Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | SÉRGIO CORVACHO | ||
Descritores: | POSTO DE ABASTECIMENTO DE COMBUSTÍVEL EM ÁREA DE SERVIÇO DE AUTOESTRADA EXPOSIÇÃO E VENDA DE BEBIDAS ALCOÓLICAS CONTRAORDENAÇÃO DOLO INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO | ||
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Data do Acordão: | 02/07/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | DECRETADO O REENVIO | ||
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Sumário: | I - O DL n.º 50/2013 de 16/4 não contém qualquer disposição normativa que declare as contraordenações nele previstas puníveis também a título de negligência, pelo que, valendo o princípio geral enunciado no n.º 1 do art. 8.º do RGCO, a responsabilidade contraordenacional da arguida, tal como foi configurada pela sentença recorrida, depende impreterivelmente de a conduta objectiva por que ela responde poder ser-lhe censurada a nível de dolo. II – Não é de aplicar em processo contraordenacional a jurisprudência estabelecida pelo AUJ n.º 1/2015. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I. Relatório No Processo de Contra-Ordenação nº 351/13.4EASTR da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) foi proferida decisão que condenou «…Exploração de Postos de Abastecimento Lojas de Conveniência, Lda.» numa coima no montante de € 2.750 pelo cometimento de uma contra-ordenação p. e p. pelos arts. 3º nº 4 al. c) e 8 nº 1 al. b) do DL nº 50/2015 de 16/4. A arguida impugnou judicialmente, nos termos do art. 59º do Regime Geral das Contra-ordenações (doravante RGCO), aprovado pelo DL nº 433/82 de 27/10 e sucessivamente alterado, a decisão administrativa que a condenou. Na fase de impugnação judicial, os autos foram distribuídos ao Tribunal da Comarca de Santarém, Instância Local de Santarém, Secção Criminal e, em 28/9/15, foi proferida sentença pelo Exº Juiz desse Tribunal, a qual decidiu: Negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar na íntegra a decisão da entidade administrativa. Com base nos seguintes factos, que então se deram como provados: 1. No dia 24 de Julho de 2013, pelas 14:35 horas no estabelecimento de Área de serviço de posto de abastecimento de combustível em autoestrada, Posto da BP de Santarém - Poente - Pernes /Santarém, sito na Al (Autoestrada nº 1), Km 84 - Poente - Pernes/Santarém, explorado pela … EP.A.E.L.C. Sociedade Unipessoal, LDA., NIPC …, foi realizada uma acção de inspecção por parte de uma brigada de inspectores da ASAE. 2. Tendo sido verificada a seguinte factualidade: "Venda de bebidas alcoólicas em posto de abastecimento de combustíveis na autoestrada. 3. Na loja de conveniência de apoio ao posto de combustível da BP (lado poente) da A1 - Área de Serviço de Santarém, explorado pela firma --- E.P.A.E.L.C. Sociedade Unipessoal, Lda., e na presença da Operadora de Posto VM, uma brigada da ASAE verificou que se encontravam diversas bebidas alcoólicas expostas para venda ao consumidor final: nas prateleiras da "garrafeira" (foto 5), na "vitrina frigorífica" (foto 4) e ainda na "manga/corredor do pronto a comer" (foto 7) do estabelecimento. 4. Foi solicitado o comprovativo do licenciamento, tendo sido remetido, para a sede da Empresa da Loja, 5. Foram apresentadas a Declaração Prévia datada de 22-03-2011 ao abrigo no Decreto - Lei n.º 259/2007 de 17 de Julho, para "comércio outros estabelecimentos não especializados com predominância em produtos alimentares, bebidas ou tabaco", e a Licença de Exploração n.º 81-L VT, respeitante ao posto de abastecimento de combustíveis, emitida pelo MHD/DREL VT; a certidão permanente da empresa onde se encontra identificado o CAE principal - 47300. 6. A arguida ao colocar bebidas alcoólicas à venda na sua loja de conveniência, representou como possível a realização do facto típico, ilícito e censurável, como consequência possível das suas condutas. 7. A arguida sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei. Da sentença proferida a arguida veio interpor recurso devidamente motivado, formulando as seguintes conclusões: A) A Recorrente dispõe de uma licença emitida pela DGAE – Direcção Geral das Actividades Económicas, destinada ao comércio de produtos alimentares e bebidas – o mesmo é dizer, também, bebidas alcoólicas e espirituosas; B) O edifício contíguo ao posto de abastecimento é composto por duas áreas distintas, uma ocupada por loja de conveniência e outra por zona de restauração e bebidas, devidamente licenciadas; C) Não se está perante uma área apenas onde exista uma loja de conveniência com secção de bebidas, encontrando-se as duas áreas devidamente separadas e identificadas; D) A área em que a Recorrente vende bebidas alcoólicas constitui, nos termos da lei aplicável e do definido legalmente, uma área de restauração e bebidas; E) Se assim não fosse, a licença da DGAE seria desprovida de sentido; F) A admitir-se que a Recorrente não possa vender bebidas alcoólicas num espaço destinado à restauração, esvaziar-se-ia de sentido/existência prático/a o n.º 6 do artigo 3.º do DL n.º 50/2013, de 16 de Abril; G) Em condições perfeitamente análogas, em postos de abastecimento de combustível localizados na mesma auto-estrada, com configuração totalmente semelhante e igual processo de licenciamento, é permitida a venda de bebidas alcoólicas; H) A Recorrente não actuou com dolo, ainda que eventual, porquanto nunca representou como contrária à lei a sua actuação; I) Só a revogação da decisão do Tribunal a quo garantirá o cumprimento da lei vigente, concretamente, do n.º 6 do artigo 3.º do DL n.º 50/2013, de 16 de Abril. Termos em que, e nos demais que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e provado e, em consequência, revogando-se a sentença da 1.ª instância, absolver-se a Recorrente do pagamento da coima no valor de €2.750,00, e dar-se sem efeito a decisão da ASAE de apreensão de bebidas alcoólicas na parte da restauração do posto de abastecimento de combustíveis da Recorrente de Santarém, sito na auto-estrada A1. O recurso interposto foi admitido com subida imediata, nos próprios autos, e efeito suspensivo. O MP respondeu à motivação da recorrente, pugnando pela manutenção do decidido, mas sem formular conclusões. A Digna Procuradora-Geral Adjunta junto desta Relação emitiu parecer sobre o recurso em presença, no sentido da respectiva improcedência, o qual foi notificado à recorrente, a fim de se pronunciar, não tendo ela exercido o seu direito de resposta. Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência. II. Fundamentação Nos recursos penais, o «thema decidendum» é delimitado pelas conclusões formuladas pela recorrente, as quais deixámos enunciadas supra. Tal princípio é extensivo aos recursos interpostos de sentenças proferidas sobre impugnações judiciais de decisões administrativas condenatórias, em processos de contra-ordenação, por força do disposto no nº 1 do art. 41º do RGCO, que manda aplicar a esses procedimentos, subsidiariamente, as regras do processo criminal. A sindicância da sentença recorrida, que emerge das conclusões da recorrente, centra-se, sinteticamente, nas seguintes questões: a) A arguida colocou à venda bebidas alcoólicas num espaço de restauração e bebidas, ainda que instalado no mesmo edifício que a loja de conveniência, sendo atípica a sua conduta por força do disposto no nº 6 do art. 3º do DL nº 50/2013 de 16/4; b) A arguida actuou sem dolo, mesmo na modalidade mais benigna do dolo eventual. O nº 4 do art. 3º do DL nº 50/2013 de 16/4 estatui: É ainda proibida a disponibilização, a venda e o consumo de bebidas alcoólicas: (…) c) Em postos de abastecimento de combustível localizados nas autoestradas ou fora das localidades; Por sua vez, o nº 1 do art. 8º do mesmo diploma legal dispõe: A violação do disposto nos n.os 1, 4, 7 e 9 do artigo 3.º constitui contraordenação punível com as seguintes coimas: (…) b) De € 2500 a € 30000, se o infrator for uma pessoa coletiva; A recorrente invoca em apoio da sua pretensão a disposição do nº 6 do referido art. 3º, que é do seguinte teor: Para efeitos do disposto na alínea c) do n.º 4, a proibição abrange os edifícios integrados destinados a atividades complementares ao abastecimento de combustível, nomeadamente lojas de conveniência, não incluindo os estabelecimentos de restauração ou de bebidas. Na sentença recorrida, o Tribunal «a quo» julgou provado, no ponto 3 da matéria assente, que a arguida tinha expostas para venda diversas bebidas alcoólicas, na loja de conveniência de um posto de abastecimento de combustível da A1. Em sede de recurso, a arguida fez assentar a sua pretensão na asserção de que as bebidas alcoólicas se encontravam expostas para venda numa área de restauração e bebidas, que, embora situada no mesmo edifício que a loja de conveniência era autónoma em relação a esta. Assim, o pressuposto factual em que a recorrente pretende basear a produção do efeito jurídico almejado com o recurso em presença envolve, pelo menos implicitamente, a alteração da matéria de facto fixada na sentença sob censura. Acerca dos limites do poder de cognição das Relações, em processo de contra-ordenação, dispõe o nº 1 do art. 75º do RGCO: Se o contrário não resultar deste diploma, a 2ª instância conhecerá apenas de direito, não cabendo recurso das suas decisões. Sendo vedado, no actual momento processual, por força da disposição legal agora transcrita, recorrer da decisão sobre a matéria de facto, impõe-se o postulado da imutabilidade da matéria factual provada e não provada fixada pela primeira instância, o qual só poderá, eventualmente, ceder perante a verificação de qualquer dos vícios da decisão previstos no nº 2 do art. 410º do CPP, que é aplicável ao processo de contra-ordenação ao abrigo da já citada norma de extensão. Nesta ordem de ideias, a viabilidade da pretensão jurídica deduzida pela recorrente terá de ser ajuizada à luz da matéria de facto julgada provada pelo Tribunal «a quo» e não pressuposto factual por ela invocado, à margem da factualidade assente. Uma vez estabelecido que a arguida procedeu à venda de bebidas alcoólicas na loja de conveniência e não num espaço com características distintas, a sua apurada conduta não se mostra coberta pela excepção prevista na parte final do nº 6 do art. 3º do DL nº 50/2013 de 16/4 à proibição cominada pela al. c) do nº 4 do mesmo artigo. Consequentemente, a conduta em apreço é idónea a preencher a tipicidade objectiva da contra-ordenação por cuja prática o arguido foi condenado em primeira instância. No que se refere ao nexo de imputação e à alegação de que arguida actuou sem dolo, importa ter presente que, no direito de mera ordenação social, vigora também o chamado princípio da culpa, consagrado, neste âmbito, pelo nº 1 do art. 8º do RGCO, segundo o qual um facto só é punível quando praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos, com negligência. Contudo, o RGCO não contém em si disposições que estabeleçam os conceitos de dolo e de negligência para efeitos contra-ordenacionais, pelo que teremos de nos socorrer, a este propósito, dos correspondentes normativos do direito penal, «ex vi» do disposto no art. 32º daquele diploma, que manda aplicar à definição do regime substantivo das contra-ordenações, as normas do Código Penal, em tudo que não esteja previsto no seu regime específico. Acerca das modalidades do dolo, dispõe o art. 14º do CP: 1 - Age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actuar com intenção de o realizar. 2 - Age ainda com dolo quem representar a realização de um facto que preenche um tipo de crime como consequência necessária da sua conduta. 3 - Quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta, há dolo se o agente actuar conformando-se com aquela realização. Por seu turno, o art. 15º do CP estatui sobre a negligência: Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz: a) Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas actuar sem se conformar com essa realização; ou b) Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto. O articulado do DL nº 50/2013 de 16/4 não contém qualquer disposição normativa que declare as contra-ordenações nele previstas puníveis também a título de negligência, pelo que, valendo o princípio enunciado no nº 1 do art. 8º do RGCO, a responsabilidade contra-ordenacional da arguida, tal como foi configurada pela sentença recorrida, depende impreterivelmente de a conduta objectiva por que ela responde poder ser-lhe censurada a nível de dolo. O ponto 6 da matéria provada ocupa-se do nexo de imputação subjectiva à arguida da sua apurada conduta objectiva e o seu conteúdo corresponde, no fim de contas, ao chamado elemento intelectual, comum ao dolo eventual (nº 3 do art. 14º do CP) e à negligência consciente (al. a) do art. 15º do CP). O mesmo ponto da matéria de facto é omisso quanto ao chamado elemento volitivo, quer do dolo eventual, quer da negligência consciente, e que consiste, na primeira hipótese, em ter-se o agente conformado com a realização do facto típico como consequência possível da sua conduta e, na segunda hipótese, em não o ter feito. Sem o esclarecimento desse aspecto factual subjectivo, não é possível ajuizar se a conduta da arguida apurada nos autos é ou não merecedora de censura contra-ordenacional. O nº 2 do art. 410º do CPP, que, na parte que agora pode interessar-nos, dispõe: Mesmo nos casos em que a lei restringir a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; a) ...; b) …. Segundo o Acórdão do STJ de 13/5/98 (CJ, Acs. do STJ, VI, tomo 2, pág. 199), a locução «decisão» inserida no texto da al. a) do nº do art. 410º do CPP, deve ser entendida como a decisão justa que ao caso deveria caber e não como a decisão concretamente proferida e objecto do recurso, sendo, portanto, com referência à primeira e não à segunda que deverá ajuizar-se da suficiência da matéria de facto provada. Assim, e sintetizando, poderemos dizer que o invocado vício de decisão verifica-se sempre o Tribunal deixe de emitir juízo probatório sobre um facto relevante para a justa decisão da causa. A falta de averiguação, pelo Tribunal «a quo», se a arguida se conformou ou não com a possibilidade enunciada no ponto 6 da matéria de facto assente configura, no sentido evocado, uma insuficiência da matéria de facto provada para a decisão. O Acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19/10/95 (DR, I-A Série de 28/12/95) veio fixar jurisprudência no sentido de os vícios tipificados no transcrito normativo legal serem do conhecimento oficioso do Tribunal «ad quem», mesmo quando o recurso esteja limitado à matéria de direito. Nada obsta, pois, a que o Tribunal possa conhecer desse vício, ainda que não tenha sido arguido pela recorrente. O vício detectado impede este Tribunal de conhecer do mérito do recurso em presença. O nº 1 do art. 426º do CPP estatui: Sempre que, por existirem os vícios referidos nas alíneas do nº 2 do artigo 410º, não for possível decidir da causa, o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio. Chegados a este ponto, interessará saber se doutrina consagrada no Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 1/2015 é, de alguma forma, aplicável à situação em apreço. O identificado Aresto, proferido em 20/11/14 e publicado em DR, I série, de 27/1/15, uniformizou jurisprudência nos seguintes termos: A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do CPP. Acerca da eficácia dos Acórdãos do Pleno das Secções Criminais do STJ, proferidos no âmbito de recursos para fixação de jurisprudência, fora dos processos em que tem lugar a respectiva prolação, dispõe o nº 3 do art. 445º do CPP: A decisão que resolver o conflito não constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada. O regime contido na disposição legal agora transcrita procura estabelecer um ponto de equilíbrio entre a desejável uniformidade, segurança e previsibilidade do direito e o princípio da independência dos Tribunais e da sua vinculação exclusiva à lei, estatuído pelo art. 203º da CRP. Ao contrário do antigo instituto dos Assentos, que se caracterizava pela sua obrigatoriedade para a generalidade dos Tribunais e cuja compatibilidade com o postulado constitucional da vinculação exclusiva destes à lei era, por isso, problemática, os actuais Acórdãos de fixação de jurisprudência revestem uma força vinculativa tendencial, ou seja, os Tribunais podem divergir da orientação neles consagrada, mas, fazendo-o, ficam sujeitos a um especial dever de justificar a divergência. Neste contexto, somos de entender que, sob pena de se esvaziar de conteúdo útil o propósito unificador da instituição dos Acórdãos a que nos vimos referindo, os Tribunais só devem afastar-se da doutrina acolhida por essas decisões perante razões ponderosas, como seja, por exemplo, a convicção de que orientação jurisprudencial preferida pelo STJ é manifestamente incompatível com algum princípio jurídico basilar, geralmente aceite, ou violadora de normas constitucionais expressas. A fixação de jurisprudência decidida pelo Acórdão nº 1/2015 foi pensada em função da estrutura do processo criminal «strictu sensu» e dos princípios que o conformam e não do processo contra-ordenacional. A tese jurisprudencial consagrada no referido Aresto assentou, muito em síntese, no entendimento de que o suprimento, com recurso ao mecanismo processual do art. 358º do CPP, dos factos dos elementos constitutivos subjectivos do tipo de crime, que não constassem da acusação, é incompatível com o princípio do acusatório. Na fase judicial do processo de contra-ordenação, é a decisão condenatória proferida pela autoridade administrativa, que desempenha o papel funcional de uma acusação, a partir do momento em que o MP remeta os autos ao Tribunal, nos termos previstos no nº 1 do art. 62º do RGCO. O processo criminal reveste estrutura acusatória por imposição constitucional directa do nº 5 do art. 32º da CRP. Tal imposição não existe para o processo de contra-ordenação, relativamente ao qual o nº 10 do mesmo artigo da Lei Fundamental somente exige que ao arguido sejam assegurados «os direitos de audiência e defesa». Admitimos sem dificuldade que a garantia do direito de defesa do arguido em processo de contra-ordenação implica necessariamente um «mínimo de acusatoriedade», que não se confunde com a acusatoriedade plena, que vigora no processo criminal. Assim sendo, entendemos que esse «mínimo de acusatoriedade» não é incompatível com o suprimento de elementos constitutivos da tipicidade da infracção, objectivos ou subjectivos», por meio do procedimento previsto no nº 1 do art. 358º do CPP, desde que o formalismo prescrito por esta norma seja devidamente observado. Não sendo de aplicar ao caso a jurisprudência fixada pelo Acórdão nº 1/2015, nada obsta a que os autos sejam objecto do reenvio previsto no nº 3 do art. 426º do CPP, com vista à averiguação do facto integrador do elemento volitivo do dolo eventual (ou da negligência consciente). O reenvio a determinar afectará a totalidade do objecto processual, mas terá um alcance estritamente limitado a apurar se a arguida se conformou com possibilidade referida no ponto 6 da matéria de facto provada. Nesta conformidade, importa que a primeira instância leve a cabo, em sede de reenvio, à seguinte actividade judicativa: 1 – Determinar a produção das provas que considerar necessárias e adequadas com vista a apurar se a arguida se conformou com possibilidade referida no ponto 6 da matéria de facto provada. 2 – Caso venham a provar-se, em resultado das diligências a realizar, factos que constituam alteração não substancial dos que foram dados como provados pela decisão administrativa, proceder ao cumprimento do disposto no nº 1 do art. 358º do CPP. 3 – Proferir nova decisão com consideração conjunta dos factos dados como assentes pela sentença recorrida, aqueles que venham a resultar provados em sede de reenvio e as considerações jurídicas tecidas no presente acórdão, a propósito do nexo de imputação subjectiva. III. Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em declarar verificado na sentença recorrida o vício de insuficiência para decisão da matéria de facto provada e determinar o reenvio do processo para novo julgamento, limitado às finalidades enumeradas supra. Sem custas. Notifique. Évora, 7/2/17 (processado e revisto pelo relator) (Sérgio Bruno Povoas Corvacho) (João Manuel Monteiro Amaro) |