Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
43/13.4GAMTL-A.E1
Relator: FERNANDO PINA
Descritores: PERÍCIA
PAGAMENTO
Data do Acordão: 10/20/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: É devido pagamento pelas perícias realizadas pela DGRS, LPC e INML
Decisão Texto Integral:


ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÂO DE ÉVORA:



I. RELATÓRIO

A –
Nos presentes autos de Processo Comum Singular que com o nº 43/13.4GAMTL, corre termos na Comarca de Beja, Beja – Instância Local, Secção Criminal, Juiz 1, recorre o Ministério Público, do despacho proferido em 26 de Janeiro de 2015, pelo Mmº Juiz titular dos presentes autos, que determinou o pagamento da quantia € 2.193,00 (dois mil, cento e noventa e três euros), à Polícia Judiciária, pela realização de um exame de toxicologia nº 201306209, requerido pelo Ministério Público no Inquérito dos presentes autos.
Da respectiva motivação o recorrente retira as seguintes (transcritas) conclusões:

1. Vem o recurso interposto do despacho proferido no âmbito do Processo Comum Singular nº 43/13.4GAMTL, que corre termos na actual Instância Local de Beja – Secção Criminal, no qual o Mm.º Juiz deferiu o pagamento de exame toxicológico realizado no processo em referência.
2. Face ao disposto na Portaria nº 175/2011, de 28 de Abril, o Tribunal deve pagar as perícias, exames e relatórios realizados pelo Laboratório de Polícia Científica (doravante L.P.C.) e pela Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (doravante D.G.R.S.P.), quando estas entidades actuam em missão de coadjuvação do próprio Tribunal e no exercício de atribuições que são da sua competência exclusiva?
3. A Polícia Judiciária – Laboratório de Polícia Científica, invocando a Portaria nº 175/2011, de 28 de Abril, solicitou o pagamento da quantia de € 2.193,00 (dois mil cento e noventa e três euros), correspondente ao custo do exame toxicológico que efectuou, por determinação do Ministério Público, no âmbito do processo em referência, ainda em fase de inquérito.
4. A Portaria aprova a tabela de preços a cobrar pela Direcção-Geral de Reinserção Social, pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, I.P. e pela Polícia Judiciária por perícias e exames, relatórios, informações sociais, audições e outras diligências ou documentos que lhes forem requeridos ou que por estes venham a ser deferidos a entidades públicas ou privadas.
5. Diante do disposto no seu art. 2º, n.ºs 3 e 4, pareceria inequívoco que a realização de quaisquer perícias, exames, relatórios, etc. por parte da Direcção-Geral de Reinserção Social (actual Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais), do Instituto Nacional de Medicina Legal, I.P. e da Polícia Judiciária estaria sempre sujeita ao pagamento previsto na Tabela anexa à dita Portaria.
6. Parece liminarmente de rejeitar a mera hipótese de um Serviço do Estado, com a centralidade e importância do Polícia Judiciária – L.P.C., especificamente vocacionada para a elaboração de perícias toxicológicas que mais nenhum outro Serviço tem a incumbência de fazer, cobrar uma “taxa” por cada acto que execute para cumprir as suas missões e atribuições legalmente atribuídas.
7. Mas se dúvidas ainda subsistissem sobre a questão em apreço, os art.s 2º, 3º e 47º da Lei nº 37/2008, de 06 de Agosto dissipam-nas definitivamente, preceituando que “Constituem despesas da PJ as que resultem de encargos decorrentes da prossecução das atribuições que lhe são cometidas“, enquanto órgão que coadjuva as autoridades judiciárias.
8. Entendimento coincidente com o acabado de expor foi firmado na Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa (PGDL): “…as disposições da Portaria [nº 175/2011] não são aplicáveis a actos que se enquadrem na missão de coadjuvação das autoridades judiciárias, legalmente cometida à Polícia Judiciária” (cfr. SIMP/Actualidades/19-12-2011).
9. Sufragando o nosso entendimento poderemos ainda citar um ofício emanado do Gabinete da Senhora Ministra da Justiça e assinado pelo seu Chefe de Gabinete, datado 13 de Janeiro de 2012 [que está disponível em https://simp.pgr.pt/mensagens/mount/anexos/2013/255727_despacho_mj_pericias_pj.pdf], onde se refere expressamente que “No âmbito da investigação criminal a realização de perícias e exames levados a cabo pela Polícia Judiciária, enquanto órgão que coadjuva as autoridades judiciárias, são actos praticados na prossecução das suas atribuições, destinando-se as notas de débito emitidas à demonstração dos recursos utilizados e respectivos custos para o erário público“, de onde resulta claramente que não são para ser pagas.
10. Deste modo, o despacho recorrido violou o disposto nos art.s 2º, 3º e 47º da Lei nº 37/2008, de 06 de Agosto, a Portaria nº 175/2011, de 28 de Abril (teleologicamente interpretada) e o art. 55º do Cód. Proc. Penal, pelo que deve ser revogado e substituído por outro que indefira o requerido pagamento da perícia toxicológica.
Assim decidindo, farão V. Exas. a costumada Justiça.

Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 413º, do Código de Processo Penal, o arguido MFVP, não apresentou qualquer resposta ao recurso interposto.
Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso interposto, conforme melhor resulta de fls. 39 a 42, dos autos.
Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, o recorrente não apresentou resposta.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

B -
O despacho de 26-01-2015, ora recorrido encontra-se fundamentado nos seguintes termos (transcrição):

A fls. 330 O Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária solicitou o pagamento da quantia de 2.193,00 euros, correspondente ao custo das perícias efectuadas no âmbito do presente processo.
O Ministério Público, pela promoção constante de fls. 333 a 336, que aqui se dá como reproduzida, defendeu a inexistência de fundamento para deferir o pagamento requerido.
Todavia, pese embora os argumentos veiculados na citada promoção, aliás douta, não perfilhamos o entendimento nela expresso.
Na verdade, a leitura que retiramos do teor da Portaria nº 175/2011, de 28 de Abril, quer do seu preâmbulo, quer do expressamente previsto nos artigos 1º, nº 1, 2º, nºs 1, 2, 3, e, 4, será no sentido de que foi inequívoca intenção do legislador de prever a possibilidade da DGRSP, da PJ e do INML apresentarem junto das entidades publicas ou privadas (aqui se englobando os Tribunais Judiciais) o custo das perícias, exames, bem como dos instrumentos técnicos que respectivamente elaborem para apoiar as decisões das entidades judiciárias, que constituirão fonte de receitas adicionais às que originariamente provieram do orçamento de estado.
Destaca-se ainda que o expresso pela citada Portaria mais não resultará do que uma antecipação do pagamento, o que significará que, a final, tal/ais valor(es) será/ão observado(s) em regra de custas, incumbindo a sua liquidação ao interveniente processual que vier a ser considerado como responsável pelo pagamento das custas do processo ou, não havendo responsável ou podendo delas estar o mesmo isento, serão suportados pelo Cofre Geral dos Tribunais.
Trata-se de uma mera antecipação de pagamento a que tais entidades tinham já direito no passado - o que sucedia essencialmente com a PJ, com o INML, quanto às perícias, exames e relatórios que respectivamente efectuavam.
Por outro lado, importa acrescentar que, no concernente às declarações que a Sr.ª Ministra da Justiça possa ter veiculado, citadas na promoção que antecede, aquelas serão aptas a vincular unicamente a sua declaratária, mas não o Tribunal, por se encontrarem desacompanhadas de qualquer outro diploma legislativo que tenha procedido à revogação ou alteração do expressamente previsto, na Portaria nº 175/2011, de 28 de Abril.
Pelos fundamentos supra expostos, determino que se diligencie pelo pagamento da quantia reclamada a fls. 330, pela Polícia Judiciária.
Notifique.



II – FUNDAMENTAÇÃO

1 - Âmbito do Recurso

De acordo com o disposto no artigo 412º, do Código de Processo Penal e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19-10-95, publicado no D.R. I-A de 28-12-95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria) o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que aqui e pela própria natureza do recurso, não têm aplicação.
Assim, vistas as conclusões do recurso interposto, verificamos que a questão suscitada é a seguinte:

- Incorrecta interpretação no despacho recorrido, do disposto nos artigos 1º, nº 1 e, 2º, nºs 1, 2, 3, e, 4, da Portaria nº 175/2011, de 28 de Abril, relativamente ao pagamento do exame realizado pela Polícia Judiciária.


2 - Apreciando e decidindo:
Resulta do artigo 1º, nº 1, da Portaria nº 175/2011, que o seu objecto é aprovar “a tabela de preços a cobrar pela Direcção-Geral de Reinserção Social, pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e pela Polícia Judiciária por perícias e exames, relatórios, informações sociais audições e outras diligências ou documentos que lhes forem requeridos ou que por estes venham a ser deferidos a entidades públicas ou privadas”.
Acrescentando o artigo 2º, nº 3, do mesmo diploma legal, que “o custo das perícias e exames bem como dos instrumentos técnicos elaborados para apoiar as decisões das entidades judiciárias são considerados para efeitos de pagamento antecipado do processo”.
Concluindo o nº 4, do mesmo preceito legal, que “as perícias e os exames realizados pela Direcção-Geral de Reinserção Social, pelo Instituto Nacional de Medicina Legal IP ou, pela Policia Judiciária, são pagos directamente a essas entidades pelos tribunais ou pelas entidades públicas ou privadas não isentas que os requeiram, de acordo com a tabela de preços anexa à presente portaria.”
Com base nestas disposições, o Senhor Juiz considerou como “inequívoca intenção do legislador” a de “prever a possibilidade da DGRSP, da PJ e do INML apresentarem junto das entidades públicas ou privadas (aqui se englobando os Tribunais Judiciais) o custo das perícias, exames, bem como dos instrumentos técnicos que respectivamente elaborem para apoiar as decisões das entidades judiciárias, que constituirão fonte de receitas adicionais às que originariamente provieram do orçamento de Estado.”
Como resulta da transcrição supra, existe norma expressa que prevê o pagamento, pelos Tribunais, das perícias e exames realizados pela Policia Judiciária, de acordo com a tabela de preços anexa à portaria.
Tal questão, tem sido objecto de jurisprudência uniforme neste Tribunal da Relação de Évora, onde a questão tem sido abundantemente suscitada, ainda que relativamente a pagamentos a outras entidades, que não a Polícia Judiciária, mas tendo a mesma fonte legislativa e, consequentemente, o mesmo tratamento jurisprudencial, citando-se por todos o decidido no Processo nº 1/09.3GBBJA-B.E1, sendo relator o Sr. Juiz Desembargador João Amaro:
“Perante o elemento literal, tão nitidamente assertivo, e, por isso, tão decisivo, não há que prosseguir pela hermenêutica em busca da melhor solução, nomeadamente analisando a teleologia das normas em causa. Aliás, no contexto da manifesta aflição financeira que Portugal tem vindo a viver nos últimos anos, a solução encontrada pelas ditas normas é até compreensível (na óptica do legislador, obviamente), respondendo ao interesse (sempre presente) da redução da despesa pública, ratio que parece estar inerente à criação das normas em questão (cobra-se um “preço” por perícias, por exames e por outras diligências, que é a adiantar pelo Tribunal, mas que, a final do processo, será a entrar em regra de custas - que, como é sabido, ficam a cargo do sujeito processual que nelas for condenado). É, no fundo, uma forma adicional de financiamento da DGRSP, e, por essa via, uma forma adicional de financiamento do Estado. Em síntese conclusiva: a Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais tem direito ao pagamento da quantia correspondente ao custo do relatório por si elaborado (…), quantia essa que, a final, entrará em regra de custas.”

Sem custas.

III – DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

- Julgam totalmente improcedente o recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, confirmam na sua integralidade o despacho recorrido, que determinou o pagamento da quantia € 2.193,00 (dois mil, cento e noventa e três euros), à Polícia Judiciária, pela realização de um exame de toxicologia nº 201306209, requerido pelo Ministério Público na fase de inquérito dos presentes autos .

Sem custas.

Certifica-se, para os efeitos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal, que o presente acórdão foi pelo relator elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto.
Évora, 20-10-2015
(Fernando Paiva Gomes M. Pina)
(Gilberto da Cunha)