Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | JOÃO AMARO | ||
Descritores: | PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE REVOGAÇÃO SUBSTITUIÇÃO POR MULTA | ||
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Data do Acordão: | 03/07/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | I - A revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade (com o consequente cumprimento da pena de prisão) é imposta pela formulação de um juízo de incapacidade da prestação de trabalho a favor da comunidade para realizar as finalidades da punição, face à violação grosseira pelo condenado dos deveres inerentes ao cumprimento daquela pena. II – Revogada a pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade (e não se tratando de uma situação de impossibilidade de prestação de trabalho por causa não imputável ao condenado) é inadmissível a opção pela aplicação de uma pena de multa. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO Nos autos de Processo Comum (Tribunal Singular) nº 68/11.4GDFTR, do Tribunal Judicial de Fronteira, em que é arguido NS, foi proferido, em 23-09-2016, despacho judicial que decidiu a revogação da pena substitutiva de trabalho a favor da comunidade, determinando-se que o arguido cumpra a pena de prisão de 12 meses e 15 dias. Deste despacho interpôs o arguido o presente recurso, terminando a respetiva motivação com as seguintes (transcritas) conclusões: “1. A decisão de revogação da pena de trabalho a favor da comunidade e a consequente condenação a cumprir prisão efetiva viola o princípio da proporcionalidade e adequação. 2. Face à intensidade da violação de deveres verificada, a ponderação da proporcionalidade daquela revogação não pode conduzir, sem mais, à consideração de existência de uma violação grosseira do dever de prestar trabalho. 3. O Tribunal a quo não valorou a justificação dada pelo Recorrente para tal incumprimento, nem a sua situação atual, bem como não fundamentou o motivo do indeferimento do requerimento do arguido para substituição da pena de prisão pela multa. 4. Na verdade, o Recorrente não agiu com intuito de não cumprir, simplesmente não o conseguiu fazer por ter estado a trabalhar fora do país. 5. Admitindo-se que houve um incumprimento, este nunca se poderá considerar um incumprimento grosseiro dos deveres da pena. 6. O cumprimento da pena de prisão efetiva provocará danos irreversíveis no futuro do arguido, seja a nível social, familiar, e, acima de tudo, a nível do desenvolvimento profissional. 7. O Despacho de que se recorre viola as disposições constantes dos artigos 58º e 59º do Código Penal, ao revogar a pena substitutiva de trabalho a favor da comunidade, e, em consequência, o cumprimento pelo Recorrente da pena de 12 (doze) meses e 15 (quinze) dias de prisão. Termos em que, e nos mais de direito que V. Exas. muito doutamente suprirão, face ao exposto, deve conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se o Despacho que revogou a pena substitutiva de trabalho a favor da comunidade, e, em consequência, o cumprimento pelo Recorrente da pena de 12 (doze) meses e 15 (quinze) dias de prisão, substituindo-se por outro que permita a continuidade do trabalho a favor da comunidade ou substituição da pena de prisão por multa, assim fazendo V. Exas. a devida e esperada Justiça”. A Exmª Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância respondeu, concluindo tal resposta nos seguintes termos (em transcrição): “1. O arguido, aqui recorrente, foi condenado, por sentença proferida a 6 de Junho de 2012, na pena única de 16 meses de prisão, substituída por 480 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade. 2. A prestação de trabalho iniciou-se na Câmara Municipal de Alter-do-Chão, após 4 de Dezembro de 2012, conforme relatório da DGRSP de fls. 310 dos autos; 3. Até 8 de Julho de 2014, o arguido havia prestado 30 horas de trabalho a favor da comunidade, tendo a entidade beneficiária do trabalho passado a ser, após 15 de Setembro de 2014, a Escola Profissional de Desenvolvimento Rural de Alter-do-Chão; 4. Em 19 de Outubro de 2015 a DGRSP informou aos autos que o arguido iria trabalhar para o Reino Unido e que tal implicaria a cessação (ainda que temporária) da prestação de trabalho a favor da comunidade; 5. Dos relatórios da DGRSP é possível perceber que durante a execução do trabalho a favor da comunidade nas entidades beneficiárias, o arguido apresentou problemas de assiduidade e “não apresenta razões/justificações reais e fundamentadas que legitimem o seu comportamento” e tem “uma certa dificuldade em cumprir a assiduidade estabelecida, não comparecendo, nem justificando a sua ausência”; 6. O arguido foi ouvido em Tribunal a 22 de Fevereiro de 2016, altura em que já estava em Portugal e foi alertado para o hiato temporal que já havia decorrido entre a condenação e as poucas horas de trabalho prestadas, tendo-se comprometido a prestar o trabalho a favor da comunidade restante. 7. No entanto, a 6 de Junho de 2016 a DGRSP voltou a enviar relatório aos autos onde dava conta de que o arguido voltou a incumprir o dever de assiduidade e que manifestou comportamento de má educação para com membros da entidade beneficiária; 8. Inquirido novamente em Tribunal, a 7 de Julho de 2016, o arguido afirmou que a entidade beneficiária não o ajudava na execução da pena de trabalho a favor da comunidade e culpou-a pelo seu incumprimento; 9. Das 480 horas de trabalho a favor da comunidade, que podiam ser prestadas em pouco mais de 60 dias, o arguido apenas prestou 104 horas de trabalho a favor da comunidade, ou seja, menos de um quarto do previsto; 10. Não obstante ter-se comprometido a executar o trabalho, o arguido, ante nova oportunidade, ao invés de a cumprir, não só registou elevado número de faltas como ainda conseguiu inimizar-se com membros da entidade beneficiária, adotando, segundo o relatório de 369 verso dos autos, “episódios de má educação por parte do condenado, assim como o incumprimento das ordens dadas pelo encarregado, sendo o mesmo inconveniente com os colegas”. 11. Resulta à saciedade que a justificação de que os membros da entidade beneficiária não o ajudam a executar a pena em que foi condenado, não se pode considerar como recusa justificada em prestar o trabalho e que a ausência do arguido no estrangeiro não foi em tempo suficiente que possa ser também entendida como justificadora do não cumprimento da pena de trabalho a favor da comunidade. 12. Mais, a ausência de postura crítica da sua atuação não pode deixar de ser valorada pelo Tribunal na determinação da revogação da pena substitutiva, porquanto demostra não só o incumprimento grosseiro dos deveres decorrentes da pena, como a total ausência de capacidade crítica da sua conduta. 13. Em suma, entendemos que o despacho recorrido não viola nem o princípio da proporcionalidade nem o da adequação, quando entende revogar a conversão da pena substitutiva de trabalho a favor da comunidade e determinar o cumprimento da pena de prisão, por ter existido uma infração grosseira dos deveres decorrentes da pena a que o arguido foi condenado, conforme estatuído no artigo 59º, nº 2, alínea b), do Código Penal. Termos em que, negando provimento ao recurso e mantendo o douto despacho recorrido, V.ªs Ex.ªs farão Justiça”. Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto, aderindo, no essencial, aos fundamentos da resposta apresentada pelo Ministério Público na primeira instância, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. Cumprido o preceituado no artigo 417º, nº 2, do C. P. Penal, o arguido apresentou resposta, na qual diz manter o já exposto na motivação do recurso. Efetuado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir. II - FUNDAMENTAÇÃO 1 - Delimitação do objeto do recurso. No presente caso a única questão evidenciada no recurso, segundo o âmbito das correspondentes conclusões, que delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste Tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal, consiste em saber se é de manter ou não a revogação da pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade (revogação decidida no despacho revidendo). 2 - A decisão recorrida. O despacho recorrido é do seguinte teor (integral): “NS foi condenado, por sentença datada de 06.06.2012, pela prática de um crime de difamação, previsto e punível pelo artigo 180º, nº 1, do Código Penal, três crimes de ameaça agravada, previstos e puníveis nos termos do disposto no artigo 153º, nº 1, e 155º, nº 1, alínea a), na pena de única de 16 meses de prisão, substituída por prestação de 480 de trabalho a favor da comunidade. Veio o Ministério Público requerer, alegando que o Arguido não revela vontade em cumprir a pena substitutiva de prestação de trabalho em que foi condenado, a revogação da suspensão da execução da pena aplicada nos presentes autos. Por seu turno, veio a defesa pronunciar-se no sentido de ser substituída a pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade por pena de multa. Apreciando e decidindo. Como referido, NS foi condenado, por sentença datada de 06.06.2012, pela prática de um crime de difamação, previsto e punível pelo artigo 180º, nº 1, do Código Penal, três crimes de ameaça agravada, previstos e puníveis nos termos do disposto no artigo 153º, nº 1, e 155º, nº 1, alínea a), na pena de única de 16 meses de prisão, substituída por prestação de 480 de trabalho a favor da comunidade. A 04.12.2012 foi enviado aos autos o primeiro relatório de caracterização de trabalho a favor da comunidade, a ser prestado na Camara Municipal de Alter do Chão, informando que a DGRSP efetuará o acompanhamento da medida, e informará o Tribunal de eventuais ocorrências, assim como anomalias. A DGRSP veio informar, a 08.07.2014 que o Arguido havia prestado apenas 30 horas de trabalho a favor da comunidade. Informou, ainda que foi encontrada nova EBT, a Escola Profissional de Desenvolvimento Rural de Alter do Chão e que a prestação do trabalho iria recomeçar a 15 de setembro de 2014. Já em 19.10.2015 veio a DGRSP informar que o Arguido ia trabalhar para o Reino Unido e que tal ida implicaria a incompatibilidade com a prestação de trabalho. Em tal relatório as dificuldades existentes que as anteriores EBT´s na medida em que, no que concerne à Camara Municipal de Alter do Chão o Arguido tinha problemas de assiduidade, sendo que na Escola Profissional as “características psicológicas/comportamentais e imagem no meio” impossibilitaram a prestação de trabalho. Por informação de 09.11.2015 foi esclarecido pela DGRSP que o Arguido tinha cumprido, até à data, o total de 48 horas. Foi designada data (09.12.2015) para ouvir o Arguido, não tendo este comparecido. Foi designada nova data para ouvir o Arguido (22.02.2016), tendo o mesmo comparecido e sido alertado para a necessidade de, efetivamente, cumprir o trabalho a favor da comunidade. Por relatório de 06.06.2016, veio a DGRSP informar que o Arguido cumpriu 56 na Junta de Freguesia de Alter do Chão, informando que este não era assíduo na prestação do trabalho, referindo episódios de má educação do mesmo e a esclarecer que tal EBT não se mostrava disponível para continuar com a execução de tal trabalho. A 07.07.2016 foi o Arguido novamente ouvido, bem como o técnico da DGRSP que acompanhou o cumprimento do trabalho, tendo aquele justificado que a entidade benificiária não ajudava na execução, culpando a mesma pelo seu incumprimento. Estipula o artigo 59.º, n.º 2, do Código Penal que “o tribunal revoga a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e ordena o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença se o agente, após a condenação: a) Se colocar intencionalmente em condições de não poder trabalhar; b) Se recusar, sem justa causa, a prestar trabalho, ou infringir grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado; ou c) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade não puderam, por meio dela, ser alcançadas”. Tem-se entendido que “o condenado recusa prestar o trabalho quando, após colocação no posto de trabalho o não inicia como, iniciando-o, vem a interromper a prestação de forma ininterrupta e definitiva, sendo que a recusa injustificada em prestar o trabalho determina a revogação da PTFC e o cumprimento da pena de prisão substituída” (assim, acórdão do TRC de 11.09.2013; relator Vasques Osório; processo: 6/10.1PFVIS-A.C1). No que respeita à alínea b), do n.º 2, do referido artigo 59.º, refere duas causas de revogação: - A recusa de prestação de trabalho, injustificada. - A infração grosseira dos deveres da pena, incluindo-se “não apenas os deveres gerais de qualquer trabalhador (assiduidade, zelo, obediência às ordens da entidade benificiária da prestação), mas também as regras de condutas impostas nos termos do artigo 51º, nº 6” (assim, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2ª edição, Universidade Católica Editora, pág. 242). Ora, da análise dos autos resulta claro o incumprimento, por parte do Arguido, dos deveres inerentes à pena aplicada, na medida em que se incompatibilizou ou abandonou a prestação, em três entidades diferentes. Ouvido o Arguido, e apesar de verbalizar a vontade em trabalhar, responsabilizou as entidades e os técnicos da DGRSP para o seu incumprimento. Quatro anos volvidos, desde a condenação em 16 meses de prisão, substituídos por 480 horas de trabalho a favor da comunidade, o Arguido prestou apenas 104 horas. Ora, ainda que tenha o Arguido trabalhado no estrangeiro, em alguns períodos, bastavam 13 dias completos, de 8 horas de trabalho, para refazer as 104 horas prestadas pelo Arguido em 4 anos. As faltas injustificadas do Arguido ao trabalho, assim como os relatados episódios de má educação, levaram as EBT´s da zona a não o querer lá a prestar trabalho. Entende o Tribunal que se encontra, deste modo, preenchido o requisito do artigo 59º, nº 2, do Código Penal, tendo o Arguido infringido, grosseira e reiteradamente, os seus deveres decorrentes da pena. No que concerne ao requerido pela defesa, de que a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade seja substituída por multa, entende o Tribunal que tal substituição não pode ocorrer, na medida em que a ponderação acerca do facto de a pena de multa não acautelar de forma suficiente as finalidades da punição foi já realizada, na sentença proferida a 06.06.2012, tendo o Tribunal, então, entendido que a pena de prisão (ainda que substituída por prestação de trabalho) era a única que acautelava tais finalidades. Tudo exposto, considera o Tribunal que as finalidades que estiveram na base da substituição da pena de prisão aplicada por prestação de trabalho a favor da comunidade não foram alcançadas por meio desta prestação. Tendo o Arguido prestado 104 horas de trabalho, e tendo a sua pena de 16 meses de prisão sido substituída por 480 horas, por ser o máximo previsto no artigo 58º, nº 3, entende o Tribunal que, ao faltarem 376 horas de trabalho, as mesmas correspondem a 12 meses e 15 dias de prisão. Destarte, e sem necessidade de mais extensas considerações, decido revogar a pena substitutiva de trabalho a favor da comunidade, e, em consequência, determino o cumprimento pelo Arguido NS da pena de 12 (meses) e 15 (quinze) dias de prisão, ao abrigo do disposto no artigo 59º, nº 2, alínea b), do Código Penal”. 3 - Apreciação do mérito do recurso. O recorrente, não se conformando com o despacho que revoga a pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade, dele vem interpor o presente recurso, alegando, em síntese, que o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 58º e 59º do Código Penal, e, além disso, desrespeitou os princípios da proporcionalidade e da adequação. Conclui o recorrente, por conseguinte, que deve ser permitida a continuação da prestação do aludido trabalho a favor da comunidade, ou, caso assim não se entenda, que deve substituir-se a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade por pena multa. Cabe decidir. Começando pela pretendida substituição da pena aplicada nos autos por pena de multa, escreve-se o seguinte no despacho recorrido (de forma expressa, fundamentada, clara, pertinente e inteiramente correta): “no que concerne ao requerido pela defesa, de que a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade seja substituída por multa, entende o Tribunal que tal substituição não pode ocorrer, na medida em que a ponderação acerca do facto de a pena de multa não acautelar de forma suficiente as finalidades da punição foi já realizada, na sentença proferida a 06.06.2012, tendo o Tribunal, então, entendido que a pena de prisão (ainda que substituída por prestação de trabalho) era a única que acautelava tais finalidades”. Por outras palavras: a opção pela aplicação de uma pena de multa mostra-se inadmissível in casu, perante o momento processual em que nos encontramos (transitada que foi a sentença oportunamente proferida nos autos, e escolhida que foi a pena) e face ao que está em apreciação neste caso concreto (não se trata, como é bom de ver, de uma situação de impossibilidade de prestação de trabalho por causa não imputável ao arguido - cfr. o disposto no artigo 59º, nº 6, al. a), do Código Penal). O que resta averiguar é, tão-só, se o arguido deve “continuar a cumprir” a pena de substituição da prisão (isto é, a prestação de trabalho a favor da comunidade - pena substitutiva que lhe foi imposta na sentença condenatória proferida -), ou se, pelo contrário, essa substituição deve ser revogada, tendo o arguido de cumprir a pena de prisão que foi substituída (como foi decidido no despacho recorrido). É, portanto, neste ponto específico e neste estrito âmbito (revogação ou não da pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade), e sem mais, que passamos a analisar a concreta pretensão do recorrente. Estabelece o artigo 59º do Código Penal: “1 - A prestação de trabalho a favor da comunidade pode ser provisoriamente suspensa por motivo grave de ordem médica, familiar, profissional, social ou outra, não podendo, no entanto, o tempo de execução da pena ultrapassar 30 meses. 2 - O tribunal revoga a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e ordena o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença se o agente, após a condenação: a) Se colocar intencionalmente em condições de não poder trabalhar; b) Se recusar, sem justa causa, a prestar trabalho, ou infringir grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado; ou c) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade não puderam, por meio dela, ser alcançadas. 3 - É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 57º. 4 - Se, nos casos previstos no nº 2, o condenado tiver de cumprir pena de prisão, mas houver já prestado trabalho a favor da comunidade, o tribunal desconta no tempo de prisão a cumprir os dias de trabalho já prestados, de acordo com o nº 3 do artigo anterior. 5 - Se a prestação de trabalho a favor da comunidade for considerada satisfatória, pode o tribunal declarar extinta a pena não inferior a setenta e duas horas, uma vez cumpridos dois terços da pena. 6 - Se o agente não puder prestar o trabalho a que foi condenado por causa que lhe não seja imputável, o tribunal, conforme o que se revelar mais adequado à realização das finalidades da punição: a) Substitui a pena de prisão fixada na sentença por multa até 240 dias, aplicando-se correspondentemente o disposto no nº 2 do artigo 43º; ou b) Suspende a execução da pena de prisão determinada na sentença, por um período que fixa entre um e três anos, subordinando-a, nos termos dos artigos 51º e 52º, ao cumprimento de deveres ou regras de conduta adequados”. Como bem escreve o Prof. Figueiredo Dias (in “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2011, pág. 372, § 573), a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade possui um “altíssimo valor”, que “faz dela, porventura, a criação mais relevante, até hoje verificada, do arsenal punitivo de substituição da pena de prisão. Joga nisto o seu papel, por um lado, a ideia de centrar o conteúdo punitivo na perda, para o condenado, de uma parte substancial dos seus tempos livres, sem por isso o privar de liberdade e permitindo-lhe consequentemente a manutenção íntegra das suas ligações familiares, profissionais e económicas, numa palavra, a manutenção do contacto com o seu ambiente e a integração social; por outro lado, com não menor importância, o conteúdo socialmente positivo que a esta pena (e só a ela!) assiste, enquanto se traduz numa prestação ativa (e, ao menos numa certa aceção, «voluntária») a favor da comunidade”. Ora, analisados os concretos contornos da atuação do arguido no presente caso, verifica-se, sem dúvida, que o mesmo não interiorizou, como devia, o valor da prestação de trabalho a favor da comunidade que lhe foi determinada, infringindo grosseiramente os deveres decorrentes dessa pena. Na verdade, o arguido não respeitou, como devia e podia, os deveres gerais de qualquer trabalhador, nomeadamente os deveres de assiduidade, de zelo, e de obediência às ordens das entidades benificiárias do trabalho, ou, sequer, os deveres (mínimos) de urbanidade e de educação na relação com as referidas entidades beneficiárias. E fê-lo de forma reiterada, ao longo de vários anos, e perante diferentes entidades beneficiárias do trabalho, deixando transparecer uma atitude particularmente censurável, de leviandade e de violação grosseira dos deveres de qualquer condenado. Senão vejamos: - O arguido foi condenado, em 06-06-2012, pela prática de um crime de difamação e de três crimes de ameaça agravada, na pena única de 16 meses de prisão, substituída por 480 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade. - Em 04-12-2012, a DGRSP enviou aos autos relatório onde dava conta de que tal trabalho seria prestado na Câmara Municipal de Alter-do-Chão. - Em 08-07-2014, a DGRSP informou nos autos que o arguido havia prestado, até essa data, 30 horas de trabalho (das 480 horas em que havia sido condenado). - Depois, e por o arguido ter conseguido uma ocupação profissional que o impedia de continuar a trabalhar para a Câmara Municipal de Alter-do-Chão, a DGRSP informou que, depois de 15-09-2014, a nova entidade beneficiária do trabalho seria a Escola Profissional de Desenvolvimento Rural de Alter-do-Chão. - No dia 19-10-2015, a DGRSP informou nos autos que o arguido não tinha conseguido executar tal trabalho, por ter voltado a consumir produtos estupefacientes e bebidas alcoólicas, informando ainda que o arguido iria, então, trabalhar para o Reino Unido, e que tal implicaria a cessação (ainda que temporária) da prestação de trabalho a favor da comunidade. - O arguido esteve ausente de Portugal por período que não excedeu 06 meses. - Contudo, e para a referida segunda entidade beneficiária do trabalho (Escola Profissional de Desenvolvimento Rural de Alter-do-Chão), o arguido acabou por perfazer apenas 48 horas de trabalho (das 480 horas em que havia sido condenado). - No dia 22-02-2016, o arguido, que já se encontrava em Portugal, compareceu no tribunal a quo, onde foi ouvido, e, nessa altura, foi alertado para o longo período temporal que já havia decorrido desde a condenação e ainda para as poucas horas de trabalho até então prestadas. - Nessa data, pessoalmente, o arguido comprometeu-se a prestar o trabalho a favor da comunidade ainda em falta. - Em 06-06-2016, a DGRSP deu conta nos autos que o arguido havia cumprido o total de 56 horas de trabalho, mas que estava a faltar novamente à prestação de trabalho, apresentando uma baixa assiduidade, e esclarecendo ainda que tinham existido episódios de má educação do arguido para com membros da entidade beneficiária. - Perante tudo isso, foi designada nova data para audição do arguido em tribunal, o que ocorreu em 07-07-2016. - Em tal diligência processual, o arguido apresentou, como “justificação” para a sua conduta omissiva, o facto de a entidade beneficiária não o ajudar na execução do trabalho, ou seja, culpando a mesma pelo incumprimento verificado. Em jeito de síntese: passados cerca de quatro anos após a condenação, o arguido apenas prestou, ao todo, 104 horas de trabalho a favor da comunidade (das 480 horas em que foi condenado), sem motivo válido que o justifique (o arguido esteve no estrangeiro por não mais de 6 meses), revelando falta de assiduidade e de zelo (além de animosidade contra as entidades beneficiárias do trabalho, e mesmo contra os colegas de trabalho), e manifestando um total e inadmissível desrespeito pela condenação proferida nestes autos. Para além do elevado número de faltas ao trabalho, o arguido teve ainda, perante as entidades beneficiárias do trabalho, atitudes de “má educação”, não cumprindo as ordens dadas e sendo incorreto e “inconveniente” com os colegas de trabalho (conforme resulta dos relatórios juntos aos autos pela DGRSP e conforme está melhor descrito no despacho revidendo) - circunstancialismo, aliás, apontado no despacho ora em análise e sem especificada e concreta contestação na motivação do recurso -. Por tudo isso, é de concluir, legitimamente, que o arguido revela total ausência de interiorização da condenação proferida nos autos e total ausência de postura crítica relativamente à sua atuação na execução da pena substitutiva em questão, ausências que, a nosso ver, não podem ser supridas, suficientemente, com a pretendida (na motivação do recurso) continuação da prestação de trabalho a favor da comunidade. Ou seja, impõe-se a revogação da substituição da pena de prisão por pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, por o arguido ter infringido “grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado” (conforme estatuído no artigo 59º, nº 2, al. b), do Código Penal, e conforme bem decidido no despacho revidendo). Está, assim, preenchido o pressuposto enunciado no despacho sub judice para a revogação da substituição da pena de prisão por pena de prestação de trabalho a favor da comunidade. Mais: como decorre do disposto no artigo 58º, nº 1, do Código Penal, a pena de prisão (não superior a dois anos - pressuposto formal -) pode ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, sempre que seja de concluir que, por este meio, se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (pressuposto material). O pressuposto material para a substituição da prisão pela prestação de trabalho a favor da comunidade é, pois, o de que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Por isso, tem de entender-se, a contrario sensu, que a revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade (com o consequente cumprimento da pena de prisão) é imposta pela formulação de um juízo de incapacidade da prestação de trabalho a favor da comunidade para realizar as referidas finalidades da punição. Ora, e revertendo ao caso em apreço, este juízo (de manifesta incapacidade da prestação de trabalho a favor da comunidade para realizar, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição) decorre da conduta assumida pelo arguido após a condenação (e acima resumida), conduta culposa, reiterada, prolongada no tempo, e reveladora da existência de uma infração grosseira dos deveres decorrentes da pena. Dito de outro modo: a conduta do arguido, nos termos por nós assinalados (e nos termos igualmente enunciados no despacho sub judice), violou, de forma grosseira, os deveres que para si decorriam da aplicação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, violação que teve lugar em grau particularmente elevado, e, por isso, sendo inaceitável e intolerável (face, obviamente, aos fins que determinaram a aplicação da pena). No fundo, e bem vistas as coisas, o arguido nunca interiorizou a gravidade dos crimes praticados nem a essência da condenação sofrida, e, por isso, nunca mostrou efetiva recetividade à pena de prestação de trabalho a favor da comunidade que lhe foi aplicada, não entendendo (ou não querendo entender) o significado dessa pena, o que, além do mais, é indicativo da inadequação da manutenção de tal pena no caso concreto, impondo-se o cumprimento da pena de prisão. A esta luz, não vislumbramos minimamente, ao contrário do alegado na motivação do recurso, que a decisão recorrida viole os princípios da proporcionalidade e da adequação (com o fundamento, ao que entendemos da leitura da motivação do recurso, de que a pena de prisão só deve ser aplicada quando outras penas, menos gravosas, não acautelem as finalidades da punição). Com efeito, e como bem se escreve no Ac. do TRC de 11-09-2013 (relator Vasques Osório, disponível in www.dgsi.pt e citado no despacho recorrido), “o direito à liberdade é, obviamente, um direito fundamental, com assento no art. 27º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa e por isso, nos termos do art. 18º, nº 2, da Lei Fundamental, só pode ser restringido nos casos nela expressamente previstos e nos limites necessários à salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Aqui se consagra, portanto, o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, integrado pelos [sub] princípios da adequação, da exigibilidade e da proporcionalidade em sentido restrito, exigindo este que os meios legais restritivos e os fins obtidos se situem numa «justa medida», impedindo-se a adoção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos (cfr. Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4ª Edição Revista). Porém, o art. 27º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, admite a privação da liberdade em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de ato punido por lei com pena de prisão. Que o arguido cometeu um crime que foi punido, nos termos da lei, com pena de prisão, não vem questionado. E que, subjacente à sentença condenatória proferida pelo tribunal a quo está o entendimento adiantado pelo recorrente de que a prisão só deve ser aplicada quando outras penas, menos gravosas, não acautelem as finalidades da punição, é o que manifestamente resulta da circunstância de a pena de prisão ter sido substituída pela pena de PTFC. Se assim não fosse, o tribunal não teria, como é óbvio, substituído a pena privativa da liberdade por uma pena não detentiva. Mas, nesta fase, ultrapassada que está a da escolha da pena, o recorrente parece ignorar que a PTFC é uma pena criminal, e que é a sua própria natureza de pena de substituição que determina que, em caso de incumprimento, seja executada a pena substituída, portanto, seja executada a pena de prisão (art. 59º, nº 2, do C. Penal). E esta consequência não é excessiva nem desproporcionada, pois só assim pode ser conferida efetividade à pena de substituição e aumentada a esperança de evitar a prisão”. Por tudo o que se deixou dito, o despacho recorrido nenhuma censura nos merece, sendo de improceder o recurso do arguido. III - DECISÃO Nos termos expostos, acorda-se em negar provimento ao recurso, mantendo-se integralmente o despacho revidendo. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs. Texto processado e integralmente revisto pelo relator. Évora, 07 de março de 2017 _______________________________ (João Manuel Monteiro Amaro) _______________________________ (Maria Filomena de Paula Soares) |