Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | JOÃO AMARO | ||
Descritores: | BURLA QUALIFICADA FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PESSOA COLECTIVA PENAS | ||
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Data do Acordão: | 05/10/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSOS PENAIS | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | I - À semelhança da estrutura sancionatória estabelecida para as pessoas físicas no Código Penal, também no artigo 90º-A e segs. do mesmo diploma legal se preveem três categorias de penas aplicáveis às pessoas coletivas: as principais, as acessórias e as de substituição. II - Quanto às penas principais, o legislador optou pela introdução de uma cláusula geral, no artigo 90º-A, nº 1, do Código Penal, de acordo com a qual “pelos crimes previstos no nº 2 do artigo 11º, são aplicáveis às pessoas coletivas e entidades equiparadas as penas principais de multa ou de dissolução”. III - No tocante às penas de substituição, designadamente da pena de multa, estão previstas a admoestação (artigo 90º-C), a caução de boa conduta (artigo 90º-D) e a vigilância judiciária (artigo 90º-E). IV - A admoestação não figura como pena principal, mas tão-só como pena de substituição da pena de multa. V - As penas de substituição, tal como estão previstas nos artigos 90º-C, 90º-D e 90º-E do Código Penal (respetivamente, admoestação, caução de boa conduta e vigilância judiciária), para serem decretadas, em substituição da pena de multa, implicam a formulação de um juízo segundo o qual as mesmas realizam, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição. VI - Não é inconstitucional a norma contida no artigo 90º-B, nº 5, do Código Penal (na parte em que estabelece um limite mínimo de 100 euros para o quantitativo diário da pena de multa), quando aplicada a pessoas coletivas com graves dificuldades económicas de subsistência ou a pessoas coletivas que já nem sequer laboram e apenas têm dívidas para pagar.[1] | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal singular, com o nº 1966/13.6TAPTM, da Comarca de Faro (Portimão - Instância Local - Secção Criminal - Juiz 1), foram submetidos a julgamento os arguidos “H…, Ldª”, e HN, sendo-lhes imputada a prática, em concurso real, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217º, nº 1, e 218º, nº 2, al. a), do Código Penal, e de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256º, nº 1, als. a), d) e e), do mesmo diploma legal, sendo a sociedade responsável ainda nos termos do disposto no artigo 11º, nº 2, al. a), do Código Penal. Constituiu-se assistente nos autos DJ. A assistente deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos, peticionando a sua condenação solidária no pagamento da quantia total de 23.270,93 euros, acrescida de juros de mora legais, contados desde 30-10-2009, a título de indemnização pelos danos sofridos em consequência da conduta dos arguidos, dos quais 5.000 euros a título de compensação pelos danos não patrimoniais e os restantes (18.270,93 euros) a título de indemnização pelos danos patrimoniais. A demandante (e assistente), já no decurso do processo, veio reduzir o que havia pedido, quanto aos danos patrimoniais, para 13.739,19 euros, mantendo o restante. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida pertinente sentença, onde se decidiu nos seguintes termos (em transcrição): “Nestes termos, julgo a acusação pública provada e procedente, e o pedido cível provado e parcialmente procedente e, em consequência: 1) CONDENO o arguido HN, pela prática, em concurso real, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo art.º 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, al. a), ambos do CPenal, na pena parcelar de 2 anos e 8 meses de prisão, e pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.º 256.º, n.º 1, als a), d) e e), do CPenal, na pena parcelar de 7 meses de prisão, fixando-se, em sede de cúmulo jurídico de penas, a pena única de 2 (dois) anos e 11 (onze) meses de prisão, cuja execução se suspende, pelo mesmo período de tempo de 2 anos e 11 meses, sob condição de, até ao termo do período da suspensão, o arguido pagar à assistente e demandante a quantia total de 17.539,10 euros. 2) CONDENO a sociedade arguida “H…., LDA”, pela prática, em concurso real, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo art.º 217.º, n.º 1, 218.º, n.º 2, al. a) e 11.º, n.º 2, al. a), todos do CPenal, na pena parcelar de 200 dias de multa, à taxa diária de 100 euros, e pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.º 256.º, n.º 1, als a), d) e e) e art.º 11.º, n.º 2, al. a), ambos do CPenal, na pena parcelar de 100 dias de multa, à taxa diária de 100 euros, fixando-se, em sede de cúmulo jurídico de penas, a pena única de 245 dias de multa, à taxa diária de 100 euros, num total de 24.500 euros. 3) Condeno ainda os arguidos no pagamento, solidário, à assistente e demandante DJ, da quantia de 17.539,10 euros, dos quais 13.739,10 euros são a título de indemnização pelos danos patrimoniais e 3.800 euros são a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, a que acrescem os juros de mora legais, contados desde a data da prolação da presente sentença até efetivo e integral pagamento; absolvendo-se do demais peticionado. 4) Finalmente, condeno os arguidos no pagamento das custas do processo com taxa de justiça que fixo em 3 UC, incluindo encargos legais e o pagamento da compensação devida às respetivas Defesas Oficiosas, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que haja sido concedido. 5) Custas cíveis a suportar na proporção do decaimento”. Inconformados com a sentença condenatória, os arguidos interpuseram recurso, apresentando as seguintes (transcritas) conclusões: A) Arguido HN: “1. O Arguido confessou a prática dos factos de que vinha acusado (gravação de minutos a minutos). 2. Fê-lo de forma integral e sem reservas, tendo demonstrado arrependimento nas duas sessões de julgamento; 3. O arguido numa postura colaborante, além de confessar os factos, prestou todo o tipo de esclarecimentos que achou serem necessários à boa decisão da causa; 4. O arguido além de ter confessado os factos, demonstrou arrependimento, e mais do que isso, demonstrou ter procedido ao pagamento do imposto devido; 5. A liquidação do IRS, decorre, no caso vertente, da instauração de um processo de liquidação oficiosa. 6. O arguido comprovou a sua situação socioeconómica. 7. O Tribunal “a quo” formou a sua convicção, nos termos vertidos na douta sentença, na confissão do arguido e nas declarações que foram transcritas, do Marido da Demandante. 8. Assim sendo, o arguido HN, confessou a prática de ambos os crimes de que vinha acusado (conforme gravação estereofónica da audiência de julgamento a partir de 06:07 minutos e até 21:09 minutos – Gravação Estereofónica da audiência de julgamento, 24/09/2015 e a partir de 00:03 minutos e até 00:27 minutos – Gravação Estereofónica da audiência de julgamento, 23/10/2015). 9. A convicção do Tribunal “a quo” resulta essencialmente da ponderação de todos os elementos documentais constantes dos autos, e das declarações do arguido, juntamente com as da testemunha KW (A partir de 00:01 minutos até 26:00 minutos – Gravação Estereofónica da audiência de julgamento) – Declarações traduzidas por Tradutor 24/09/2015). 10. A supra referida testemunha, sendo marido da Demandante não soube precisar o valor exato do processo de execução que entretanto fora instaurado. 11. Não obstante a existência de documentação nos autos relativa ao processo executivo e à liquidação oficiosa de imposto, a verdade é a de que não existe uma confirmação cabal, formal e final de qual é que seria o montante efetivamente devido à Administração Fiscal. 12. Facto que, impede, salvo melhor opinião que se possa afirmar categoricamente que o montante de €13.739,10, seja a diferença entre o montante que teria de ser pago, e o que efetivamente o foi. 13. Desde logo, porque o Tribunal “a quo” confirmou na douta decisão a restituição parcial de €3.700,00, e bem assim, que ocorreu uma anulação (facto provado 26). 14. Paralelamente, o tribunal “a quo” também não aceita como procedente a totalidade do valor do pedido cível, a título de danos não patrimoniais, por entender que os mesmos não emergem dos crimes praticados. 15. É certo que o Tribunal pode apelar às regras da experiência comum e a juízos de normalidade, mas tal faculdade não pode ser utilizada de forma arbitrária, mas sim vinculada, como adiante referiremos. 16. Assim, das declarações do arguido podemos extrair a confissão dos factos. 17. O Arguido, numa postura cooperante com o Tribunal, quis prestar declarações, esclarecendo Tribunal acerca dos meios utilizados no crime de falsificação, e os motivos que o levaram a apoderar-se daquela quantia em dinheiro. 18. Esclareceu também que o seu comportamento se situa no prisma da omissão, porquanto não procedeu à entrega da declaração de IRS, e que as dúvidas que se geraram em todo o processo resultam da instauração de um processo de liquidação oficiosa e não da sua atuação em concreto, não podendo deste modo, estabelecer-se o devido nexo de causalidade entre a dita não atuação e os danos patrimoniais. 19. Fê-lo livremente, tendo tais declarações sido devidamente registadas na ata de gravação da audiência, nas quais confessou a prática dos de que vinha acusado (conforme gravação estereofónica da audiência de julgamento a partir de 06:07 minutos e até 21:09 minutos – Gravação Estereofónica da audiência de julgamento, 24/09/2015 e a partir de 00:03 minutos e até 00:27 minutos – Gravação Estereofónica da audiência de julgamento, 23/10/2015). 20. Paralelamente e na sequência das dúvidas geradas acerca dos montantes, foi requerida, na primeira sessão de julgamento, (24/09/2015 – 10 horas e 27 minutos de 00:01 minutos a 03:44 minutos), a notificação do Serviço de Finanças Competente a fim de vir esclarecer o tribunal, para efeito do disposto no artigo 340.º do CPP, acerca dos montantes em dívida e pagos, relativos ao caso de que agora se cuida. 21. Contudo, tal informação manifestou-se ainda insuficiente, porquanto não indicava sequer quem teria procedido ao pagamento. 22. O arguido põe, por isso, em crise os pontos de facto já sobejamente analisados, refutados, e tidos como provados pelo Tribunal “a quo” (19, 20, 22, 23, e 24, aqui impugnados), e consequentemente impugna expressamente o valor pelo qual foi condenado a título de pedido cível. 23. Fá-lo, essencialmente, porque relativamente aos mesmos caberia ao Serviço de Finanças competente esclarecer melhor as informações em falta, e isto, não obstante a confissão dos factos. 24. Face ao exposto, o Arguido põe em crise os pontos da matéria de facto provada relativos aos pontos supra citados, por entender que não existe prova bastante que tenha sido produzida para a determinação da medida da sua condenação. 25. Por outro lado, do texto da sentença recorrida resulta a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, e erro notório na apreciação da prova a que aludem as alíneas a) e c) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal. 26. É certo que o Tribunal pode e deve valorar os depoimentos das testemunhas ao abrigo do disposto no artigo 127.º do CPP (princípio da livre apreciação da prova). 27. O qual nas palavras do Senhor Professor Figueiredo Dias in “Direito Processual Penal”, p. 139, está associado ao “dever de perseguir a chamada verdade material” – de tal sorte que a apreciação há de ser, em concreto, recondutível a critérios objetivos e, portanto, em geral suscetível de motivação e controlo”. 28. No mesmo sentido, Henrique Eiras in “Processo Penal Elementar”, que refere que este princípio “não significa que o tribunal possa utilizar essa liberdade à sua vontade, de modo discricionário e arbitrário, decidindo como entender, sem fundamentação (…)”. 29. Ora, tal não terá acontecido no caso de que agora se cuida, uma vez que através das declarações das testemunhas foram efetuadas apenas meras correlações com outros elementos do processo que levaram o tribunal “a quo” a sufragar o entendimento vertido na acusação, sem uma correta e coerente valoração dos elementos em jogo. 30. Note-se que a confissão do arguido não poderá ser de modo alguma afastada. 31. Contudo, e sendo a prova produzida relevante para efeito da determinação da medida da sanção, e havendo insuficiência da mesma para a determinação daquela e do próprio montante em que o arguido foi condenado a título de ressarcimento pelo pedido de indemnização civil, a decisão teria de ser diferente. 32. Paralelamente a aplicação ao arguido de uma pena privativa da liberdade (ainda que suspensa na sua execução), quando à luz dos critérios jurídicos vigentes, e constantes do artigo 70.º e seguintes do Código Penal, sempre se dirá que é preferível a pena de multa em detrimento de uma pena privativa de liberdade. 33. Assim, e atendendo às circunstâncias pessoais do arguido, nomeadamente, o facto do mesmo não possuir antecedentes criminais (ponto provado), o facto do mesmo ter uma família que depende dos proveitos da sua atividade (ponto provado), e de não ter voltado a cometer ilícitos, deveria ter pesado mais no que toca à medida da pena, já para não deixar de referir, a confissão e o arrependimento do mesmo. 34. Assim, estamos em crer que, pelo menos relativamente à pena aplicada no âmbito do crime de falsificação de que vinha acusado, poderia, e deveria (salvo melhor opinião) ter sido aplicada pena de multa. 35. Logo, a decisão padece de vício, porquanto violou o disposto no artigo 71.º do CP. 36. Concomitantemente, e reportando-nos agora a ambas as imputações, e após a aplicação das regras do cúmulo jurídico foi aplicada ao arguido uma pena de prisão de dois anos e onze meses de prisão suspensa na sua execução, mediante a condição de pagar à Demandante a quantia de €17.539,10. 37. Ora, sendo uma pena inferior a três anos e ponderadas as circunstâncias pessoais do arguido, a confissão dos factos, o arrependimento demonstrado e o pagamento de todas as quantias em dívida à AT, o Tribunal “a quo” poderia ter lançado mão da aplicação do instituto da atenuação especial da pena, previsto nos termos do artigo 73.º do CP, substituindo assim a aplicação da pena de prisão por uma pena de multa, dentro dos limites gerais, facto que seria mais consentâneo com os fins das penas em direito penal, e satisfaria as necessidades da punição, porquanto a pena de multa é sempre conversível em pena de prisão subsidiária, em caso de incumprimento. 38. Conforme referido na conclusão 37, foi imposta ao arguido a condição (para suspensão da execução da pena de prisão), que este último proceda ao pagamento da quantia de €17.539,10, a título de danos civis. Tal condição, como acima tentámos demonstrar é manifestamente desproporcional, se atendermos ao facto do Tribunal “a quo” ter pleno conhecimento da atual situação do arguido, que subsiste com cerca de €1.200,00 mensais, que tem despesas fixas com água, luz, gás, eletricidade, e com o colégio dos seus filhos, que paga um crédito pessoal e que tem acordos pendentes com a Administração Fiscal e com a Segurança Social para pagamentos prestacionais emergentes de dívidas contraídas no exercício da sua atividade. 39. Assim, e ao impor tal condição ao arguido, o tribunal “a quo” violou claramente o disposto no artigo 51.º n.º 2 do CP, porquanto, conhecendo o tribunal “ a quo” todo o circunstancialismo socioeconómico do arguido e ainda assim, no momento da prolação da decisão impõe ao mesmo como condição para suspender a pena, o pagamento de uma quantia que razoavelmente o mesmo não terá como obter no período da suspensão, fará com que o mesmo não possa cumprir. 40. Ora, seria desejável, salvo melhor opinião, que a pena fosse suspensa pelo facto do arguido não ter antecedentes criminais por si só, e não impor ao mesmo uma condição que se sabe, que razoavelmente, o mesmo não terá como cumprir. Veja-se a título meramente exemplificativo, os acórdãos que transcrevemos acima quando tratámos desta questão (Acórdão do STJ relativo ao processo 06P3116, datado de 13-12-2006, obtido na base de dados da DGSI, e Acórdão da Relação de Évora relativo ao processo 212/09.1TASTB.E1, datado de 02/06/2015, obtido na mesma fonte. 41. Impõe-se também vincar que a condenação do arguido ao pagamento do montante de €17.539,10, a título de danos civis, não é consentânea com a matéria de facto erradamente dada como provada nos pontos 19 a 24, porquanto, é precisamente pelo facto de não ter existido nos presentes autos uma confirmação cabal de qual o montante de imposto devido, que se geraram dúvidas acerca de tais factos. Dúvidas essas que não foram esclarecidas pela testemunha KW que não concretizou os montantes, nem tão pouco pela documentação junta aos autos. 42. Ora nesses factos e porque a matéria é insuficiente para poder assegurar a prova dos mesmos, a decisão deverá ser revogada por insuficiência, e por erro notório, nos termos das alíneas a) e c) do artigo 410.º do CPP. 43. Com efeito, impugna expressamente o arguido o valor atribuído aos danos cíveis pelos quais foi condenado, por entender que a matéria de facto constante dos ditos pontos é insuficiente para dar como provado que a Autora sofreu os prejuízos alegados. 44. Deste modo, o Tribunal “a quo”, ao dar erradamente como provados os factos 19, 20, 21, 22, 23 e 24, violou entre outros: - O artigo 32.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (princípio “in dubio pro reo”). - Os artigos 97.º n.º 5; 127.º, 355.º; 374.º n.º 2, 379.º e 410,º n.º 2 a) e c) do Código de Processo Penal. 44. Com efeito, impõe-se a concreta reapreciação da decisão e da prova produzida, e a consequente revogação da decisão de que se recorre, com renovação da prova, nos termos do artigo 430.º do CPP. 45. Pelo que a pena em questão não satisfaz o direito e a justiça. Termos em que através do presente articulado, vem o arguido requerer a V. Exas, que o presente recurso seja recebido, e ao mesmo dado provimento, e em consequência: a) Seja a douta sentença recorrida revogada, nos termos supra expostos. b) Deverá a douta sentença de que se recorre ser revogada por manifesta insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, e erro notório na apreciação da prova, por violação do artigo 410.º alíneas a) e c) do Código de Processo Penal, bem como, por violação do artigo 32.º n.º 2 da CRP. c) Deverá também a douta sentença ser revogada por violação do artigo 127.º do Código do Processo Penal. d) Deverá ser revogada a imposição da condição para suspensão da execução da pena de prisão por violação do disposto no artigo 51.º n.º 2 do CP; e) Deverá o Réu ser absolvido do pedido cível. f) Deverá a prova ser renovada nos termos do disposto no artigo 430.º do CPP (nomeadamente, as declarações da testemunha KW, e toda a demais existente relevante para a matéria de facto relativa aos pontos 19 a 24)”. B) Arguida “H…, Ldª”: “1º. Relativamente à matéria de facto provada a nossa discordância concerne aos seguintes pontos de facto considerados provados; parágrafos 20º, 22º e 31º dos factos provados da douta sentença. 2º. Em relação aos parágrafos 20º e 22º dos factos provados - impugna a parte que sustenta que a Autoridade Tributária efetuou uma correção do imposto devido, tendo apurado que, pelas mais valias com a venda do imóvel, a assistente deveria pagar apenas 48.944,71 euros a título de imposto de 2007 e que a mesma ficou prejudicada em 13.739,10 euros. 3º. As provas que impõem decisão diversa da recorrida são o depoimento da testemunha KW (Depoimento gravado em 24.09.2015, Início de gravação 10:53:19, fim de gravação 11:23:15 – Declarações 00:18:49 a 00:22:36) o documento 9 da queixa crime, o documento 3 do pic, a informação da Autoridade Tributária de fls 625 e documentos 1 e 2 deste Recurso impõem que os mencionados parágrafos 20º e 22º devem ser retirados dos factos provados e incluídos nos factos não provados. 4º. Os documentos 2 e 3 do pic constituem meras demonstrações, como o próprio nome indica, de liquidação de imposto, não consistindo, porém verdadeiras decisões. 5º. Assim, face à ausência de prova que comprove a correção do imposto para 48.944,71 euros e que comprove que a assistente ficou prejudicada no montante de 13.739,10 euros, a sociedade arguida deveria ser absolvida do valor peticionado (13.739,10 euros) no pedido de indemnização cível a título de danos patrimoniais. 6.º No que concerne ao parágrafo 31º dos factos provados deveria constar no mesmo que o acordo prestacional à Segurança Social e ao Fisco se prende com as dívidas da sociedade arguida. 7º. As provas que impõem decisão diversa da recorrida são as declarações do arguido HN (Declarações gravadas em 24.09.2015, Início da gravação 09:41:03, Fim da gravação: 10:02:22 – Passagem em que funda a impugnação 00:14:38 a 00:15:09). 8º. Os factos ocorreram há muito tempo, sendo que a sociedade manteve estes anos todos boa conduta, dado que é primária e reparou, até onde lhe era possível, os danos causados à assistente, pelo que a pena deveria ter sido especialmente atenuada, tendo sido violado o art.º 72º, n.º 2, al. d) do C.P. 9º. A pena parcelar de multa aplicada à sociedade arguida pela prática de um crime de falsificação de documento mostra-se excessiva, em virtude do Tribunal a quo não ter observado o disposto no n.º 2 do art.º 90º B do C.P. quando decidiu aplicar a pena de multa à sociedade arguida, pois que deveria a arguida ter sido condenada a 70 dias de multa e não a 100 dias de multa, tendo sido violado o mencionado preceito legal. 10º. O limite mínimo previsto na lei para a taxa a aplicar às pessoas coletivas no montante de 100 euros mostra-se demasiado excessivo tendo em consideração que a sociedade arguida não labora desde 2013 e ainda que se encontra a pagar dívidas à Segurança Social e ao Fisco, sendo que não tem qualquer tipo de receitas, pelo que a arguida não vislumbra de que forma poderá pagar a pena de multa no montante de 24.500,00 euros. 11º. Daí que, a norma do art.º 90º-B, n.º 5 do C.P. deve ser declarada materialmente inconstitucional quando aplicada a Pessoas Coletivas com graves dificuldades económicas de subsistência ou a Pessoas Coletivas que já nem sequer laboram e apenas têm dívidas para pagar, tendo sido violados os princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade presentes nos artigos 13º e 18º, n.º 2 ambos da CRP. 12º. A sociedade arguida aceita a substituição da pena de multa pela pena de substituição que o Tribunal Superior entenda ser mais adequada e suficiente às finalidades da punição. 13º. Ao não ponderar a aplicação de uma pena de substituição dadas as circunstâncias particulares do caso concreto o Tribunal a quo violou os artigos 90º-C, 90º-D e 90º-E do C.P. 14º. A sociedade arguida aceita a substituição da pena de multa por uma pena de substituição (Admoestação, Caução de boa conduta ou Vigilância Judiciária) que o Tribunal Superior entenda ser a mais adequada e suficiente às finalidades da punição. Nestes termos, e nos demais que V. Ex.as doutamente suprirão, deverá a douta sentença ser substituída por outra que proceda à alteração da matéria de facto considerada provada pelo Tribunal a quo de acordo com os termos definidos nas conclusões do presente Recurso. Deve ainda a douta sentença ser revogada na parte em que condenou a sociedade arguida no valor peticionado no pedido de indemnização cível a título de danos patrimoniais, devendo a arguida ser absolvida do mencionado pedido. Deve ainda a pena de multa aplicada à arguida ser especialmente atenuada e alterada por demasiado excessiva e substituída por uma pena de substituição que se mostre adequado ao caso em apreço”. O Ministério Público junto da primeira instância, e, bem assim, a assistente, responderam aos recursos, pugnando pela improcedência dos mesmos. Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, concluindo também pela improcedência dos recursos. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do C. P. Penal, não foi apresentada qualquer resposta. Efetuado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir. II - FUNDAMENTAÇÃO 1 - Delimitação do objeto dos recursos. No caso destes autos, face às conclusões retiradas pelos recorrentes das motivações dos recursos, e em breve resumo, as questões a conhecer são as seguintes: A) Recurso do arguido HN: 1ª - Existência dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e do erro notório na apreciação da prova (artigo 410º nº 2, als. a) e c), do C. P. Penal), o que, na opinião do recorrente, implica “renovação da prova” (artigo 430º do mesmo C. P. Penal). 2ª - Impugnação alargada da matéria de facto (ausência de prova quanto aos factos provados nºs 19, 20, 22, 23 e 24 da sentença revidenda), tendo havido violação do princípio da livre apreciação da prova (artigo 127º do C. P. Penal) e violação do princípio in dubio pro reo. 3ª - Escolha da pena (o tribunal a quo devia ter optado por aplicar pena de multa e não pena de prisão). 4ª - Atenuação especial da pena (o tribunal recorrido devia ter atenuado especialmente a pena, em obediência ao disposto nos artigos 72º e 73º do Código Penal). 5ª - Não condicionamento da suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento da quantia devida à assistente. 6ª - Montante da indemnização devida à assistente. B) Recurso da arguida “H…, Ldª”: 1ª - Impugnação alargada da matéria de facto (ausência de prova quanto aos factos provados nºs 20, 22, 23 e 31 da sentença revidenda). 2ª - Atenuação especial da pena (o tribunal recorrido devia ter atenuado especialmente a pena, em obediência ao disposto no artigo 72º, nº 2, al. d), do Código Penal). 3ª - Determinação da medida concreta das penas (a recorrente considera excessivas as penas aplicadas, ou, pelo menos, a pena parcelar relativa ao crime de falsificação de documento). 4ª - Não observância, quanto às penas, do estabelecido nos artigos 90º-C (admoestação), 90º-D (caução de boa conduta) e 90º-E (vigilância judiciária), todos do Código Penal 5ª - Inconstitucionalidade da norma contida no artigo 90º-B, nº 5, do Código Penal, quando aplicada a pessoas coletivas com graves dificuldades económicas de subsistência ou a pessoas coletivas que já nem sequer laboram e apenas têm dívidas para pagar (por violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, previstos nos artigos 13º e 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa). 6ª - Indemnização devida à assistente a título de danos patrimoniais. 2 - A decisão revidenda. A sentença proferida nos autos é do seguinte teor (quanto aos factos e à motivação da decisão fáctica): “FUNDAMENTAÇÃO: a) Factualidade Discutida a causa, apurou-se, com relevância para a decisão da mesma, a seguinte factualidade: Factos provados: 1. O arguido HN é contabilista e é o sócio gerente da sociedade arguida “H…, Lda”, que tem por objeto social a prestação de serviços de contabilidade e consultoria fiscal. 2. Em 15.03.2007, DJ e o marido, WK, ambos de nacionalidade alemã, contrataram os serviços da sociedade arguida, prestados através do arguido HM, para que o mesmo tratasse do preenchimento e entrega da declaração de IRS de 2007, às Finanças Portuguesas, respeitantes a mais valias relativas à venda de um imóvel sito em Portugal, tendo-lhe deixado toda a documentação necessária. 3. Em 30.03.2007, DJ e WK, que haviam residido em Portugal durante alguns anos, regressaram definitivamente à Alemanha, convencidos de que tudo seria tratado pelo arguido. 4. O arguido, aproveitando a circunstância daquela deslocação para a Alemanha, engendrou um plano para se locupletar indevidamente à custa dos mesmos, no qual lhes pediria a transferência de 72.539,04 euros para uma conta bancária de que pudesse dispor, a pretexto de ser o valor do imposto devido pelo IRS de 2007, forjando ainda os documentos necessários ao convencimento dos mesmos de que tal quantia era a pedida pela Direção Geral de Impostos e, depois de obter aquela verba, de que o Estado a havia recebido. 5. Sucede que o arguido não entregou a declaração de IRS de 2007. 6. E em execução daquele plano, no dia 27 de Outubro de 2009, o arguido enviou um e-mail aos seus clientes, informando-os de que o imposto devido ascendia àquele montante e que o mesmo poderia ser transferido para a conta da sociedade arguida, que depois a transferiria para as Finanças, valor aquele que tinha que ser pago até ao dia 31.10.2009. 7. Para convencer os seus clientes do que afirmava no e-mail, o arguido forjou dois documentos, digitalizando os originais emitidos pela Direcção-Geral de Impostos, e alterando alguns dos seus dados, para passar a constar de um, a descrição da operação de liquidação do imposto devido ao Estado, onde apôs aquela quantia; e do outro a fixação do prazo de entrega daquele valor até ao dia 31 de Outubro de 2009, criando a aparência de se tratarem de documentos emitidos por aquela entidade. 8. Convencidos, ante o teor da informação prestada pelo arguido e dos documentos que o mesmo lhes enviou, de que deviam aquele montante às Finanças Portuguesas, DJ e o marido efetuaram, em 30.10.2009, a transferência bancária daquela quantia para a conta bancária indicada pelo arguido, para que o mesmo, por sua vez, fizesse o pagamento do imposto ao Estado Português. 9. O arguido recebeu a quantia transferida pelos seus clientes, a qual fez sua. 10. Posteriormente, em 04 de Novembro de 2009, o arguido, depois de forjar mais dois documentos, digitalizando os originais do Serviço de Finanças de Lagoa e do Banco BPI, e após alterar os seus dados, enviou aos seus clientes, por e-mail, um documento com a aparência de ter sido emitido pelo Serviço de Finanças de Lagoa, como se fosse o recibo referente ao recebimento daquele montante, naquele mesmo dia, através da sociedade arguida; e o outro, aparentando ter sido emitido pelo Banco BPI, como se fosse o comprovativo da transferência, por via eletrónica, daquela quantia, da conta da sociedade arguida para a administração fiscal portuguesa, naquela mesma data. 11. O arguido, agindo no seu próprio interesse e, também enquanto gerente e no interesse da sociedade arguida, apropriou-se do montante de 72.539,04 euros, que lhe foi entregue pelos seus clientes, depois de os convencer, com a sua conduta e com o envio dos documentos que forjou para esse efeito, de que era esse o valor devido pelo IRS de 2007, o que não correspondia à verdade. 12. Os documentos que o arguido enviou aos seus clientes, efetivamente, não foram emitidos pelas entidades que dos mesmos constavam, nem as declarações que deles dez constar correspondiam à verdade. 13. Com a sua conduta o arguido conseguiu que os seus clientes acreditassem que deviam ao Estado Português aquela quantia, razão pela qual lhe entregaram a mesma, sofrendo a perda desse valor. 14. O arguido, ao fabricar aqueles documentos quis e conseguiu pôr em causa a segurança e credibilidade no tráfico jurídico relativamente aos documentos, nomeadamente aqueles que são emitidos pelas entidades bancárias e pela administração fiscal. 15. O arguido agiu sempre de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. 16. O Estado Português, oficiosamente, acabou por fixar uma quantia a título de imposto e, como nada havia sido pago às Finanças pelo arguido, em 2010, eram ainda devidos juros de mora, que ascendiam a 3.077,32 euros, tudo perfazendo um total de 66.384,40 euros. 17. Tendo a demandante tomado conhecimento deste valor, em 29.06.2010, pediu ao arguido que lhe restituísse a diferença paga a mais e o valor dos juros, num total de 6.154,65 euros. 18. O arguido, em 06.07.2010, transferiu aquele valor da conta bancária da sociedade arguida para a conta bancária dos demandantes. 19. Sucede que o arguido, que havia recebido os 72.539,04 euros dos seus clientes, nada havia pago ao Estado, pelo que, em 09.11.2009, com base na certidão de dívida daquele IRS, e calculada com base em declaração oficiosa, foi instaurado processo de execução fiscal pelos Serviços de Finanças de Portimão, contra a demandante Doris Stein, para execução do montante total de 87.289,11 euros, do que foi a mesma citada, na Alemanha, em 15.05.2013. 20. Posteriormente veio a Autoridade Tributária efetuar a correção do imposto devido, tendo apurado que, pelas mais valias com a venda do imóvel, a demandante deveria pagar apenas 48.944,71 euros a título de imposto. 21. Em 18.03.2015, a Autoridade Tributária reembolsou a assistente no valor de 3.700,58 euros. 22. Considerando a diferença entre o valor entregue inicialmente pela demandante ao arguido (72.539,04 euros), descontando o valor que o mesmo lhe restituiu (6.154,65 euros) e o valor efetivamente devido a título de imposto (48.944,71 euros) bem como o valor reembolsado pela Autoridade Tributária (3.700,58 euros) ficou a demandante ainda prejudicada em 13.739,10 euros. 23. Os demandantes gastaram 355 euros com os serviços prestados pelo Advogado Dr. AR; gastaram, com a oposição no processo de execução fiscal instaurado contra a demandante, um total de 3.210,54 euros, com honorários pagos a advogados, taxas de justiça, despesas com deslocações, correio, traduções e certificações de fotocópias; e gastaram ainda um total de 2.265,62 euros com honorários de advogados, despesas para obtenção de documentos e traduções para a sua representação jurídica nestes autos. 24. O arguido pagou às Finanças Portuguesas um total de 75.472,72 euros (2,500 euros em Agosto de 2010, 2.500 euros em Outubro de 2010 e 70.472,72 euros, em 31.07.2013). 25. O processo executivo instaurado por dívida de IRS de 2007 foi declarado extinto pelo pagamento, após o pagamento da quantia de 70.472,72 euros, em 31.07.2013. 26. Em 22.11.2013 a Autoridade Tributária efetuou uma anulação parcial no valor de 16.816,43 euros. 27. A demandante, com 64 anos de idade, sentiu grande angústia, sofrimento e preocupação provocada pela conduta do arguido que, por não ter efetuado e entregue a declaração de IRS, nem ter pago o valor dos impostos devidos para os quais lhe tinha sido transferida quantia suficiente, foi sujeita a uma execução fiscal, de elevado montante, tendo ainda sofrido incómodos para regularizar a situação com origem num outro País e numa língua diferente da sua. 28. A sociedade arguida não tem condenações criminais anteriores. 29. O arguido não tem antecedentes criminais. 30. A sociedade arguida já não labora desde finais de 2013. 31. O arguido está a trabalhar por conta de outrem, numa empresa de recursos humanos e contabilidade, auferindo cerca de 1.200 euros mensais; vive com a sua mulher e os seus dois filhos (com 3 e 9 anos de idade) em casa dos seus pais, contribuindo para as despesas domésticas; a sua mulher está a trabalhar; o arguido paga cerca de 340 euros mensais para reembolso de um crédito pessoal e, tendo celebrado um acordo prestacional com a Segurança Social e as Finanças, paga ainda para aquelas entidades um total mensal de cerca de 700 euros; o arguido tem o bacharelato em contabilidade. Factos Não Provados: Não existem. No demais não se responde por se tratar de matéria repetida, sem relevo para a decisão, ou de matéria de direito. b) Fundamentação da Convicção do Tribunal: Sendo certo que, salvo quando a lei disponha diferentemente, (como é o caso da prova pericial) a prova, nos termos do art.º 127.º do CPP, deve ser apreciada no seu conjunto segundo as regras da experiência e segundo a livre convicção do julgador, foram os seguintes os meios de prova nos quais o Tribunal fundou a sua convicção quanto à factualidade apurada: 1) Declarações do arguido: o qual confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe foram imputados, explicando os motivos da sua conduta, num contexto de dificuldades financeiras. Mais esclareceu que já efetuou o pagamento da totalidade da dívida às Finanças. Esclareceu ainda sobre a sua situação pessoal e a situação da sociedade arguida que, por coerente, foi valorado. 2) Depoimento da testemunha AR: Advogado, o qual se limitou a esclarecer sobre os serviços prestados à demandante relativamente ao IRS de 2007, e o valor dos honorários recebidos, o que foi valorado. 3) Depoimento da testemunha KW: marido da demandante, o qual esclareceu sobre os serviços contratados com o arguido relativamente ao IRS de 2007, e que, depois de contactos estabelecidos pelo arguido, em que o mesmo lhe indicou a quantia dos autos, como sendo a devida a título de impostos, reuniram as poupanças que tinham e fizeram a transferência, convencidos de que era esse o imposto devido e que o arguido a entregaria às Finanças. Porém, porque o arguido nunca lhes chegou a enviar os documentos que os mesmos insistiam em receber, contrataram um advogado para que o mesmo se dirigisse às Finanças para saber o que se passava, altura em que ficaram a saber que o valor calculado pelas Finanças era inferior ao indicado pelo arguido, pelo que lhes exigiram a restituição do valor pago a mais, o que o mesmo fez. Estavam, porém, convencidos de que o imposto, fosse por que valor fosse, tivesse sido efetivamente pago, quando, inesperadamente, foram surpreendidos pela instauração de uma execução fiscal para cobrança dum valor próximo dos 90.000 euros, o que lhes causou grande angústia, pois que julgavam que tudo estava regularizado, tendo ficado muito preocupados com o modo como podiam pagar a dívida, se deviam tanto dinheiro, e sem saber como arranjar essa quantia, situação essa que perdurou durante vários meses. Confirmou ter suportado gastos com custas, advogados e outras despesas. Mais esclareceu que veio posteriormente a saber que a dívida junto das Finanças havia sido totalmente paga pelo arguido. Depôs de modo coerente e sem suscitar dúvidas a respeito da sua isenção, tendo sido valorado o seu depoimento. 4) Prova documental: - Informação do Serviço de Finanças de fls. 9 a 11, respeitante à oposição que DJ apresentou ao processo de execução fiscal, instaurado contra a mesma para cobrança da quantia de 87.289,11 euros, respeitante a dívida de IRS de 2007, calculada com base em declaração oficiosa; - E-mail enviado pelo arguido ao seu cliente em 27.09.2009, de fls. 12/13; - Cópia dos documentos enviados pelo arguido aos seus clientes, com a aparência de serem documentos oficiais, emitidos pela DGI, de fls. 14 e 15; - Comprovativo da transferência bancária efetuada, em 30.10.2009, pelo demandante, do montante de 72.534,04 euros, para a conta bancária indicada pelo arguido no mail de fls. 12, constante de fls. 16; - E-mail enviado pelo demandante ao arguido, pedindo um recibo e o comprovativo do cálculo do imposto, de fls. 17/18; - Cópia dos documentos enviados pelo arguido aos seus clientes, com a aparência de se tratar de um recibo emitido pelas Finanças e de um comprovativo de transferência bancária, de fls. 19 e 20; - Demonstração da liquidação de IRS que apurou o imposto a pagar no valor de 66.384,40 euros e os juros de mora já vencidos (no valor de 3.077,32 euros), constante de fls. 21; - Carta dirigida pela demandante ao arguido, de fls. 22/23 a 25; - Comprovativo da transferência de 6.154,65 euros pela sociedade arguida à demandante, de fls. 26; - Comprovativo de cumprimento de carta rogatória dirigida no âmbito do processo de execução fiscal às autoridades alemãs, de fls. 27 a 30; - Certidão permanente da sociedade arguida, de fls. 39/40; - Informação das Finanças de fls. 45 (que comprova que a dívida exequenda, em 17.09.2013, era de 16.991,01 euros); - Informação prestada pelo BPI, de fls. 336 a 344 (mas respeitante à conta pessoal do arguido e não da sociedade arguida); - Print de situação global da dívida às Finanças de fls. 380; - Demonstração de liquidação do IRS de 2007 inicial, de fls. 381; - Demonstração de liquidação de IRS de 2007 após retificação de fls. 382; - Mail não traduzido de pedido de honorários de fls. 383/384; - Cópia da oposição à execução fiscal, comprovativos de pagamentos de taxas, certificação de fotocópias, traduções e recibos de honorários e outras despesas relacionadas com o patrocínio forense de fls. 385 a 410; - Cópia cheque da AT de fls. 444; - Informação tributária de fls. 623 a 625; - CRC da sociedade arguida de fls. 604; - CRC do arguido de fls. 605”. 3 - Apreciação do mérito dos recursos. A) Recurso do arguido HN: a) Da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e do erro notório na apreciação da prova. O arguido HN invoca a existência dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e do erro notório na apreciação da prova (artigo 410º nº 2, als. a) e c), do C. P. Penal), o que, na opinião do recorrente, implica “renovação da prova” (artigo 430º do mesmo C. P. Penal). Cumpre apreciar e decidir. Lidas (e relidas) quer a motivação do recurso agora em apreço quer as conclusões dela extraídas, constata-se, neste ponto, que o recorrente Henrique José Viegas Neves confunde a impugnação da matéria de facto, tal como previsto no artigo 412º, nºs 1 e 3, do C. P. Penal, com a invocação dos vícios da sentença elencados no artigo 410º, nº 2, do mesmo C. P. Penal - esquecendo que, em sede de apreciação destes vícios, a matéria de facto só é sindicável quando o vício de que a mesma possa enfermar “resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum” (corpo do nº 2 do artigo 410º do C. P. Penal). Ou seja, e como resulta expressamente da letra da lei, qualquer dos vícios a que alude o nº 2 do artigo 410º do C. P. Penal tem de dimanar da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso a quaisquer elementos externos à decisão, designadamente às declarações ou aos depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo durante o julgamento. No fundo (em substância), aquilo que o recorrente HN pretende não é invocar os vícios do nº 2 do artigo 410º do C. P. Penal, mas antes que o tribunal de recurso sindique a forma como o tribunal de primeira instância apreciou e valorou a prova produzida em audiência de discussão e julgamento. Dispõe o artigo 410º, nº 2, do C. P. Penal: “mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova”. A insuficiência a que se reporta a citada al. a) é um vício que ocorre quando a matéria de facto é insuficiente para a decisão de direito, o que se verifica porque o tribunal deixou de apurar a matéria de facto que lhe cabia apurar dentro do objeto do processo, tal como este está circunscrito pela acusação e pela defesa, sem prejuízo do mais que a prova produzida em audiência justifique. Tal vício consiste na formulação incorreta de um juízo: a conclusão extravasa as premissas; a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada. Por sua vez, o erro notório na apreciação da prova é prefigurável quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária ou visivelmente violadora do sentido da decisão e/ou das regras de experiência comum. Percorrendo a motivação do recurso interposto pelo arguido HN, facilmente se constata que o recorrente questiona, não o próprio texto da decisão recorrida, mas, isso sim, o modo como o tribunal procedeu à apreciação da prova que foi produzida em audiência de discussão e julgamento. Isto é, as alegações do recorrente HN apenas traduzem uma desconformidade entre a decisão de facto do tribunal a quo e aquela que no caso teria sido a do próprio recorrente. Por outro lado, os raciocínios expostos pelo tribunal recorrido, ao fundamentar a decisão de facto, são lineares, claros e totalmente apreensíveis. Assim, as alegações do referido recorrente, a propósito da fundamentação da matéria de facto, não permitem concluir pela existência de qualquer erro ou vício de raciocínio na apreciação da prova. Não traduzem, de forma patente ou ostensiva, como é exigível, qualquer erro na apreciação do conjunto das provas produzidas na audiência de discussão e julgamento, erro esse que salte aos olhos de qualquer pessoa de média formação, e erro decorrente da simples leitura do acórdão revidendo. Na sucinta (mas claríssima) exposição de Simas Santos e Leal Henrique (in “Recursos em Processo Penal”, 7ª ed., 2008, Editora Rei dos Livros, pág. 77), existe erro notório na apreciação da prova quando ocorre “falha grosseira e ostensiva na análise da prova, percetível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou (…). Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios, ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das legis artis”. Quanto ao erro notório na apreciação da prova, vem sendo entendimento unânime da doutrina e jurisprudência que ele apenas se terá como verificado em apertadas circunstâncias. Tal vício nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto proferida e aquela que o recorrente entende ser a correta, face à prova produzida; ele só pode ter-se como verificado quando o conteúdo da respetiva decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, patenteie, de modo que não escaparia à análise do homem comum, que no caso se impunha uma decisão de facto contrária à que foi proferida. Nestes termos, a discordância do recorrente HN perante a matéria de facto é inócua para os fins agora em análise, uma vez que, objetivamente, nada resulta do teor da decisão que constitua erro notório na apreciação da prova. Do mesmo modo, não existe qualquer insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Alega o recorrente HN, nesta sede, que o tribunal a quo não poderia ter dado como provado ter aquele prejudicado a assistente, nos termos (pelo menos na quantidade) que foram dados como assentes, uma vez que tal conclusão não se baseou em prova bastante. Em grande confusão, salvo o devido respeito, incorre o recorrente HN nesta sua alegação. Com efeito, nada disso tem a ver com insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. É que o recorrente não invoca a falta de factos necessários para a decisão, que o tribunal devesse averiguar, desta forma confundindo (estranhamente, diga-se) uma situação de apreciação da prova com o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Tal como o recorrente HN põe a questão, o que o mesmo diz é que há insuficiência de prova para a matéria de facto dada como provada. Ora, essa invocação, manifestamente, não consubstancia o vício agora em apreciação. Como bem esclarecem Simas Santos e Leal Henriques (ob. citada, págs. 72 e 73), ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando existe uma “lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, isto é, quando se chega à conclusão de que com os factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato nessa matéria que é preciso preencher”. Verifica-se tal vício quando, no dizer dos mesmos autores (ob. e local citados), “a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito e quando o tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final”. Nada disto se verifica na situação exposta pelo recorrente HN, pelo que não ocorre também o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Perante o que vem de dizer-se, não se verificando a existência de qualquer dos vícios prevenidos no artigo 410º, nº 2, do C. P. penal, carece de fundamento legal a pedida “renovação da prova” (cfr. o disposto no artigo 430º, nº 1, do C. P. Penal). Face ao exposto, e em toda esta primeira vertente, o recurso interposto pelo arguido HN é, manifestamente, de improceder. b) Da impugnação alargada da matéria de facto. Alega o arguido HN que não foi produzida prova suficiente quanto aos factos dados como provados sob os nºs 19, 20, 22, 23 e 24 da sentença revidenda, pelo que em tal sentença houve violação do princípio da livre apreciação da prova (artigo 127º do C. P. Penal) e violação do princípio in dubio pro reo. Cabe decidir. Como se escreve na sentença, e conforme se afirma expressamente na motivação do recurso (cfr., desde logo, as conclusões 1ª e 2ª extraídas da motivação), “o arguido confessou a prática dos factos de que vinha acusado (…). Fê-lo de forma integral e sem reservas, tendo demonstrado arrependimento nas duas sessões de julgamento”. Ora, e como bem se esclarece no Ac. deste Tribunal da Relação de Évora de 14-07-2015 (relator Alberto Borges, in www.dgsi.pt), “a confissão dos factos pelo arguido - integral e sem reservas - tem como consequência, por um lado, o reconhecimento, por parte do arguido, da prática dos factos que lhe são imputados (todos os factos), e, por outro lado, que os reconhece tal como lhe são imputados, sem quaisquer condições ou alterações (ou seja, nos precisos termos que são imputados na acusação)”. Assim sendo, e logo por aqui, a impugnação da decisão fáctica constante da motivação do recurso interposto pelo arguido HN é, a nosso ver, manifestamente improcedente, na medida em que é incoerente com as declarações confessórias de tal arguido (está em clara contradição lógica com a confissão feita na audiência de discussão e julgamento). Em segundo lugar, a impugnação efetuada não respeita o comando contido no 412º, nºs 3 e 4, do C. P. Penal, já que o arguido se limita a transcrever a totalidade (ou quase a totalidade) do depoimento da testemunha KW (marido da assistente), não indicando as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, em pontos devidamente especificados e apreensíveis, ou seja, pretende que este tribunal ad quem faça como que um “novo julgamento” de toda a factualidade. Ora, a pretendida reanálise, neste tribunal de recurso, de todos os elementos de prova, a ausência de delimitação concreta de pontos da prova que foram mal avaliados em primeira instância, e, sobretudo, a circunstância de o recurso não ser (não poder ser) um novo julgamento, em que o tribunal de segunda instância aprecia toda a prova produzida em primeira instância, mas sim um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento (que devem ser indicados precisamente com menção das provas concretas que demonstram esses erros), levam-nos a concluir, sem hesitações, que o recurso interposto pelo arguido está destinado, também por aqui, a naufragar, sendo, nesta vertente, manifestamente improcedente. Em terceiro lugar, o arguido não demonstra, minimamente, que exista prova que “imponha” a este tribunal de recurso uma decisão diversa da decisão recorrida (cfr. o disposto na al. b) do nº 3 do artigo 412º do C. P. Penal), tendo-se limitado a fazer uma apreciação da prova ao seu jeito, segundo as suas opiniões e conveniências, e pretendendo que este tribunal de recurso secunde a sua visão da prova. A nosso ver, não é esse o meio para impugnar eficientemente a decisão da matéria de facto, pois, se admissível, traduzir-se-ia numa intolerável postergação dos princípios da imediação e da livre apreciação da prova. Em quarto lugar, e quanto ao valor ainda em dívida à assistente (e objeto da condenação cível), além da confissão do arguido, além dos depoimentos das testemunhas AR e KV, a decisão revidenda teve ainda em conta a extensa prova documental constante dos autos, prova que foi junta não só com a denúncia feita pela assistente, como também com a dedução do pedido de indemnização civil. Por último, cumpre deixar assinalado que não são de apreciar os documentos juntos pelo arguido com a motivação do recurso (fls. 761 a 770), face ao disposto no artigo 165º, nº 1, do C. P. Penal (a junção de documentos deve ser levada a cabo no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência). Em resumo: nada há a apontar à factualidade dada como provada sob os nºs 19, 20, 22, 23 e 24 da sentença revidenda, pelo que em tal sentença não houve violação do princípio da livre apreciação da prova, nem se vislumbra, minimamente, qualquer violação do princípio in dubio pro reo. Perante o que vem de dizer-se, e em todo este segmento (impugnação alargada da matéria de facto), o recurso não merece provimento. c) Da escolha da pena. Entende o arguido HN que o tribunal a quo devia ter optado por aplicar pena de multa e não pena de prisão. Há que decidir. Desde logo, a moldura penal do tipo legal do crime de burla em causa não comporta a possibilidade de aplicação da pena de multa (o crime de burla cometido é punido, em abstrato, com pena de prisão de 2 a 8 anos - cfr. o disposto no artigo 218º, nº 2, al. a), do Código Penal). Já o crime de falsificação de documento comporta tal possibilidade (é punível com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa - de 10 a 360 dias -). Esta última constatação impõe, no seguimento da orientação inserta no artigo 70º do Código Penal, que se analise se será caso de dar preferência à pena pecuniária (no tocante ao crime de falsificação de documento), pela singela razão de que salta à evidência a maior favorabilidade de uma medida não privativa de liberdade, até porque a filosofia do atual Código Penal, como resulta do preâmbulo do diploma que o aprovou, é a de reservar a pena de prisão “para situações de maior gravidade e que mais alarme social provocam, designadamente a criminalidade violenta ou organizada, bem como a acentuada inclinação para a prática de crimes revelada por certos agentes...”, devendo esta “reação criminal por excelência apenas lograr aplicação quando todas as restantes medidas se revelem inadequadas e ineficazes, face às necessidades de reprovação e prevenção”. O critério legal a seguir é simplesmente este: o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa (no caso, pena de multa) sempre que, verificados os respetivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa se revele adequada e suficiente à realização das finalidades da punição. Ora, afigura-se-nos que, não obstante a citada filosofia do Código Penal, a pena de multa se revela, no caso vertente, inadequada e ineficaz face às necessidades de reprovação e prevenção, gerais e concretas, mostrando-se incapaz de realizar de forma suficiente as finalidades da punição. Com efeito, os factos destes autos revestem-se de gravidade assinalável, com falsificação de vários documentos e com elevados prejuízos para terceiros. Como bem se esclarece na sentença recorrida “o arguido, como forma de encenar, junto dos seus clientes, a putativa obrigação de os mesmos lhe entregarem a quantia de 72.539,94 euros, e de os levar a dispor dessa quantia, sob engano por si provocado, forjou quatro documentos, em execução de uma única resolução antes planeada. Primeiro, como forma de executar o crime de burla, elaborou dois documentos falsos, aproveitando dois originais, que digitalizou, e cujo conteúdo adulterou, substituindo-o, nas partes que interessavam, por outros elementos, coincidentes com a encenação que pretendia concretizar. Assim que, copiando um documento de liquidação de imposto e um outro respeitante ao pagamento da quantia liquidada, alterou os dados relevantes para os adaptar à situação concreta, dados esses que não tinham aderência com a realidade (não correspondiam à verdade), criando, através daquela adulteração, uma aparência de autenticidade dos mesmos, como se tivessem sido emitidos pela Direção Geral de Impostos e remetidos, através da internet, para os visados. E posteriormente, para encobrir o referido crime praticado, forjou, com o mesmo método, mais dois documentos, que alegadamente comprovariam o pagamento às Finanças da quantia que lhe havia sido entregue pelos seus clientes: um recibo do Serviço de Finanças e um comprovativo de transferência bancária, que atestariam aquele pagamento, pagamento esse que nunca ocorreu, e documentos esses que não foram emitidos pelas entidades dos mesmos constantes, tendo o arguido copiado originais desses documentos e adulterado o seu conteúdo. Ou seja, nenhuma das entidades que figura no logotipo dos documentos enviados pelo arguido aos seus clientes emitiu tais documentos, nem o conteúdo que dos mesmos consta, e que ali foi aposto pelo arguido, corresponde à verdade, tendo sido construídos com base em outros documentos. Ora, o arguido bem sabia que, ao assim agir, criava documentos falsos, que continham declarações respeitantes a factos com relevo jurídico que não correspondiam à verdade, o que fez como meio de executar um crime de burla, e de, posteriormente o encobrir, tal como havia planeado e decidido logo inicialmente. Agiu tal como foi de sua vontade, livre e esclarecidamente formada, ou seja, agiu dolosamente”. Perante as apontadas circunstâncias, são elevadas as necessidades de prevenção geral e especial que aqui se fazem sentir, pelo que bem andou o tribunal a quo ao optar pela aplicação de pena de prisão (mesmo relativamente ao crime de falsificação de documento). A aplicação de uma pena de multa, no caso dos autos, não é suficiente nem adequada à realização das finalidades da punição (cfr. o preceituado no artigo 70º do Código Penal). Ou seja, e em síntese, a gravidade dos factos, no seu conjunto, é inquestionavelmente significativa, sendo intenso o grau de censurabilidade devida pelo sistema jurídico ao arguido, e, por isso, justifica-se plenamente a aplicação, ao arguido, e relativamente a ambos os crimes, de penas de prisão, tal como muito bem foi decidido pelo tribunal a quo. É de improceder, pois, este ponto do recurso. d) Da atenuação especial da pena. Invoca o arguido HN que o tribunal recorrido devia ter atenuado especialmente a pena, em obediência ao disposto nos artigos 72º e 73º do Código Penal, face à sua confissão dos factos, ao arrependimento demonstrado e às suas circunstâncias de vida pessoal. Cabe apreciar e decidir. Dispõe o artigo 72º, nº 1, do Código Penal, que “o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto ou a culpa do agente ou a necessidade da pena”. Por sua vez, o nº 2 do mesmo artigo elenca exemplificativamente circunstâncias várias que, correlacionadas com os requisitos contidos no nº 1, ainda do mesmo normativo, potenciam a atenuação especial da pena. Deste modo, foi criada pelo legislador uma válvula de segurança para situações particulares, que se justifica de acordo com o seguinte, seguindo a exposição do Prof. Figueiredo Dias (in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, ed. 1993, § 444, pág. 302): “quando, em hipóteses especiais, existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo “normal” de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respetiva, aí teremos mais um caso especial de determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa. São estas as hipóteses de atenuação especial da pena. Hipóteses que, em muitos casos, o próprio legislador prevê, mas que a apontada incapacidade de previsão leva ainda a suprir com uma cláusula geral de atenuação especial”. O funcionamento de uma tal válvula de segurança obedece a dois pressupostos essenciais, a saber: - Diminuição acentuada da ilicitude e da culpa, ou da necessidade da pena, e, em geral, das exigências de prevenção; - A diminuição da culpa ou das exigências de prevenção só poderá considerar-se relevante para tal efeito (isto é, só poderá ter-se como acentuada), quando a imagem global do facto, resultante da atuação das circunstâncias atenuantes, se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respetivo. O que, por outras palavras, significa que a atenuação especial só em casos extraordinários ou excecionais pode ter lugar. Para a generalidade dos casos, para os casos “normais”, “vulgares” ou “comuns”, lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios (cfr. Prof. Figueiredo Dias, ob. citada, § 444, § 451 e § 454). A via trilhada pelo legislador, ao elaborar as aludidas normas, foi a de elencar exemplificativamente circunstâncias atenuantes de especial valor, a fim de dar ao juiz critérios mais rigorosos de avaliação do que aqueles que seriam dados através de uma cláusula geral. Ou seja, sem criar obstáculo à necessária liberdade do juiz, põem-se à disposição deste princípios delimitadores mais sólidos e facilmente apreensíveis para que, em cada caso concreto, se decida pela aplicação ou não do instituto em causa. Porém, há que evidenciar que as situações a que aludem as diversas alíneas do nº 2 do citado artigo 72º do Código Penal não têm, por si só, a virtualidade de conferir poder atenuativo especial, impondo-se o seu relacionamento com um determinado efeito que terão de produzir: a diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena. No caso sub judice, e desde logo, a confissão feita pelo arguido quanto à prática dos factos parece que foi feita “estrategicamente” (com o devido respeito, é o que resulta da posição agora assumida pelo arguido em sede de recurso), isto é, ao que se depreende da motivação do recurso por si interposto (e salvo melhor opinião), de modo algum tal confissão do arguido pode integrar o conceito de arrependimento a que alude o artigo 72º, nº 2, al. c), do Código Penal (onde se fala em “atos demonstrativos de arrependimento sincero do agente”). Depois, o grau de ilicitude da conduta do arguido é muito elevado, como acima já aflorado. Por último, evidenciam-se, perante os factos provados, fortes necessidades de prevenção geral positiva ou de integração, perante uma atuação (de burla e de falsificação de documentos) tão danosa para terceiras pessoas. Nestes termos, no quadro do circunstancialismo global que a matéria de facto revela, não existem circunstâncias ligadas à ilicitude do facto, à culpa do agente ou à necessidade da pena, que importem a impossibilidade da adequação concreta da pena dentro da moldura normal estabelecida para os crimes em análise, não se justificando, deste modo, a atenuação especial da pena, ao contrário da pretensão do arguido. Pelo exposto, e neste segmento, é de improceder o recurso do arguido. e) Do condicionamento da suspensão da execução da pena. Alega o arguido HN que a suspensão da execução da pena de prisão não pode ser condicionada ao pagamento da quantia devida à assistente. Entende o arguido, em resumo, que o condicionamento da suspensão da execução da pena ao facto de o arguido pagar à assistente (e demandante), até ao termo do período da suspensão, o valor da indemnização atribuída (17.539,10 euros), é ilegal, uma vez que o arguido nunca poderá cumprir essa condição (a mesma é desproporcional, em face da situação económica do arguido). Cumpre apreciar e decidir. Conforme bem se escreve no Ac. deste Tribunal da Relação de Évora de 14-07-2015 (relator António Latas, in www.dgsi.pt), “o dever de pagar a indemnização devida ao lesado, como condição da suspensão da execução da pena de prisão, é instrumentalizado à prossecução das finalidades das penas, com as limitações (e mesmo os sacrifícios) que lhes são inerentes, pelo que o condenado não pode tomá-lo como se de uma mera obrigação civil se tratasse. São, essencialmente, finalidades de prevenção geral positiva que, desde a reforma do Código Penal de 1995, constituem o fim específico da imposição de deveres ao condenado, os quais, nos termos do disposto no artigo 51º do Código Penal, se destinam a reparar o mal do crime. O núcleo indispensável à subsistência, com dignidade, da pessoa condenada e do seu agregado familiar, constitui um limite oponível ao cumprimento do dever imposto, mas a satisfação de outras necessidades pessoais e familiares, à custa dos rendimentos ou do património do arguido, deixa de pautar-se unicamente por critérios de racionalidade económica (ou de qualquer outra natureza), ficando incontornavelmente condicionada pelo dever de o arguido satisfazer a obrigação pecuniária imposta na condenação penal, enquanto condição da suspensão da execução da pena de prisão”. Por outro lado, os deveres e as regras de conduta impostos ao condenado, como condição para a suspensão da execução da pena, podem ser modificados até ao termo do período de suspensão, sempre que ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tenha tido conhecimento (artigo 51º, nº 3, do Código Penal), o que significa, por outras palavras, que é aqui aplicável a cláusula rebus sic stantibus. A suspensão da execução da pena de prisão, condicionada ao pagamento do valor da indemnização devida ao lesado, reclama, de todo o modo, um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura (artigo 51º, nº 2, do Código Penal). Ora, perante os anteriores considerandos, este tribunal ad quem (tal como o tribunal a quo) entende que a subordinação da suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento da indemnização devida à assistente se enquadrava na disponibilidade financeira do arguido, atendendo à situação económica do mesmo e ao período temporal em que o arguido poderá cumprir tal condição (2 anos e 11 meses). Na verdade, olhando à situação economia e financeira do arguido (em síntese, o arguido aufere um salário de 1.200 euros mensais, mora em casa dos seus pais, a sua mulher trabalha, paga um crédito pessoal no valor de 340 euros por mês, e paga 700 euros mensais à Segurança Social e às Finanças), não se nos afigura que a condição imposta seja desproporcional, não possa ser cumprida ou ultrapasse os limites da razoabilidade. Mais: no futuro próximo, e ponderando até as habilitações académicas do arguido (o arguido possui bacharelato em contabilidade), a disponibilidade financeira para o arguido poder cumprir a condição a que fica sujeita a suspensão da execução da pena de prisão pode até revelar-se inequívoca. De todo o modo, e repete-se, para a hipótese de, no futuro, o arguido sofrer oscilações patrimoniais ou salariais que atinjam negativamente a sua pessoa, sempre poderá ocorrer uma modificação dos deveres impostos (artigo 51º, nº 3, do Código Penal - aplicando-se aqui a já acima referida cláusula rebus sic stantibus -). A sentença sub judice não merece, pois, neste ponto, qualquer reparo, sendo de improceder, nesta matéria, o recurso do arguido. f) Do montante da indemnização devida à assistente. Discute o arguido HN o valor devido à demandante, a título de ressarcimento pelos danos causados. Há que decidir. Analisada a motivação do recurso nesta vertente, verifica-se que o recorrente não aduz quaisquer argumentos para a pretensão recursiva agora em apreciação, a não ser a alteração da decisão fáctica constante da sentença revidenda (alteração que acima denegámos). Por conseguinte, nada há a ponderar neste ponto, improcedendo aqui, obviamente, o recurso do arguido. E, perante tudo o que se deixou exposto, o recurso interposto pelo arguido é totalmente de improceder, mantendo-se quanto a ele, nos seus precisos termos, a sentença recorrida. B) Recurso da arguida “H…, Ldª”: a) Da impugnação alargada da matéria de facto. A arguida “H…, Ldª”, questiona a prova produzida quanto aos factos dados como provados sob os nºs 20, 22 e 23 da sentença revidenda, entendendo que a mesma não é suficiente para assim os considerar. Relativamente aos factos do ponto nº 31 da mesma sentença, a recorrente entende que deve aí constar que o acordo de prestações à Segurança Social e ao Fisco se prende com dívidas da sociedade arguida. Cabe decidir. No tocante aos factos dados como provados sob o nº 31 da sentença, é irrelevante saber a que título o arguido paga 700 euros mensais no âmbito de um “acordo prestacional” celebrado com a Segurança Social e com as Finanças (é inócuo, para estes autos, determinar se as dívidas que o arguido está a pagar são dele próprio ou se são dívidas da sociedade arguida). No que respeita à restante factualidade impugnada pela arguida, e desde logo, dá-se aqui por reproduzida a argumentação acima já exposta, quando analisámos questão idêntica suscitada pelo arguido. É que, e em breve resumo, a factualidade apurada baseou-se, e bem, na confissão do arguido, o qual confessou a prática dos factos de que vinha acusado, fazendo-o de forma integral e sem reservas. Ou seja, e ao contrário do que parece entender a arguida sociedade na motivação do seu recurso, a prova não consistiu apenas no depoimento da testemunha Kurt Vollmer (marido da assistente) - depoimento que a recorrente, na motivação do recurso, transcreve na íntegra -. Depois, e repetindo-se aqui, de novo, o acima já dito relativamente ao recurso do arguido, a arguida sociedade, na motivação do seu recurso, não enuncia prova que “imponha” a este tribunal ad quem uma decisão diversa da decisão recorrida (cfr. o disposto na al. b) do nº 3 do artigo 412º do C. P. Penal), limitando-se a fazer uma apreciação da prova ao seu jeito, segundo as suas opiniões e conveniências, e pretendendo que este tribunal de recurso secunde a sua visão da prova. A esta luz, e analisando apenas o depoimento da testemunha KV (depoimento transcrito, integralmente, pela recorrente), verifica-se que, com base no mesmo, nada permite ou justifica (e, muito menos, impõe) a pretendida alteração dos factos dados como provados na sentença sub judice. Na verdade, a testemunha KV (marido da assistente) esclareceu apenas, no essencial, o valor da execução fiscal que foi notificada à assistente na Alemanha, numa altura em que ainda não tinha ocorrido uma correção do imposto devido, o que em nada colide com a correção de imposto devido a título de IRS relativamente ao ano de 2007, correção efetuada pela Autoridade Tributária em 2013. Ou seja: atenta a confissão do arguido (integral e sem reservas), e perante o teor do documento junto a fls. 21 dos autos, do documento junto (com a dedução do pedido de indemnização civil) a fls. 382, e da informação da Autoridade Tributária constante de fls. 625 destes autos, entendemos que bem andou o tribunal de primeira instância ao dar como provados os factos agora questionados (elencados sob os nºs 20 a 23 da matéria de facto constante da sentença revidenda). Por último, e repetindo o já dito neste acórdão, há que deixar consignado que não são de apreciar os documentos juntos pela arguida com a motivação do recurso (fls. 699 a 714), face ao disposto no artigo 165º, nº 1, do C. P. Penal (“o documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência”). Após o encerramento da audiência de discussão e julgamento (em primeira instância, obviamente) não é admissível a junção de documentos. A junção de documentos tem, pois, de cingir-se aos ciclos processuais enunciados no artigo 165º, nº 1, do C. P. Penal, uma vez que, a partir do momento em que está fixada a matéria de facto em primeira instância, a admissão de um documento, mesmo que pertinente, implica que o recurso não verse integralmente sobre as provas produzidas na audiência (sobre os elementos probatórios em que se baseou a convicção do juiz de primeira instância), mas sim sobre algo de novo, e, potencialmente, muito distinto. Em jeito de síntese conclusiva: nada nos aconselha, nada nos permite e nada nos impõe proceder à reversão do juízo probatório emitido pelo tribunal a quo. Por conseguinte, não merece provimento a primeira vertente do recurso interposto pela arguida (impugnação da matéria de facto dada como provada na sentença revidenda). b) Da atenuação especial da pena. A arguida “H…, Ldª”, entende que o tribunal recorrido devia ter atenuado especialmente a pena, em obediência ao disposto no artigo 72º, nº 2, al. d), do Código Penal (uma vez que os factos ocorreram há muito tempo, tendo a sociedade mantido boa conduta, sendo primária, e tendo reparado os danos sofridos pela assistente). Cumpre decidir. Esta vertente do recurso é, manifestamente, de improceder. Com efeito, nem houve ainda reparação dos danos sofridos pela assistente (como decorre, inequivocamente, da mera análise dos autos), nem o facto de a arguida ser “primária” e manter “boa conduta” possui aqui especial significância (note-se que a arguida é uma sociedade, sociedade que tem por objeto a prestação de serviços de contabilidade e de consultoria fiscal), nem, por último, tem muita relevância o tempo decorrido desde a data da prática dos factos (refira-se que a arguida é uma sociedade unipessoal, e já não labora desde finais de 2013 - cfr. facto dado como provado sob o nº 30 da sentença revidenda -). Por outro lado, e conforme acima se expôs (a propósito de pretensão recursiva semelhante feita pelo arguido), a atenuação especial da pena só pode ocorrer em casos extraordinários ou excecionais. Para a generalidade dos casos, para os casos “normais”, “vulgares” ou “comuns”, lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios. Isto é, na situação sub judice, ponderados quer o grau de ilicitude dos factos quer a gravidade das consequências dos crimes cometidos, não podemos afirmar, de modo algum, como exige o artigo 72º, nº 1, do Código Penal, que estejamos perante uma atuação da arguida com diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena. Em suma: não se justifica, minimamente, a atenuação especial da pena, ao contrário do alegado e pretendido pela arguida. Assim, e neste ponto, não merece provimento o recurso da arguida. c) Da medida concreta das penas. A arguida “H…, Ldª”, considera excessivas as penas aplicadas, ou, pelo menos, a pena parcelar relativa ao crime de falsificação de documento. Mais alega a arguida que a taxa diária da multa (100 euros) é exagerada e desproporcionada, uma vez que a arguida já não labora desde 2013, encontra-se ainda a pagar dívidas à Segurança Social e às Finanças, e não aufere quaisquer receitas. Há que apreciar e decidir. Desde logo, e quanto à taxa diária da pena de multa, verifica-se que o tribunal a quo a estabeleceu, sem mais, no mínimo legal previsto (100 euros) - cfr. o disposto no artigo 90º-B, nº 5, do Código Penal -. Por isso, tendo o quantitativo diário da pena de multa sido fixado no mínimo legal, não assiste qualquer razão à recorrente quando alega que tal quantitativo é excessivo (diga-se até que muito se estranha uma tal alegação, absolutamente despida de qualquer fundamento válido). Do mesmo modo, a medida concreta das penas de multa foi fixada relativamente próximo dos mínimos legais abstratamente previstos para os crimes praticados (200 dias de multa para o crime de burla qualificada, 100 dias de multa para o crime de falsificação de documento, e 245 dias de multa a título de pena única - isto é, em cúmulo jurídico das duas penas parcelares aplicadas -). Ora, ponderando o grau de ilicitude dos factos, olhando ao montante dos prejuízos causados à assistente, e atendendo à natureza dos crimes em análise, se algo há a apontar à determinação da medida concreta das penas (que foi feita em primeira instância nos termos acabados de resumir), e a nosso ver, é a sua evidente benevolência, e não o seu exagero, o seu excesso ou a sua desproporção (ao contrário do que alega a arguida na motivação do recurso). Entendemos, pois, que a determinação da medida concreta das penas de multa em que a arguida foi condenada foi corretamente efetuada, não nos merecendo qualquer reparo ou censura. Por isso, nenhum provimento merece toda esta vertente do recuso interposto pela arguida. d) Das penas de substituição. A arguida “H…, Ldª”, entende que devia ter sido observado o disposto nos artigos 90º-C, 90º-D ou 90º-E do Código Penal, devendo ser-lhe aplicada uma pena de admoestação, ou uma pena de caução de boa conduta, ou, por último, uma pena de vigilância judiciária. Cumpre decidir. Dispõe o artigo 90º- A do Código Penal: “1 - Pelos crimes previstos no nº 2 do artigo 11º, são aplicáveis às pessoas coletivas e entidades equiparadas as penas principais de multa ou de dissolução. 2 - Pelos mesmos crimes podem ser aplicadas às pessoas coletivas e entidades equiparadas as seguintes penas acessórias: a) Injunção judiciária; b) Interdição do exercício de atividade; c) Proibição de celebrar certos contratos ou contratos com determinadas entidades; d) Privação do direito a subsídios, subvenções ou incentivos; e) Encerramento de estabelecimento; f) Publicidade da decisão condenatória”. Por sua vez, estabelecem os artigos 90º-C a 90º-E (nos seus nºs 1) do Código Penal: Artigo 90º-C: “Admoestação 1 - Se à pessoa coletiva ou entidade equiparada dever ser aplicada pena de multa em medida não superior a 240 dias, pode o tribunal limitar-se a proferir uma admoestação, aplicando-se correspondentemente o disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 60º”. Artigo 90º-D “Caução de boa conduta 1 - Se à pessoa coletiva ou entidade equiparada dever ser aplicada pena de multa em medida não superior a 600 dias, pode o tribunal substituí-la por caução de boa conduta, entre (euro) 1000 e (euro) 1000 000, pelo prazo de um a cinco anos”. Artigo 90º-E “Vigilância judiciária 1 - Se à pessoa coletiva ou entidade equiparada dever ser aplicada pena de multa em medida não superior a 600 dias, pode o tribunal limitar-se a determinar o seu acompanhamento por um representante judicial, pelo prazo de um a cinco anos, de modo que este proceda à fiscalização da atividade que determinou a condenação”. A propósito dos transcritos preceitos legais, e como bem esclarece Nuno Brandão (in “O Regime Sancionatório das Pessoas Coletivas na Revisão do Código Penal”, Revista do CEJ, 1º Semestre 2008, nº 8 - Especial -, págs. 43 e 44, “à semelhança da estrutura sancionatória estabelecida para as pessoas físicas no Código Penal e na linha do regime contido no Decreto-Lei nº 28/84, também no artigo 90º-A e segs. do Código Penal se preveem três categorias de penas aplicáveis às pessoas coletivas, as principais, as acessórias e as de substituição. As penas principais são, por definição, aquelas aplicadas pelo juiz na sentença condenatória independentemente de quaisquer outras. Quando se trata da responsabilidade penal das pessoas individuais, a pena, para definir-se como principal, deverá em regra encontrar-se tipificada no próprio tipo legal de crime. Já na disciplina sancionatória das pessoas coletivas o legislador optou pela introdução de uma cláusula geral, no artigo 90º-A, nº 1, de acordo com a qual “pelos crimes previstos no nº 2 do artigo 11º, são aplicáveis às pessoas coletivas e entidades equiparadas as penas principais de multa ou de dissolução”. São previstas como penas de substituição, designadamente da pena de multa, a admoestação (artigo 90º-C), a caução de boa conduta (artigo 90º-D) e a vigilância judiciária (artigo 90º-E). Diferentemente do que sucede no Decreto-Lei nº 28/84, a admoestação não figura aqui como pena principal, mas antes e tão-só como pena de substituição da pena de multa. Esta degradação do estatuto da pena de admoestação face àquele diploma constitui uma decisão acertada, atenta a sua baixa eficácia preventiva, tanto sob o ponto de vista da prevenção geral, como da prevenção especial”. Ora, à luz do exposto, as penas de substituição pretendidas pela ora recorrente, tal como estão previstas nos artigos 90º-C, 90º-D e 90º-E do Código Penal (respetivamente, admoestação, caução de boa conduta e vigilância judiciária), para serem decretadas, em substituição da pena de multa, implicam a formulação de um juízo segundo o qual as mesmas realizam, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição. Retomando o caso dos autos, olhando ao grau de ilicitude dos factos, atendendo ao grau de culpa aqui implicado, e ponderando as exigências de prevenção, verificamos, sem hesitações, que a aplicação de qualquer uma das pretendidas penas de substituição não realiza, de modo minimamente suficiente, as finalidades da punição. Improcede, por conseguinte, este segmento do recurso da arguida. e) Da invocada inconstitucionalidade. A arguida “H…, Ldª”, invoca a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 90º-B, nº 5, do Código Penal, quando aplicada a pessoas coletivas com graves dificuldades económicas de subsistência ou a pessoas coletivas que já nem sequer laboram e apenas têm dívidas para pagar (por violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, previstos nos artigos 13º e 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa). Cabe apreciar e decidir. Dispõe o artigo 90º-B, nº 5, do Código Penal: “cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 100 e € 10.000, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos com os trabalhadores, sendo aplicável o disposto nos nºs 3 a 5 do artigo 47º”. Por sua vez, estabelece o artigo 47º, nºs 3 a 5, do Código Penal (aqui aplicável): “3 - Sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda um ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação. 4 - Dentro dos limites referidos no número anterior e quando motivos supervenientes o justificarem, os prazos de pagamento inicialmente estabelecidos podem ser alterados. 5 - A falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento de todas”. A pena de multa deve traduzir-se num processo que vise o tratamento justo do caso concreto, adequado à vontade e intenções da lei, garantindo-se, perante a comunidade, a validade e a vigência da norma violada. Assim, ao aplicar-se uma pena de multa, é necessário, além do mais, que do cumprimento de tal pena resulte um efetivo sacrifício para o condenado. A aplicação da pena de multa tem, pois, de permitir a plena realização, em cada caso concreto, das finalidades das penas, em particular da de prevenção geral positiva (sobretudo quando a arguida é uma pessoa coletiva, como sucede in casu). No tocante à taxa diária da pena de multa, esta é aqui estabelecida em função da situação económica e financeira da condenada e dos seus encargos com os trabalhadores. Neste ponto, ficou provado na sentença sub judice (facto aí dado como provado sob o nº 30) que “a sociedade arguida já não labora desde finais de 2013”. Assim, e ao invés do alegado pela recorrente, nada ficou assente sobre a circunstância de a arguida ter graves dificuldades económicas, bem como nada foi dado como provado sobre o facto de a arguida apenas ter dívidas para pagar. De todo o modo, a circunstância de a sociedade arguida já não laborar desde finais de 2013 (única circunstância provada no âmbito da questão que agora nos ocupa) não implica, a nosso ver, que, ao ser aplicada a tal sociedade uma pena de multa à taxa diária mínima prevista na lei, estejam a ser violados os princípios da igualdade e da proporcionalidade, previstos nos artigos 13º e 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa. Lendo a motivação do recurso, contata-se que a ora recorrente se limita, no fundo, a proclamar uma violação de princípios constitucionais, mas sem aduzir argumentos e razões (concretos e apreensíveis) que fundamentem tal proclamada violação. Também nós, partindo (é certo) de uma deficiente fundamentação do recurso nesta matéria, não encontramos quaisquer fundamentos que nos permitam, validamente, concluir pela violação do princípio da igualdade e/ou do princípio da proporcionalidade. Na verdade, fixar em 100 euros a taxa diária da pena de multa (taxa mínima prevista na lei), mesmo a pessoa coletiva que deixou de laborar, não descrimina negativamente a arguida sociedade, não lhe atribui qualquer desvantagem ilegítima, nem, por outro lado, constitui um qualquer excesso, desproporcionado e inadmissível. Tanto mais que o preceito legal em causa (o artigo 90º-B, nº 5, do Código Penal), ao remeter para o disposto nos nºs 3 a 5 do artigo 47º do mesmo diploma legal, abriu um mecanismo de prevenção e de segurança para situações como as invocadas pela recorrente (pessoas coletivas em graves dificuldades económicas, com dificuldades de subsistência, que apenas têm dívidas para pagar), permitindo, nessas situações, o pagamento da pena de multa dentro de um certo prazo (que não exceda um ano), ou o pagamento da pena de multa em prestações (não podendo a última delas ir além dos dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação), sendo ainda que, quando motivos supervenientes o justificarem, os prazos de pagamento inicialmente estabelecidos podem ser alterados (cfr. o disposto no artigo 47º, nºs 3 e 4, do Código Penal). A este propósito, diga-se que questão semelhante se pode colocar (e se coloca, muitas vezes, na prática dos nossos tribunais) relativamente ao montante do limite mínimo da taxa diária da pena de multa estabelecido para as pessoas singulares (5 euros - cfr. o preceituado no artigo 47º, nº 2, do Código Penal -). Também aí, quando o condenado (pessoa singular) atravessa graves dificuldades financeiras, não possui meios económicos, tem dificuldades de subsistência (sendo-lhe difícil até garantir a satisfação das suas necessidades básicas) e tem inúmeras dívidas para pagar, se pode questionar a fixação legal de um limite mínimo (da taxa diária da pena de multa) tão elevado, por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proibição do excesso. Porém, além de considerarmos que o montante diário da pena de multa deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado (sem, no entanto, deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades básicas e do respetivo agregado familiar), a própria lei (artigo 47º, nºs 3 e 4, do Código Penal), prevendo essas hipóteses, e de modo justo e adequado, permite o diferimento do pagamento da pena de multa ou o seu pagamento em prestações. Não existe aqui, a nosso ver, e em substância, mesmo estando em causa pessoas singulares, quer violação do princípio da igualdade, quer violação do princípio da proporcionalidade. E, se assim consideramos para as pessoas singulares, por óbvias razões assim devemos entender para as pessoas coletivas. Em face do exposto, não se julga inconstitucional a norma do artigo 90º-B, nº 5, do Código Penal, na parte em que estabelece um limite mínimo de 100 euros para a taxa diária da pena de multa. Em consequência, e sem mais desenvolvidas considerações, por supérfluas, também aqui o recurso da arguida não merece provimento. f) Da indemnização devida. A arguida “H…, Ldª”, discute a indemnização devida à assistente a título de danos patrimoniais, entendendo que deve ser absolvida dessa parte do pedido de indemnização civil formulado nos autos. Há que apreciar e decidir. Lendo a motivação do recurso, e além da impugnação da decisão fáctica atinente ao montante dos danos causados à demandante, a recorrente diz apenas o seguinte: “deve ainda a douta sentença ser revogada na parte em que condenou a sociedade arguida no valor peticionado no pedido de indemnização cível a título de danos patrimoniais, devendo a arguida ser absolvida do mencionado pedido”. Verifica-se, perante uma tal asserção, que a recorrente nenhum fundamento jurídico invoca em abono da pretendida absolvição do pedido de indemnização civil, limitando-se, nesta sede, a impugnar a decisão fáctica proferida em primeira instância. Ora, assim sendo, e perante a improcedência da impugnação da decisão fáctica - acima decidida -, nada mais há a acrescentar ou a decidir nesta matéria (relativa à condenação cível decretada na sentença revidenda). Por isso, é de improceder esta última vertente do recurso da arguida. Face a tudo o que se deixou dito relativamente ao recurso interposto pela arguida, o mesmo não merece provimento, sendo de manter a sentença revidenda. III - DECISÃO Nos termos expostos, nega-se provimento aos recursos dos arguidos, mantendo-se, consequentemente, a douta sentença recorrida. Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UCs. Texto processado e integralmente revisto pelo relator. Évora, 10 de maio de 2016 João Manuel Monteiro Amaro Maria Filomena de Paula Soares _________________________________________________ [1] - Sumário elaborado pelo relator |