a pena em que foi condenado em vez de proceder à suspensão da sua execução, irá fazer com que o mesmo tome contacto com delinquentes, altere os seus comportamentos actuais, incluindo perder o seu posto de trabalho.

61 - Crê-se que a presente ameaça foi suficiente para o recorrente ter consciência de que, em caso de revogação do acórdão recorrido, se mantenha no bom caminho evitando a prática de novos ilícitos criminais.

62 - Entende o recorrente terem sido violadas as normas constantes dos artºs 410º, nº 1 e 2, al a) b) e c), artº 97º, nº 4, artº 379º, al. a), nº 2, a todos do CPP, artº 29º nº 5, 32º, nº 1, artº 18º, nº 2, artº 208º, nº 1 todos da Constituição da República e artº 30º, 40º, nº 1, 50º , nº 1e 72º, nº 1 todos do CP

Termos em que deve ser revogado o acórdão recorrido.»

3.2. – Por sua vez, o banco demandado extrai da sua motivação de recurso as seguintes conclusões:

«CONCLUSÕES

1. O Recorrente não se conforma com o Acórdão que determinou a condenação ao pagamento da quantia de € 834.805,93, até pagamento, sendo devidos pelo Banco demandado desde os últimos 5 anos anteriores à data de instauração do procedimento criminal (cinco anos que antecedem 28.12.2012), sendo os juros contados sobre o valor em dívida na data do início da sua contagem, e sobre os valores posteriormente desviados pelo arguido a contar da data de cada uma dessas «apropriações» (posteriores a 28.12.2007) – sendo que a partir de 06.03.2008 os juros incidem sobre o valor em dívida depois de descontado o valor que foi devolvido naquela data;

2. O presente recurso ordinário abrange toda a decisão proferida e visa a declaração de nulidade do acórdão, a impugnação da matéria de facto, e ainda a revogação da decisão condenatória do Banco Recorrente, bem como do arguido.

3. Quanto à nulidade do acórdão, entende o Banco Recorrente que o tribunal a quo incumpriu o dever de fundamentação a que está vinculado nos termos do artigo 374.º CPP.

4. O dever de fundamentação exige a enunciação como provados ou não provados de todos os factos relevantes quer para a imputação penal, quer para a responsabilização civil.

5. O Acórdão ignora factos relevantes para a respectiva imputação civil e escusa-se ao exame crítico das provas documentais e testemunhais carreadas para os autos pelo Banco Recorrente.

6. O tribunal a quo ignora os documentos 4 e 5 juntos pelo Banco Recorrente com a contestação do pedido de indemnização cível.

7. De tais documentos resulta claro que as demandantes diferenciavam o arguido do Banco Recorrente, e as quantias que entregavam ao arguido a título pessoal, das quantias que haveriam de se destinar ao depósito no Banco Recorrente.

8. Com tais documentos não se pretendia apenas e só a demonstração de as demandantes eram meticulosas na gestão das suas economias, mas antes a existência de acordos/negócios entre as demandantes e o arguido.

9. Tanto assim é que, mormente do documento 5, resulta que as demandantes entregaram ao arguido, no período em causa nos autos e após o período em causa nos autos, mormente após Abril de 2008, quantias que não peticionam no pedido de indemnização civil, bem como quantias provenientes de outros circuitos bancários, designadamente, cheques da Caixa Geral de Depósitos.

10. O facto de tais valores não serem peticionados demonstra a existência de uma relação pessoal, acordos/negócios entre o arguido e as demandantes à margem do Banco Recorrente e à margem de uma relação comissário/cliente.

11. Ora, se tais quantias não são peticionadas, ter-se-á de entender que as demandantes aceitam a doação/empréstimo/acordos/negócios de quantias ao arguido.

12. Donde terá de concluir que o Banco Recorrente não poderá ser condenado por via da alegada responsabilidade objectiva pelo risco da relação comitente/comissário, porquanto a relação estabelecida entre o arguido e as demandantes não se cingia à relação comissário/cliente, nem ocorria por conta daquela nem em virtude das funções desempenhadas pelo arguido junto do Banco Recorrente.

13. De salientar que da prova produzida resulta que a demandante negou a autoria de tais documentos, negando inclusive reconhecer tais documentos, e negando a sua entrega em mão própria ao Banco Recorrente (Declarações de R. 20161122114346_3778299_2870821 – minuto 00:37 a minuto 2:16, e minuto 2:32 a minuto 3:00).

14. Sucede porém que resultou claro da prova produzida a autoria e entrega de tais documentos pela demandante ao Banco Recorrente (Declarações de JC 20161202094529_3778299_2870821, minuto 2:26 a minuto 4:50).

15. A demandante negou a autoria e a entrega de tais documentos ao Banco Recorrente, por bem saber que tais documentos a fragilizavam, em virtude daquilo que por mera análise dos mesmos resulta claro: existência de negócios/acordos/doações/empréstimos, por via da entrega de quantias ao arguido não peticionadas nos presentes autos.
16. Ora se a demandante entregava quantias ao arguido, diferenciando-o claramente do Banco Recorrente, como se poderá afirmar com certeza que as quantias em causa nos autos não foram assim entregues ao arguido, e que a apropriação do mesmo dessas quantias não é legítima?

17. Sucede porém que, tais factos não constam da enumeração da matéria de facto provada e não provada, o que importa a nulidade do acórdão, a saber: i) no período em causa nos autos e após Abril de 2008 as demandantes entregaram ao arguido quantias não peticionadas no pedido de indemnização civil: € 3.000,00 a 25.01.2005, € 2.000,00 e € 2.600,00 a 01.02.2005, € 3.000,00 em 22.07.2008; € 2.000,00 em 01.09.2008; € 3.000,00 em 30.01.2009; € 13.000,00 em 26.01.2010; € 1.442,00 em 26.04.2010; € 338,00 em 03.08.2010; € 896,00 em 29.11.2010. ii) as demandantes diferenciavam as quantias entregues ao arguido das quantias destinadas à sua conta no Banco; iii) Entre o arguido e as demandantes existiam negócios/ acordos à margem das funções desempenhadas pelo arguido junto do Banco .

18. O acórdão escusou-se ao exame crítico da prova documental (documento 5, correspondente a folhas 1646 e seguintes) e da prova produzida em audiência a esse título, o que importa a nulidade do acórdão.

19. O acórdão considera que as funções desempenhadas pelo arguido junto do Banco revelam nexo funcional (entre tais funções) e o acto danoso, condenando, assim, o Banco Recorrente pelo alegado preenchimento dos pressupostos previstos e regulados no artigo 500.º do Código Civil.

20. Sucede que, não consta da matéria de facto provada e não provada a enumeração ou sequer a simples referência às funções desempenhadas pelo arguido, o que importa a nulidade do acórdão.

21. Resulta da prova documental junta aos autos, mormente a folhas 239, as funções desempenhadas pelo arguido junto do Banco Recorrente, de gerente e subgerente em todo o período em referência nos autos.

22. Resultou do depoimento das testemunhas LC (20161109115745_3778299_2870821 – minuto 17:52 a minuto 19:22) e VC (20161109152930_3778299_2870821 minuto 9:08 a minuto 10:24) as funções desempenhadas pelo arguido na qualidade de gerente e subgerente.

23. Resultou não provado que, na data dos movimentos em causa nos autos, o arguido fosse gestor de conta das demandantes (alínea ag) dos factos não provados).

24. Com o devido respeito e salvo melhor opinião, para que o tribunal a quo pudesse subsumir que o facto danoso foi praticado no exercício das funções do arguido, bem como, subsumir o nexo funcional (competências atribuídas ao arguido) e o acto danoso, teria de constar expressamente da matéria de facto as efectivas competências/funções do arguido, não constando, tal importa a nulidade do acórdão.

25. Deste modo, deverá constar da matéria de facto provada os seguintes factos: i) o arguido desempenhou as funções de gerente e subgerente junto do Banco; ii) eram funções do arguido gerir a equipa, gerir o negócio, angariar clientes; iii) o arguido enquanto gerente e subgerente não era gestor de conta de clientes.
26. Mais, não consta da matéria de facto provada que as demandantes residem a escassos metros da agência de Loulé do Banco Recorrente.

27. Contudo, da prova produzida em audiência de julgamento foi isso que resultou provado pelo depoimento da testemunha AF (20161109164503_3778299_2870821 – minuto 9:21 a 9:36).

28. Facto que até é assumido pelo tribunal a quo na fundamentação de acórdão, sucede porém que, para que tal facto possa constar da fundamentação deverá constar do leque de factos provados e não provados, pelo que, ao não constar dos factos provados, tal importa a nulidade do acórdão.

29. Acresce que a subsunção do tribunal desse facto é apenas utilizado num sentido: sustenta o tribunal que os cheques levantados à boca de caixa na Agência de Albufeira só podem ter sido levantados pelo arguido (o que não se concede como adiante se demonstrará) dado que as demandantes residiam tão perto da agência de Loulé. Contudo, deveria também o tribunal a quo ficar com dúvidas quanto a esse mesmo facto, ora residindo as demandantes a tão poucos escassos metros da agência de Loulé, porque razão não tratavam de assuntos bancários nessa mesma agência?

30. Em qualquer dos casos, para que possa fundamentar-se a decisão da matéria de facto é necessário que tais factos sejam enumerados no leque da matéria de facto.

31. Deverá pois, constar da matéria de facto provada que “R. reside a escassos metros da Agência de Loulé do Banco ….”.

32. Quanto à impugnação da matéria de facto:

33. Na sequência dos argumentos aduzidos para a invocada nulidade do acórdão, deverá integrar a matéria de facto provada, factos que resultaram da prova produzida e foram desconsiderados pelo tribunal a quo, a saber:

34. i) no período em causa nos autos e após Abril de 2008 as demandantes entregaram ao arguido quantias não peticionadas no pedido de indemnização civil: € 3.000,00 a 25.01.2005, € 2.000,00 e € 2.600,00 a 01.02.2005, € 3.000,00 em 22.07.2008; € 2.000,00 em 01.09.2008; € 3.000,00 em 30.01.2009; € 13.000,00 em 26.01.2010; € 1.442,00 em 26.04.2010; € 338,00 em 03.08.2010; € 896,00 em 29.11.2010. ii) as demandantes diferenciavam as quantias entregues ao arguido das quantias destinadas à sua conta no Banco ---; iii) Entre o arguido e as demandantes existiam negócios/ acordos à margem das funções desempenhadas pelo arguido junto do Banco ---.

35. Pois podem extrair-se tais factos do documento 5 junto pelo Banco Recorrente com a contestação do pedido de indemnização cível.

36. Resulta claro da prova produzida a autoria e entrega de tais documentos pela demandante ao Banco Recorrente (Declarações de JC 20161202094529_3778299_2870821, minuto 2:26 a minuto 4:50).

37. A demandante negou a autoria e a entrega de tais documentos ao Banco Recorrente, por bem saber que tais documentos a fragilizavam, em virtude daquilo que por mera análise dos mesmos resulta claro: existência de negócios/acordos/doações/empréstimos, por via da entrega de quantias ao arguido não peticionadas nos presentes autos.

38. Ora se a demandante entregava quantias ao arguido, diferenciando-o claramente do Banco Recorrente, como se poderá afirmar com certeza que as quantias em causa nos autos não foram assim entregues ao arguido, e que a apropriação do mesmo dessas quantias não é legítima?

39. Deverá constar da matéria de facto provada os seguintes factos: i) o arguido desempenhou as funções de gerente e subgerente junto do Banco ---; ii) eram funções do arguido gerir a equipa, gerir o negócio, angariar clientes; iii) o arguido enquanto gerente e subgerente não era gestor de conta de clientes.

40. Pois é o que resulta da prova documental junta aos autos, mormente a folhas 239, as funções desempenhadas pelo arguido junto do Banco Recorrente, de gerente e subgerente em todo o período em referência nos autos.

41. É o que resulta do depoimento das testemunhas LC (20161109115745_3778299_2870821 – minuto 17:52 a minuto 19:22) e VC (20161109152930_3778299_2870821 minuto 9:08 a minuto 10:24): as funções desempenhadas pelo arguido na qualidade de gerente e subgerente.

42. Resultou não provado que, na data dos movimentos em causa nos autos, o arguido fosse gestor de conta das demandantes (alínea ag) dos factos não provados).

43. Deve integrar a matéria de facto provada que as demandantes residem a escassos metros da agência de Loulé do Banco Recorrente.

44. Pois foi isso que resultou provado pelo depoimento da testemunha AF (20161109164503_3778299_2870821 – minuto 9:21 a 9:36).

45. Entende o Banco Recorrente que o ponto 32) da matéria de facto provada, não pode considerar-se provado na sua totalidade, deverá ser alterado.

46. Dispõe o ponto 32) que “Os contactos entre o arguido e R e MC, ocorridos a partir de 17.08.2003, ocorriam na residência destas, onde o arguido se deslocava, fora do horário de trabalho, para convencer a R e a MC nos termos descritos, obtendo as assinaturas da R. nos documentos que levava, assinaturas que aquela fazia por este ser funcionário do B-, estar convencida que era nessa qualidade que ele comparecia na sua residência e nele confiar.”

47. Sucede porém que, contrariamente ao que sustenta o acórdão não pode ter-se como provado que as deslocações do arguido à residência das demandantes se destinavam à obtenção de assinatura de documentos que alegadamente levava, porquanto a demandante negou em audiência, em primeira linha, ter assinado quaisquer documentos.

48. Ademais resulta da fundamentação da matéria de facto que a demandante, confrontada com algumas das assinaturas dos autos, a sua afirmação foi sintomática, afirmando face a fls. 757 e depois 758 (cheques) que a assinatura era igual à sua ou muito bem imitada, para a seguir, face a folhas 759, afirmar que era a sua assinatura, mas não se lembrava de ter assinado aquele documento.

49. Todavia, a demandante acaba por reconhecer que ter assinado cheques e documentos mas nunca disse, em momento algum, que os assinou a pedido do arguido.

50. Veja-se as declarações da Demandante R (20161109141934_3778299_2870821 – minuto 19:06 a minuto 19:20) em que refere não ter assinado nada.

51. Deste modo não pode ter-se por provado que o arguido obtinha as assinaturas da R. nos documentos que levava, assinaturas que esta fazia por este ser funcionário do Banco Recorrente, estar convencida que era nessa qualidade que ele comparecia na sua residência e nele confiar.
52. A prova tem de se ter por produzida em audiência e não tendo a demandante afirmado que o arguido lhe pedia para assinar documentos, aliás, referindo mesmo não os ter assinado, não obstante admitir as assinaturas como suas, não poderá ter-se por provado que os documentos eram assinados a pedido do arguido e, muito menos, que a demandante assinava tais documentos por o arguido ser funcionário do Banco ---.

53. Assim, terá, forçosamente, de se proceder à alteração do ponto 32) passando o mesmo a ter a seguinte redacção: “Os contactos entre o arguido e R. e MC., ocorridos a partir de 17.08.2003, ocorriam na residência destas, onde o arguido se deslocava fora do horário de trabalho.”

54. Pela mesma ordem de razão não podem ter-se como provados dos pontos 15), 21) e 22) da matéria de facto provado, porquanto em momento algum a demandante afirmou ter assinado documentos e cheques a solicitação do arguido.

55. Acresce que, por essa razão e pelas que a seguir se aduzirão, também o ponto 34) não poderá integrar a matéria de facto provada.

56. Não resulta da prova produzida que o arguido apenas se deslocava à residência das demandantes para tratar de assuntos relacionados com a conta de R e MC e obter a documentação que necessitava.

57. A demandante R. não afirmou ter entregue ao arguido a documentação em causa.

58. Ademais, a demandante R. acabou por confessar que na época em que o arguido se deslocava à sua residência coincidia também com a época em que frequentou a natação do Clube L., facto que o arguido afirmou nas suas declarações, justificando que em razão da relação de amizade tida com as demandantes havia veiculado a frequência destas na natação do L., área da qual era, a essa data, Dirigente dessa área do clube.

59. Atentem-se nas declarações da demandante a esse título (Declarações demandante R 20161109141934_3778299_2870821 – minuto 57:53 a minuto 58:34).

60. Donde se conclui que o arguido não se deslocava à residência das demandantes apenas para tratar de assuntos relacionados com a conta desta, mas antes que a tratavam de outros assuntos de cariz pessoal e não exclusivamente profissional, ao que acresce não ter a demandante afirmado que o arguido lhe levava documentação para que a assinasse e nem que a assinava em razão da sua qualidade de funcionário do Banco Recorrente.

61. Donde também se terá de concluir pela exclusão da matéria de facto provada constante do ponto 35).

62. Além das declarações da demandante já elencadas, também a testemunha LC se pronunciou a este título (20161109115745_3778299_2870821 – minuto 20:20 a minuto 21:21).

63. Mais, a alínea ai) dos factos não provados, terá de se considerar, pela prova produzida, provado.

64. Dispõe aquele ponto que não se provou que R e MC pediam para ser atendidas pelo arguido na agência em Loulé.

65. Sucede que, resultou da prova produzida que as demandantes pretendiam ser atendidas pelo arguido, declinando o atendimento que lhe era oferecido por outros funcionários do Banco Recorrente.

66. Veja-se, a este título, a prova produzida através do depoimento da testemunha VC (20161109152930_3778299_2870821 – minuto a 31:48 a minuto 32:20), e da testemunha AF (20161109164503_3778299_2870821 – minuto 02:42 a minuto 3:28).

67. Também o ponto 39) da matéria de facto provada terá de ser alterado, pois não está totalmente em consonância com a prova produzida em audiência de julgamento.

68. Veja-se o depoimento da testemunha JG (20161122100625_3778299_2870821 – minuto 36:25 a minuto 38:53).

69, Deverá, assim, ser alterado o ponto 39) da matéria de facto, devendo passar a ter a seguinte redacção: “Em regra, os procedimentos bancários (mormente a assinatura de documentos) no B. são realizados na agência bancária, ainda que a angariação de clientes se faça no exterior.”.

70. No que respeita às quantias em causa, designadamente as constantes do ponto 26) da matéria de facto provada: - Cheque n.º 8643956327, no valor de € 10.000,00 que o arguido levantou em 29/04/2008, na Agência de Albufeira do Banco ---; Cheque n.º 8643956133, no valor de € 26.000,00 que o arguido levantou em 29/04/2008, na agência de Albufeira do Banco---.

71. Não resultou da prova produzida que o arguido se tenha apropriado de tais quantias, que as tenha levantado à boca de caixa da agência de Albufeira.

72. A testemunha V, por um lado não conseguiu identificar como sendo seu o user name aposto nesses cheques (o que permitiria em primeiro lugar concluir que teria sido a testemunha a pagá-los), e, como tal, também não conseguiu responder que as quantias tinham sido entregues ao arguido.

73. Veja-se o depoimento da testemunha V (20160961647_3778299_2870821 – minuto 4:31 a minuto 6:58).

74. Deste modo, terá de concluir como não provado o ponto 26) referente aos cheques aqui indicados, com a exclusão de tais valores com todas as legais consequências.

75. Diga-se, aliás, que também o Ministério Público pediu a absolvição do arguido quanto a estes cheques, por entender que não havia sido produzida prova que permitisse afirmar a apropriação pelo arguido de tais montantes.

76. Pela mesma ordem de razão terá de ser alterado o ponto 23) da matéria de facto provada, pois não resultou da prova produzida que o arguido tenha procedido a levantamentos de cheques à boca de caixa, resultou aliás não provado (alínea r) dos factos não provados).

77. Pelo que a referência mencionada no ponto 23) dos factos provados terá de ser eliminada na parte que refere “ou levantou os respectivos valores aos balcões do Banco ---.”

78. Mais não resultou da prova produzida o ponto 28) da matéria de facto provada, donde deverá ter-se por não provada, passando, pois, a integrar a matéria de facto não provada.

79. Dispõe aquele ponto 28) que “Para não ser descoberto e para que R e MC não tomassem consciência do valor real do seu património financeiro, o arguido fabricou os extractos bancários e promissórias de depósitos a prazo de fls. 101 a 104 (com as datas 06.10.2011, 15.12.2011, 04.08.2010 e 21.11.2011), com o logótipo do Banco ---, nos quais colocava valores inexistentes e por ele inventados, documentos que posteriormente entregou a R e MC, como se tivessem sido emitidos pelo Banco.”

80. Sucede porém que, tal não resultou da prova produzida, a demandante não afirmou sequer que o arguido lhe havia entregue os documentos 101 a 104.

81. Veja-se as declarações da demandante R (20161109141934_3778299_2870821 – minuto 22:04 a minuto 23:40, e minuto 7:14 a minuto 7:36).

82. O próprio Ministério Público, nas alegações formuladas, pediu a absolvição do arguido quanto ao crime de falsificação de documentos, por entender que não foi produzida prova que permitisse imputar ao arguido a prática de tal crime.

83. Também a fundamentação do acórdão a este título é profundamente arbitrária: o tribunal terá de atender à prova produzida em audiência e dessa prova não resultou nem a autoria de tais documentos pelo arguido, como não resultou que tivesse sido o arguido a entregar à demandante tais documentos.

84. A justificação do acórdão de que só poderia ser o arguido a fabricar tais documentos mais não é que uma presunção do tribunal a quo, que não se encontra alicerçada nem sustentada pela prova produzida.

85. Ora, se o arguido não confessa a autoria de tais documentos e se demandante não imputa ao arguido a autoria, nem sequer justifica a posse de tais documentos por via da entrega dos mesmos pelo arguido, se nenhuma prova pericial foi efectuada a este título, não poderá o tribunal imputar ao arguido a falsificação de tais documentos.

86. Donde terá de se ter por não provado o 28) da matéria de facto provada, tendo-se igualmente, por não provado o ponto 29) da matéria de facto.

87. Entende o Banco Recorrente que o tribunal a quo andou mal na aplicação do direito aos factos em concreto.

88. Tal incorrecta aplicação do direito ressalta já da aplicação dos factos considerados pelo tribunal a quo ao caso concreto.

89. Para que se verifique a responsabilidade objectiva pelo risco do Banco Recorrente será necessária a verificação cumulativa de 3 requisitos: a) existência de uma relação de comissão; b) prática de factos danosos pelo comissário no exercício da função que lhe foi confiada; c) desde que sobre o comissário recaia também a obrigação de indemnizar.

90. Sem prejuízo da obrigação (ou não) de indemnizar por parte do arguido, sobre a qual o Banco Recorrente se pronunciará adiante.

91. A verdade é que não poderia o Banco Recorrente ser condenado, por aplicação do instituto de responsabilidade civil prevista no artigo 500.º do CC, porquanto não se encontra preenchido o pressuposto de prática de factos danosos pelo comissário no exercício da função que lhe foi confiada.
92. Em primeiro lugar não resulta da matéria de facto provada as funções exercidas pelo arguido enquanto comissário do Banco Recorrente, o que implica a nulidade do acórdão e importa, desde logo, a absolvição do Banco recorrente, como se referiu.

93. Ora, o tribunal não pode subsumir factos (que não constam do elenco de factos provados e não provados) para correspondente aplicação do direito.

94. Portanto se se pretende a aplicação de um nexo funcional entre os actos do comissário e a função que lhe foi atribuída, terá de constar o elenco de funções atribuídas ao comissário, não podendo, pois, o tribunal a quo, presumi-las e até mesmo ignorar a prova produzida em julgamento.

95. Mas ainda que assim não se entendesse, terá de excluir a responsabilidade do Banco Recorrente porquanto os contactos entre o arguido e as demandantes ocorriam na residência destas, em horário pós-laboral, totalmente à margem do banco, quer dos seus procedimentos, quer do seu conhecimento.

96. Ora, se um comissário se desloca em segredo ao domicílio de clientes para praticar alegados actos ilícitos, não poderá importar da verificação dos mesmos actos ilícitos responsabilização do comitente, porquanto tudo se passa e ocorre à margem da relação comitente/comissário.

97. Terá de se alinhar pelo critério da adequação causal do comportamento danoso ao quadro de funções cometidas ao comissário.

98. Admite o Acórdão que é perturbador – para preenchimento deste pressuposto – o facto de os contactos ocorrerem na residência da assistente e da sua irmã, fora do horário laboral do arguido, mas acaba por não excluir o referido nexo funcional, fundamentação com a qual não pode o Banco Recorrente conformar-se.

99. Parece que fica cabalmente demonstrado que deverá ser bastante o facto de tais actos danosos ocorrerem fora das instalações do Banco Recorrente e em horário pós laboral do arguido para se ter como excluído o nexo funcional.

100. Ademais considerou o tribunal determinante para não excluir o nexo funcional o facto de se seguirem às ditas deslocações actos sequenciais já praticados nas instalações do Banco Recorrente.

101. Sucede que na sua grande maioria não se seguiram actos sequenciais no Banco Recorrente, contrariamente ao que sustenta o acórdão, mas antes depósito de cheques noutra instituição bancária, totalmente à margem do Banco Recorrente.

102. A isto acresce como se disse não constar da matéria de facto as funções acometidas ao arguido.

103. O facto evidente de negócios/acordos entre as demandantes e o arguido espelhadas pelo documento 5 junto com a contestação do pedido de indemnização civil apresentada pelo Banco;

104. O facto evidente de relação próxima e estreita entre as demandantes e o arguido não determinadas pelas funções por ele exercidas ao serviço do Banco Recorrente;

105. O facto de as demandantes pretenderem ser atendidas pelo arguido e não por outros funcionários do Banco o que revela o secretismo e privacidade da relação entre eles estabelecida;

106. O facto de as demandantes residirem do outro lado da avenida onde se situa a agência de Loulé do Banco --- e deliberadamente apenas aí se deslocarem esporadicamente para levantar dinheiro,

107. Continuando por outro lado, a receber o arguido na sua residência, mormente entregando-lhe quantias em dinheiro e cheques provenientes de outra instituição bancária, sem que tenham peticionado do arguido tais quantias.

108. O facto de a demandante nunca ter afirmado que apenas assinou cheques e documentação a solicitação do arguido e em virtude e decorrência das funções por este desempenhadas junto do Banco Recorrente.

109. Em razão do que terá de concluir pela exclusão do nexo funcional e considerar que andou mal acórdão, devendo, pois absolver-se o Banco Recorrente da condenação proferida pela primeira instância.

110. Acresce que, no entender do Banco Recorrente não se encontra cabalmente demonstrada a obrigação de indemnizar pelo arguido, logo, também se terá de concluir pela absolvição do Banco Recorrente, também conexa com a responsabilidade do arguido.

111. Entende o banco Recorrente que não ficou demonstrado que a apropriação das quantias pelo arguido seja proveniente de facto ilícito.

112- O arguido assumiu aliás essas apropriações mas justificou-as dizendo que havia sido apropriações lícitas com a concordância das assistentes.

113. É certo que as mesmas negaram ter autorizado o arguido a apropriar-se de tais quantias, contudo, perante a parca matéria factual a este título e manifestas contradições deveria, pelo menos, o tribunal a quo, ter ficado com dúvidas.

114. É manifestamente incompreensível que as demandantes tenham sido enganadas durante 11 anos sem nunca se terem apercebido.

115, Quando resulta dos autos que o Banco Recorrente sempre lhes remeteu extractos bancários da sua conta, que espelhavam todas as movimentações bancárias e que as demandantes as tenham simplesmente ignorado.

116. Referindo mesmo não receber qualquer documentação do Banco e apresentando ao banco um extracto bancário que precisamente diziam nunca ter recebido;

117. Por outro lado, não apenas as entregas de quantias em dinheiro se encontram espelhadas no documento 5 (folhas 1646 e seguintes),

118. Como resulta dos factos provados que o próprio arguido procedeu à devolução à conta bancária das demandantes avultadas quantias.

119. Parece manifestamente irrazoável que o arguido pretendendo burlar as demandantes, proceda à devolução de avultadas quantias. Parece que este não será o modus operandi de quem tem a intenção de se apropriar ilegitimamente de quantias, revelando, antes, a existência de acordos/negócios entre o arguido e as demandantes.
120. Por outro lado, também não resulta prova produzida que o arguido tenha fabricado documentos com o intuito de enganar as demandantes, do mesmo modo que não resulta provado que este lhes tenha solicitado que assinassem cheques e documentos.

121. Perante tudo isto, e resultando apenas a contradição entre as declarações do arguido e a da assistente, deveria o tribunal a quo ter ficado com dúvidas quanto aos factos carreados nos autos,

122. E perante a dúvida o tribunal teria de decidir pro reo.

123. Pelo que, entende o Banco Recorrente que também a obrigação de indemnizar não se poderá verificar quanto ao arguido, devendo este ser absolvido, quer em termos penais, quer em termos civis, da condenação verificada em 1.ª instância.

Nestes termos e nos melhores de direito, cujo douto suprimento de V. Exa. se invoca, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência:

a. Declarar-se a nulidade do Acórdão proferido por violação do dever de enumeração de factos provados e não provados essenciais à discussão da causa, bem como por violação do dever de exame crítico de prova documental carreada para os autos;
b. Ser reapreciada a prova e passar a integrar a matéria de facto, os factos desconsiderados pelo tribunal a quo, elencados nos pontos 34, 39 e 43 das conclusões de recurso;
c. Ser reapreciada e, em consequência, considerar-se não provados os pontos 15, 21, 22, 26, 28, 29, 34, e 34 da matéria de facto provada.
d. Ser reapreciada e, em consequência, considerar-se provados o ponto ai) da matéria de facto considerada não provada;
e. Ser reapreciada e, em consequência, alterar-se a redacção dos pontos 23, 32 e 39 da matéria de facto provada.
f. Ser revogado o Acórdão recorrido, substituindo-se por outro que absolva o Recorrente da totalidade da condenação, por não provada a responsabilidade objectiva pelo risco do Recorrente.

Ou caso assim não se entenda,

g. Ser revogado o Acórdão recorrido, substituindo por outro, que absolva o arguido.»

4. Em 1ª Instância, o MP apresentou resposta a ambos os recursos, pugnando pela sua improcedência.

5. Também a assistente e demandante, R, apresentou resposta ao recurso interposto pelo banco demandado, concluindo pela sua improcedência.

6. Nesta Relação, o senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido.

7. Regularmente notificado nos termos do art. 417º nº 2 do CPP, o arguido deu por reproduzido o essencial da sua motivação de recurso.

8. O acórdão recorrido (transcrição parcial):
« 2. Factos provados

1) Durante o ano 2000, chegou ao conhecimento de R. e MC que o Banco --- , actual Banco ---, oferecia juros elevados pelos depósitos a prazo.

2) Em face de tal conhecimento, R e MC deslocaram-se à agência de Loulé do referido banco a fim de obter informações mais detalhadas.

3) Nessa altura foram atendidas pelo arguido, que desempenhava as funções de gerente do referido balcão (agência), o qual lhe prestou as informações pretendidas, dizendo-lhes nomeadamente que poderiam aplicar o dinheiro em offshores.

4) Volvido algum tempo, R e MC decidiram transferir as suas economias para o citado Banco.

5) Assim, no dia 11 de Janeiro de 2001, abriram uma conta no balcão de Loulé do citado Banco, com o n.º 119-----, para a qual transferiram as ditas economias.

6) O arguido, em nome da R e da MC, foi fazendo aplicações financeiras, para além de depósitos a prazo no banco ou em offshores, operações que se foram revelando vantajosas e por isso foi conseguindo granjear a confiança daquelas.

7) Com o passar do tempo e perante os lucros apresentados, a R e a MC acabaram por confiar no arguido, designadamente nos números que ele lhes apresentava.

8) Consciente dessa relação e em face da idade da MC (nascida em 1925) e da R (nascida em 1927), o arguido apercebeu-se que as poderia enganar, manipular e ludibriar, designadamente no que aos seus investimentos e rentabilidades dizia respeito, podendo retirar para si ou para terceiros parte desses fundos sem que as mesmas disso se apercebessem, pelo que, no final do ano de 2002, início de 2003, o arguido decidiu apropriar-se de parte dos fundos da R e da MC.

9) Para o efeito, o arguido decidiu que, a pretexto de efectuar uma operação bancária, levaria a R e/ou a MC a assinar um módulo de cheque numa determinada quantia, o qual, depois de preenchido e assinado, depositaria numa conta bancária por si titulada, ou titulada por terceiro, e gastaria aquela quantia como quisesse.

10) Assim, concretizando os seus intentos, o arguido apresentou a R e MC o módulo de cheque n.º 869----, no valor de 20.000 euros, e, conforme havia planeado, disse-lhes que o mesmo se destinava a efectuar uma operação bancária e solicitou que o assinassem.

11) R e MC, como confiavam no arguido, ficaram convencidas de que a versão por ele apresentada era verdadeira, e a R assinou o referido cheque.

12) Após, no dia 09.01.2003, o arguido depositou o cheque na conta bancária com o n.º 23---- do então designado BPN por si titulada .

13) O banco sacado, convencido de que o cheque havia sido emitido de acordo com a vontade de R e MC, descontou a quantia nele aposta na conta bancária daquelas e creditou-a na referida conta bancária do arguido, que por sua vez a gastou.

14) Como R e MC não detectaram a falta da mencionada quantia, no final de 2004, início de 2005, o arguido decidiu voltar a fazer o mesmo, com vista a apropriar-se de mais dinheiro.
15) Assim, o arguido foi apresentando a R e MC o módulo de cheque 8682--- abaixo referido e outra documentação e, conforme havia planeado, dizia-lhes que o cheque e a documentação se destinavam a efectuar operações bancárias, e solicitava-lhes que assinassem o cheque e outra documentação, nomeadamente pedidos de emissão de cheques bancários.

16) R e MC, como confiavam no arguido, ficaram convencidas que a versão por ele apresentada era verdadeira, e R assinou o referido módulo de cheque e os pedidos de emissão de cheques bancários.

17) Após, o arguido depositou os cheques (o cheque 8682--- e os cheques bancários assim obtidos) em contas bancárias por si tituladas.

18) O banco sacado, convencido de que os cheques haviam sido emitidos de acordo com a vontade de R. e MC, foi descontando as quantias neles apostas na respectiva conta bancária e creditou-as nas contas bancárias indicadas pelo arguido, que por sua vez as gastou.

19) Assim fez com:

- Cheque n.º 6588819--- (cheque bancário), no valor de 80.000 euros, depositado em 18/01/2005, na conta bancária com o n.º 542-----, do Banco Santander Tota, titulada pelo arguido - sendo que uma das assinaturas que constam do cheque é do arguido;

- Cheque n.º 658881--- (cheque bancário), no valor de 110.000 euros, depositado em 18/01/2005, na conta bancária com o n.º 6-34----, do BPI, titulada pelo arguido - sendo que uma das assinaturas que constam do cheque é do arguido;

- Cheque n.º 65888--- (cheque bancário), no valor de 110.000 euros, depositado em 18/01/2005, na conta bancária com o n.º 6-349---, do BPI, titulada pelo arguido - sendo que uma das assinaturas que constam do cheque é do arguido, o qual também assinou o pedido de emissão dos cheques e o carimbo de verificação das assinaturas ;

- Cheque n.º 86826---, no valor de 8.149 euros depositado em 25/01/2005, na conta bancária com o n.º 542503----, do banco Santander Tota, titulada pelo arguido ;

- Cheque n.º 654469--- (cheque bancário), no valor de 347.585 euros, depositado em 11/11/2005, na conta bancária com o n.º 6-3490---, do BPI, titulada pelo arguido - sendo que uma das assinaturas que constam do cheque é do arguido.

20) Volvidos cerca de 2 anos, o arguido, não satisfeito e perante mais um sucesso do seu plano, decidiu novamente colocá-lo em prática com vista a apropriar-se de mais dinheiro.

21) Assim, o arguido foi apresentando a R e MC os módulos de cheque e ordens de transferências que abaixo se descriminam juntamente com outra documentação, nomeadamente pedidos de emissão de cheques bancários, e, sob o mesmo pretexto, solicitou-lhes que os assinassem.

22) Tal como nas ocasiões anteriores e pelas mesmas razões, R. foi assinando os referidos documentos.

23) Utilizando o mesmo procedimento, o arguido apresentou a pagamento os cheques (incluindo os cheques bancários) e transferiu os fundos constantes das ordens de transferência assinadas pela R. para contas bancárias por si tituladas ou por si controladas, ou levantou os respectivos valores aos balcões do Banco ---.

24) O banco sacado, convencido de que os cheques e ordens de transferência haviam sido emitidas de acordo com a vontade de R e MC, foi descontando os respectivos montantes na conta bancária que lhe estava associada e colocou-os à disposição do arguido em conformidade com as instruções que lhe foram sendo transmitidas.

25) Por sua vez, o arguido gastou as referidas quantias.

26) Assim, com:
- Cheque n.º 86942---, no valor de 24.000 euros depositado em 18/05/2007, na conta bancária com o n.º 6-3490---, do BPI, titulada pelo arguido;

- Cheque n.º869423----, no valor de 11.500 euros depositado em 31/05/2007, na conta bancária com o n.º 2-3495---, do BPI, co-titulada pelo arguido, associada à secção de natação do L., e que apenas o arguido movimentava;

- Cheque n.º 868265---, no valor de 31.642,72, depositado em 14/08/2007, na conta bancária com o n.º 6-3490---, do BPI, titulada pelo arguido;

- Ordem de transferência da quantia de 7.375,49, efectuada em 07/09/2007, para a conta n.º 90032.---, titulada por FF, que é filho do arguido ;

- Cheque n.º 86191---, no valor de 11.450 euros depositado em 31/10/2007, na conta bancária com o n.º 6-3490---, do BPI, titulada pelo arguido;

- Ordem de transferência da quantia de 6.500 euros efectuada em 23/11/2007, para a conta n.º 281990.---, titulada por NG, mas controlada e movimentada pelo arguido ;

- Cheque n.º 86191---, no valor de 4.910 euros, depositado em 03/12/2007, na conta bancária com o n.º 956---, do BPI, co-titulada pelo arguido, associada à secção de natação do L., e que apenas o arguido movimentava;

- Cheque n.º 50467--- (cheque bancário), no valor de 20.000 euros depositado em 26/12/2007, na conta bancária com o n.º 6-3490---, do BPI, titulada pelo arguido - este cheque contem duas assinaturas na frente, no local designado «assinatura(s)», constando a menção ao BPI no local designado «à ordem de», e não consta qualquer assinatura no verso do cheque;

- Cheque n.º 865107---, no valor de 34.000 euros depositado em 04/01/2008, na conta bancária com o n.º 6-34908---, do BPI titulada pelo arguido;

- Cheque n.º 861913---, no valor de 36.000 euros depositado em 04/03/2008, na conta bancária com o n.º 6-34908---, do BPI, titulada pelo arguido;

- Cheque n.º 864395---, no valor de 4.700 euros, depositado em 08/04/2008, na conta bancária com o n.º 6-3490---, do BPI, titulada pelo arguido;

- Cheque n.º 86439---, no valor de 10.000 euros que o arguido levantou em 29/04/2008, na agência de Albufeira do Banco ---;

- Cheque n.º 86439---, no valor de 26.000 euros que o arguido levantou em 29/04/2008, na agência de Albufeira do Banco ---;

- Cheque n.º 865107---, no valor de 6.700 euros depositado em 30/05/2008, na conta bancária com o n.º 6-3490---, do BPI, titulada pelo arguido;

- Cheque n.º 864395---, no valor de 10.000 euros, depositado em 04/06/2008, na conta bancária com o n.º 6-3490---, do BPI, titulada pelo arguido;

- Cheque n.º 861913--, no valor de 10.000 euros, depositado em 11/06/2008, na conta bancária com o n.º 6-34908---, do BPI, titulada pelo arguido;

- Cheque n.º 865107---, no valor de 10.000 euros, depositado em 08/07/2008, na conta bancária com o n.º 6-34908---, do BPI, titulada pelo arguido;

- Cheque n.º 86928---, no valor de 12.162 euros depositado em 08/07/2008, na conta bancária com o n.º 453790---, do BCP, titulada pelo arguido;

- Cheque n.º 86928---, no valor de 2.538,81 depositado em 02/12/2008, na conta bancária com o n.º 2-3495---, do BPI, co titulada pelo arguido, associada à secção de natação do L., e que apenas o arguido movimentava;

27) O arguido depositou o cheque n.º 864395---, no valor de 16.000 euros, em 02/05/2008, na conta bancária com o n.º 2-3495---, do BPI, co-titulada pelo arguido, associada à secção de natação do L., e que apenas o arguido movimentava, tendo sido o cheque recusado por irregularidade no saque .

28) Para não ser descoberto e para que R e MC não tomassem consciência do valor real do seu património financeiro, o arguido fabricou os extractos bancários e promissórias de depósitos a prazo de fls. 101 a 104 (com as datas 06.10.2011, 15.12.2011, 04.08.2010 e 21.11.2011), com o logótipo do Banco ---, nos quais colocava valores inexistentes e por ele inventados, documentos que posteriormente entregou a R e MC, como se tivessem sido emitidos pelo Banco

29) O arguido sabia que ao fabricar os referidos documentos punha em causa a confiança e credibilidade das pessoas na exactidão e genuinidade por eles merecida.

30) O arguido actuou de forma livre deliberada e consciente, com a intenção de obter benefícios a que sabia não ter direito, sabendo que com as suas condutas causava prejuízos a R e MC.

31) Sabia o arguido que as condutas descritas eram proibidas e punidas por lei e, mesmo assim, não se absteve de as levar a cabo.

32) Os contactos entre o arguido e R e MC, ocorridos a partir de 17.08.2003, ocorriam na residência destas, onde o arguido se deslocava, fora do horário de trabalho, para convencer a R e a MC nos termos descritos, obtendo as assinaturas da R nos documentos que levava, assinaturas que aquela fazia por este ser funcionário do B, estar convencida que era nessa qualidade que ele comparecia na sua residência e nele confiar.

33) Após, o arguido levava essa documentação para agências do B, onde realizava as operações com vista à movimentação dos cheques, às transferências ou ao levantamento do valor titulado pelos cheques, ou diligenciava para que funcionários das agências do banco o realizassem.

34) As deslocações referidas em 32) ocorriam apenas para o arguido tratar de assuntos relacionados com a conta de R e MC e obter a documentação de que necessitava.

35) R e MC estavam convencidas que o arguido agia como funcionário do B.

36) O arguido cessou funções no B. em 02.11.2011.

37) R e MC aperceberam-se que não tinham dinheiro no B em pelo menos Setembro de 2011.

38) R e MC também entregavam na sua residência quantias em dinheiro ao arguido, o que não corresponde a procedimento adoptado pelo B.

39) Em regra, os procedimentos bancários (mormente a assinatura de documentos) no B são realizados na agência bancária, ainda que a angariação de clientes se faça no exterior, mas por vezes existem contactos para a prática de actos bancários com clientes fora das agências.

40) O arguido transferiu, de várias formas, para a conta da assistente:
- 6.041,67 euros em 22.04.2005
- 6.041,67 euros em 05.08.2005
- 47.372 euros em 25.01.2006
- 6.047.67 euros em 14.02.2006
- 7.552,08 euros em 27.02.2007
- 23.822 euros em 21.05.2007
- 3.530 euros em 06.03.2008

41) O arguido é o único filho de um grupo familiar detentor de um quadro económico modesto, assente na actividade do pai, já falecido, como vendedor e da mãe como cabeleireira.
Usufruiu de um ambiente familiar estruturado/normativo e investido em termos afectivos e educativos, primacialmente por parte da mãe. Concluiu 12 anos de escolaridade.
Durante o período juvenil desenvolveu actividade de disco jockey em estabelecimento de diversão nocturna, hobbie que sempre manteve e que retomou mais recentemente, ainda que de forma pontual.
Iniciou percurso laboral com cerca de 22 anos na Câmara Municipal de Loulé, no Departamento de Fiscalização Municipal, onde permaneceu durante três anos. Após integrou o então Banco Português do Atlântico, motivado por uma mais-valia sócio profissional.
Em 1999/2000, movido por uma mais-valia sócio profissional, nomeadamente em termos de significativo acréscimo remuneratório, integrou o Banco--- na categoria de gerente, onde permaneceu até ao seu pedido de demissão, em 2011.
Complementarmente, a título de voluntariado e durante o mesmo período, desenvolveu funções como director do L., actividade que desempenhou de forma dinâmica e investida.
Contraiu casamento aos 23 anos, vindo a divorciar-se em 2009 por mútuo acordo mas por motivos de relacionamento extramarital do arguido, pouco tempo depois gorado.
Do matrimónio teve dois filhos, actualmente com 28 e 21 anos, estando o primeiro já autónomo e o segundo dependente da figura materna, enquanto estudante universitário.
O ex-cônjuge caracteriza o papel parental do arguido como investido, face aos descendentes, apesar de ter deixado de assumir responsabilidade económica face ao filho mais novo (pensão de alimentos) em 2011/2012, caracterizando-se o relacionamento mútuo com o descendente, no presente e segundo ambos os progenitores, como algo distante, por causas associadas primacialmente ao impacto do presente envolvimento judicial.
À data dos factos o arguido residia com o cônjuge e os dois descendentes. A dinâmica relacional era caracterizada por sentimentos de pertença e apoio mútuo, mas algo marcada negativamente, e em crescendo durante os últimos anos de vivência, pelo sobre investimento profissional do arguido em detrimento da vida pessoal/familiar. Residiam em casa própria, vendida na sequência da separação do casal.
A situação económica baseava-se no vencimento do arguido, numa média mensal líquida de 3000 euros, e do cônjuge, docente do 3º ciclo.
Em 2011, após algum tempo na situação de inactivo em termos laborais e ocupacionais (demitiu-se das funções profissionais desportivas), deslocou-se para Cabo Verde com vista à assessoria na campanha política de elemento do seu grupo de amizades, tendo aí permanecido cerca de quatro meses.
Em Novembro de 2011, também por convite pessoal, emigrou para Moçambique, passando a exercer funções de gerência num estabelecimento de restauração, tendo regressado em finais de 2014 por alegada cessação do visto de permanência naquele país.
Em Moçambique o arguido iniciou um novo relacionamento marital, do qual tem actualmente um terceiro descendente com dois anos de idade, estando a diligenciar pela sua vinda para Portugal.
Após a separação adquiriu apartamento próprio em Faro através de empréstimo bancário, o qual viria contudo a perder para a entidade bancária credora por falta de pagamento da respectiva prestação, durante o período de emigração em Moçambique.
Reside actualmente em apartamento arrendado (350 euros), em Faro.
Exerce desde 2014 funções como motorista em empresa de transferes e a título de prestador de trabalho, daí usufruindo um vencimento líquido mensal médio de 580 euros.
Mantém a amortização de empréstimo bancário pessoal, cifrada em 500 euros, referindo o apoio de familiares e amigos em situações de maior carência.
É tido pelas pessoas que o conhecem como uma pessoa simpática, pronta a ajudar, em quem confiam, e trabalhadora.
Não tem condenações registadas no seu CRC.

3. Factos não provados

Não se logrou provar que:

a) em 1), R e MC ficaram a saber que o banco oferecia elevadas rentabilidades (que não fossem juros), e que estas também resultavam de aplicações financeiras que não contas.

b) em 2) e ss., apenas MC se deslocou ao banco, e pretendia especificamente obter informações sobre outras operações bancárias e sobre as rentabilidades oferecidas (além de juros).

c) em 3), o arguido disse que podiam aplicar o dinheiro em produtos similares, e disse que poderiam obter uma rentabilidade de 50% do valor investido.

d) a transferência referida em 4) visava, nessa altura e especificamente, aplicar o dinheiro transferido em produtos financeiros que haviam sido indicados pelo arguido.

e) em 5), a conta tinha o n.º 11567---, e o arguido ficou logo como gestor da conta.

f) as aplicações financeiras foram feitas também com a concordância de R e MC.

g) em 7), o arguido também apresentava aplicações financeiras.

h) em 9), o arguido agiria com o pretexto de efectuar uma aplicação financeira.

i) em 10), o arguido reportou-se especificamente a uma aplicação financeira.

j) em 15), o arguido reportou-se especificamente a aplicações financeiras.

l) em 15), o arguido também apresentou os módulos dos restantes cheques (cheques bancários) referidos em 19) dos factos provados.

m) MC também assinou o cheque 86826----, e MC e R. assinaram os restantes cheques referidos em 19) dos factos provados.

n) em 17) a 19) o arguido também depositou cheques em contas por si controladas mas que não eram por ele tituladas.

o) em 22) e 23), a MC também assinava os documentos

p) o cheque 861913---- foi depositado na conta com o n.º 6-3490---

q) o cheque de 10.000 euros depositado em 08/07/20008 tinha o n.º 865107--

r) o arguido levantou os cheques
n.º 8694234---, no valor de 2.000 euros (o arguido levantou-o em 30/08/2007, na agência de Loulé do Banco ---),
n.º 8619130---, no valor de 10.000 euros (o arguido levantou-o no dia 05/06/2008, na agência de Loulé do Banco Popular);
n.º 8651075---, no valor de 2.500 euros (o arguido levantou-o em 09/06/2008, na agência de Loulé do Banco ---);
n.º 8651075---, no valor de 4.000 euros (o arguido levantou-o em 12/11/2008 numa agência do Banco--);
gastando esses valores.

s ) o arguido gastou o valor do cheque n.º 8643956---.

t) a conta bancária com o n.º 2-3495---, do BPI, era apenas titulada pelo arguido.

u) o arguido agiu como descrito em 28) com outros documentos além dos referidos, conduta que continuou a adoptar mesmo depois de já não exercer funções no referido banco, designadamente, quanto a esses outros documentos, nos anos 2010 e 2011.

v) o arguido também falsificou o extracto de fls. 105.

x) as deslocações do arguido à residência de R e MC ocorriam apenas por existir entre o arguido e estas uma relação de amizade.

z) R e MC aproveitavam as deslocações do arguido à sua residência para lhe entregarem documentação bancária (nomeadamente cheques) visando transferir para o arguido quantias que pertenciam àquelas a fim de o arguido gastar essas quantias em finalidades com interesse comunitários que ele livremente escolhesse.

aa) o arguido cessou funções no B. em Setembro/Outubro de 2011.

ab) o arguido desviava e controlava o envio dos extractos enviados pelo banco a R e MC, de tal maneira que estas não os recebiam.
ac) R. e MC só se aperceberam que estavam a ser enganadas em Agosto de 2011

ad) R. e MC aperceberam-se que não tinham dinheiro na conta em data anterior a Setembro ou Agosto de 2011.

ae) após receberem uma comunicação do BP informando-as que tinham um saldo negativo (o que ocorreu em Agosto de 2011), R. e MC telefonaram ao arguido, que era gerente no B e gestor das suas contas, o qual as informou que estava tudo bem, que tinha sido um engano, e poucos dias depois foi a casa delas dizer que estava tudo bem

af) R. e MC deixaram de confiar no arguido quando telefonaram para o banco e foram informadas que o arguido já ali não trabalhava.

ag) na data dos movimentos descritos o arguido era gestor de conta de R. e MC.

ah) R. e MC davam presentes ao arguido.

ai) R. e MC pediam para ser atendidas pelo arguido em Loulé.

aj) a assistente e a irmã propuseram ao arguido patrocinar a equipa de natação do L., razão pela qual lhe entregaram as quantias em causa.

al) as quantias em causa foram entregues ao arguido por doação ou empréstimo

A expressão «aplicação financeira» é tomada, no despacho de acusação, num sentido que excede o mero depósito a prazo, e é nesse sentido que ela é também nesta decisão considerada - a distinção ajusta-se, aliás, aos elementos do extracto de fls. 22 e ss., onde, ao lado da abertura de contas, se verificam outras operações (subscrição de unidades de participação, carteira de títulos, participações em fundos), por vezes designadas mesmo como «aplicações financeiras».

Pese embora não corresponda à ortodoxia legal, optou-se por indicar em rodapé os principais documentos atinentes aos cheques (e ordens de transferência) em causa por facilitar a sua identificação e correlação com os factos – notando-se, embora, que todos os movimentos de depósito na conta 3490--- contam ainda de fls. 13 e ss. do apenso I.

Estes documentos, em articulação ainda com as declarações do arguido, que admitiu genericamente grande parte desses movimentos, permitiram fixar os factos objectivos atinentes aos movimentos descritos nos factos provados, ou seja, os dados dos cheques, os depósitos e movimentos, as datas de movimentação, as contas em causa, etc..

A identificação dos titulares das contas referidas deriva dos documentos dos autos, tendo sido ainda admitida pelo arguido. Assim:

- conta 908--- BPI - documentos de fls. 137 ss.
- conta 956--- BPI – documentos de fls. 142 e ss e do apenso I
- conta 333--- Banco Santander Tota - fls. 517 e 5/6 do anexo 6
- conta 979-- BCP – documento de fls. 326/7 (e ainda fls. 224 do anexo 5)

Quanto à conta 9003---, o arguido admitiu que se tratava de conta do filho, que ele controlava [o que seria de resto expectável. dada a idade do filho, nascido em 01.07.1995 (segundo as próprias declarações do arguido): à data teria 12 anos] – a titularidade decorria ainda do documento de fls. 133.

Quanto à conta 28199---, o arguido também admitiu a descrita titularidade da conta e essa titularidade também decorria do aludido documento de fls. 133.

Quanto à referida conta 956---, dela consta a designação L. F. R. natação, designação esta que se justifica por estar associada à secção de natação do L. (de que o arguido era à data director), sendo conta que o arguido controlava (apenas ele movimentava), como resultou dos depoimentos, genuínos e francos, das testemunhas VS, PP, JD e AP [que fizeram parte, juntamente com o arguido, da direcção da secção de natação do L.] - o que justifica, aliás, a correspondente menção nos factos provados.

A fixação dos factos descritos em 1 a 7 decorreu das declarações, críveis, da assistente R, do depoimento, que se notava ser objectivo, de MC (lido em audiência e no qual, aliás, se colheu o ano referido em 1 e parte dos dados referidos em 3) e do depoimento, convincente, de LH [filho da assistente, cuja casa frequentava e com quem mantinha relação próxima, razão pela qual tomou conhecimento de alguns aspectos dos factos em discussão] - sendo esta matéria que, nos seus termos essenciais, foi também admitida pelo arguido – sendo que os elementos documentais revelam, como já referido, o tipo de investimentos efectuados. A abertura da conta (e a data referida) decorria ainda dos documentos de fls. 108 e ss. e 742 – elementos estes (e muitos outros juntos aos autos, mormente os cheques em causa, os quais contêm o número da conta) que também indicam o número correcto da conta.

Verifica-se que ocorreram sucessivos movimentos a partir da conta da assistente e da sua irmã, cabalmente demonstrados (a partir dos documentos indicados e como consta dos factos provados) e que revelam que a assistente ficou privada da generalidade desses valores movimentados, os quais foram transferidos para a esfera jurídica do arguido ou de terceiro indicado pelo arguido (ou seja, na sequência de actos do arguido, o qual determina o destino da transferência).

A identificação do motivo determinante destes movimentos (a sua explicação) constitui momento essencial da discussão. Neste ponto, o arguido sustentou que tais movimentos foram autorizadas pela assistente e pela irmã desta, as quais lhe entregaram a movimentação das disponibilidades monetárias depositadas para o arguido as utilizar em finalidades comunitárias (de valor social) indeterminadas. Segundo o arguido, a assistente e a irmã não definiram quais os fins concretos da utilização dos fundos ou as entidades beneficiárias, e não controlavam a actuação do arguido, que também lhes não prestava quaisquer contas – sem elas sequer o questionarem sobre as utilizações efectuadas. Finalidade esta que era justificada pelo facto de a assistente e a irmã estarem zangadas com a família, a quem não queriam deixar nada. Esta versão não encontrou qualquer suporte probatório em meios de prova externos à versão do arguido. Foi contrariada pelas declarações da assistente e o depoimento de MC, e ainda pelo depoimento, que se teve por honesto e se mostrou convincente, de LH, e ainda por outros elementos indiciários. Assim pela forma como foi reportada a reacção da assistente, e desta e da irmã, quando se aperceberam que não existia dinheiro no banco (depoimentos impolutos e, aliás, distanciados dos interesses em conflito, das testemunhas AF [funcionário do B que recebeu a assistente na agência de Loulé] e JA [manteve contactos com a assistente por ser à data o responsável pelo balcão de Faro], infra melhor explicitados, e já que tal reacção se não ajusta à suposta intenção da assistente e sua irmã verem gasto todo o seu dinheiro depositado. Ou pela apurada intenção subjacente à abertura da conta: a assistente e a irmã eram motivadas por uma natural intenção lucrativa, a qual se não ajusta à forma como pouco depois decidem desfazer-se do seu dinheiro. Por fim, tal versão colide de forma frontal e flagrante com as regras da normalidade: em termos sintéticos, a versão é, mais que inverosímil, incompreensível e mesmo absurda. Ninguém entrega a terceiro a função de desbaratar as poupanças de uma vida, sem indicar finalidades e sem efectuar qualquer tipo de controlo, com base numa suposta zanga familiar. Demais a mais quando a assistente e a irmã ainda poderiam viver muito tempo e precisar ou beneficiar desse dinheiro. Note-se ainda que também nenhuma especial relação de amizade ligava a assistente e a irmã ao arguido: esta foi apenas afirmada pelo arguido, mas negada de forma consistente pela assistente e pela sua irmã MC (nas declarações de fls. 589 e ss.), e mesmo na versão do arguido (sem credibilidade) a amizade circunscrevia-se basicamente aos contactos em casa da assistente e da irmã, e contactos realizados por causa da conta – donde, aliás, ter tal matéria sido dada como não provada. Monta ainda, por fim, o facto de o dinheiro movimentado pelo arguido acabar por ser por ele usado em proveito (directo ou indirecto) próprio.

Assim, parte do dinheiro é transferido da conta da assistente para contas do arguido onde, ao menos em parte, é usado em aplicações financeiras pessoais do arguido ou na realização de vários pagamentos (v. extractos de fls. 13 e ss. do apenso I). Por exemplo, entrados na conta 220.000 euros da assistente (e irmã), logo a seguir é constituído um depósito a prazo, que é depois sucessivamente mobilizado (fls. 13 e ss.). O arguido afirmou que tais aplicações eram realizados automaticamente pelo banco mas a explicação só valeria para a primeira aplicação; a partir daí o arguido teria conhecimento da situação e caber-lhe-ia pôr-lhe termo; não obstante, as aplicações ocorrem de forma sucessiva (v.g., só considerando fls. 13, verifica-se a constituição de novo depósito a prazo e uma importante mobilização para um plano de reforma). E, de qualquer modo, a explicação é falsa, pois as aplicações ocorrem por iniciativa do arguido, como os documentos de fls. 30, 35/6 e 38 do apenso I revelam quanto ás aludidas operações (o que depois se repete vária vezes, mormente com a constituição de um depósito a prazo n valor de 345.000 euros – fls. 14 e 46 do apenso I – logo a seguir ao depósito do cheque 968--- da assistente, no valor de 347.585 euros). E esta utilização dos fundos desviados da conta da assistente é notória em muitas outras situações, espelhadas no aludido extracto do apenso I: assim, por exemplo, com o cheque 651--- (31.642,72 euros) em que a conta apresentava saldo negativo na data do depósito, sendo o remanescente do valor do cheque sucessivamente usado pelo arguido (fls. 22 e 180 e ss.); com o cheque 305--, depositado, com o respectivo valor a ser logo a seguir transferido para conta do arguido no BPI e utilizado num cheque (v. fls. 23, 204 e 205 do apenso I); com o cheque 7085--, depositado e logo a seguir o valor é mobilizado para a conta do L. ou em cheque à ordem do NG (fls. 24 216 a 219 do apenso I); e assim sucessivamente.

Parte do dinheiro depositado na conta do arguido é ainda encaminhado para a conta do L. (a conta 956---, que o arguido controla, como se refere a seguir: v.g. fls. 204 e ss. do apenso I) ou usado para efectuar pagamentos que o arguido associa ao L. (como sugeriu em audiência) e existem também movimentos directos da conta da assistente (e irmã) para aquela conta do L. – mas ainda aí se trata de proveito indirecto do arguido no sentido de que, sendo ele o director do núcleo de natação do L., e a pessoa que controlava de forma exclusiva essa conta (aludidas testemunhas VS, PP, JD e AP), poderia, a usar esses valores no L., obter a satisfação pessoal de ser reconhecido como um director eficiente (que mantém a conta provisionada e consegue equilibrar as contas da secção, por exemplo), assim como poderia, por outra via, utilizar esses valores em outras finalidades (pessoais) e já que apenas ele controlava a conta (segundo as aludidas testemunhas).

Por fim, ocorrem também movimentos para a conta de filho do arguido (à data com 12 anos), conta esta controlada pelo arguido (como este admitiu), pelo que seria também ele o beneficiário imediato do movimento realizado; e para a conta de NG, em movimento que se justifica notoriamente no interesse da sociedade RV Lda, gerida de facto pelo arguido como a testemunha FG revelou [de forma coerente, espontânea e isenta, tendo conhecimento directo de tais factos por ter participado na criação da sociedade e acompanhado a sua situação], e no qual se acreditou, apesar da negação do arguido – sociedade esta de que aquele NG era sócio, juntamente com uma filha do arguido, e na qual a testemunha FG colaborava, nos termos expostos de forma franca e convincente por esta testemunha, e que revelou que os movimentos dos cheques de fls. 218 e 203 do apenso I (ambos endossados e saídos da conta do arguido, essencialmente provisionada com fundos da assistente), foram usados para cobrir o saldo negativo de conta da RV.
De outra banda, existem também situações estranhas, como a emissão dos cheques bancários: assim com o cheque 708508, solicitado pela R., emitido à ordem do BPI, e que, sem endosso, é depositado na conta do arguido (fls. 24 do apenso I): se a R. pretendia entregar o valor ao arguido não precisava de solicitar um cheque bancário à ordem do BPI; o depósito do cheque em conta do arguido, sem o tomador do cheque (o BPI) o endossar é uma irregularidade (e ilegalidade) que só se pode justificar pela posição do arguido no seio da agência de Albufeira do B , e a situação só se pode explicar pela manipulação da R. (motivada por uma intenção de apropriação). E algo de próximo se passa com os cheques bancários emitidos a favor de uma sociedade Segunda Torre ---SA (cheques 1925-- e 1922--, no valor de 80.000 e 110.000 euros), que acabam depositados em contas dos arguidos, sociedade aquela que aparentemente não existe (fls. 200), o que não impede que os cheques sejam endossados. Também aqui a situação se presta à manipulação dos factos.

É, pois, notoriamente falsa a explicação do arguido – que, note-se ainda, em audiência não sustentou que a assistente e a irmã se tivessem tornado de algum modo patrocinadoras do clube L. (na natação), situação que também foi negada pela assistente e pela irmã MC e não foi atestada por nenhum outro meio de prova (o que explica, aliás, a exclusão da matéria da al. aj) dos factos não provados). Ora, sendo esta versão falsa (o que explica a exclusão da matéria da al. z) dos factos não provados), e não havendo outra, seguia-se que a utilização das disponibilidades monetárias pelo arguido era efectuada sem o conhecimento e contra a vontade das titulares da conta. Que é justamente o que a assistente e sua irmã MC sustentam, de forma convincente. O que se pretende realçar é que, além do capital de credibilidade da versão da assistente (e da MC), a falta de explicação alternativa torna essa versão indiscutível. Com efeito, se a única explicação que o arguido tem para a realização dos movimentos é falsa (e tão flagrantemente falsa), segue-se, com manifesta segurança, que nenhuma outra dispõe, ou seja, que os movimentos foram realizados sem explicação (no sentido de que foram realizados à revelia das titulares da conta, que nenhum acordo da assistente e da sua irmã interveio nos movimentos realizados, que nenhum outro tipo de convenção ou negócio existia entre o arguido e a assistente e sua irmã) – pois, a existir, não teria o arguido que silenciá-lo, substituindo-o por uma versão manifestamente insustentável (e que o prejudica).

Resta fixar a forma como o arguido conseguiu efectuar os movimentos em causa.

Os movimentos são realizados através de cheques (sempre assinados pela R.) ou cheques bancários (emitidos a partir de requisições assinadas por esta R.) e, por duas vezes, através de ordens de transferência (uma delas, a fls. 134, assinada pela R.; na outra o documento disponibilizado, a fls. 135, não permite discernir a sua assinatura).

No contexto definido, o arguido só poderia ter acesso a tais documentos assinados pela R. de duas formas: ou falsificava estas assinaturas, ou enganava a R. (e a MC, apesar de esta depois não assinar documentos). Nenhuma outra explicação é excogitável, dada a posição da assistente e da sua irmã (que ignoram os reais movimentos realizados pelo arguido e por isso com ele não colaboram esclarecidamente, mormente no âmbito de qualquer acordo entre eles existente).

A MC tende a negar a utilização de cheques. Mas as suas declarações não são, neste aspecto, determinantes, já que, de um lado, esta nunca assinou nenhum dos documentos relevantes, e, de outro lado, está subjacente ás declarações do arguido e da assistente, e ainda da testemunha LH, que o relacionamento era estabelecido de forma prioritária com R., dada a situação médica da MC.

Mais importante é, assim, a assistente, dada a sua intervenção preferencial nos factos. Também esta tendeu a negar a utilização de cheques, ou a assinatura de documentos [quer nas declarações em audiência, quer em reunião ocorrida em agência do B, relatada pelas testemunhas JG (desempenha funções de auditoria no B, funções no âmbito das quais realizou diligências de investigação da situação após a denúncia da assistente, tendo tido contacto com esta) e LR (responsável pelo departamento de auditoria do B, esteve presenta na aludida reunião)]. Mas, ao menos na audiência de julgamento, a sua afirmação foi algo dubitativa (acha, disse, que nunca teria assinado nada em casa). E, confrontada com algumas das assinaturas dos autos, a sua reacção foi sintomática, afirmando, face a fls. 757 e depois 758 (cheques), que a assinatura era igual ou muito bem imitada, para a seguir, face a fls. 759, afirmar que era a sua assinatura, mas que se não lembrava de ter assinado aquele documento . Ou seja, acabou por admitir, por esta forma, que teria assinado cheques e documentos (no seu domicílio). Sendo que a sua negação (embora hesitante) inicial se compreende pela notória fragilidade da assistente, dada a sua idade, revelada em audiência (mesmo em termos de raciocínio) – sendo notório que a sua memória já não se comportava de forma segura e precisa, sem que tal correspondesse a qualquer intenção fraudulenta da assistente. Por exemplo, negou ter estado numa reunião bancária com o seu filho, a referida testemunha LH, sendo a ocorrência desta reunião reportada por esta testemunha e pela testemunha JA - sem que aquela negação da assistente corresponda a qualquer interesse próprio da assistente, pois ela não nega a reunião, ou qualquer facto contrário aos seus interesses. E mesmo a sua versão sobre as assinaturas não corresponde notoriamente a qualquer interesse em ocultar quaisquer factos desfavoráveis.

Depois, o conjunto de documentos disponíveis no processo que contêm assinaturas da assistente (mormente os originais de fls. 743 e ss.) pautam-se por uma elevada consistência de tais assinaturas, própria da sua realização pelo autor/criador da assinatura, a assistente – sendo essa semelhança das assinaturas igualmente reportada pelas testemunhas JG e LR, a partir da comparação que realizaram entre as assinaturas dos documentos que estão na origem dos movimentos da conta e documentos da assistente (como a ficha de assinaturas ou o bilhete de identidade da assistente). Sendo que muitos dos documentos disponíveis respeitam a movimentos bancários «legítimos», isto é, a criação de contas ou investimentos, no interesse da assistente, e que, de um lado, o arguido não teria interesse em falsificar, e, de outro lado, em relação aos quais seria natural que o arguido colhesse as assinaturas necessárias (na residência da assistente e irmã) – e que a assistente colaborasse.

De outra banda, a falsificação das assinaturas (ao menos nos cheques, pedidos de emissão de cheques bancários ou ordem de transferência) é pouco plausível no quadro exposto, quer pela consistência e semelhança das assinaturas, quer pelo demais enquadramento exposto, mormente com a manipulação das lesadas (a perícia realizada revelou-se inconclusiva).

Sendo assim, sendo os cheques (e demais documentos) assinados pela assistente, e não tendo esta concordado em entregar os valores em causa ao arguido, este teria que a ter ludibriado, para conseguir as assinaturas em causa.

Aliás, a disponibilidade do arguido (sempre pronto a deslocar-se à casa da assistente e da irmã, mormente quando trabalha em Faro e em Albufeira – como aquelas referiram e o próprio arguido admite) é claro sinal do seu interesse próprio nas deslocações, no facto de estas visarem uma satisfação patrimonial pessoal – e assim visarem a obtenção dos documentos que lhe permitiam ir-se apoderando das disponibilidades da assistente e da irmã. E sinal ainda do seu interesse em as isolar, em evitar a sua deslocação ao banco e, assim, em o arguido manter o controlo sobre a assistente e a irmã e sobre a sua posição bancária (monopólio da informação e da disponibilidade da conta). O tratamento de outros assuntos bancários (v.g. investimentos) era apenas o expediente aquilo que permitia ao arguido manter aquele controlo.

Assim, estas considerações probatórias sustentaram a fixação da matéria descrita em 8 a 26, inferindo-se os factos subjectivos (conhecimentos e decisões do arguido) dos expostos dados probatórios e da descrita conduta do arguido.

Em particular, nota-se também que as menções relativas à intervenção do arguido quanto aos cheques 192--, 192--- e 968--- decorreram do depoimento, crível e coerente, da testemunha LC [funcionário do B, no qual trabalhou com o arguido, tendo tido intervenção na emissão de cheques bancários – que, aliás, referiu treme sido pedidos pelo arguido e a este entregues] e dos documentos assinalados (sendo que as assinaturas do arguido são iguais a muitas outra espalhadas por documentos dos autos, e as assinaturas do arguido nos cheques 1925--, 1922--, 1923---e 6968-- são claramente iguais entre si).

No que especificamente concerne aos levantamentos de cheques, não existe demonstração directa da pessoa a quem os cheques foram pagos.

O arguido, cautelosamente, afirmou não se recordar de ter efectuado levantamentos na caixa. A assistente afirmou que apenas efectuou um levantamento em Loulé para pagar o IRS (e não teria nunca efectuado levantamentos com cheques).

As testemunhas VC, AV e o já referido AF [todos funcionários do B, razão pela qual revelaram conhecimentos sobre esta matéria] foram algo cautelosas quanto à possibilidade de pagarem cheques a pedido do gerente sem o cliente estar presente – embora a primeira tendesse a admiti-lo e a segunda e terceira acabassem mesmo por admitir que tal poderia suceder. Contudo, nenhuma delas recordava ter pago cheques nessas condições a pedido do arguido. A testemunha VG [que trabalhou na agência de Albufeira do B quando o arguido ali era subgerente] foi mais desassombrada (se calhar por já não trabalhar no B…) e admitiu frontalmente esse procedimento, tendo concretizado que o arguido lhe pediu para efectuar esse tipo de pagamentos (sem a presença do cliente) – embora sem poder associar os pagamentos que fez ao arguido à assistente ou à irmã desta (ou seja, ignorando quem era o cliente cujo cheque pagava). Assim, estes depoimentos permitiam concluir, de um lado, que os cheques podiam ser pagos na caixa a pessoa diferente do seu titular, mas não podiam associar directamente o arguido aos específicos levantamentos em causa no processo (mesmo quanto à testemunha VG, a qual não recordava quem eram os titulares dos cheques que pagou.

Acresce, quanto à agência de Loulé, que a testemunha AF referiu que efectuou o pagamento de cheques na caixa à assistente – depoimento que se teve por verosímil. Ponto onde as aludidas fragilidades de memória da assistente também relevam, por não permitirem aceitar sem reservas a sua versão. Significa isto que, quanto aos levantamentos realizados em Loulé, não é possível afirmar que foi o arguido quem os realizou (cheques 869423---, 86191--- e 8651--- ). Isto mesmo levando em conta que o arguido deposita numa das suas contas 10.000 euros no dia 11.06.2008 (fls. 26 do apenso I), em data próxima aos levantamentos de 5 e 9.6.2008 (de 10.000 e 2.000 euros respectivamente), pois não é possível estabelecer uma relação directa entre os levantamentos e o depósito).

Já não assim para os cheques 864395--- e 864395---, pois, quanto a estes, existem elementos indiciários que os permitem associar ao arguido (e excluir a assistente). Assim: i. foram levantados na agência de Albufeira em época na qual o arguido era ali subgerente (fls. 239); ii. a aludida testemunha VG referiu, como se disse, ter efectuado pagamentos de cheques de clientes ao arguido, a pedido deste; iii. os demais factos revelam a utilização de cheques pelo arguido, e a apropriação das respectivas quantias; iv. a assistente não tinha interesse em se deslocar àquela agência (nem consta que lá tenha ido), dado residir tão perto de outra. Neste quadro, os aludidos elementos, directamente comprovados, quando conjugados coincidem na formulação de um resultado unívoco, permitindo inferir, com segurança, que o arguido interveio na operação em causa. Tal é a natural consequência, ou resulta com uma probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, do conjunto de dados expostos. Donde a sua afirmação.

Quanto ao cheque 86510---, não havendo prova directa da identidade do destinatário do seu pagamento (na caixa), e ignorando-se em que agência foram levantados, não é possível imputá-los ao arguido. Donde a exclusão da respectiva matéria.

A matéria descrita em 27 decorreu dos elementos documentais disponíveis (fls. 83, 137, 159/344 e 343), os quais também revelam a sua recusa - fls. 83: o valor foi automaticamente debitado na conta mas, recusado, o valor foi logo a seguir creditado; não foi, pois, usado pelo arguido, assim se justificando a exclusão da alegação de que o arguido gastou o valor inscrito no cheque.

No que toca aos documentos de fls. 102 e 104, as folhas correspondem a folhas do B (com o logotipo e o rodapé) [segundo o depoimento, sempre isento, da referida testemunha JA]. Já a sua mancha gráfica é absolutamente estranha aos documentos emitidos pelo B [também segundo a referida testemunha JA]. Quanto aos documentos de fls. 101 e 103, a forma como é apresentado o seu conteúdo corresponde à forma de apresentação dos documentos do B [mesma testemunha] mas o seu teor não corresponde a movimentos reais da conta da assistente (e irmã), sucedendo o mesmo com os documentos de fls. 102 e 104 [como resulta da mera comparação com o extracto de fls. 87: na data da constituição dos supostos depósitos de fls. 101 e 103, e nas datas dos documentos de fls. 102 e 104 (Novembro e Dezembro de 2011) já a conta apresentava saldos negativos ou a zero].

É evidente, a partir do seu conteúdo, que aqueles documentos visam falsear a situação bancária da assistente e irmã, dando desta situação uma visão próspera, e assim ocultar a real situação bancária daquelas (e, simultaneamente, ocultar a actuação do arguido). A assistente não tinha uma recordação precisa dos documentos, e só dubitativamente atribuiu a sua entrega ao arguido. Sucede que o arguido é a única pessoa que tem interesse na ocultação da situação bancária da assistente e irmã (pois é ele o responsável por tal situação), e é também a única pessoa do B (com acesso ás folhas do banco) que tem acesso à assistente. Neste quadro [acesso a folhas em branco do banco; os documentos só servem para enganar a assistente (ocultar factos de desapropriação); apenas o arguido, que desapropria, tem interesse em enganar], é evidente que apenas o arguido poderá ser o autor de tais documentos. Donde a imputação realizada e descrita em 28 dos factos provados (mormente quanto à intenção do arguido).

No que toca ao descrito em 29 a 31, considerou-se que estes factos decorriam de forma segura, por inferência e com apoio nas regras da normalidade, das descritas condutas do arguido – sendo que a sua delimitação temporal, de um lado, e a relativa homogeneidade da conduta, por outro lado, permitem admitir (inferir) a existência das descritas resoluções criminosas.

A matéria descrita em 32 decorria das declarações da assistente, e bem assim da aludida MC, que se mostram credíveis: saindo o arguido de Loulé (na data descrita: fls. 239), natural seria que passasse o arguido a realizar as deslocações descritas (à residência), quer pelas fragilidades da assistente e da sua irmã (esta a realizar diálise três vezes por semana), que também nenhum interesse teriam em se deslocar a Faro (para onde o arguido se deslocou primeiramente) quer pelo interesse (manifesto nos factos provados) do arguido em as acompanhar, o que não poderia fazer estando em Faro (e em Albufeira, onde também foi colocado – v. aludido documento de fls. 239). Aliás, o arguido ainda acabou, embora de forma pouco clara, por admitir esta matéria, embora afirmasse que os contactos ocorriam apenas por amizade. Ponto onde, aliás, se não atendeu à sua versão, valorando antes as referidas declarações da assistente e de MC (o que justificou a fixação da matéria descrita em 34), quer pelo valor persuasivo destas declarações, plausíveis mormente no contexto que os factos provados revelam (contexto que realça o interesse próprio do arguido nas deslocações, sem espaço para que qualquer amizade intervenha), quer pela falta de valor persuasivo das declarações do arguido (já que tal versão, como se referiu já, é claramente antagónica à verdade, sendo ainda que, neste ponto, o arguido nunca foi capaz de explicar cabalmente quer a origem da amizade, quer em que ela se traduzia) – o que explica, aliás, a exclusão da matéria da al. x) dos factos não provados. As declarações da assistente e de MC também sustentam a fixação do descrito em 35 – matéria que, aliás, se ajusta com manifesta propriedade aos demais factos provados, mormente quanto ao sentido e alcance dos contactos estabelecidos entre o arguido e aquelas R. e MC.

A matéria descrita em 33 inferia-se da conduta do arguido, à luz dos documentos dos autos - notando-se, por exemplo, que a generalidade dos documentos de depósito se mostram assinados pelo arguido [o que se atesta de forma clara pela mera comparação com as assinaturas de fls. 38 do apenso I, que o arguido reconheceu como sua (constando naquele apenso muitas outras assinaturas iguais em documentos que apenas ao arguido respeitam, que teria que ser ele a assinar), ou de fls. 163, que a testemunha LC reconheceu como sendo do arguido].

A matéria descrita em 36 decorre do aludido documento de fls. 239.

No que concerne ao momento em que R. e MC se aperceberam da real situação da sua conta, a prova produzida não permitia formar uma convicção segura sobre tal matéria.

Assim, a assistente MC revelou que, na sequência de instruções da irmã, se dirigiu ao B (agência de Loulé), tendo sido a partir desse momento que ela e a irmã se aperceberam da situação – mas não sabia a data desses eventos, nem sequer o ano. Afirmou ainda não reconhecer o documento de fls. 105 - o que é compreensível, atenta a sua aludida fragilidade.

A sua irmã MC, nas declarações lidas em audiência, reportou esses factos a Abril de 2011, embora em termos dubitativos quanto ao ano. Reportou-se ainda a um documento de fls. 88 (enviado de Lisboa) mas este documento (onde consta a mesma operação que o documento de fls.105 contém) tem a data de 22.11.2012 (e reporta-se a operação de Agosto de 2011) e aquela MC refere que o documento seria anterior ao episódio de Abril de 2011. Ou seja, neste aspecto, e quanto a esta última data, as declarações não são muito esclarecedoras. Mais seguro seria, pois, considerar as datas deste documento de fls. 88, mesmo no quadro deste depoimento.

O documento de fls. 105 [que estava em poder da assistente e sua irmã, e cuja autenticidade é segura, segundo o depoimento da testemunha JA (gerente da agência do B em faro na altura em que o recebeu da assistente e sua irmã)], não tem data mas reporta-se a Agosto de 2011, pelo que, de acordo com o depoimento, honestos, da aludida testemunha JG seria emitido e enviado nos primeiros dias de Setembro daquele ano. Seria também por essa altura, pois, que a R. e MC dele teriam conhecimento: estando o documento em poder delas, pelo que pelo menos nesta altura teriam tomado conhecimento da situação (o que se ajusta também à menção, em baixo referida, de que nas primeiras indagações da assistente era feita a referência a um documento que indicava um saldo negativo ou a zero).

Por fim, esta testemunha JG (com apoio também no depoimento da testemunha LR) revelou que os extractos relativos à conta de R. e MC foram sempre emitidos, com periodicidade mensal, não constando do sistema qualquer instrução visando o seu cancelamento. Acresce que tais extractos seriam emitidos para a morada da assistente e da sua irmã que constavam dos dados bancários (e onde elas efectivamente residiam), não havendo notícia da sua devolução. Estes elementos sugerem, pois, que aqueles extractos foram recebidos pela assistente e sua irmã – embora não o atestem necessariamente, pois eles não revelam de forma directa a efectiva recepção dos extractos. Sucede, porém, que a assistente R. e MC negam ter recebido tais extractos, e assim terem conhecimento dos factos em data anterior àquela que a MC refere. E existem dados indiciários (alguns já aflorados supra) que também dão consistência a esta alegação de ignorância, como o estado em que ficou R. quando se deslocou à agência de Loulé e soube que não tinha dinheiro no banco (como resulta do depoimento claro e honesto da referida testemunha AF, que a recebeu naquela agência – testemunha que também refere que a R. se referia a um extracto com saldo a zero ou negativo que teria recebido como a causa próxima da deslocação à agência bancária), a forma como esta R. contactou o filho e o estado em que ficou (relatado de forma crível pela aludida testemunha LH) e ainda a forma como se apresentam (muito transtornadas, assustadas) em contactos ocorridos em Abril/Maio de 2012 (segundo o depoimento, isento e franco, da testemunha JA, gerente do balcão de Faro do B, com quem os contactos ocorrem ). Ora, estes dados tendem a revelar que só por esta altura a R. e a MC se apercebem do estado da conta – e assim que os extractos que o B garante emitir (e mesmo ignorando-se o seu percurso) não teriam conduzido a tal conhecimento.

A circunstância de ser aparentemente rigorosa em certos apontamentos (fls. 1646 e ss.) nada acrescenta à discussão porque fica por revelar que foi igualmente rigorosa com os dados da conta em causa e, ainda que o fosse, os respectivos apontamentos iriam traduzir a falsa realidade que o arguido mantinha e não a verdadeira (que justamente ignoram).

Assim, neste quadro, não é possível estabelecer com segurança o momento exacto em que a assistente e a sua irmã têm conhecimento da situação, Pode é afirmar-se que esse conhecimento existiria seguramente após a recepção do extracto de fls. 105, tendo em conta as declarações de MC, o documento de fls. 105, e o referido por AF e LH – donde a fixação do descrito em 37 e a exclusão da matéria das al. ac) e ad) dos factos não provados.

Nota-se que as referidas declarações de MC a fls. 589 dos autos foram validamente lidas em audiência. Donde que, admitida a leitura daquelas declarações (admissão do meio de prova), e submetidas a contraditório em audiência (assunção do meio de prova), daí decorre a possibilidade de valoração de tais declarações lidas para efeitos de formação de convicção quanto ao objecto do processo (aquisição do meio de prova) [J. Damião da Cunha, O Regime Processual de Leitura de Declarações (…), RPCC, ano 7, Julho-Setembro 1997, pág. 417]. É certo que, a não ter falecido, a aludida testemunha seria agora ao menos demandante (e provavelmente assistente) mas trata-se de circunstância irrelevante. De um lado, tal não ocorreu. De outro lado, e mesmo a ter ocorrido, seria indiferente porque o regime do art. 356º se reporta genericamente ao declarante, dando conta que a qualidade do declarante não é relevante, e ainda porque o estatuto da testemunha e do demandante/assistente é, no essencial, análogo pois, pese embora a demandante/assistente não preste juramento, fica ainda assim sujeita a um dever de verdade.

Quanto ao descrito em 38, a assistente e sua irmã, MC, admitiram a primeira parte da matéria descrita, decorrendo a segunda do depoimento, sempre convincente, da testemunha JG.

Quanto ao descrito em 39, atendeu-se ao depoimento, objectivo, da aludida testemunha JG, pese embora se tenha apresentado taxativo demais, sendo tal peremptoriedade relativizada pelos depoimentos, honestos, das já referidas testemunhas VC e AF [a primeira destas testemunhas foi funcionária do B, mormente em Almancil, e a segunda ainda é funcionária do B, razão pela qual tinham conhecimento das práticas adoptadas], as quais admitiram a ocorrência dos contactos referidos na parte final da matéria descrita.

O apuramento dos factos descritos em 40 decorre dos elementos documentais referidos nas respectivas notas de rodapé.
Ocorrem outras entregas de valores (limitadas embora) na conta da assistente mas não se podem imputar ao arguido por nenhuma prova o demonstrar.

Os factos reportados em 41 decorreram do relatório social (em que, pelas suas fontes e metodologia, se confiou) e do CRC juntos aos autos, e ainda dos depoimentos, convincentes, das testemunhas EP, AA, MM, TG, PG e MT [que conheciam o arguido, com quem lidaram por razões de amizade ou profissionais].

Em particular, e quanto à parte final da al. c) dos factos não provados, nota-se que aquilo que MC refere a fls. 590 não é coincidente com a alegação, e nenhum outro meio de prova atesta esta garantia directa do arguido – e por isso se excluiu esta matéria.

No que concerne ao descrito em f) dos factos não provados, nem a assistente nem MC se reportaram a aplicações financeiras – no que excedem as contas de depósito a prazo. E a versão do arguido suscita reservas fundadas, pelos motivos a seguir explicitados, o que justificou que nela se não confiasse. Razões análogas valem ainda para a exclusão de semelhante referência em outros pontos (mormente nas al. g) e h) dos factos não provados).

Quanto ao descrito em u) dos factos não provados, considerou-se que apenas se podiam ajuizar os documentos conhecidos no processo e, de outro lado, a falta de prova da continuação da conduta após o arguido sair do banco (aliás, o arguido ainda exercia funções no banco nos anos referidos no despacho de acusação: apenas sai em Novembro de 2011 – fls. 239).

A aludida dificuldade em compatibilizar o documento de fls. 88 com as declarações de MC também justifica que se não tenha, nessa parte, atendido ás suas declarações (impossíveis de esclarecer em audiência) e assim, e na falta de outra prova, se tenha excluído a matéria da al. ae) dos factos não provados.

O arguido negou a matéria referida em ag) e apenas a testemunha LH se reportou a esta matéria mas, notoriamente, sem conhecimento directo nem preciso, Donde a sua exclusão.

Quanto aos demais factos não provados que não foram expressamente considerados, foram excluídos por não ter sido produzida prova que os confirmasse ou por se terem apurado factos distintos, incompatíveis com aqueles que se excluíram.

O depoimento da testemunha AA, que se reportou genericamente à situação do L., acabou por não facultar elementos probatórios pertinentes.

Na parte não considerada, os articulados do pedido de indemnização e da contestação do BP apenas continham matéria probatória, conclusiva ou de carácter jurídico, e não factos directamente pertinentes.

Eliminaram-se:
- os adjectivos e advérbios (sobretudo de modo) usados, por conclusivos: apenas traduzem a opinião (um juízo de valor) do acusador sobre os factos descritos (e por vezes não descritos)

- a menção «o arguido montou um estratagema que consistia» por conclusiva: os dados (referidos no despacho de acusação) que descrevem o «estratagema» constituem os factos relevantes; a sua designação como estratagema é uma mera qualificação de tais factos (e que, dada a imputação penal em causa, tem um sentido demasiado próximo à descrição legal).

- a menção «em proveito próprio» por conclusiva: constitui a qualificação da concreta finalidade em que a quantia foi usada, finalidade não descrita (só indicando em que fim específico foi o dinheiro usado se poderia concluir que esse uso foi em proveito do próprio arguido, ou de terceiro; de todo o modo, o que interessa é o desvio da quantia, em detrimento dos seus titulares, e a subjacente intenção do arguido)

- a menção «como o seu estratagema funcionou» por conclusiva: é a avaliação que o acusador faz dos factos que descreve (donde, aliás, o uso no despacho de acusação da conjunção «pois» para fazer a ligação aos factos que sustentam a avaliação feita)

- a menção «aproveitando-se da avançada idade das ofendidas e da relação de confiança que com elas estabeleceu» por conclusiva: pese embora inserida em parágrafo aparentemente dedicado à descrição dos elementos subjectivos relevantes, a menção tem carácter exclusivamente objectivo (i. é, qualificando a actuação do arguido, e não descrevendo um estado subjectivo, não se reportando ao conhecimento e vontade do agente dos factos) e, nessa feição, traduz uma avaliação (valoração) da conduta do arguido.

5. Apreciação dos crimes imputados

Imputa-se ao arguido a prática de:
- dois crimes de burla qualificada, p. e p. pelos art. 217º n.º 1 e 218º n.º 1 e 2 al. a) e c) do CP, e
- um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo art. 256º n.º 1 al. a) do CP.

No que toca aos crimes de burla, e de acordo com o art. 217º n.º1 citado, pune-se quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial.

São seus elementos típicos:
i. a intenção de o agente obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo,
ii. determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial,
iii. por meio de erro ou engano,
iv. que o agente astuciosamente provocou.

O primeiro requisito constitutivo configura um elemento subjectivo especial do tipo de ilícito que deve anteceder ou, ao menos, ser contemporâneo do início da acção. Por sua vez, o enriquecimento (traduzido por um incremente patrimonial) é ilegítimo quando não tem qualquer título justificativo.

Quanto ao engano ou erro, pode aceitar-se como sendo uma falsa representação da realidade [quer se reporte a factos falsos tidos por verdadeiros, quer se reporte a factos verdadeiros que são adulterados ou dissimulados].

Depois, exige-se que o engano seja provocado por astúcia, a qual, numa primeira aproximação, envolve uma conduta caracterizada pela subtileza, sagacidade, engenho ou habilidade, que adultera a vontade do enganado, levando-o a acreditar na falsa representação da realidade. Para além desta afirmação meramente tópica, cumpre ainda sedimentar o conceito típico de astúcia. Ponto onde se começa por sublinhar que se mostra superada a solução que agregava esta astúcia à necessidade de o agente montar uma determinada “mise en scène”, com a prática de actos materiais mais ou menos sofisticados.

Diversamente, aceita-se hoje dominantemente (ou mesmo já pacificamente) que a falsa representação da realidade, em que o erro ou engano se traduz, pode derivar da mentira simplesmente verbalizada [v. Ac. do STJ de 12/03/92, proc. 42115, Almeida Costa, CCCP, II, pág. 296 a 299, Simas Santos e Leal Henriques, CP Anotado, 2º vol., pág. 837, Marques Borges, Crimes Contra o Património em Geral, pág. 22 ou, aparentemente, P. P. Albuquerque, Com. do CP, UCE 2008, pág. 600, quando define a astúcia como o aproveitamento de uma vantagem cognitiva do agente sobre o burlado, que lhe permite manipular a vontade do burlado, o que pode ocorrer com a mentira], por vezes a mais eficaz forma, nas circunstâncias do caso, de induzir em erro. Podendo, a partir daqui, reconhecer-se que verdadeiramente essencial a esta burla é que ocorra uma manipulação do sujeito visado, assente num comportamento declarativo que, em si, não necessita de especiais configurações ou de um qualificado engenho operativo. Ao invés, esta manipulação procurará, na regularidade dos casos, medir-se por aquilo que, nas circunstâncias presentes, seja estritamente indispensável à provocação ou manutenção do erro. Essencial é que o agente tenha o «domínio do erro» e, dessa forma, seja o dominus da situação, com a manipulação do visado de forma desleal, para além dos limites da boa fé, ainda que para tanto use meios simples (como a mera mentira), desde que bastantes ou suficientes para alcançar aquele domínio desvalioso.

Como já ficou implícito, tem que ocorrer um nexo de causalidade, entre a astúcia e o aparecimento na vítima de um estado de erro ou engano. Além disso, tem que existir ainda um nexo equivalente entre este estado e a prática de actos lesivos do património [por isso se fala aqui de um duplo nexo de causalidade (ou triplo para quem divide o segundo nexo causal referido num nexo entre o erro e a prática de actos, e noutro nexo entre estes actos e o prejuízo do ofendido; mas tem-se a precisão analítica por dispensável)].

Por fim, nota-se que não se exige o enriquecimento efectivo do agente [o enriquecimento é, na estrutura típica, um elemento meramente subjectivo, relativo à intenção do agente, não sendo necessária a sua efectiva verificação], sendo suficiente o empobrecimento do burlado ou terceiro (decorrente do prejuízo patrimonial).

Ora, perante estes dados, verifica-se que o arguido aproveitou a sua qualidade (funcionário bancário) para se colocar em posição de manipular a assistente (e a irmã). Com efeito, e dada aquela sua qualidade (com a inerente ideia de conhecimento profundo da actividade bancária, mormente ao nível dos investimentos através do banco), o arguido começou a tratar dos assuntos bancários da assistente e da irmã desta, dando dessa actividade uma ideia de sucesso (efectivo ao menos no início, como consta dos factos provados) que lhe atribuía inerentemente certas qualidades (competência, honestidade).

Acresce que tratou também de transferir a intervenção da assistente (e sua irmã) nessas operações do banco para a casa daquelas, onde se deslocava, o que acentuava o seu mérito pessoal (dando para a assistente e irmã a imagem de pessoa disponível e altruísta) ao mesmo tempo que lhe permitiu isolá-las (tornando-se o único interlocutor delas e, assim, passando a ter o monopólio da informação a que elas acediam). Quadro no âmbito do qual, de forma natural, a assistente e a sua irmã passaram a confiar no arguido. Momento em que este passa então a manipulá-las, obtendo assinaturas sob a falsa invocação de movimentos bancários legítimos e favoráveis à assistente e irmã, no que estas acreditam – induzindo-as, pois numa falsa representação da realidade (erro).

Trata-se de uma actuação já com algum grau de complexidade, em que a mentira (a invocação de falsos investimentos bancários) é precedida de uma cuidada encenação que lhe atribui o controlo da situação da assistente e da irmã e o poder de as determinar de forma segura. Aqui, o domínio do erro escora-se na construção de uma situação de monopólio e confiança que revela com clareza a astúcia penalmente relevante - e astúcia (manipulação) esta determinante do erro provocado.
Esse erro conduz, por sua vez, à prática de actos (a emissão de documentos bancários) que visavam prejudicar a assistente e a irmã, privando-a das disponibilidades monetárias depositadas.

O arguido também visava obter um enriquecimento indevido (ilegítimo à luz do direito), traduzido no recebimento daquelas disponibilidades, que lhe não pertenciam.

Por fim, actuando de forma dolosa (com conhecimento e vontade de agir na forma descrita), fica preenchida a tipicidade do crime de burla – o qual se concretiza por duas vezes, dada a duplicidade de resoluções criminosas.

Estes crimes vêm imputados na sua forma agravada, por referência ao n.º1 e ao n.º2 al. a) e c) do art. 218º do CP.

A al. c) reporta-se à circunstância de o agente se aproveitar de situação de especial vulnerabilidade da vítima, em razão de idade, deficiência ou doença.

Como decorre da letra da norma em causa, a circunstância qualificativa radica na vulnerabilidade da vítima, e não apenas na sua idade. Esta idade é legalmente tida por índice ou fundamento possível daquela vulnerabilidade mas não constitui, por si, fundamento da punição agravada. Significa isto que a idade das vítimas tem que ser acompanhada de circunstâncias que revelem que essa idade se reflecte na sua capacidade de discernimento ou autodeterminação que as coloquem, justamente, na situação de vulnerabilidade legalmente pressuposta. Além disso, tem que se tratar de uma vulnerabilidade especial, o que também indica que não basta uma qualquer vulnerabilidade que, em tese ou em abstracto, se queira associar à idade da vítima, mas uma vulnerabilidade qualificada, concretamente decorrente da situação da vítima (mormente em razão da idade). Ora, no caso os factos não revelam esta especial vulnerabilidade (que não decorre sem mais da idade das vítimas, como se disse) – notando-se que da situação da assistente em audiência (aflorado na motivação, supra) não se pode retirar que fosse já esse o seu estado aquando dos contactos com o arguido.

O n.º1 do art. 218º do CP agrava a punição quando o prejuízo patrimonial for de valor elevado.

A al. a) do n.º2 do referido artigo agrava a responsabilidade quando o prejuízo patrimonial for de valor consideravelmente elevado. O que ocorre face ao disposto no art. 202º al. b) do CP: valor consideravelmente elevado é aquele que exceder 200 UC avaliadas no momento da prática do facto; na data do primeiro crime (2005), a UC tinha o valor de 89 euros, pelo que o valor consideravelmente elevado seria superior a 17.800 euros; em 2007/2008 (segunda burla), a UC tinha o valor de 102 euros, sendo assim consideravelmente elevado o valor superior a 20.400 euros; naquela primeira situação, o valor retirado ascende a 655.734 euros, sendo de 582.678,91 euros depois de desconsiderados os valores devolvidos (antes do segundo crime); nesta segunda situação, o valor ascende a 279.479,02 euros, sendo de 252.127,02 euros depois de desconsiderados os valores devolvidos (depois de iniciado este segundo crime). Verifica-se assim que a qualificativa está notoriamente preenchida nas duas vezes.

Naturalmente, a verificação desta qualificativa consome e exclui a qualificativa do n.º1 do art. 218º, que se reportava ao valor simplesmente elevado (superior a 50 UC).

As objecções suscitadas pelo arguido relativamente ao direito de queixa, e para além de deverem soçobrar por outras razões, ficam prejudicadas por o procedimento criminal pela prática do crime de burla qualificada não depender de queixa.

Segundo o art. 256º do CP incorre em responsabilidade criminal quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime:

a) Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo;
b) Falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram; c) Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento; d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante;
e) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou
f) Por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito.

Tendo em conta o disposto no art. 255º al. a) do CP, na parte que ora especialmente releva, o documento é a declaração corporizada em escrito, inteligível para a generalidade das pessoas ou para um certo círculo de pessoas, que, permitindo reconhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante. É manifesto que os documentos em causa contêm declarações (atinentes a depósitos, valores e datas relevantes), suportadas em papel escrito, sendo generalizadamente inteligíveis e permitindo identificar o emissor (aliás, directamente reportado nos escritos). Quanto à exigência de que a declaração seja idónea a provar facto juridicamente relevante, significa, de uma forma imediata, que deve ter valor probatório dos factos nele contidos, isto é, deve ser apto a prová-los, ou melhor, a ser usado como meio de os provar. Na verdade, a afirmação de que deve ser apto a prová-los (correntemente utilizada) tende a associar-se a uma ideia de prova plena (ou mesmo pleníssima), em que o documento atesta cabalmente o facto, sem necessidade de mais intervenções probatórias [pelo que estaríamos caídos no quadro do art. 347º do CC, só podendo essa prova ser afastada pela demonstração do contrário, ié, de que o facto não é verdadeiro], enquanto a lei penal apenas exige que o documento tenha aptidão probatória, bastando-se com a força probatória comum, não qualificada. O que se ajusta ainda à teleologia do delito, visando a protecção da segurança do tráfico jurídico-probatório, o que abrange (ou abrange até sobretudo) o meio probatório comum (aquele que é apreciado livremente pelo julgador). Até porque não cabe no âmbito penal avaliar o grau de consistência probatória do documento, mas apenas avaliar se ele pode servir como meio de prova, se ele tende a revelar o facto que contém ou descreve. Acresce que a natureza probatória qualificada do documento foi especialmente tida em conta pelo legislador como causa agravadora da punição, quando se refere ao documento autêntico ou com igual valor no n.º3 do art. 256º do CP. Norma onde, aliás, se referem documentos que têm um valor probatório comum (v.g. o cheque em que a falsificação radica na assinatura e que por isso não beneficia do regime dos art. 374º e 376º do CC), revelando que este tipo de documentos, com valor probatório comum, também se integram na previsão legal . Ora, é manifesto que os documentos em causa são meios que, sendo imputados ao BP (apesar de não assinados), tendem a revelar os factos que contêm: perante eles teria o banco visado que criar uma dúvida probatória, ou revelar que não correspondem à realidade. Com efeito, tal como a conta bancária (as inscrições na conta, os extractos) têm valor documental, no sentido do art. 362º do CC , também os documentos em causa, que se reportam a elementos da conta (datas de constituição ou vencimento ou saldos), têm o mesmo valor.

Exige-se ainda que se trate de meio idóneo a provar (no sentido exposto) facto juridicamente relevante, ponto onde se tende a referir, na sequência da lição de Helena Moniz , que será juridicamente relevante o facto que cria, modifica ou extingue uma relação jurídica. Mas esta relação jurídica deve ser entendia em sentido amplo, como envolvendo toda a situação da vida que envolva a produção de consequências jurídicas, isto é, que seja disciplinada pelo Direito [Helena Moniz, O Crime de Falsificação de Documentos, Coimbra Editora 1999, pág. 179 e nota 195], e não apenas a relação jurídica tipicamente negocial (ou quase negocial) que se tende a associar comummente à expressão. Pois o que importa é que se trate de documento (declaração) apto a revelar factos a que a ordem jurídica atribua efeitos jurídicos. Por outro lado, o documento (a declaração) deve ser apto a demonstrar o facto que contém, que refere, mas esse facto não tem que ser por sua vez criado pelo documento, ou por ele revelado pela primeira vez. É isso que explica, por exemplo, que a declaração confessória (declaração de ciência não receptícia) seja um documento penalmente relevante quando, num sentido estrito, não cria o facto relevante que descreve, que se confessa (e que usualmente precede a confissão). Ora, é evidente que os factos reportados nos documentos em causa são juridicamente relevantes, no quadro da relação jurídica bancária criada, associando-se à constituição de direitos da assistente.

Os documentos em causa são, pois, documentos em sentido penal. E documentos que o arguido criou totalmente (nota-se que a folha com o logotipo do banco e o rodapé com indicações de contactos não é ainda um documento, em sentido penal, por não conter qualquer declaração). Pelo que falsifica o documento ex novo (isto é, a declaração, criando-a), preenchendo assim a al. a) do citado art. 256º n.º1 do CP.

Agindo dolosamente, e com intenção de ocultar o anterior crime (para não ser descoberto, provou-se ), fica integralmente preenchida a tipicidade do delito imputado.

De acordo com a orientação fixada pelos AUJ 8/2000 [in DR I-A, de 23.05.2000, pág. 2309 e ss.] e 10/2013 [in DR I, de 10.07.2013], verifica-se um concurso efectivo entre os crimes de falsificação e burla atribuídos à arguida, dada a diversidade de bens jurídicos tutelados.

Por fim, vê-se que o arguido é imputável, sendo que os factos em causa reflectem uma sua atitude pessoal desvaliosa, por contrária ás exigências postas pelo direito.

Cometeu, pois, os crimes imputados, na forma descrita.

6. Determinação da sanção aplicável

São aplicáveis as seguintes penas:
- prisão de 2 a 8 anos (burla qualificada, n.º2)
- prisão até 3 anos ou multa (falsificação)

Atendendo à cominação de penas alternativas, importa proceder à escolha da espécie de pena a aplicar (crime de falsificação). No caso releva especialmente a circunstância de o arguido estar, no processo, associados a outros crimes, graves, e que apenas consentem a aplicação de pena de prisão, surgindo o crime de falsificação na sequência da prática daqueles delitos mais graves. Assim, e de um lado, aquela gravidade revela algum distanciamento do arguido face ao dever-ser, o que justifica, por exigências de prevenção especial, a opção pela pena de prisão. De outro lado, e face à pena de prisão cominada para o crime de tráfico de estupefacientes, a opção pela pena de multa seria, em princípio, de excluir, para evitar, na prática, os inconvenientes que se associam ás penas mistas de multa e prisão e que justificaram a sua expurgação do código penal [cfr. Acs. STJ proc. 04P151 (5.2.2004), 05P2106 (23.6.2005) e 2813/07 (6.12.2007), in www.dgsi.pt]. Assim, justifica-se a inversão da preferência legal que o art. 70º do CP consagra, impondo-se desta forma a opção pela pena detentiva.

A pena concreta a aplicar será determinada, dentro da moldura referida, em função da culpa do agente enquanto limite máximo da punição, e ainda das exigências de prevenção, geral e especial, postas pelo caso em apreço (art. 40º do CP) – em cuja valoração se atenderá a todas as concretas circunstâncias que, no caso, não fazendo parte do tipo legal, deponham contra ou a favor do agente (art. 71º n.º 2 do CP), designadamente:

- o grau de ilicitude do facto, ou seja, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente [releva, nas burlas, o valor em causa em cada uma (muito elevado, mesmo no quadro da qualificativa), a forma de execução (com aproveitamento da sua qualidade profissional e deslocações ao domicílio da assistente e da irmã), a dimensão (numero e extensão) dos actos praticados (maior no segundo crime, mas com maior relevo patrimonial no primeiro), e o lapso de tempo durante o qual os factos foram praticados (o lapso de tempo decorrido desde os factos não releva, em benefício do arguido, porque é, em grande medida, imputável à capacidade do arguido em ocultar os factos, e, de outro lado, ás vicissitudes da investigação); atenuando o desvalor do resultado, montam as devoluções parciais realizadas (que, no quadro dos valores em causa, não podem ter relevo para efeitos do art. 206º n.º3, ex vi do art. 217º n.º 4, do CP); releva, na falsificação, o número de documentos criados e a sua natureza];

- a intensidade do dolo ou negligência [o dolo foi directo e intenso em todas as situações];

- os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram [obtenção de vantagens patrimoniais, com indiferença por interesses alheios];

- as condições pessoais do agente e a sua situação económica [situação pessoal regular, com investimento laboral];

- a conduta anterior ao facto e posterior a este [não tem condenações registadas no seu CRC];

- a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena [nada se apurou com relevo nesta sede].

Neste quadro, é sensível a culpa do arguido, e prementes as exigências de prevenção especial e geral (dada a gravidade dos crimes patrimoniais cometidos).

Tendo em conta estes dados, julga-se ajustada a fixação das seguintes penas:
- 4 anos 4 meses de prisão (burla)
- 3 anos e 6 meses de prisão (burla)
- 9 meses de prisão (falsificação)

As penas aplicadas encontram-se numa relação de concurso para os efeitos do art. 77º n.º1 do CP, importando assim proceder à realização do respectivo cúmulo. Face ao disposto no n.º 2 do citado art. 77º, a moldura penal determinada pelo presente concurso tem como limiar máximo 8 anos e 7 meses de prisão, e como limiar mínimo 4 anos e 4 meses de prisão.

Ponderando globalmente as circunstâncias atinentes aos crimes em causa (cfr. art. 77º n.º1, 2ª parte), releva especialmente a relação temporal existente entre os crimes praticados, o lapso de tempo em causa (durante o qual os crimes forma cometidos), a natureza dos crimes (análoga, nas burlas, surgindo a falsificação com carácter instrumental) e o percurso de vida do arguido, globalmente considerado.

Estes dados mostram que a culpa e as exigências de prevenção, especial mas também geral de reafirmação da validade da ordem jurídica, presentes no caso são sensíveis.

Assim, considera-se ajustada a fixação da pena em 5 anos e 6 meses de prisão.

8. Apreciação do pedido de indemnização
Pretende a demandante obter a reparação dos danos produzidos pelos factos descritos. Esta pretensão acolhe-se, naturalmente, ao domínio da responsabilidade civil por factos ilícitos, de cujos requisitos em primeira linha depende (cfr. arts. 483º CC e 129º CP). Verificada, porém, a responsabilidade penal do arguido, facilitada fica a constatação desses requisitos pois a prática de factos ilícitos e culposos decorre já, nos termos expostos supra, do enquadramento criminal do comportamento daquele arguido, notando-se que, estando em causa a lesão de um direito de crédito [lesão que, por razões que a economia da decisão não justifica aqui desenvolver, se considera não caber na primeira previsão de ilicitude do n.º1 do citado art. 483º do CC, que respeitaria apenas a direitos absolutos], a ilicitude civil se revela pela violação da regra penal, que funciona como norma de protecção para a segunda cláusula de ilicitude contida no art. 483º n.º1 citado.

Com efeito, os factos praticados radicam na relação bancária estabelecida entre a assistente e a irmã e o B, envolvendo pelo menos um contrato de conta e contratos de depósito (directamente revelados nos factos), e um contrato de cheque (inerente à emissão, e utilização, dos cheques referidos nos factos provados).

O contrato de conta deve ser visto como um contrato nuclear inicial que marca o início da relação contratual bancária complexa e a regula em certos termos - com ênfase também no seu conteúdo negocial complexo (fala-se de contrato-quadro), nele se integrando convenções acessórias (contratos), embora autónomas, como o depósito bancário. Na verdade, o depósito bancário de dinheiro não se confunde com o contrato de conta mas existe uma associação natural da conta ao depósito, devendo o depósito bancário de dinheiro ser enquadrado no contrato de conta. Até porque a conta é necessária para a expressão contabilística do depósito inicial e dos movimentos subsequentes – o depósito e a conta são realidades distintas mas estreitamente articuladas.

Os fundos depositados são disponibilidades monetárias (expressão usada pelo legislador para designar o objecto do depósito bancário – art. 1º n.º1 do DL 430/91) – estas são representadas por numerário (notas e moedas) ou escriturais (mormente os saldos disponíveis das contas). Os fundos transmitidos são moeda escritural, que é apenas um signo.

Ora, qualquer que seja a natureza jurídica que se queira atribuir ao depósito bancário [depósito irregular, mútuo, contrato misto, natureza diferenciada conforme a modalidade do depósito (mas oscilando essencialmente entre o depósito ou o mútuo), contrato atípico, contrato típico mas autónomo], é pacificamente aceite que, com o depósito, ocorre a transferência da propriedade dos fundos depositados para o banco, sendo aquela transferência acompanhada da constituição de um direito (crédito) à restituição de outro tanto da mesma espécie e qualidade [por isso se fala numa dupla disponibilidade: o banco adquire a propriedade e por isso pode dispor do dinheiro; o credor pode exigir a entrega/devolução dos fundos ] .

E é este direito da assistente (e irmã) à restituição dos fundos, do valor depositado (mediante entrega dos fundos ou mediante cumprimento de ordens de pagamento, mormente cheques ou transferências bancárias), que é lesado. Com efeito, se, com o depósito, a propriedade sobre o dinheiro se transferiu para o banco, tal direito absoluto já não cabe à assistente e por isso não é tal direito, nem outro absoluto, que é violado, A lesão respeita antes àquele direito de crédito à restituição dos fundos depositados, que é esvaziado e eliminado com a actuação ilegítima do arguido. Como este direito de crédito é protegido pela norma penal violada (burla), a qual visa também a tutela de interesses particulares (simultaneamente com a tutela de interesses públicos) sem que aquela norma atribua precípua e abstractamente à assistente um direito subjectivo, ela institui-se em norma de protecção, e assim em critério da ilicitude civil. E como o arguido adoptou a conduta proibida pela norma, com a subsequente lesão de interesses particulares tutelados pela norma (incluídos no seu âmbito de protecção), fica verificada esta ilicitude civil.

Estão pois verificados os requisitos da responsabilidade civil aquiliana em relação ao arguido/demandado.

Assim, tem a demandante direito a receber a quantia que foi desviada pelo arguido.

A circunstância de alguns valores da conta poderem ter sido depositados por terceiro é indiferente.

É certo que qualquer pessoa pode, em princípio, depositar ou transferir fundos para conta titulada por terceiro. Mas a partir do momento em que o movimento a crédito é feito, a sua propriedade é transferida a favor do banco. «A partir daí, o único sujeito que, face ao banco, pode dispor do saldo da conta é o seu titular ou alguém por este autorizado ou devidamente representado» . Ou seja, a partir daí a assistente passa a ter o direito à restituição desses valores depositados na sua conta e, sendo estes ilegitimamente removidos, aquele direito de crédito foi efectivamente lesado, dando origem a uma perda de igual valor no seu património – isto é, um dano com a medida daquele crédito violado, perdido.

É certo que pode e deve distinguir-se entre a titularidade da conta, a propriedade do dinheiro, e a propriedade económica do dinheiro. A titularidade cabe àquele em nome de quem foi aberta a conta (ser titular da conta significa poder exercer os direitos e estar sujeito aos deveres associados à conta e ao respectivo contrato). A propriedade cabe, como se referiu, ao banco. A propriedade económica cabe ao titular ou respeita ás relações entre o titular da conta e o terceiro proprietário do dinheiro antes da efectivação do depósito.

Ora, esta relação entre o titular da conta e o terceiro pode envolver uma de três situações:

- O dinheiro é depositado por terceiro mas pertencia à assistente (e/ou à irmã); nenhum ajuste a situação suscita.

- o dinheiro é depositado por terceiro mas sem que a assistente (ou a irmã) o tivessem que devolver (v.g. por doação ou a outro título); também nenhuma especificidade a situação suscita.

- o dinheiro é depositado por terceiro a quem a propriedade económica continua a pertencer: neste caso, o que se estabelece entre o titular da conta e o terceiro é «uma relação de credor-devedor no que a um crédito pecuniário respeita»; assim, no património da assistente existiria uma obrigação de devolução do valor em causa, compensada pelo valor depositado, o que daria, em termos patrimoniais, um resultado neutro; privada do valor depositado, subsistiria apenas esta obrigação e, assim, existiria aqui um resultado patrimonial negativo (fica em dívida, sem dispor do que deveria devolver para extinguir a dívida) que constitui uma perda (um dano) equivalente ao valor desviado: em virtude deste desvio, o seu património sofre uma perda igual ao débito que subsiste (ao crédito do terceiro que tem que satisfazer). Ou seja, ainda aqui existiria um dano. Mas também se nota que como se não prova esta relação, subsiste é a violação do seu direito de crédito à restituição do saldo tout court.

Cabe agora apreciar a responsabilidade do Banco demandado. Esta vem sustentada no regime do art. 500º do CC, relativo à responsabilidade objectiva e indirecta do comitente (por facto de outrem, o comissário), do qual decorre que quem encarregar outrem de uma comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia a obrigação de indemnizar, sendo ainda requisito desta responsabilização que o facto danoso seja praticado pelo comissário (ainda que intencionalmente ou contra as instruções do comitente) no exercício da função que lhe foi confiada – art. 500º n.º1 e 2.

Exige-se, assim e em primeiro lugar, que exista uma relação de comissão, pressupondo esta uma actuação por conta de outrem e a existência de uma relação de subordinação [referindo-se ainda, por vezes a livre escolha do comissário por parte do comitente como sendo um elemento da relação de comissão, tal exigência não parece inteiramente convincente: de um lado, nada parece acrescentar aos outros dois, do ponto de vista da justificação desta forma de responsabilidade (o poder de escolha associa-se primacialmente à culpa in eligendo e assim à responsabilidade subjectiva, assente na culpa); de outro lado, o que é primacialmente relevante é o poder do comitente fixar e orientar a actividade do comissário, e não a possibilidade de o escolher; de outra banda ainda, mas como corolário das duas anteriores objecções, criaria uma distinção artificial entre situações que deveriam merecer o mesmo tratamento, à luz da ratio do regime legal – de qualquer modo, a questão só se pode tornar verdadeiramente relevante quando o comissário é imposto ao comitente, situação que não consta aqui ocorrer] . Ora, sendo o arguido funcionário do Banco demandado, estando-lhe subordinado, é evidente a verificação da relação de comissão (aliás, a relação entre entidade patronal e trabalhador é unanimemente tida como um exemplo perfeito desta relação de comissão, que, note-se, nem exige, para ocorrer, um vínculo de dependência tão marcado ou rigoroso como o que ocorre no contrato de trabalho).

Exige-se, depois, que o comissário esteja obrigado a indemnizar, requisito este cuja verificação está já demonstrada no caso [e, como se trata de caso de responsabilidade subjectiva por facto ilícito, nem importa a discussão em torno do alcance desta exigência legal, mormente se ela vale ainda para os casos de responsabilidade objectiva do comissário].

Por fim, exige-se que o facto danoso seja praticado no exercício das funções, requisito este que suscita grandes divergências interpretativas (ou, por vezes, de formulação) .

Considera-se, como ponto de partida, que deve valer aqui um critério objectivo, porque esse é o sentido, antes de mais, da previsão legal, na medida em dá relevo à funcionalização do acto danoso, ou seja à sua conexão objectiva às funções desempenhadas pelo comissário e que dão causa ao dano, desconsiderando a percepção subjectiva do comissário (tanto que o carácter intencional, doloso, da actuação do comissário não basta para excluir a imputação funcional do acto e, assim, para excluir a responsabilidade do comitente). Apela-se, pois, a um critério que atende à externalidade, objectiva, das funções desempenhadas, e à relação de sentido (funcional, causal, instrumental) a estabelecer entre aquelas funções e o acto danoso. O que também se ajusta à função de garante do terceiro lesado que o instituto desempenha. A intenção do agente será apenas um factor da ponderação a efectuar, na indagação da existência, ou não, da conexão funcional necessária (por oposição à mera ocasionalidade do acto danoso, praticado apenas por ocasião do exercício das funções, e não por causa delas).

Depois, e pesem embora as formulações variem, entende-se que se deverá atender nesta sede ao «quadro geral da competência ou dos poderes conferidos ao comissário», o que significa, de um lado, que a actuação do comissário não pode ocorrer fora daquele quadro, mormente independentemente ou apenas por ocasião dessas funções, e implica, de outra banda, a existência de um nexo entre os actos do comissário e a função que lhe foi atribuída, os poderes que exerce: supõe que exista um nexo funcional adequado entre a competência atribuída e o acto, de modo que este caiba adequadamente naquela competência, seja ainda uma consequência previsível das funções cometidas.

Neste quadro, tem-se por claro que a actividade do arguido se insere no quadro geral de funções que lhe estão atribuídas. Receber documentos bancários (mormente cheques para descontar, depositar ou movimentar, ou ordens de transferências, ou documentos a pedir a emissão de cheques bancários) e depois diligenciar pela realização das operações bancárias correspondentes cabe naturalmente nas funções do funcionário bancário. Trata-se de uma actuação ajustada às suas competências, existindo um adequado nexo funcional entre a comissão e o acto danoso. O facto de o arguido dar uma utilização fraudulenta aos cheques e ordens de pagamento não desvirtua aquele nexo funcional: ele usa a sua competência funcional para causar danos à assistente, mas actuando sempre, neste quadro, no âmbito material das suas funções [como se refere no Ac. do STJ no proc. 897/06.0TAOVR.P1.S1, é evidente que todo o ato ilícito pressupõe um exorbitar das funções que estão cominadas ao comissário ]. Depois, o resultado danoso constitui um risco adequado (ainda que, naturalmente, não querido pelo comitente) de tais funções: a comissão de tais funções é acompanhada, em abstracto, pela possibilidade de causar aqueles actos danosos (existe um certo nível de probabilidade de tal ocorrer), o que é previsível [podendo justamente falar-se, no caso, das «tentações típicas associadas à função» que R. Guichard considera tenderem levar a responsabilizar o comitente , ou podendo, com A. Varela e P. Lima, dizer-se que o arguido se encontrava numa posição especialmente adequada à prática de tal facto ]. Nesse sentido, existe uma adequada relação causal entre o acto danoso e as funções. O acto danoso em causa está contido no risco acrescido da utilização do agente/comissário.

O único elemento perturbador da análise realizada radica na circunstância de os contactos com a assistente e a sua irmã ocorrerem na residência destas e fora do horário laboral do arguido. Mas crê-se que tal circunstância não basta para excluir o referido nexo funcional, levando em conta que tal deslocação só surge porque, antes de tal suceder, e a partir dos contactos ocorridos em agência do banco, o arguido conseguiu que a assistente e a irmã nele confiassem em razão da sua qualidade de funcionário bancário e dos actos bancários (investimentos, latu senso) por ele praticados nessa veste.

Depois, porque os actos praticados na residência da assistente e irmã se traduziam ainda em actos bancários, funcionalmente integrados nas funções do arguido, e era essa sua qualidade que justificava a sua deslocação àquela residência – aliás, a R. apenas assinava os documentos e lhos entregava por ele ser funcionário bancário, agindo, de forma concludente, nessa veste [esta aparência que aqui se refere visa salientar, nesta sede, o nexo funcional dos actos em causa, a sua adequada relação causal com as funções do arguido]. E também porque a deslocação era exclusivamente determinada pelo interesse bancário das clientes (tratar de assuntos relacionados com a conta da assistente e irmã). Isto revela que se trata ainda de actos conexionados com as suas funções, integrados no quadro das suas competências. Acresce, de forma aliás determinante, que àquela deslocação se seguia a prática dos actos bancários sequenciais já em agências do banco demandado. E actos estes verdadeiramente essenciais, porque são eles que dão tradução às movimentações dos fundos da assistente, são eles que realmente traduzem uma intervenção bancária, e que, integrando iniludivelmente as funções do arguido, ocorrem também inequivocamente já no âmbito espacial e temporal normal do exercício dessas funções (veja-se a sua intervenção directa nos cheques bancários, referida nos factos provados). Tanto bastaria para manter a imputação.

É certo que se apura que, em regra, os procedimentos bancários (mormente a assinatura de documentos) são, no B, realizados na agência bancária mas tal não é relevante quer porque a actuação contra as instruções do comitente não constitui causa excludente da responsabilidade indiretas (art. 500º n.º2 do CC), quer porque também se apura que existiam contactos com clientes fora das agências – e, sabendo-se que, num mercado não estacionário, a inflexibilidade de comportamentos constitui uma desvantagem competitiva, a experiência comum revela que os bancos não restringem as suas intervenções ao espaço físico das agências, sendo frequentemente praticados actos bancários nos locais onde tal se mostra no caso mais favorável aos interesses presentes, mormente dos clientes (que se querem manter ou cativar, de mais a mais quando, como no caso, o capital da assistente e da irmã as tornaria já clientes com estatuto não ordinário). Acresce que a conexão funcional legalmente exigida não depende necessariamente de uma conexão horária e espacial ao local normal de exercício das funções – que, como se explicitou, até acaba por subsistir em momento essencial. Assim, estes actos, independentemente do local, ainda «pertencem ao quadro geral da actividade adoptada para realizar o fim da comissão». O quadro global da actividade do arguido está radicalmente fundada nas suas funções, e integra-se adequadamente no seu exercício, fazendo o arguido uso «dos meios colocados à sua disposição pelo comitente».

Quando muito, poderia existir aqui um abuso de funções (em função do local e horário normal da prática dos actos, e não tanto da sua finalidade), mas este deve ser ainda entendido, em tese geral, como exercício de funções, já que o abuso de funções só pode existir porque e quando as funções se exercem, ainda que de forma excessiva.

No limite, também se poderia invocar a aparência criada pelo arguido (tutela da aparência ) para, por outra via, sedimentar ou até sustentar a imputação. Com efeito, a descrita actuação do arguido sempre configuraria um exercício de funções aparente (o arguido aparentaria ter poderes que não tinha, mormente que poderia praticar actos bancários em casa da assistente e irmã ), aparência esta que se baseia na sua própria conduta (e por isso lhe é imputável) mas que também apresenta uma «conexão de sentido» com as suas funções efectivas (com a esfera do comitente, e que se traduziria no facto de as «ordens» bancárias da assistente serem depois implementadas no banco), e que é apta a justificar o investimento da confiança da assistente e da irmã – conduzindo assim a considerar como efectivamente existente a realidade que surgiria apenas em aparência (o efeito da tutela da aparência analisa-se na atribuição à situação de facto dos efeitos jurídicos correspondentes à situação em que se confiou existir) . E, dessa forma, a tratar o arguido como comissário agindo no âmbito das suas funções, conduzindo à verificação da hipótese do art. 500º n.º1 do CC.

O carácter doloso da conduta do arguido não prejudica a imputação porque, comos e referiu, a sua actuação cabo no «âmbito material da incumbência feita ao comissário» e, por isso, fica coberta pela previsão do art. 500º n.º2 do CC (quando desconsidera o carácter intencional da actuação do comissário).

Não se considera que deva relevar de forma primacial, nesta análise, o denominado «critério do interesse ou finalidade da conduta adoptada pelo agente», o qual tende a excluir a existência do nexo funcional sempre que o comissário actua na prossecução exclusiva de interesses próprios: nesse caso, o dano não derivaria do exercício das funções, porque o agente apenas aproveita a oportunidade de estar a praticar certas funções . Tem-se tal critério, na verdade, por inaplicável, nos termos propostos . Por um lado, não corresponde ao carácter objectivo que se julga corresponder ao critério legal, como se referiu. De outro lado, cai numa petição de princípio: dá como demonstrado que quando o comissário actua na prossecução de interesse próprio não age no exercício das suas funções mas apenas por ocasião delas, o que é justamente o que falta demonstrar. Aliás, considera-se que aquela asserção que suporta este critério se revela claramente falível: pense-se no exemplo do caixa do banco que recebe valores para depositar, praticando todos os actos inerentes à função, e depois desvia para si (em exclusivo proveito pessoal) o valor pecuniário entregue ; não parece que seja possível afirmar que aqui falha o nexo funcional com o exercício das funções [sem necessidade, para tanto, de apelar a qualquer aparência social, como faz M. Pinto – aparência social que, tutelando a confiança, já representa um remendo ou um acrescento ao regime do art. 500º do CC que este, nestes casos, dispensaria]; ao invés, ele é por demais evidente. Por outro lado ainda, convoca um subjectivismo indesejado e sem tradução legal. Acresce que se ajusta mal à previsão legal da irrelevância geral (sem distinções) da intencionalidade do acto lesivo que o legislador criou [e por isso os defensores deste critério do interesse têm que interpretar restritivamente a previsão legal, afirmando que essa intencionalidade não exclui a responsabilidade do comitente apenas quando o comissário agir na prossecução dos interesses do comitente, ou na prossecução conjunta de interesses do comitente e dele comissário – hipótese que terá, aliás, um carácter residual, desvirtuando a previsão legal da irrelevância da actuação intencional].

Por fim, a solução proposta, e esta interpretação restritiva, também não se ajustam aos interesses em causa. Na verdade, e pese embora seja controversa a exacta fundamentação do instituto, admite-se que tem uma função de garantia do terceiro (garante da indemnização), ainda ligada ao princípio de que quem beneficia de uma actividade (no caso o uso de comissário) deve suportar os efeitos danosos associados [e mesmo que se diga que o uso de um terceiro não constitui uma actividade de risco, que incrementa o risco, sempre existe a recolha de um benefício dessa actividade e ocorre, dada a relação de subordinação, uma extensão da actividade do comitente, que fica como que dono da actividade do comissário e por isso deve suportar as consequências desta actividade, nomeadamente os «efeitos da frequente insuficiência económica do comissário» ]. Ora, deste ponto de vista, do «imperativo de tutela do terceiro», a exacta intenção do comissário deve ser irrelevante, pois não deve ser o terceiro lesado, que em regra ignora essa intenção , a correr o risco do uso intencional das funções para a prática de eventos lesivos quando tal uso vise exclusivamente interesses do comissário: também aqui deve correr por conta do comitente pois esse é ainda um risco típico do uso de comissários (e por isso o legislador considerou irrelevante o carácter intencional do acto, sem distinguir se actua intencionalmente na prossecução de interesse próprio). Aliás, a tutela legal até parece especialmente justificado para os casos da prática intencional (em proveito exclusivo do comissário) de actos danosos funcionais. Esse interesse exclusivo do comissário poderá servir como mais um indício a valorar na análise, podendo sugerir que se trata de actos realizados por “ocasião” das funções, sem uma conexão causal com tais funções, mas não é isso que ocorre no caso.

Fica, pois, confirmada a responsabilidade do Banco demandado. Sendo que, ao menos nos casos em que o comissário responde com base na sua culpa, se deve admitir que a responsabilidade do comitente e do comissário perante o lesado é solidária, quer por tal melhor se ajustar ao regime do art. 500º n.º3 do CC [o direito de regresso supõe a possibilidade da acção directa contra o comitente, ou da acção conjunta contra este e o comissário, próprias da solidariedade] , quer por ser essa a regra comum na responsabilidade civil, quando concorram mais que um responsável civil (v. art. 497º n.º1 e 507º do CC, que, porém, não são em termos literais aplicáveis ).

Fixada esta responsabilidade, cabe atender à invocada prescrição do direito à indemnização. Os factos revelam que a assistente teve conhecimento dos dados relevantes pelo menos em Setembro de 2011. A afirmação tem natureza dubitativa [«pelo menos», diz-se] porque não exclui a possibilidade de aquela ter tido conhecimento dos factos relevantes em momento anterior. Mas, em termos processuais, ela significa que apenas se pode ter por seguro que naquela data sabia, já se não podendo afirmar que o conhecimento relevante existia em data anterior. Acresce que a incerteza sobre este facto deve resolver-se em prejuízo do Banco demandado, pois era a ele que cabia o ónus de demonstrar os factos constitutivos da excepção peremptória invocada (v. art. 342º n.º2 do CC, aplicável dada a natureza civil da matéria em discussão). Sendo assim, verifica-se que a denúncia apresentada (em 28.12.2012) ocorre dentro do prazo de prescrição de 3 anos, fixado no art. 498º n.º1 do CC. E como tem sido jurisprudencialmente entendido que o prazo de prescrição se interrompe com aquele acto (com a instauração do procedimento criminal), e permanece interrompido durante toda a duração deste procedimento (diz-se que a pendência do processo criminal representa uma interrupção contínua, ex vi do art. 323º n.º 2 e 4 do CC) , torna-se claro que a prescrição não ocorreu (mesmo considerando o prazo comum de 3 anos). Não se torna necessário, sequer, apelar ao regime do art. 498º n.º3 do CC.

Embora se adiante que, pese embora a solução não seja pacífica, se entende que esta extensão do prazo prescricional é aplicável ao responsável meramente civil porque inexiste previsão legal que diferencie, porque tal solução melhor se ajusta aos interesses em presença [o carácter solidário das obrigações, e a natureza indirecta da obrigação do comitente, justificam que comitente e comissário fiquem sujeitos ao mesmo regime, não sendo sequer razoável impor ao lesado que imponha acções diferentes em virtude da existência de prazos distintos de prescrição] e porque a razão de ser da norma [se o prazo de prescrição criminal ainda não decorreu, não se compreenderia que se extinguisse o direito à indemnização civil, conexa com o crime, considerando o princípio da adesão ], à luz daquela solidariedade, também vale para o responsável meramente civil .

Quanto aos danos, medem-se pelos valores de que a assistente ficou privada - depois de abatidos os valores que lhe foram «devolvidos» pelo arguido, por tal constituir um acrescento patrimonial que cobre parte do dano. E isto mesmo que esses valores sejam depois novamente subtraídos, porque esta subtracção apenas pode ser considerada uma vez, sob pena, caso contrário, de duplicação do dano. E também porque o objecto do processo está circunscrito aos movimentos bancários descritos no despacho de acusação, não contemplando todos os movimentos bancários realizados [não se discute todo o saldo da conta mas apenas os desvios fundados nos factos concretos (cheques e transferências) descritos na acusação].

Assim, de acordo com os factos provados, são devidos à assistente 834.805,93 euros.

Quanto aos juros, eles seriam efectivamente devidos (à taxa legal: art. 559º n.º1 do CC) desde a data do facto lesivo. Com efeito, a mora, no âmbito da responsabilidade civil, decorre da prática do próprio facto ilícito (art. 805º n.º2 al. b) do CC), por força do princípio constante do art. 483º n.º1 do CC: como quem lesa ilicitamente o direito de terceiro tem que o indemnizar de todos os danos causados, então essa indemnização deve cobrir todos os danos, incluindo o prejuízo sofrido desde o momento da lesão [v. P. Lima e A. Varela. in CC Anotado II, 1986, pág. 65].

O Banco demandado invoca a prescrição dos juros, nos termos do art. 310º al. d) do CC. Como notam Pires de Lima e Antunes Varela [loc. cit., pág. 200], «o prazo de cinco anos começa a contar-se, segundo a regra do artigo 306.º, a partir da exigibilidade da obrigação. Pode acontecer, nas dívidas de juros, que não haja prazo estabelecido para o seu pagamento. É o que acontece quanto aos juros legais. Neste caso, os juros vão-se vencendo dia-a-dia, pelo que devem considerar-se prescritos os que se tiverem vencido para além dos últimos cinco anos». Assim, os juros vencem-se todos os dias, e o valor correspondente a cada dia prescreve 5 anos depois de se ter vencido. Deste modo, os juros vencidos há mais de cinco anos a contar da instauração do procedimento estão prescritos; aqueles que se venceram menos de cinco anos depois daquela data, e os vincendos, são devidos.

O início deste prazo da prescrição depende da exigibilidade do direito (quando o direito puder ser exercido), por força do art. 306º n.º1 do CC, não dependendo de qualquer conhecimento específico por parte do credor: o início da prescrição não é impedido pela inorância do titular sobre a existência do direito e sobre a sua titularidade . Só não será assim onde a lei crie regra especial, como sucede nomeadamente com o art. 498º do CC. Mas como o crédito de juros é um direito autónomo (cfr. 561º do CC), e aquele art. 498º não o contemplou [nota-se que o pagamento dos juros visa indemnizar o lesado pela demora na reparação dos danos sofridos, nos termos do art. 806º n.º1 do CC, e não reparar directamente os danos sofridos, pelo que não constitui a indemnização a que aquele art. 498º se reporta; ao invés, estes juros são contados sobre a indemnização a que o art. 498º do CC, sinal de que estão fora da sua previsão], fica sujeito ás regras gerais.

Por fim, também se nota que a invocação da prescrição pelo Banco demandado não aproveita ao arguido, dado o disposto no art. 303º do CC e a circunstância de o acto interruptivo da prescrição ser de natureza pessoal, só abrangendo quem o invoca, com apoio, no quadro da solidariedade, no art. 521º n.º2 do CC.

Assim, os juros são devidos pelo Banco demandado desde os últimos 5 anos anteriores à data da instauração do procedimento criminal (cinco anos que antecedem 28.12.2012), sendo os juros contados sobre o valor em dívida na data do início da sua contagem, e sobre os valores posteriormente desviados pelo arguido a contar da data de cada uma dessas «apropriações» (posteriores a 28.12.2007) – sendo que a partir de 06.03.2008 os juros incidem sobre o valor em dívida depois de descontado o valor que foi devolvido naquela data.

E são devidos pelo arguido desde a data de cada um dos actos apropriativos, sobre o valor da apropriação, descontados os valores devolvidos a partir das datas das devoluções, nos moldes referidos para o Banco ---, SA, devidamente adaptados.
(…) »

Cumpre agora apreciar e decidir o presente recurso.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto dos recursos e poderes de cognição do tribunal ad quem.
Conforme é pacificamente entendido, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a decidir pelo tribunal ad quem.

1.1. No seu recurso, o arguido vem suscitar as seguintes questões:

- Nulidade de sentença por falta de fundamentação do acórdão recorrido quanto à decisão relativa aos factos que enumera;

- Contradição insanável da fundamentação e “Erro notório na apreciação da prova art. 410 nº 2 als b) e c)”;

- Continuação criminosa relativamente à factualidade típica relativa aos dois crimes de burla qualificada pelos quais vem condenado;

- Concurso aparente entre o crime de falsificação e o crime de burla;

- Medida da pena, sem que na sua motivação e respetivas conclusões se refira especificamente às penas parcelares e menos ainda a cada um delas. Assim e tendo especialmente em conta que o arguido pugna explicitamente pela suspensão da execução da pena, o que pressupõe a fixação da pena única em medida igual ou inferior a 5 anos de prisão, resulta da sua motivação de recurso que apenas recorre da medida da pena única, que apreciaremos, cumprindo ainda conhecer da suspensão da sua execução se a medida concreta que resultar do presente recurso o permitir face ao disposto no art. 50º do C.Penal.

1.2. Por sua vez, o Banco demandado suscita as seguintes questões na sua motivação de recurso:

- Nulidade do acórdão por falta de enumeração de factos relativos à responsabilidade do Banco demandado (conclusão 17), que terão sido alegados por este na sua contestação (fls 1298 a 1330) e consequente falta de exame crítico da prova;

- Impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, nos termos do art. 412º nº3 CPP;

- Em matéria de Direito, o banco demandado invoca falta de pressupostos de que depende a responsabilidade objetiva pelo risco (art. 500º CC) com base na qual a demandada vem condenada, mesmo considerando a factualidade julgada provada pelo tribunal a quoconcl. 87 e sgs - , concluindo o banco demandado que o acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outro que o absolva da totalidade da condenação por não provada a responsabilidade objetiva pelo risco do recorrente.

Subsidiariamente, pede o demandado que, caso assim não se entenda, se revogue o acórdão recorrido substituindo-o por outro que absolva o arguido dos crimes pelos quais vem condenado e, consequentemente, do pedido de indemnização pelos danos emergentes do crime.

1.3. São estas as questões a decidir, sem prejuízo das que fiquem prejudicadas pela decisão de outras, começando pela apreciação das nulidades de sentença invocadas por ambos os recorrentes.

2. Decidindo

A. Recurso do arguido.

2.1. – A nulidade de sentença por falta de fundamentação do acórdão recorrido, invocada pelo arguido, relativamente aos pontos 11, 16, 28 e 29 da factualidade provada.

No que concerne à fundamentação relativa aos pontos 11) e 16) da factualidade provada, o tribunal a quo refere-se-lhes de páginas 24 a 34 do acórdão recorrido (fls 1757 a 1767 dos autos). Com efeito, apesar de não mencionar a numeração da factualidade provada a que se reporta (in casu pontos 11) e 16)), dificultando a identificação dos factos a que se reporta, o tribunal a quo explica naquele trecho quais os meios de prova, factos diretos e regras da experiência em que assenta a inferência lógica de que as ofendidas – R. e MC – convenceram-se da verdade da versão apresentada pelo arguido, por confiarem nele, levando R. a assinar os diversos documentos em causa, incluindo os mencionados em 11) e 16), contrariamente às explicações alternativas sustentadas pelo arguido que o tribunal a quo analisa detalhadamente.

Quanto à fundamentação dos pontos 28) e 29) da factualidade provada, encontra-se a mesma de páginas 37 a 39 do acórdão recorrido (fls 1770 a 1772 dos autos), conforme se conclui indubitavelmente das referências aos documentos de fls 102 a 104, 101 e 103, bem como dos demais termos da apreciação crítica da prova contida naquele trecho.

Improcede, pois, a nulidade de sentença por falta de fundamentação invocada pelo arguido.

2.2. Contradição insanável da fundamentação e “Erro notório na apreciação da prova art. 410 nº 2 als b) e c)” -, vícios invocados pelo arguido nas conclusões 14 a 18 e 20 a 24.

2.2.1. Tanto quanto pode compreender-se da sua motivação de recurso, o arguido argui o vício de contradição insanável da fundamentação (art. 410º nº 2 a) do CPP), por ser contraditório o que se encontra provado sob os pontos 3) e 6) e não provado nas alíneas f) e g), mas sem razão.

Em primeiro lugar, a afirmação de que o arguido disse à ofendidas que poderiam aplicar o dinheiro em offshores (p. 3)) e que o arguido foi fazendo aplicações financeiras em nome da R. e de MC (p. 6), não são contraditórias com a falta de prova de que as aplicações financeiras foram feitas também com a concordância de R. e MC (f), pois a informação genérica sobre aplicações financeiras pode coexistir com a falta de concordância das mesmas para as aplicações financeiras concretas que o arguido foi fazendo.

Por outro lado, não há qualquer relação entre o teor da referida al. g) (“em 7), o arguido também apresentava aplicações financeiras”), com os pontos 3) e 6) ora em causa.

Não se verifica, pois, qualquer incompatibilidade lógica, qualquer contradição manifesta, entre o teor dos pontos 3) e 6) dos factos provados e as alíneas f) e g) dos factos não provados, pelo que improcede o invocado vício de “contradição insanável” previsto na al. b) do bº2 do art. 410º do CPP.

2.2.2. O arguido invoca ainda erro notório na apreciação da prova relativamente aos pontos 28) e 29) da factualidade provada, alegando não existir qualquer fundamentação para que se dessem como provados tais factos a não ser uma eventual e mera suposição sem qualquer suporte legal/e ou factual, como resulta das declarações da assistente e do seu filho que referem não saber como tais documentos (fls 101 a 104) estavam na sua posse, dizendo que não foi o ora recorrente quem lhe entregou tais documentos acrescenta - “Vd gravações (…) da assistente e de LH…).

É patente, porém, a falta de razão do arguido.

Como é sabido, o conhecimento[1] pelo tribunal ad quem dos vícios acolhidos no art. 410º nº2 do CPP, é característico do modelo de revista ampliada ou revista alargada adoptado pelo CPP de 1987, com que, nas palavras originárias, do Prof. F. Dias, se pretendeu instituir um “recurso que …se não restringisse à tradicionalmente chamada «questão-de-direito», mas devesse ser admissível face a contradições insanáveis entre as comprovações constantes da sentença e a prova registada, a erros notórios ocorridos na apreciação da prova ou, em geral, a dúvidas sérias suscitadas contra os factos tidos como provados na sentença recorrida.”[2] .

Como nas restantes situações a que se reportam as alíneas a) e b) do nº2 do art. 410º do CPP, o erro notório na apreciação da prova há de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, o que significa que tais vícios são apenas os intrínsecos à própria decisão, considerada como peça processual autónoma, não relevando o teor da prova produzida em audiência que não se encontre eventualmente transcrita na própria sentença.

O art. 410º nº2 c) do CPP contempla, assim, os casos de erro grosseiro de julgamento, evidente a partir do texto decisão recorrida, maxime da respectiva fundamentação, conjugado com as regras da experiência comum, pelo que, desde logo, é irrelevante a invocação das declarações da assistente e da testemunha LH, seu filho, em Audiência.

Por outro lado, vimos já que o tribunal a quo fundamenta suficientemente a sua decisão de julgar provados os factos nº 28) e 29) a páginas 37 a 39 do acórdão recorrido (fls 1770 a 1772 dos autos) e, quanto ao mérito respetivo, resulta da conjugação desse trecho da apreciação crítica da prova com a factualidade descrita nos pontos 8 a 27 da factualidade provada e as regras da experiência, que sendo o arguido a única pessoa que tinha interesse na ocultação da situação bancária da assistente e da sua irmã (e simultaneamente ocultar a sua própria atuação) era também a única pessoa do Banco --- (com acesso às folhas do banco) que tinha acesso à Assistente, pelo que constitui inferência lógica devidamente suportada nos apontados factos provados e nas regras da experiência, a conclusão de que foi ele quem fabricou os documentos em causa e os entregou posteriormente às ofendidas como se tivessem sido emitidos pelo banco, bem como que ele sabia e queria fazê-lo (dolo) ao agir do modo descrito.

Estamos, pois, perante prova indireta devidamente fundamentada e não em meras suposições, não resultando da apreciação crítica da prova erro manifesto ou grosseiro mas antes conclusão plausível e sustentada em prova indireta, não obstante alguma falta de assertividade que, todavia, não se confunde com ausência de fundamentação ou de prova, como referido.

Improcede, assim, o invocado vício de erro notório na apreciação da prova relativamente aos pontos 28) e 29) da factualidade provada.

2.3. A continuação criminosa invocada pelo arguido relativamente à factualidade típica atinente aos dois crimes de burla qualificada pelos quais vem condenado.

Depois de analisar os elementos típicos do tipo legal de burla, o tribunal a quo conclui que no caso presente fica preenchida a tipicidade do crime de burla por duas vezes, dada a duplicidade de resoluções criminosas, não se referindo em passo algum da sua fundamentação a eventual punição a título de crime continuado nos termos do art. 30º nº2 do C.Penal.

É o arguido que vem suscitar esta hipótese na sua motivação de recurso, alegando que o Tribunal a quo não considerou que o bem jurídico em causa é um e apenas um só, isto é, que apesar de serem duas titulares, a conta bancária é só uma, pelo que pode verificar-se a continua­ção criminosa mesmo que sejam diver­sos os ofendidos, o que se verifica nos presentes autos uma vez que o crime visou o mesmo bem jurídico.

Vejamos.
Embora a unidade ou diversidade de vítimas seja irrelevante no caso concreto, uma vez que a continuidade criminosa só depende de a vítima ser uma só quando se trate de crimes praticados contra bens eminentemente pessoais (art. 30º nº3), a verdade é que a configuração da conduta global do arguido, tal como resulta da factualidade provada, torna pertinente a questão da continuidade criminosa suscitada pelo arguido recorrente. Por um lado, verifica-se in casu unidade do tipo legal de crime, o que constitui um dos pressupostos do crime continuado imposto pelo art. 30º nº2 C. Penal ao referir-se à “…realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que protejam o mesmo bem jurídico.

Por outro, resulta da factualidade provada que as condutas do arguido integradoras dos elementos objetivos e subjetivos dos dois crimes de burla qualificada, p. e p. pelos art. 217º n.º 1 e 218º n.º2 al. a) do CP, pelos quais vem condenado nas penas parcelares de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão e de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, foram executadas por forma essencialmente homogénea (vd art. 30º nº2 C. Penal), pelo que apenas há que verificar se o arguido, ao preencher por mais que uma vez o mesmo tipo de crime, agiu no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a sua culpa – cfr art. 30º nº2 do C. Penal.

Com efeito, a construção da figura do crime continuado, a sua autonomização no campo mais vasto da pluralidade de infrações, tal como veio a ser acolhida no C.Penal de 1982, assenta essencialmente no menor grau de culpa do agente fundamentado no momento exógeno das condutas, na disposição exterior para o facto (e não na tendência, interna, do agente para o crime), que assim constitui a chave para decidir da subtração da figura ao regime do concurso efetivo de infrações.

Ora, sendo comum na prática bancária a habituação do cliente a um mesmo funcionário com base numa relação de confiança que contribui para fidelizá-lo à instituição bancária, levando-o a atenuar o controlo e fiscalização sobre as operações realizadas, não pode considerar-se que a credulidade e confiança revelada pelas ofendidas ao longo dos anos são de molde a concluir-se que no caso presente o arguido foi determinada à prática dos crimes de burla por um quadro exterior que tivesse diminuído consideravelmente a sua culpa. Na verdade, os deveres profissionais do arguido enquanto funcionário do banco demandado e a sua experiência no exercício das funções respetivas ao longo de anos, fazem esperar que a contra motivação daí decorrente seja suficiente para não se deixar tentar pela prática de ilícitos desta natureza, tal como se verificará com a generalidade dos funcionários bancários perante situações idênticas, pelo que não pode considerar-se que a fragilidade revelada pelas vítimas tornasse sensivelmente menos exigível que o arguido mantivesse uma conduta lícita nas três situações temporais aqui em causa. O conjunto dos factos revela, antes, que foi na sua própria personalidade e estrutura interna que o agente encontrou a determinação necessária para iniciar e persistir na sua conduta ilícita, tanto mais que o valor patrimonial atingido é bastante significativo.

Não se verifica, pois, que o arguido agiu no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminuísse consideravelmente a sua culpa, pelo que não se verificam todos os requisitos cumulativos de que o art. 30º nº2 do C. Penal faz depender a continuação criminosa, nada havendo a censurar ao acórdão recorrido por não ter decidido nesse sentido.

2.4. – O invocado concurso aparente entre o crime de falsificação p. e p. pelo art. 256º n.º1 al. a) do CP e os crimes de burla pelos quais o arguido vem condenado.

O arguido entende não dever ser punido pelo crime de falsificação, dada a instrumentalidade deste relativamente aos crimes de burla pelos quais foi igualmente condenado.

Vejamos.

A questão suscitada reconduz-se à velha questão de saber se é efetivo ou aparente o concurso entre os crimes de falsificação de documento e burla, na situação em que a falsificação é praticada com intenção de realizar a burla, como se verifica no caso presente.

Sobre tal questão, porém, tem a jurisprudência uniformizadora decidido invariavelmente no sentido do concurso efetivo real (vd AFJ do STJ de 19.02.1992 e Assento do STJ 8/2000), não obstante a doutrina maioritária em sentido contrário, entendimento aquele que foi reafirmado no AFJ nº 10/2013, de que não se vê motivo para divergir, o qual decidiu nos seguintes termos:

- «A alteração introduzida pela Lei 59/2007 no tipo legal do crime de falsificação previsto no artigo 256º do Código Penal, estabelecendo um elemento subjectivo especial, não adecta a jurisprudência fixada nos acórdãos de fixação de jurisprudência de 19 de Fevereiro de 1992 e 8/2000 de 4 de Maio de 2000 e, nomeadamente, a interpretação neles constante de que, no caso de a conduta do agente preencher as previsões de falsificação e de burla do artigo 256º, nº 1, alínea a), e do artigo 217º, nº 1, do mesmo Código, se verifica um concurso real ou efectivo de crimes”.

Verifica-se, pois, no caso presente uma situação de concurso efetivo real entre o crime de falsificação p. e p. pelos arts 256º, nº1, als. b), d) e e) e nº3. do Código Penal e de burla p. e p. nos arts 217°, 1 e 218º n.º2 al. a), do Código Penal, pelo que nada há a apontar à decisão respetiva do acórdão recorrido, improcedendo o recurso do arguido também nesta parte.

B. O recurso do banco demandado

2.5. - Nulidade de falta de enumeração de factos, invocada pelo banco demandado.

2.5.1. Resulta da conjugação do preceituado nos artigos 339º nº4, 368º nº2, 374º nº2, todos do CPP, que deve constar da fundamentação da sentença a enumeração dos factos provados e não provados alegados pela acusação e pela defesa, bem como os que resultarem da discussão da causa, relevantes para decidir as diversas questões que, no seu conjunto, constituem a Questão da culpabilidade - art. 368º do CPP –, sob pena de se verificar a nulidade de sentença a que se reporta a al. a) do nº1 do art. 379º do CPP.

A imposição do dever de enumerar os factos provados e não provados, enquanto elemento ou parte da fundamentação, visa (1) delimitar com clareza e rigor a base de facto da decisão a proferir pelo tribunal de julgamento sobre as questões de direito relativas à questão da culpabilidade (vd art. 368º nº3 CPP) e, simultaneamente, (2) assegurar que o tribunal apreciou e decidiu toda a matéria de facto relevante sujeita ao seu julgamento, incluindo a que respeita aos pressupostos de que depende o arbitramento da indemnização civil (al. f) do nº2 do art. 368º do CPP).Nas palavras de Simas Santos e Leal-Henriques a sentença deve revelar o procedimento lógico seguido pelo tribunal na formação da decisão, pelo que é fundamental a enumeração dos factos provados (pois é a partir deles e à luz do direito que nascerá a decisão) e dos factos não provados (assim se garantindo que o tribunal apreciou especificadamente toda a matéria de facto sujeita à sua apreciação)”. – Cfr CPP Anotado, II, 2º vol. p. 534.

Significa isto, como aludido, que o tribunal de julgamento deve enumerar e decidir os factos relevantes para a decisão das diversas questões elencadas no art. 368º do CPP e apenas estes, não sendo obrigatória a discriminação das alegações de facto feitas na contestação ou na acusação, bem como no pedido civil e respetiva contestação, que respeitem a factos inócuos para a decisão, a factos meramente negatórios, ou seja, os que representem apenas alegação factual contrária à da acusação, para além das alegações meramente conclusivas e/ou que constituam matéria de direito.

Quanto à alegação motivada de factos incompatíveis com os da acusação ou do pedido cível, ou seja, quando o arguido (ou demandado cível) nega os factos responsabilizantes que lhe são imputados apresentando uma versão factual incompatível com aquela, a resposta sobre a dispensabilidade da sua enumeração entre os factos provados ou não provados, deve assentar numa lógica diferenciadora, em função de se mostrarem ou não satisfeitas as finalidades apontadas à enumeração de factos, o que depende dos termos em que se encontre efetuada a fundamentação no seu conjunto em relação com a complexidade e extensão do caso a decidir.

2.5.2. No caso presente, diz o banco demandado que o tribunal a quo não incluiu entre os factos provados e não provados as seguintes alegações de facto constantes da sua contestação ao pedido cível (fls 1298 a 1330), não procedendo ao exame crítico das provas relativas aos factos respetivos, que são os seguintes:

- Entre o arguido e as Demandantes existia uma relação pessoal - artigos 42 a 46, 52 e 53, da contestação cível

- As Demandantes diferenciavam o arguido do Banco--- e após Abril de 2008 continuaram a entregar quantias em numerário e em cheque ao arguido, as quais não peticionam no pedido de indemnização cível, designadamente: € 3.000,00 em 22.07.2008; € 2.000,00 em 01.09.2008; € 3.000,00 em 30.01.2009; € 13.000,00 em 26.01.2010; € 1.442,00 em 26.04.2010; € 338,00 em 03.08.2010; € 896,00 em 29.11.2010. - Artigos. 136º e 138º da contestação cível.

-i) o arguido desempenhou as funções de gerente e subgerente junto do Banco ---; ii) eram funções do arguido gerir a equipa, gerir o negócio, angariar clientes; iii) o arguido enquanto gerente e subgerente não era gestor de conta de clientes - (conclusão 20, 22 a 25)

- A arguida residia a escassos metros da agência de Loulé do banco;

Vejamos

2.5.2.1.- É manifesta a falta de razão do banco demandado quanto à necessidade de incluir na enumeração dos factos provados ou não provados a alegação de que entre o arguido e as Demandantes existia uma relação pessoal, que as Demandantes diferenciavam o arguido do Banco --- e continuaram a doar/emprestar dinheiro ao arguido após Abril de 2008, que não reclamam no pedido cível, que o arguido desempenhava funções de gerência, não sendo gestor de conta de clientes, e que as demandantes residiam a escassos metros da agência de Loulé do banco. Com efeito, estes são factos meramente instrumentais ou indiretos da versão negatória que consistiu na alegação de que o arguido agiu no âmbito de relações pessoais estabelecidas com as demandantes e não enquanto funcionário do banco, factos estes que o tribunal a quo julgou implicitamente não provados ao julgar provada a versão acusatória incompatível com a versão negatória do arguido. Máxime que as ofendidas foram atendidas em 2000 pelo arguido, que desempenhava as funções de gerente da agência de Loulé (nºs 2 e 3 ), que este foi fazendo aplicações financeiras, para além de depósitos a prazo no banco (ponto 6)) [apesar de ser gente do banco], que a assistente assinou os documentos que o arguido levava consigo por este ser funcionário do B e estar convencida que era nessa qualidade que ele comparecia na sua residência e nele confiar, conforme descrito sob o nº 32 dos factos provados, que as deslocação referidas em 32) ocorriam apenas para o arguido tratar de assuntos relacionados com a conta de R. e MC e obter a documentação de que necessitava e que R. e MC estavam convencidas que o arguido agia como funcionário do BP, conforme descrito nos pontos 34. e 35. da factualidade provada.

Para além disso, o tribunal a quo julgou expressamente não provado que as deslocações do arguido à residência de R. e MC ocorriam apenas por existir entre o arguido e estas uma relação de amizade (Al. x) e que R. e MC aproveitavam as deslocações do arguido à sua residência para lhe entregarem documentação bancária (nomeadamente cheques) visando transferir para o arguido quantias que pertenciam àquelas a fim de o arguido gastar essas quantias em finalidades com interesse comunitários que ele livremente escolhesse (al. Z).

Quanto à alegação que o arguido desempenhava funções de gerência, não sendo gestor de conta de clientes, não só se encontra provado que aquele desempenhava as funções de gerente da agência de Loulé (nºs 2 e 3 dos factos provados), conforme referimos supra, como foi igualmente consignado no ponto 41) dos factos provados que o arguido em 1999/2000 (…) integrou o Banco --- na categoria de gerente, onde permaneceu até ao seu pedido de demissão, em 2011, pelo que nada mais havia a acrescentar a este respeito.

Particularmente quanto à alegação que as demandantes residiam a escassos metros da agência de Loulé do banco, não há dúvida que o tribunal a quo considerou assente tal facto (que, aliás, não se encontra minimamente controvertido), mencionando-o na nota 38 da pág. 34 do acórdão recorrido (fls 1767 dos autos), sem prejuízo de ser em si mesmo irrelevante para a demonstração da versão negatória do arguido, pois embora permita inferir que as demandantes se deslocavam à agência de Faro do banco demandado porque o arguido era aí gerente, nada diz sobre o caráter pessoal ou profissional dos atos praticados aquando dessas deslocações.

Não há dúvida, pois, que o tribunal apreciou e considerou no julgamento de facto a versão negatória do arguido, julgando provada a versão da acusação incompatível com aquela e julgando mesmo provados alguns dos factos parcelares, como referido supra, pelo que as finalidades subjacentes ao dever de enumeração dos factos provados e não provados imposta pelo nº2 do art. 374º do CPP mostram-se cabalmente cumpridas, improcedendo a invocada nulidade de falta de fundamentação de sentença por falta de enumeração de factos.

2.6. Impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

2.6.1 Antes de mais, pretende o banco demandado nas suas conclusões 32 a 34, 39 e 43, que os factos que no seu entender deviam ter sido enumerados entre os factos provados ou não provados - que discriminamos antes ao decidir a invocada nulidade de sentença por falta de fundamentação -, deverão integrar a matéria de facto provada por resultarem da prova produzida, apesar de terem sido desconsiderados pelo tribunal a quo.

Ora, tal como referido supra, estes factos não têm que constar entre os factos provados e não provados como vimos ao julgar improcedente a invocada nulidade de sentença por falta de enumeração de factos, pois apenas infirmam a versão da acusação julgada provada pelo tribunal a quo que, essa sim, pode ser impugnada nos termos do art. 412º do CPP.

Na verdade, pelas razões que podem ver-se mais desenvolvidamente no Ac TRE de 15.03.2011 que relatámos (acessível em www.dgsi.pt), só os factos que na sentença sob recurso constam entre os que foram singular e expressamente julgados provados ou não provados, podem ser impugnados, justificando a pretensão do impugnante no sentido de o tribunal de recurso proferir decisão de sentido diverso da recorrida (cfr nº3 b) do art. 412º CPP), modificando a decisão proferida em matéria de facto nos termos do art. 431º do CPP.

Assim, tendo improcedido a invocada nulidade de sentença por falta de enumeração de factos, que constitui um dos meios ao dispor do interessado para que passem a constar da enumeração de factos da sentença os que entenda que dela deviam constar – vd acórdão do T. Constitucional nº 312/12 - carece de objeto pertinente a pretensa impugnação relativamente aos factos discriminados em 2.5.2.1., pelo que nada há a apreciar quanto a ela.

2.6.2. Vejamos agora a impugnação da decisão do tribunal a quo que julgou provados os pontos de facto 15, 21 e 22 (conclusão 54 sgs), ponto 23 (conclusão 76), ponto 26 (conclusão 70-75), pontos 28 e 29 (conclusões 78 – 86), pontos de facto nº32 (conclusões 45 a 53), ponto 34 (conclusão 55 e sgs), ponto 35 (conclusão 61), ponto 39 (conclusão 67), e que julgou não provada a al. ai) dos factos não provados, a qual entende dever ser julgada provada (conclusões 63 a 66).

a) Quanto à caracterização e teleologia da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos do art. 412º do CPP, vem sendo reafirmado pela jurisprudência e pela doutrina que o Código de Processo Penal assume claramente os recursos como remédios jurídicos e não como um novo julgamento sobre o objeto do processo, o que vale plenamente para o recurso em matéria de facto.

Assim, a impugnação em matéria de facto apenas procederá se o Tribunal da Relação concluir que a reapreciação dos elementos de prova impõem uma decisão diversa da que foi proferida pelo tribunal a quo, por revelarem a existência de verdadeiros erros de julgamento em matéria de facto, quer por desrespeito da exigência fundamental de que a decisão sobre os factos resulte de prova produzida no processo[3], quer por violação de regras da experiência, da lógica, dos conhecimentos científicos, bem como das regras específicas e princípios vigentes em matéria probatória, nomeadamente as que dispõem sobre a validade da prova ou o especial valor de alguns meios de prova, como a confissão, a prova pericial ou a derivada de certos documentos.

Vejamos, então, se são fundadamente apontados ao acórdão recorrido erros de julgamento em matéria de facto relevante para a decisão das questão da culpabilidade ou da determinação da sanção, que imponham decisão diferente da recorrida, levando à modificação da decisão nos termos do artigo 431º do CPP.

b) Por facilidade de exposição e leitura, reproduzem-se novamente os pontos de factos impugnados.

“15) Assim, o arguido foi apresentando a R. e MC o módulo de cheque 868265--- abaixo referido e outra documentação e, conforme havia planeado, dizia-lhes que o cheque e a documentação se destinavam a efectuar operações bancárias, e solicitava-lhes que assinassem o cheque e outra documentação, nomeadamente pedidos de emissão de cheques bancários.

21) Assim, o arguido foi apresentando a R. e MC os módulos de cheque e ordens de transferências que abaixo se descriminam juntamente com outra documentação, nomeadamente pedidos de emissão de cheques bancários, e, sob o mesmo pretexto, solicitou-lhes que os assinassem.

22) Tal como nas ocasiões anteriores e pelas mesmas razões, R. foi assinando os referidos documentos.

23) Utilizando o mesmo procedimento, o arguido apresentou a pagamento os cheques (incluindo os cheques bancários) e transferiu os fundos constantes das ordens de transferência assinadas pela R. para contas bancárias por si tituladas ou por si controladas, ou levantou os respectivos valores aos balcões do Banco ---.

26) Assim, com:
- Cheque n.º 8694234--, no valor de 24.000 euros depositado em 18/05/2007, na conta bancária com o n.º 6-3490---, do BPI, titulada pelo arguido;
- Cheque n.º8694234--, no valor de 11.500 euros depositado em 31/05/2007, na conta bancária com o n.º 2-3495---, do BPI, co-titulada pelo arguido, associada à secção de natação do L., e que apenas o arguido movimentava;
- Cheque n.º 868265---, no valor de 31.642,72, depositado em 14/08/2007, na conta bancária com o n.º 6-3490---, do BPI, titulada pelo arguido;
- Ordem de transferência da quantia de 7.375,49, efectuada em 07/09/2007, para a conta n.º 90032.001.13, titulada por FF, que é filho do arguido;
- Cheque n.º 861913---, no valor de 11.450 euros depositado em 31/10/2007, na conta bancária com o n.º 6-3490---, do BPI, titulada pelo arguido;
- Ordem de transferência da quantia de 6.500 euros efectuada em 23/11/2007, para a conta n.º 281990---, titulada por NG, mas controlada e movimentada pelo arguido;
- Cheque n.º 86191---, no valor de 4.910 euros, depositado em 03/12/2007, na conta bancária com o n.º 956---, do BPI, co-titulada pelo arguido, associada à secção de natação do L., e que apenas o arguido movimentava;
- Cheque n.º 50467--- (cheque bancário), no valor de 20.000 euros depositado em 26/12/2007, na conta bancária com o n.º 6-349---, do BPI, titulada pelo arguido - este cheque contem duas assinaturas na frente, no local designado «assinatura(s)», constando a menção ao BPI no local designado «à ordem de», e não consta qualquer assinatura no verso do cheque;
- Cheque n.º 865107---, no valor de 34.000 euros depositado em 04/01/2008, na conta bancária com o n.º 6-349º--, do BPI titulada pelo arguido;
- Cheque n.º 86191---, no valor de 36.000 euros depositado em 04/03/2008, na conta bancária com o n.º 6-34908---, do BPI, titulada pelo arguido;
- Cheque n.º 86439--, no valor de 4.700 euros, depositado em 08/04/2008, na conta bancária com o n.º 6-3490870, do BPI, titulada pelo arguido;
- Cheque n.º 864395---, no valor de 10.000 euros que o arguido levantou em 29/04/2008, na agência de Albufeira do Banco;
- Cheque n.º 86439--, no valor de 26.000 euros que o arguido levantou em 29/04/2008, na agência de Albufeira do Banco;
- Cheque n.º 865107---, no valor de 6.700 euros depositado em 30/05/2008, na conta bancária com o n.º 6-3490---, do BPI, titulada pelo arguido;
- Cheque n.º 864395--, no valor de 10.000 euros, depositado em 04/06/2008, na conta bancária com o n.º 6-3490…, do BPI, titulada pelo arguido;
- Cheque n.º 86191---, no valor de 10.000 euros, depositado em 11/06/2008, na conta bancária com o n.º 6-3490---, do BPI, titulada pelo arguido;
- Cheque n.º 86510---, no valor de 10.000 euros, depositado em 08/07/2008, na conta bancária com o n.º 6-349…, do BPI, titulada pelo arguido;
- Cheque n.º 86928---, no valor de 12.162 euros depositado em 08/07/2008, na conta bancária com o n.º 453790---, do BCP, titulada pelo arguido;
- Cheque n.º 869288---, no valor de 2.538,81 depositado em 02/12/2008, na conta bancária com o n.º 2-3495---, do BPI, co-titulada pelo arguido, associada à secção de natação do L., e que apenas o arguido movimentava;

28) Para não ser descoberto e para que R. e MC não tomassem consciência do valor real do seu património financeiro, o arguido fabricou os extractos bancários e promissórias de depósitos a prazo de fls. 101 a 104 (com as datas 06.10.2011, 15.12.2011, 04.08.2010 e 21.11.2011), com o logótipo do Banco, nos quais colocava valores inexistentes e por ele inventados, documentos que posteriormente entregou a R. e MC, como se tivessem sido emitidos pelo Banco.

29) O arguido sabia que ao fabricar os referidos documentos punha em causa a confiança e credibilidade das pessoas na exactidão e genuinidade por eles merecida.

32) Os contactos entre o arguido e R. e MC, ocorridos a partir de 17.08.2003, ocorriam na residência destas, onde o arguido se deslocava, fora do horário de trabalho, para convencer a R. e a MC nos termos descritos, obtendo as assinaturas da R. nos documentos que levava, assinaturas que aquela fazia por este ser funcionário do BP, estar convencida que era nessa qualidade que ele comparecia na sua residência e nele confiar.

34) As deslocação referidas em 32) ocorriam apenas para o arguido tratar de assuntos relacionados com a conta de R. e MC e obter a documentação de que necessitava.

35) R. e MC estavam convencidas que o arguido agia como funcionário do B.

39) Em regra, os procedimentos bancários (mormente a assinatura de documentos) no B são realizados na agência bancária, ainda que a angariação de clientes se faça no exterior, mas por vezes existem contactos para a prática de actos bancários com clientes fora das agências.

ai) [não provado], R. e MC pediam para ser atendidas pelo arguido em Loulé.”.

2.6.2.1. Tendo em conta a ligação lógica entre os factos impugnados, começa-se por conhecer da impugnação dos pontos 15, 21, 22, 32, 34 e 35, da factualidade provada.

Entende o banco recorrente não resultar da prova a reapreciar que o arguido se deslocasse à residência das ofendidas “… para convencer a R. e a MC nos termos descritos, obtendo as assinaturas da R. nos documentos que levava, assinaturas que aquela fazia por este ser funcionário do BP, estar convencida que era nessa qualidade que ele comparecia na sua residência e nele confiar”, pelo que apenas deve constar daquele ponto 32) que “Os contactos entre o arguido e R. e MC, ocorridos a partir de 17.08.2003, ocorriam na residência destas, onde o arguido se deslocava, fora do horário de trabalho”.,

Alega para tanto que a demandante R. afirmou em audiência não ter assinado os cheques em causa, não obstante admitir as assinaturas como suas, pelo que não poderá dar-se por provado que o arguido obtinha as assinaturas da R., que esta fazia aquelas assinaturas a pedido do arguido e muito menos que a demandante assinava tais documentos por o arguido ser funcionário do Banco ( nº 35 dos factos provados), tal como não pode julgar-se provado que o arguido pedisse às ofendidas para assinarem o cheque e outra documentação aludidos em 15) e 21) e que aquelas os assinassem como se menciona em 22).

É, porém, manifesta a falta de razão do banco recorrente, pois a sua alegação não põe minimamente em causa a coerência e adequação da explicação apresentada pelo tribunal a quo na apreciação crítica da prova.

Com efeito, depois de referir que as ofendidas tenderam a negar a utilização e assinatura dos cheques e demais documentos que ostentam a sua assinatura, o tribunal a quo menciona que a assistente, R., acabou por admitir que teria assinado cheques e documentos no seu domicílio, explicando aquele tribunal que a negação inicial da assistente apenas é compreensível e explicável pela fragilidade demonstrada, nomeadamente em termos de raciocínio e memória, dada sua idade, pois a sua negação pontual quanto à autoria das assinaturas em causa não corresponde a qualquer interesse em ocultar factos que lhe fossem desfavoráveis (cfr fls 1764 e 1765 dos autos), explicação que é conforme com as regras da experiência comum, tal como o é que a consistência das assinaturas da assistente apostas em diversos documentos aponte para que as mesmas tenham sido realizadas pela assistente (cfr fls 1766).

Mostra-se, pois, explicada de forma coerente a negação pontual da assistente, que foi invocada pelo banco recorrente para fundar a sua impugnação, devendo considerar-se ainda os factos circunstanciais e as deduções lógicas expostas na apreciação crítica da prova, designadamente a falta de outra explicação plausível para a realização das assinaturas pela assistente, pelo que a conclusão de que as assinaturas foram apostas pela assistente, é conforme com as suas declarações, analisadas à luz das regras da experiência e da lógica comum, contrariamente à alegação do banco demandado.

Consequentemente, não se mostra igualmente violada qualquer regra de direito probatório ou outra natureza a decisão do tribunal a quo corporizada nos pontos de facto 15, 21 e 22, bem como nos pontos nºs 34 e 35 da factualidade provada.
Particularmente quanto a estes dois últimos factos, não pode igualmente deixar de considerar-se demonstrado que o arguido se deslocava à residência destas apenas para convencê-las a apor as suas assinaturas nos documentos necessários à concretização do seu propósito fraudulento, por ser o que resulta do encadeamento dos diversos factos instrumentais analisados na apreciação crítica da prova e da falta de sustentação e plausibilidade da versão do arguido quanto a suposta relação social ou de amizade entre eles e ao caráter voluntário e liberatório de disposições patrimoniais direta ou indiretamente a seu favor.

Com efeito, contrariamente ao que parece pressupor, a prova relevante para a formação da convicção do julgamento em matéria de facto não se reduz à prova direta, antes resulta frequentemente da chamada prova circunstancial ou indireta, como se verifica no caso presente e não é coerentemente posto em causa pelo banco recorrente.

Particularmente no que concerne ao ponto de facto 15), este respeita ao segundo conjunto de factos, ocorrido no final de 2004, início de 2005, na sequência da apropriação da quantia de 20 000,00 euros que se descreve sob os pontos nºs 8 a 13 da factualidade provada, os quais não foram objeto de impugnação, pelo que há a considerar ainda a especial força de convicção daquela apropriação no que respeita à prova do ponto de facto nº 15, por revelar perfeita adequação entre a finalidade visada e a forma de atuação ali descrita.

2.6.2.2. Ponto 26 (conclusão 70-75) e ponto 23 (conclusão 76)
A respeito do ponto 26 da factualidade provada, alega o banco recorrente não se ter provado que o arguido se apropriou da quantia de 10 000,00 € titulada pelo cheque 864 395 --- e da quantia de 26 000,00€ titulada pelo cheque 864 395 ---, pois não resultou da prova produzida que o arguido levantou tais importâncias à boca de caixa da Agência de Albufeira do Banco, em 29/04/2008, contrariamente ao que ali se menciona, uma vez que a testemunha VG não confirmou que aquelas quantias foram entregues ao arguido, nomeadamente por ela.

Sem razão, porém.

Conforme pode ver-se da apreciação crítica da prova a fls 1768 e 1769 dos autos, apesar de aquela testemunha não confirmar o levantamento dos cheques concretamente em causa por parte do arguido, o que constituiria prova direta do levantamento das importâncias respetivas, afirmou claramente que admitiu-se o levantamento de cheques pelo arguido sem a presença do cliente à ordem de quem era passado, contrariamente ao que afirma o recorrente, sendo certo que o tribunal a quo explica ainda com detalhe quais os demais factos indiretos ou circunstanciais com base nos quais inferiu logicamente, com recurso a regras da experiência, que foi o arguido quem procedeu ao levantamento das importâncias em causa apropriando-se das mesmas, procedimento valorativo este que o recorrente não põe sequer em causa, parecendo, mais uma vez, reconduzir a prova dos factos à sua prova direta.

Assim, uma vez que não existe qualquer desconformidade entre as declarações consideradas pelo tribunal a quo e as efetivamente prestadas pela testemunha VG e que o tribunal recorrido explica de forma detalhada e consistente a sua decisão com base naquele depoimento, improcede a impugnação também nesta parte.

Improcede igualmente a impugnação do ponto 23) dos factos provados, na medida em que esta pressupunha a procedência da impugnação do ponto 26, conforme claramente expresso nas conclusões 76 e 77 da motivação do banco demandado.
2.6.2.3 pontos 28 e 29 (conclusões 78 – 86),
Estão aqui em causa os factos integradores dos elementos objetivos e subjetivos do crime de falsificação de documento sob a forma de fabrico de documento falso, p. e p. pelo art. 256º n.º1 al. a) do CP, pelo qual o arguido vem condenado.

O banco demandado alega, em síntese, que o arguido não confessou os factos, a demandante não imputou ao arguido a autoria nem sequer justifica a posse de tais documentos por via da entrega dos mesmos pelo arguido, conforme pode ver-se das suas declarações em audiência, e nenhuma prova pericial foi efetuada a este título, pelo que a justificação do acórdão de que só poderia ser o arguido a fabricar tais documentos mais não é que uma presunção do tribunal a quo, que não se encontra alicerçada nem sustentada pela prova produzida.

Mais uma vez o recorrente faz coincidir a ausência de prova direta com a falta de prova dos factos, desvalorizando o resultado probatório a que chegou o tribunal a quo com base em prova indireta, ou seja, com base em inferências lógicas assentes nos factos indiretos ou instrumentais por si analisados e nas regras de experiência.

Com efeito, o tribunal recorrido parte dos dados constatáveis pelo mero exame dos documentos de fls 102 e 104, de onde resulta que os mesmos não foram emitidos pelo banco demandado, antes foram fabricados por terceiro, ou seja:

- As folhas utilizadas correspondem a folhas do BP (com o respetivo logotipo e rodapé), segundo o depoimento, sempre isento, da referida testemunha JA];

- A sua mancha gráfica é absolutamente estranha aos documentos emitidos pelo BP [também segundo a referida testemunha JA].

Por outro lado, o tribunal a quo considerou ainda que a forma como é apresentado o seu conteúdo corresponde à forma de apresentação dos documentos do BP, com base no depoimento da mesma testemunha, mas o seu teor não corresponde a movimentos reais da conta da assistente (e irmã), como resulta da mera comparação com o extracto de fls. 87, pois na data da constituição dos supostos depósitos de fls. 101 e 103, e nas datas dos documentos de fls. 102 e 104 (Novembro e Dezembro de 2011) já a conta apresentava saldos negativos ou a zero.

Mostrando-se assente e incontestado que os documentos em causa foram fabricados, o tribunal a quo teve em conta que:

- Aqueles documentos visam falsear a situação bancária da assistente e irmã, dando desta situação uma visão próspera, e assim ocultar a real situação bancária daquelas (e, simultaneamente, ocultar a atuação do arguido);

- O arguido é a única pessoa que tem interesse na ocultação da situação bancária da assistente e irmã (pois é ele o responsável por tal situação), e é também a única pessoa do B (com acesso ás folhas do banco) que tem acesso à assistente.

Assim sendo, conclui o tribunal recorrido que os documentos de fls 102 a 104 só servem para enganar a assistente (ocultar factos de desapropriação) e que apenas o arguido, que desapropria, tem interesse em enganar], pelo que apenas o arguido poderá ser o autor de tais documentos. Donde a imputação realizada e descrita em 28 dos factos provados (mormente quanto à intenção do arguido).

As inferências lógicas ora destacadas encontram-se, pois, alicerçadas em factos indiretos relevantes e coincidentes e em regras da experiência que traduzem a normalidade do agir humano na sociedade em que nos inserimos, sem que o recorrente ponha seriamente em causa os diversos passos ou momentos em que assentou a prova indireta dos factos ora impugnados, antes parecendo, uma vez mais, pressupor a irrelevância da prova indireta, ao arrepio do que é a tradição e consenso da nossa doutrina e jurisprudência, tal como sucede nos ordenamentos jurídicos que nos são próximos. Como diz, por todos, Cavaleiro de Ferreira, “ A prova indiciária tem uma suma importância no processo penal; são mais frequentes os casos em que a prova é essencialmente indirecta do que aqueles em que e mostra possível uma prova directa. Daí que o estudo da prova indiciária tenha sido feita quase exclusivamente no processo penal.(…) Duma maneira geral os indícios correspondem às presunções naturais em matéria civil; a legislação e doutrina anglo-saxónica empregam para a designar a expressão omnicompreensiva de prova circunstancial”

A lei processual portuguesa não faz sequer depender o valor probatório dos indícios de especiais características dos mesmos, contrariamente ao que sucede com o C.P.Penal italiano, cujo art. 192º nº 2 estabelece que, “ A existência de um facto não pode ser inferido de indícios a menos que estes sejam graves, precisos e concordantes” [4], nem tão pouco lhes são fixados limites, quer do ponto de vista dos factos objecto da prova, quer de ordem quantitativa, como sucedia no antigo sistema de provas legais.

Assim, mostrando-se devidamente analisados e concatenados os indícios ou factos indiretos considerados, não merece qualquer censura a decisão do tribunal a quo de julgar provados com base em prova indireta, os pontos 28) e 29) da factualidade provada, improcedendo a impugnação também nesta parte.

2.6.2.4. ponto 39 (conclusão 67),

39) Em regra, os procedimentos bancários (mormente a assinatura de documentos) no B são realizados na agência bancária, ainda que a angariação de clientes se faça no exterior, mas por vezes existem contactos para a prática de actos bancários com clientes fora das agências.

Alega o banco recorrente a este respeito que “Também o ponto 39) da matéria de facto provada terá de ser alterado, pois não está totalmente em consonância com a prova produzida em audiência de julgamento, conforme pode ver-se Veja-se o depoimento da testemunha JG (20161122100625_3778299_2870821 – minuto 36:25 a minuto 38:53). Deverá, assim, ser alterado o ponto 39) da matéria de facto, devendo passar a ter a seguinte redacção: “Em regra, os procedimentos bancários (mormente a assinatura de documentos) no B são realizados na agência bancária, ainda que a angariação de clientes se faça no exterior.”.

Sem razão, porém, sendo a improcedência desta parte da impugnação ditada pela simples leitura da apreciação crítica da prova onde se menciona que na prova deste facto nº 39 atendeu-se igualmente aos depoimentos das testemunhas VC e AF, as quais admitiram a ocorrência dos contactos referidos na parte final da matéria descrita, pelo que a fundamentação da sua impugnação é insuficiente para alterar a decisão que, na parte impugnada, assenta em dois depoimentos que não sequer visados pela motivação de recurso. Nada há, pois, a alterar ao decidido.

2.6.2.5. O banco recorrente pretende ainda impugnar a decisão recorrida na parte em que julgou não provado (al. ai) ) que “R. e MC pediam para ser atendidas pelo arguido em Loulé ” - conclusões 63ª-66ª – mas este ponto de facto não é impugnável, dado tratar-se de matéria de facto meramente instrumental que no caso presente é em si mesma irrelevante, pois mesmo que resultasse provada em nada seria alterada a decisão de qualquer das questões relativas à culpabilidade (art. 368º CPP) ou à determinação da sanção (art. 369º CPP). Na verdade, como refere Damião da Cunha[5] “… quando o recorrente impugna um concreto «ponto de facto» que reputa como incorrectamente decidido, tal significa que impugna uma concreta afirmação de facto – um facto ou um circunstancialismo dado como provado ou não provado -, no sentido de que, se tal aspecto tivesse sido diversamente decidido, a decisão, em que o «facto» se insere, seria também ela diversa”.

Improcede, assim, in totum a impugnação da decisão proferida em matéria de facto deduzida pelo banco demandado.

2.7. Recorrendo em matéria de direito relativamente ao pedido cível, pretende o banco demandado que o acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outro que o absolva da totalidade da condenação, pois mesmo considerando a factualidade julgada provada e não provada pelo tribunal a quo não se mostram preenchidos os pressupostos de que depende a responsabilidade objetiva pelo risco (art. 500º CC) com base na qual a demandada vem condenada.

Apesar de o banco demandado alegar que a incorreta aplicação do direito ora em causa ressalta já da aplicação dos factos considerados pelo tribunal a quo ao caso concreto, a verdade é que boa parte dos considerandos expendidos pelo recorrente a este propósito pressupõem a procedência da impugnação da matéria de facto, pelo que não podem deixar de improceder.

Na verdade, o banco recorrente assenta o seu recurso na falta de preenchimento de um dos requisitos cumulativos da responsabilidade objetiva pelo risco com base na qual vem condenado, ou seja, a prática de factos danosos pelo comissário no exercício da função que lhe foi confiada.

Alegou para tanto não resultar da matéria de facto provada quais as funções exercidas pelo arguido enquanto comissário do Banco Recorrente, o que implica a nulidade do acórdão e importa, desde logo, a absolvição do Banco recorrente, como referiu. Sem razão, porém, pois tal como escrevemos em 2.5.2.1. encontra-se assente que o arguido exerceu funções de gerente entre 1999-2000 e 2011, ano em que o arguido se demitiu, tal como se provou que o arguido se deslocava a casa das ofendidas e demais factos conexos com tais deslocações enquanto funcionário do banco e no exercício das funções respetivas.

Alegou ainda que os contactos entre o arguido e as demandantes ocorriam na residência destas, em horário pós-laboral, totalmente à margem do banco, quer dos seus procedimentos, quer do seu conhecimento, pelo que tais atos danosos ocorrerem fora das instalações do Banco Recorrente e em horário pós laboral do arguido, tendo-se como excluído o nexo funcional, porquanto tudo se passa e ocorre à margem da relação comitente/comissário, mas não foram aqueles os pressupostos de facto do acórdão condenatório, como vimos, tal como não pode concluir-se daqueles factos encontrar-se excluído o nexo funcional, antes pelo contrário, como de forma clara e exaustiva se explica no acórdão recorrido, sem que o banco demandado contrarie aquela fundamentação no plano do direito. Vejamos um pouco mais de perto.

Em primeiro lugar, a argumentação jurídica do banco recorrente respeita apenas aos factos descritos nos pontos 14) a 19) e 20) a 27), pois só estes ocorreram depois de 17.08.2003, data a partir da qual os contactos entre o arguido e R. e MC ocorriam na residência destas, onde o arguido se deslocava fora do horário de trabalho.

Em segundo lugar, resulta suficientemente da factualidade provada que os atos praticados pelo arguido eram objetivamente próprios e adequados à atuação do funcionário (comissário) que age por encargo do banco (comitente), dado estarem em causa atos próprios e mesmo paradigmáticos daquelas funções, como sejam o procedimento para abertura de conta no banco demandado, pedidos de emissão de cheques bancários, apresentação dos cheques para assinatura e encaminhamento dos mesmos para os atos bancárias subsequentes, bem como apresentação e assinatura de ordens de transferências bancárias, independentemente de quias fossem as funções concretamente exercidas pelo arguido, que teve a categoria de gerente do banco demandado entre 1999/2000 e 2011 (ponto 41) da factualidade provada), como referido.

Em terceiro lugar, a circunstância de os contactos entre o arguido e as ofendidas passarem a ter lugar depois de 17.08.2003 no domicílio destas, em nada altera a natureza comercial da relação que se estabeleceu entre o arguido e as ofendidas, própria da atividade bancária, pois foi mesmo julgada não provada a versão do arguido, que alegou ter natureza pessoal a relação então existente entre o arguido e as ofendidas (o documento 5 junto com a contestação do pedido de indemnização civil apresentada pelo Banco em nada altera esta conclusão), e que foi por existir essa relação que os ofendidas teriam praticado atos de disposição patrimonial a favor do arguido - cfr pontos 32 a 35 e 39, dos factos provados, alíneas x), z), aj) e al), dos factos não provados.

O arguido sempre se relacionou com as ofendidas na sua qualidade de funcionário do banco demandado, não ficando demonstrada a existência de quaisquer negócios ou relação pessoal relevante entre o arguido e as ofendidas, independentemente de, na sua relação com o banco, os atos lesivos do património das ofendidas representarem abuso daquelas mesmas funções, em benefício do arguido.

O banco recorrente não tem, pois, razão ao pretender que se encontra excluído o nexo funcional adequado entre a competência atribuída ao arguido e os atos deste, pois estes cabiam adequadamente naquela competência, configurando-se como consequência previsível das funções cometidas ao arguido pelo banco demandado, conforme melhor se explica no acórdão recorrido.

Designadamente no que respeita à prática de alguns daqueles atos ter lugar na residência das ofendidas e em horário pós-laboral, não só não resultou demonstrado que esta prática ocorresse totalmente à margem dos procedimentos seguidos no banco, pois tal era conhecido e permitido pelo menos em algumas situações (cfr ponto 39 da factualidade provada), como resulta da factualidade provada que tais deslocações se seguiram aos contactos ocorridos em agência do banco, na sequência dos quais o arguido conseguiu que a assistente e a irmã nele confiassem em razão da sua qualidade de funcionário bancário e dos atos bancários (investimentos, latu senso) por ele praticados nessa veste. Por outro lado, os atos praticados na residência da assistente e irmã, como eram a receção de documentos bancários (mormente cheques para descontar, depositar ou movimentar, ou ordens de transferências, ou documentos a pedir a emissão de cheques bancários) e depois diligenciar pela realização das operações bancárias correspondentes constituem ainda atos bancários, funcionalmente integrados nas funções do arguido, que justificavam a sua deslocação àquela residência.

Nada há, pois, a censurar à conclusão do tribunal recorrido no sentido da verificação do nexo funcional entre as funções do arguido e a sua conduta ilícita para com as ofendidas (posto em causa pelo demandado no presente recurso), bem como dos demais pressupostos da responsabilidade civil objetiva do banco comitente, todos eles devidamente analisados no acórdão recorrido, pelo que improcede o recurso também nesta parte.
2.8. Pedido, subsidiário, de absolvição do arguido em matéria criminal e consequente absolvição do banco demandado em matéria civil.

Este pedido do banco demandado pressupõe a procedência da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, atenta a alegada falta de prova - pelo menos por aplicação do princípio in dubio pro reo – de todos os factos integradores dos dois crimes de burla qualificada, p. e p. pelos art. 217º n.º 1 e 218º n.º2 al. a) do CP e de um crime de falsificação, p. e p. pelo art. 256º n.º1 al. a) do CP, com a consequente absolvição da prática dos mesmos, e não a alegação de que o tribunal recorrido fez errada aplicação do direito aos factos por si julgados provados, conforme resulta claramente da sua motivação de recurso, nomeadamente das conclusões 110ª a 123ª.

Assim, face à total improcedência da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, falece o pressuposto da pretensão do banco demandado em ser absolvido o pedido cível em decorrência da pretendida absolvição do arguido em matéria criminal, pelo que improcede o seu recurso também nesta parte.

2.9. O recurso do arguido em matéria de determinação da pena única aplicada.

Pelas razões expostas aquando da delimitação do objeto do recurso do arguido, este apenas põe em causa a medida da pena única (cinco anos e seis meses de prisão), concluindo que no caso de aquela pena vir ser alterada, como pretende, para medida igual ou inferior a cinco anos de prisão, esta deve ser suspensa na sua execução.

Na determinação da pena única impõe-se considerar, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, tendo presente que o limite máximo da pena única aplicável corresponde à soma das penas parcelares, ou seja, 8 anos e 7 meses de prisão, sendo o seu limite mínimo de 4 anos e 4 meses de prisão, por ser a mais elevada das penas parcelares – conforme estabelecido no art. 77º do C.Penal. Na determinação da sua medida concreta impunha-se considerar ainda as exigências gerais de culpa e de prevenção igualmente relevantes na determinação da pena conjunta, sendo certo que os fatores previstos no atual art. 71º do C.Penal podem servir de «guia» para a medida da pena do concurso sem violação da proibição de dupla valoração [6].

Ora, o arguido limita-se a tecer algumas considerações de caráter genérico sobre os fins das penas e a argumentar com a confissão dos factos e a ausência de antecedentes criminais, sem que, porém, desses ou outros fatores refletidos nos autos resulte a pretendida diminuição da medida da pena única aplicada, tal como não resultaria a diminuição das três penas parcelares que lhe foram aplicadas.

Por um lado, não consta da factualidade provada que o arguido tenha confessado os factos, sendo certo que não é sequer essa a atitude que o processo reflete, pois o arguido alega não ter praticado os crimes pelos quais vem condenado e foi esta versão que pretendeu fazer valer em juízo, nomeadamente em via de recurso.

Por outro lado, a ausência de antecedentes criminais, a que acrescem as devoluções parciais realizadas, foram já tomados em conta pelo tribunal a quo, sem que deve atribuir-se-lhes maior relevância na determinação da pena, face ao disposto nos artigos 71º e 77º, do C.Penal. Face à gravidade dos factos, aferida pelos elevados montantes de que o arguido se apropriou e pelo considerável desvalor da ação - dado o longo lapso de tempo em que o arguido manteve o propósito criminoso –, e ao dolo direto, a avaliação conjunta dos factos e da personalidade do arguido não permitem a fixação de pena única concreta em medida inferior à que foi determinada pelo tribunal a quo, tal como não permitiria alteração das penas parcelares fixadas pelas razões criteriosamente expostas pelo tribunal recorrido, sob pena de se pôr em causa a satisfação das necessidades de prevenção especial e geral ditadas pelo caso presente.

Assim, o recurso do arguido improcede igualmente em matéria de determinação da pena.

III. Dispositivo
Nesta conformidade, acordam os Juízes na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em julgar totalmente improcedentes os recursos interpostos pelo arguido, LF, e pelo demandado cível, Banco --- SA., mantendo-se integralmente o acórdão condenatório recorrido.

Custas pelo arguido e pelo demandado cível (arts 527º e 529º, do NCPCivil), fixando-se em 5 UC a taxa de justiça devida por cada um deles

Évora, 12 de setembro de 2017

(Processado em computador. Revisto pelo relator.)

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(António João Latas)

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(Carlos Jorge Berguete)

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[1] Conhecimento oficioso, conforme se entende pacificamente desde o Assento de 19.10. 1995, DR I-A de 28.12.1995 e BMJ 450/72.

[2] F. Dias, Para Uma Reforma Global do processo Penal Português in Para uma Nova Justiça Penal, Liv Almedina, 1983, p.

[3] Como escreve Michele Taruffo, “conocimiento científico e estándares de prueba judicial” in Boletin Mexicano de Derecho Comparado, nueva série, año XXXVIII, nº 114, pp. 1285-1313, “ a prova não é um mero instrumento retórico [contrariamente ao que é próprio de um sistema de íntima convicção] mas sim um instrumento epistémico, ou seja, o meio com o qual, no processo, se adquirem as informações necessárias para a determinação da verdade dos factos.”

[4] Tradução da responsabilidade do relator.

Para mais desenvolvimentos, vd., por todos, Paulo Tonini, A Prova no Processo Penal Italiano, (Trad. Brasileira), São Paulo - Editora Revista dos Tribunais, 2002 pp. 58-60

[5] José Manuel Damião Da Cunha, “ O Caso Julgado Parcial. Questão da Culpabilidade e Questão da Sanção num Processo de Estrutura Acusatória, Porto 2002, Publicações Universidade Católica, p. 710-1

[6] Assim, por todos, F.Dias, Consequências jurídicas do crime-1993 p. 291