Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1203/06-2
Relator: SÉRGIO ABRANTES MENDES
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
Data do Acordão: 09/28/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A SENTENÇA
Sumário:
I - O promitente vendedor que notificado judicialmente para indicar data para a celebração da escritura de compra e venda, nada diz e que com a sua inércia conduz à perda bem – por execução de hipoteca anterior – incumpre definitivamente o contrato promessa.
Decisão Texto Integral:
Apelação Cível n.1203/06-2

Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


Na acção de condenação com forma ordinária pendente no 1.º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Elvas sob o n.127/2002 em que é autor JOÃO …………. e réu JOÃO MIGUEL……………, veio o A. interpor recurso da decisão absolutória proferida de fls.169 a 181 dos autos.
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Admitido o recurso por despacho de fls.189, o recorrente apresentaria as competentes alegações em cujas conclusões sustenta, em síntese:
1 – O não cumprimento pelos RR do prazo para informarem a data da efectivação da escritura envolveu o não cumprimento definitivo da obrigação assumida;
2 – Os RR não provaram terem comparecido à escritura, incumprindo:
3 – O recorrente foi compelido a entregar à CGD o prédio prometido, por culpa dos RR que não pagaram as prestações do empréstimo, dando lugar à execução da hipoteca, daí resultando a impossibilidade definitiva do cumprimento;
4 – Na petição da acção de fixação de prazo, o A. desde logo considerou como resolvido o contrato (e bem assim a restituição dos sinais adiantados) caso os RR nada dissessem;
5 – A sentença veio proporcionar aos RR um enriquecimento injusto (à custa do A.), devendo, em consequência, proceder-se à sua revogação, com a condenação dos demandados nos pedidos formulados.
Nas contra alegações oferecidas pelo demandado foi sustentada a bondade da decisão proferida.
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Foram colhidos os vistos legais.
Encontra-se dada como assente a seguinte matéria de facto:


1- Em 23.08.1996, autor e réu celebraram o contrato promessa de compra e venda, cuja cópia certificada consta de fIs. 13 e 14 e que aqui se dá integralmente por reproduzi da.
2- A fracção prometida vender era designada por letra T do lote 4, ……………., actual Praceta José Picão Tello, descrito na Conservatória sob o n.o 644 de Assunção e inscrito na matriz predial com o n.o 2403- T, a favor de João Miguel……………, casado com Maria………….., conforme documento de fIs. 15-20, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
3- À data da celebração do contrato referido em 1, o réu era casado com Maria …………., conforme documento de fls. 21, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
4- À data da celebração do contrato, a propriedade do réu relativamente ao prédio prometido vender estava onerada com uma hipoteca à Caixa Geral de Depósitos.
5- Em 23 de Julho de 1996 o autor passou e entregou ao réu o cheque n.05523751739/CGD/Elvas de EscA.500.000.00 (quatro milhões e quinhentos mil escudos) o qual foi por ele cobrado, por depósito no BPI.
6- Em 30 de Julho de 1996, o autor passou e entregou ao réu o cheque n.06498791264 da CCAlElvas, de Esc. 5000.000.00 (quinhentos mil escudos), com data de 29.07.1996 e por este cobrado, que foi depositado na conta n.021067300 da CGD.
7- Os cheques referidos foram entregues para pagamento do sinal acordado no contrato-promessa.
8- A escritura pública consubstanciando a celebração do contrato definitivo relativo ao contrato promessa referido em 1 deveria ter lugar quando terminasse uma obra no imóvel em causa e logo que tal obra estivesse legalizada.
9- O autor intentou em 03.11.1997, uma acção especial para fixação de prazo que correu termos sob o n. 340/97-2.° Juízo do Tribunal da Comarca de Elvas.
10- Em tal acção foi proferida a decisão cuja cópia certificada consta de fls. 25 e que aqui se dá integralmente por reproduzi da, designadamente: "nos termos do disposto no n. 2 do art. 1457° do Código de processo Civil, notifique os réus para, no prazo de dois meses, informarem os autores quando terá lugar a escritura definitiva de venda da fracção autónoma designada pela letra T do lote 4, do 4° andar dtº do Bairro de se Onofre (. .. )".
11. O réu foi notificado da sentença proferida na referida acção (certidão de fls. 74 e segs.).
12- O Autor permaneceu no prédio prometido comprar, na expectativa de o réu honrar o seu compromisso.
13- Em 20.02.2002, o Autor viu-se coagido pela credora hipotecária a fazer entrega das respectivas chaves, sendo desafectado da apreensão material da fracção autónoma que mantinha.
14- Tal aconteceu porque a CGD executara a hipoteca, fazendo sua a fracção em causa, uma vez que o Réu deixara de pagar as prestações periódicas e não procedera ao distrate da hipoteca.
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Estes os factos dados como provados.
Tudo visto e ponderado, cumpre decidir:
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas pelos recorrentes (art.684.º n.3, 690.º n.3 e 660.º n.2, todos do Código de Processo Civil), a questão fundamental a dirimir está em saber se a situação descrita nos autos, em particular, o comportamento evidenciado pelos RR, consubstancia ou não a noção de incumprimento definitivo de contrato/promessa, gerador da obrigação de indemnizar o autor nos termos do disposto no art. 442.º n.2 do Código Civil [1] .
Perante a factualidade dada como provada, em particular, por força do circunstancialismo dado como assente sob os números 9, 10 e 11, dúvidas algumas se poderão suscitar quanto à situação de incumprimento em que o R. incorreu uma vez que não realizou a prestação a que se achava obrigado no prazo que razoavelmente lhe havia sido fixado pelo credor quando lançou mão da fixação judicial de prazo (art. 762.º, 777.º n.2 e 808.º n.1 do Código Civil).
Ora, importa não olvidar que o promitente/vendedor tinha a noção perfeita – pois, para tanto, havia sido notificado judicialmente – de que tinha 2 meses para informar os autores de quando teria lugar a escritura definitiva de venda da fracção autónoma prometida vender, o que não fez, sendo certo que, nos termos do disposto no art. 342.º n.2 do CCivil, lhe cumpria fazer tal prova.
O silêncio perante tal interpelação judicial a par do facto de nada ter feito relativamente à hipoteca que onerava o mesmo imóvel (segundo o ponto 4 dos factos provados “ À data da celebração do contrato, a propriedade do réu relativamente ao prédio prometido vender estava onerada com uma hipoteca à Caixa Geral de Depósitos “) ao ponto de, em 2002, ter conduzido à situação espelhada em 13. e 14. [2] , consubstancia, em nossa opinião, um comportamento que, inequivocamente, atesta a intenção em não cumprir definitivamente o contrato/promessa celebrado (neste sentido, Ac. RL de 4.11.1993, vol V, pg.115) .
O cumprimento da obrigação pressupõe, pois, que a prestação do devedor é realizada nos seus precisos termos; no caso contrário haverá mora ou incumprimento definitivo do devedor, neste caso, quando a prestação se tornou impossível ou inviável. O referido incumprimento é imputável ao devedor se puder atribuir-se a uma sua conduta voluntária, caso em que será responsável pelos prejuízos que causar ao credor (artigos 798º e 801º, nº 1, do Código Civil).
É que, quer se queira quer não, importa nunca esquecer, tal como se defende no Ac. STJ de 29.06.2006, Proc. 06B1991, www.dgsi.pt, acórdãos do STJ, em que é Relator o ilustre Conselheiro Salvador da Costa que “ O agir de boa fé envolve a actuação nas relações em geral e em especial no quadro da contratação honesta e conscienciosamente, com correcção e probidade, em termos de não pretender alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável tolera “.
E no caso ora em apreciação, a actuação do R. é bem sintomática sobre a sua intenção em nunca honrar o compromisso assumido, sendo certo que da parte do A. nenhum outro comportamento lhe é exigível, não se justificando assim, contrariamente ao defendido na douta decisão recorrida, transferir a sede da discussão para a questão da perda do interesse na prestação já que se acha perfeitamente demonstrado incumprimento definitivo por parte do demandado.
E assim sendo, naturalmente que merece censura a decisão recorrida, razão porque acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso interposto pelo autor João ……………. e, em consequência, revogar a decisão recorrida em termos de julgar a acção procedente por provada condenando-se o R. a pagar ao A. a quantia de € 24.939, 88 acrescida de juros à taxa legal desde a data da citação até integral cumprimento.
Custas pelo apelado.
Notifique e Registe.

Évora, 28 de Setembro de 2006


Sérgio Abrantes Mendes


Luís Mata Ribeiro


Sílvio Teixeira de Sousa




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[1] O autor, porém, reclama apenas a devolução em singelo do sinal prestado.
[2] 13- Em 20.02.2002, o Autor viu-se coagido pela credora hipotecária a fazer entrega das respectivas chaves, sendo desafectado da apreensão material da fracção autónoma que mantinha.
14- Tal aconteceu porque a CGD executara a hipoteca, fazendo sua a fracção em causa, uma vez que o Réu deixara de pagar as prestações periódicas e não procedera ao distrate da hipoteca.