Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | GOMES DE SOUSA | ||
Descritores: | LIBERDADE CONDICIONAL REVOGAÇÃO PENAS CUMPRIMENTO | ||
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Data do Acordão: | 02/06/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Decisão: | PROVIDO | ||
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Sumário: | 1 - A aplicabilidade do artigo 63º, nº 3 afasta a aplicabilidade do nº 5 do artigo 61, ambos do C.P.. E vice-versa. Trata-se de fazer a aplicação de normas de regime idêntico a hipóteses de facto diversas. 2 - O nº 3 do artigo 63º do C.P. é, relativamente ao nº 4 do artigo 64º, norma especial no caso de se dever fazer a soma de penas para a execução sucessiva de várias penas, em que não tenha sido revogada a liberdade condicional. 3 - Como o nº 4 do artigo 63º do C.P. estatui que o regime desse preceito não é aplicável caso tenha ocorrido revogação de liberdade condicional, daqui resultam, três regimes quanto a penas e soma de penas: a) – o regime geral (artigo 61º) em que o recluso foi condenado a uma só pena; b) – o regime de execução sucessiva de várias penas (artigo 63º, nsº 1 a 3) no qual a condenação em mais de uma pena provoca a soma de todas as penas para computo da liberdade condicional; c) – o regime muito especial em que a existência de ao menos uma revogação da LC (artigo 63º, nº 4) implica o retorno da pena ou penas objecto de revogação e que integrava(m) a “soma”, ao regime geral do artigo 61º. Aqui a - ou as – pena(s) objecto de revogação passa(m) a ser pena(s) isolada(s), autónoma(s). 4 - Ou seja, as penas em que já ocorreu revogação da LC não podem integrar a soma de penas relevantes para os nsº 1 na 3 do artigo 63º do C.P.. 5 - Desta forma, se o regime especial de execução sucessiva de penas do artigo 63º deixa de ser aplicável a alguma ou algumas das penas que integravam a “soma”, em virtude de ter actuado a norma proibitiva do seu nº 4, das três uma: - ou resta mais do que uma pena (não objecto de revogação de LC) e, quanto a essas, volta a aplicar-se o regime da soma do artigo 63º nsº 1 a 3; - ou resta uma só pena (não objecto de revogação de LC) e, quanto a essa, aplica-se o regime geral do artigo 61º in totum, pois que essa aplicação não se restringe ao seu nº 4; - ou restam várias penas de ambas as naturezas (objecto de revogação e não), aplicando-se ambos os regimes em função da existência ou não de revogação. 6 – Deve daqui inferir-se que o legislador não pretende que as penas objecto de revogação de LC entrem no universo de penas que contam para os prazos de nova concessão de LC, no qual a soma sempre seria favorável ao arguido. E estas são, portanto, as “sanções” inerentes e consequentes ao operar do nº 4 do artigo 63º do Código Penal, com exclusão de quaisquer outras. 7 - Assim, a função do nº 4 do artigo 63º do Código Penal é a mera remissão para o regime geral da LC de todas as penas objecto de revogação da LC, que deixam de beneficiar do regime mais favorável da “soma de penas” típica da execução sucessiva de penas. Isto significa que as penas objecto de revogação da LC deixam de integrar qualquer soma e passam a ser encaradas como penas individualizadas, autónomas. Mas apenas isso. 8 - E temos como certo que está vedado fazer no nº 4 do artigo 63 uma leitura que vê a norma como “punitiva” no sentido de ela permitir afirmar que o cumprimento do remanescente de uma pena de prisão integrada numa execução sucessiva de várias penas deve ser integral, sem possibilidade de beneficiar de nova liberdade condicional. 9 – Por isso se discorda da posição jurisprudencial que afirma, a partir da sanção normativa supra referida, que a pena (ou penas) objecto de revogação deve ser cumprida na íntegra. Isso seguramente que não resulta do artigo 63º, nº 4 do Código Penal. 10 - Os artigos 64º, nsº 2 e 3 do Código Penal, apesar da inicial aparência de contradição, podem coexistir. E essa co-existência estará apenas dependente de um juízo judicial do evoluir da personalidade do arguido, expressa em factos que possam ser apreciados pelo TEP. 11 - A liquidação do remanescente da pena não pode contabilizar duas realidades jurídicas, o resto da pena mais o prazo de liberdade condicional concedido. Só pode contabilizar o resto da pena não cumprido à data da concessão da LC por necessária referência à pena inicialmente imposta deduzida do período da pena parcialmente cumprida. 12 - A todas as penas em discussão nos autos - três, sendo duas objecto de revogação da LC - se aplicam as regras de concessão de nova LC mas seguindo as regras do regime geral do artigo 61º em relação a todas e cada uma delas. (Sumário do relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n° 736/10.8TXEVR-N.E1 Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
A - Relatório: Nos autos de Liberdade Condicional (doravante LC) supra numerados do Tribunal de Execução de Penas de Évora, a Mmª juíza, por decisão de 01/6/2017, revogou a liberdade condicional concedida a BB e, consequentemente, determinou a execução das penas de prisão, nas partes ainda não cumpridas, impostas nos processos 762/01.8PAOLH da Secção de Competência Genérica (Juiz 2) da Instância Local de Olhão e 1741/07.7PBSTB da Secção Criminal (Juiz 3) da Instância Central de Setúbal. * Por promoção de 01-09-2017 o Digno magistrado do Ministério Público veio requerer que «este deveria cumprir a totalidade da pena em execução e ver apreciada a nova liberdade condicional no marco temporal do ½ da pena(s) remanescente(s) (A apreciação da nova liberdade condicional ocorrerá desta forma em princípio em 6-5-2021, enquanto na hipótese inversa ocorreria em 6-3-2022).» Isto na medida em que, «tendo em conta o quantum das penas em causa e “no seguimento do entendimento jurisprudencial unânime do Tribunal da Relação de Évora - vide acórdãos de 31-5-2011 (proferido no processo nº 1229/10.5TXEVR), 7-2-2012 (proferido no processo nº 1405/03.0TXEVR-B-A1), 24-9-2013 (proferido no processo nº 782/10.1TXEVR) e de 15-122016 (proferido no processo n o 4057/10.8TXLSB-I-E1), porque mais favorável ao recluso….. A sua promoção foi, assim, no sentido de os autos aguardarem pela data prevista para o termo da pena em execução (6-5-2019), data na qual deveria ser ligado ao processo nº 762/01.8PAOLH. Fundou a sua posição no facto de o recluso cumprir actualmente a pena de 2 anos e 4 meses de prisão à ordem do processo nº 192/14.1GBASL da Instância Central - Secção Criminal, J1 - da Comarca de Setúbal e ter - em face da decisão de revogação - ainda a cumprir o remanescente total de 4 anos de prisão, resultantes de revogação de liberdade condicional de que beneficiou relativamente às penas aplicadas nos processos nsº 762/01.8PAOLH (remanescente de 1 ano e 6 meses de prisão) e 1741/07.7PB5TB (remanescente de 2 anos e 6 meses de prisão). Por despacho de 12-09-2017 a Mmª Juíza lavrou a decisão recorrida que vai transcrita infra em B.1. *** Recorre o Digno magistrado do M.P. junto do TEP da decisão da Mmª Juíza do TEP de Évora, com as seguintes conclusões: 1-A concessão da liberdade condicional quando ocorre no circunstancialismo previsto no artigo 61º n° 5 do CP consubstancia uma verdadeira modificação substancial da pena, sendo que a data fixada para o termo da liberdade condicional ou seja do novo termo da pena é inalterável após o trânsito em julgado da decisão que operou tal modificação. * Nesta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. Foi observado o disposto no n. 2 do art. 417° do Código de Processo Penal. * B - Fundamentação: B.1 - Os elementos de facto relevantes e decorrentes do processo são os que constam relatório, transcrevendo-se o despacho recorrido, lavrado a 12-09-2017: «Homologo o cômputo do remanescente de pena que antecede, calculado em 1 ano e 6 meses, no que respeita ao Proc. 762/01.8PAOLH. *** Cumpre conhecer. B.2 – Convém começar por tornar claras duas realidades, uma factual, outra jurídica. a) - A primeira que o recluso BB cumpre actualmente a pena de 2 anos e 4 meses de prisão à ordem do processo nº 192/14.1GBASL da Instância Central - Secção Criminal, J1 - da Comarca de Setúbal e tem - em face da decisão de 01/6/2017 que lhe revogou a liberdade condicional - ainda para cumprir o remanescente das penas resultantes de revogação de liberdade condicional de que beneficiou relativamente às penas aplicadas nos processos; a) nsº 762/01.8PAOLH da Secção de Competência Genérica (Juiz 2) da Instância Local de Olhão (remanescente de 1 ano e 6 meses de prisão); b) e 1741/07.7PB5TB da Secção Criminal (Juiz 3) da Instância Central de Setúbal (remanescente em discussão - ou 2 anos e 6 meses de prisão ou 2 anos, 8 meses e 10 dias). Relativamente ao primeiro processo (nº 762/01.8PAOLH) não se suscita qualquer problema pois que no mesmo se quantificou o remanescente da pena, após a revogação da LC, em moldes idênticos pelo Ministério Público e pela Mmª Juíza e tal remanescente não integra o objecto do recurso nem este tribunal tem elementos para contrariar tais entendimentos. Assim, a primeira parte do objecto do recurso centra-se na quantificação do remanescente da pena no proc. nº 1741/07.7PBSTB e o despacho recorrido é claro na delimitação do dissídio, como segue: Mas, e face ao cômputo da soma das penas que se executava, e à própria medida da pena aplicada no Proc. 1741/07.7PBSTB, o termo desta apenas ocorreria em 1/3/2018. Assim, e revogada agora a liberdade condicional, deve ser executada a parte da pena de prisão ainda não cumprida (cfr. Artigo 64 n. 2 do Código Penal). A nosso ver, o remanescente a cumprir deverá corresponder, não só ao período de liberdade condicional fixado, mas também à restante parte da pena por cumprir, ou seja, ao período de tempo que decorre desde 19/6/2015 a 1/3/2018, num total de 2 anos, 8 meses e 10 dias. Mas a resposta a tal questão supõe estarem resolvidas todas as questões jurídicas que se apresentam de seguida, pelo que a resposta só pode ser dada num capítulo final desta decisão. * b) - A segunda questão a resolver é uma questão jurídica que supõe e consequencia uma resposta clara e sistematizada, até para orientação decisória. E ela está, igualmente, bem delimitada no despacho recorrido, da seguinte forma: Da articulação dos art.°s 63 nsº 2 e 4 e 64 nº 3 do Código Penal resulta, a nosso ver, que perante uma situação de penas de cumprimento sucessivo em que uma dessas penas resulta da revogação de liberdade condicional - como é o caso dos autos - o remanescente de pena deve ser integralmente cumprido, não podendo beneficiar já da possibilidade de concessão de nova liberdade condicional. E não nos parece que o sumariado nos acórdãos desta Relação, citados nos autos, a resolvam de forma completa. Não por defeito de tais acórdãos mas porque as situações de facto que abordam apresentam alguma diversidade factual – ou específico enfoque factual - que impossibilita uma definição clara do regime aplicável ao caso sub iudicio. A jurisprudência do STJ e das Relações – que a há, com alguma abundância nos últimos anos – deve ser relegada para uma segunda fase de análise, pois que inicialmente se impõe aproveitar a ocasião para fazer uma re-interpretação das normas aplicáveis (o aqui relator foi adjunto no citado acórdão desta Relação de Évora de 15-12-2016 e procede agora a um estudo mais sistematrizado). Esse é caminho que nos impomos percorrer para facilitar o nosso trabalho no relato do presente. E essa análise deve assentar numa interpretação literal, sistemática, histórica e lógica dos preceitos que regem na matéria, centrando-nos nas normas do Código Penal, pois que normas previstas noutras fontes se revelam secundárias (designadamente as do Código de Processo Penal e do CEPMS - Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade - Lei n.º 115/2009, de 12-10). E o universo de normas do C.P. relevantes para o caso concreto é surpreendentemente parco para a tempestade jurisprudencial que tem causado (excluindo, claro, o artigo 62º, norma que regula a “adaptação à liberdade condicional” que antecipa a preparação para a liberdade – uma espécie de preparação para a preparação – que é irrelevante para o caso concreto). Estamos a falar dos artigos 61º, 63º e 64º do C.P., o primeiro e o terceiro regulando, directamente ou por remissão, o cerne do sistema da liberdade condicional, e o restante - o artigo 63º - regulando um aspecto muito específico da liberdade condicional, o caso de “execução sucessiva de várias penas”, que é o caso dos autos. E esta simples constatação deveria ser suficiente, aparentemente, para termos encontrado todo o sistema legal que regula o caso concreto – o artigo 63º do Código Penal. Ou seja, bastar-nos-ia o elementar da interpretação literal e sistemática para sabermos qual a norma aplicável ao caso concreto, o art 63º do Código Penal, com exclusão de qualquer outro. Isto porquanto são várias as penas a executar e o recluso até cumpre agora uma pena que não foi objecto de revogação de LC. Ora, esta constatação tornaria inexplicável o furor jurisprudencial que alastra, pelo que se impõe desconfiar de tal aparência e apurar do acerto desta ideia preliminar. * B.3 – O regime da execução sucessiva de várias penas de prisão só surge com o Dec-Lei nº 48/95, de 15-03, entrado em vigor em 1 de Outubro de 1995, então ainda com o número 62º e só viria a ganhar a actual numeração – artigo 63º - com a Lei n.º 59/2007, de 04 de Setembro. Antes de 1995 (até aí era vigente a dita 6ª versão do C.P. com as últimas alterações ocorridas com os Dec-Lei n.º 101-A/88, de 26/03 e n.º 132/93, de 23/04) o C.P. alinhavava o âmago do regime de liberdade condicional nos mesmos quatro artigos – 61º a 64º - mas com uma seca regulamentação, bem distribuída por tais artigos, como segue: o artigo 61º regrava os pressupostos e duração; o artigo 62º disciplinava (directamente e por remissão) o seu regime; o artigo 63º regulava a sua revogação; e o artigo 64º dispunha sobre a extinção da pena. Nenhum dos indicados artigos dispunha de qualquer comando sobre o regime da liberdade condicional em caso de execução sucessiva de penas. Tanto assim é que o próprio “legislador” na sua veste doutrinária, o Prof. Fig. Dias, reflectia na sua obra que a «solução da soma» já seguida pela jurisprudência portuguesa se antevia como uma solução viável, com vantagens sobre uma «solução diferenciada» da situação relativamente a cada uma das penas. [1] Assim, a regulamentação no C.P. da “execução sucessiva de penas” para efeitos de liberdade condicional surge com as alterações introduzidas em 1995, em virtude da constatação da lacuna e largamente influenciado pela solução legislativa germânica, via consagração da «solução da soma» no artigo 454º, b) do StPo. E na alteração projectada em 1991 que irá vigorar a partir de 1995 mantinham-se os mesmíssimos quatro artigos (61º a 64º) e a solução surge no artigo 61º-A do ante-projecto discutido na Comissão de Revisão do Código Penal com quatro números, sob a epígrafe «Liberdade condicional em caso de execução de várias penas», como segue (Na acta nº 7, de 17-04-1989 – fls. 63): [2] Artigo 61º-A «1. Se houver lugar à execução de várias penas de prisão, o tribunal decide sobre a liberdade condicional, nos termos dos nsº 2 e 3 do artigo anterior, quando se mostrarem cumpridos, respectivamente, metade ou dois terços da soma das penas. As vicissitudes do projecto legislativo virão a consagrar a redacção do actual artigo 63.º, retomando a epígrafe recusada pela comissão (o termo “sucessiva”, mas apenas aqui, na epígrafe, pois que o nº 1 mantém a exclusão) «Liberdade condicional em caso de execução sucessiva de várias penas» e estipula em quatro números: 1 - Se houver lugar à execução de várias penas de prisão, a execução da pena que deva ser cumprida em primeiro lugar é interrompida quando se encontrar cumprida metade da pena. Do que se acaba de expor e do que resulta das declarações dos membros da Comissão de Revisão do Código Penal, podemos fazer sobressair as seguintes ideias: [4] - que o instituto da LC (liberdade condicional) necessita de três artigos - (Prof. Fig. Dias, Acta 7ª, pag. 63); Como complemento de esclarecimento resta acrescentar que a redacção do artigo 483º do Código de Processo Penal, à data, era irrelevante para o caso concreto. Já relevante para a análise do actual nº 4 do artigo 63º do C.P.P. português é o teor do nº 3 (3) do StPO (C.P.P. alemão). Aí se estipula que os números anteriores do preceito que regulam a execução de sentenças que devam ser executadas em sucessão não são válidos (não se aplicam) no caso de «“resto de penas” que se executem em razão da sua revogação» (“el resto de penas” na tradução espanhola [5] e “a remainder of sentence” [6] na tradução inglesa). [7] * B.4 – A ideia base que nos surge neste breve excurso interpretativo é a constatação de que são suficientes quatro artigos para regular a “alma” da LC no Código Penal, ficando os outros dois diplomas supra citados limitados às questões da regulação prática e orgânica dos actos necessários à sua execução. Dois desses preceitos do C.P., aliás, limitam-se à enunciação de casos específicos – a adaptação à LC e a execução sucessiva de penas – restando um só artigo, o 61º, como o coração do sistema, meramente complementado pelo artigo 64º com uma função de remissão para o regime da suspensão da pena e de previsão de preceitos de carácter quase processual. Esta aparente exiguidade é completada com a remissão para regras que regulam o regime em função do comportamento esperado/verificado do arguido-recluso – arts. 52º a 55º - enquanto as duas outras normas objecto de remissão completam o regime da LC na sua vertente “revogação da LC” (artigo 56º) e de “extinção” da pena (artigo 57º)[8], com o simples chamamento supletivo do regime da suspensão da pena de prisão. E o sistema faz sentido já que a LC é tida como “suspensão do resto da pena” pelo sistema germânico, consagrando a similitude dos dois sistemas. Assim, o actual artigo 63º do Código Penal surge-nos como um regime completo para regular a execução sucessiva de penas de prisão, para a qual – em princípio – se torna desnecessário o recurso a qualquer outro normativo. É assim que o artigo 63º vê o seu nº 1 a determinar que «a execução da pena que deva ser cumprida em primeiro lugar é interrompida quando se encontrar cumprida metade da pena», o nº 2 a ordenar ao tribunal que, assim que possível, decida sobre a liberdade condicional de forma simultânea, relativamente à totalidade das penas, o nº 3 a explicitar que se a soma das penas que devam ser cumpridas sucessivamente exceder seis anos de prisão, o tribunal coloca o condenado em liberdade condicional, se dela não tiver antes aproveitado, logo que se encontrarem cumpridos cinco sextos da soma das penas. O nº 4, por fim, estatui que «o disposto nos números anteriores não é aplicável ao caso em que a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional». Desta forma e para o caso concreto aquilo que a norma determina literalmente, em função da proibição do seu nº 4 é que, mesmo em caso de várias penas a executar em sucessão, caso ocorra a revogação da LC relativamente a uma ou mais penas que integrem a soma, deixa de ser aplicável este regime especial à pena objecto de revogação e: - a execução da pena que deva ser cumprida em primeiro lugar não tem que ser interrompida quando se encontrar cumprida metade da pena (nos termos deste preceito mas aplicando-se o regime geral do artigo 61); - o tribunal não tem que decidir sobre a liberdade condicional de forma simultânea, relativamente à totalidade das penas; - e se a pena objecto de revogação exceder seis anos de prisão, o tribunal não tem que colocar o condenado em liberdade condicional logo que se encontrarem cumpridos cinco sextos da soma das penas ao abrigo desta norma, mas sim do disposto no nº 3 do artigo 61º (o regime geral, por sinal de teor idêntico). Daqui resultam várias consequências. Desde logo que a - ou as – pena(s) objecto de revogação deixa(m) a “soma” e passa(m) a ser uma pena isolada, autónoma. Necessariamente, deixando de a ela ser aplicável este regime especial para os casos de somas de penas, só um regime é aplicável às penas autónomas, o regime “geral” previsto nos artigos 61º e 64º do Código Penal para o caso típico de pena isolada, autónoma (termos que se usam para evitar confusão com o termo pena “única”). É a única solução que resta! De onde resulta também que o preceito contém norma – o nº 3, com o seu excesso de 6 anos de prisão – que se torna norma especial relativamente ao nº 4 do artigo 61º e que determina para o regime geral que o condenado a pena superior a 6 anos de prisão deve ser colocado em LC logo que atinja os 5/6 da pena. Dito de outra forma, o nº 3 do artigo 63º do C.P. é norma especial no caso de se dever fazer a soma de penas para a execução sucessiva de várias penas, que não tenham sido revogadas. Daqui resultam, três regimes quanto a penas – e soma de penas – superiores a 6 anos de prisão: 1) – o regime geral (artigo 61º, nº 4) em que o recluso foi condenado a uma só pena superior a 6 anos de prisão, a implicar a LC logo que se completem 5/6 da pena; 2) – o regime de execução sucessiva de várias penas (artigo 63º, nº 3) no qual a condenação em mais de uma pena cuja soma seja superior a 6 anos, provoca a LC logo que se completem 5/6 da soma das penas; 3) – o regime muito especial em que a existência de ao menos uma revogação da LC (artigo 63º, nº 4) implica o retorno da pena objecto de revogação e que integrava a “soma” ao regime geral do nº 1. Ou seja e para o caso concreto, mesmo que a soma das penas fosse superior a 6 anos o recluso não beneficiaria de LC no sentido de que as penas em que já ocorreu revogação da LC não podem integrar a soma de penas relevante para o nº 3 do artigo 63. Visto o problema de diverso ângulo, para o caso concreto de uma pena em que não ocorreu revogação da LC e duas em que ocorreu a revogação, a contagem da LC tem que ter como referência cada uma das penas e não qualquer soma. Isto é, no caso dos autos em que apenas uma pena resta que não foi objecto de revogação da LC - e porquanto apenas uma pena resta – o regime aplicável deixa de ser o artigo 63º e passa a ser o regime geral do artigo 61º. E relativamente às duas penas objecto de revogação a “transformação” é idêntica: a ambas – autonomamente consideradas - se passa a aplicar o regime geral da LC. Repetindo, agora com precisão do seu objecto. Se o regime especial de execução sucessiva de penas do artigo 63º deixa de ser aplicável a alguma ou algumas das penas que integravam a “soma”, em virtude de ter actuado a norma proibitiva do seu nº 4, das três uma: - ou resta mais do que uma pena (não objecto de revogação de LC) e, quanto a essas, volta a aplicar-se o regime da soma do artigo 63º nsº 1 a 3; - ou resta uma só pena (não objecto de revogação de LC) e, quanto a essa, aplica-se o regime geral do artigo 61º in totum, pois que essa aplicação não se restringe ao seu nº 4; - ou restam várias penas de ambas as naturezas, num mínimo de duas para cada regime (objecto de revogação e não), aplicam-se ambos os regimes em função da existência ou não de revogação. Parece poder daqui inferir-se que o legislador não pretende que as penas objecto de revogação de LC entrem no universo de penas que contam para os prazos de nova concessão de LC, no qual a soma sempre seria favorável ao arguido. E estas são, portanto, as “sanções” inerentes e consequentes ao operar do nº 4 do artigo 63º do Código Penal, com exclusão de quaisquer outras. Não pode, pois, o intérpete criar sanções não previstas pela norma. Designadamente, não pode considerar a não aplicabilidade do regime mais favorável do artigo 63º no caso de coexistirem duas penas não objecto de revogação de LC. Assim, a função do nº 4 do artigo 63º do Código Penal é a mera remissão para o regime geral da LC de todas as penas objecto de revogação da LC, que deixam de beneficiar do regime mais favorável da “soma de penas” típica da execução sucessiva de penas. E temos como certo que está vedado fazer no nº 4 do artigo 63 uma leitura que vê a norma como “punitiva” no sentido de ela permitir afirmar que o cumprimento do remanescente de uma pena de prisão integrada numa execução sucessiva de várias penas deve ser integral, sem possibilidade de beneficiar de nova liberdade condicional. * B.5 – Daqui se infere naturalmente que a não aplicação dos nsº 1 a 3 do artigo 63º do Código Penal (ex vi do seu nº 4) não permite uma interpretação contra reum de todas as normas que virão a ser-lhe aplicáveis. A intenção do legislador é clara se tivermos presente o seu desígnio na criação daquele especial regime previsto no artigo 63º do C.P.. Trata-se de regime muito mais favorável ao recluso que viu a sua condenação dispersa em várias condenações que se não encontravam em concurso de crimes e que, por via disso, não beneficiou de uma pena única. Aquele regime vem a possibilitar – mesmo face à inexistência de concurso de crimes – que o recluso venha a beneficiar de uma soma de penas que se concretiza num mais favorável regime de contagem de prazos de LC, ao invés de ver as suas várias penas a contarem por si só, uma a uma, para vários regimes de LC, confusos e com gravame pessoal. E confusos, também, para quem faz a aplicação da lei, naturalmente. E aquilo que o número 4 do artigo 63º vem consagrar é uma sanção de natureza normativa resultante da revogação da LC que consiste no afirmar que o benefício da “solução da soma” deixa de existir face a uma (ou várias) pena(s) objecto de revogação da LC. [9] Daí resulta – e apenas – a aplicabilidade do regime geral do artigo 61º à ou às penas em presença. Isto significa que as penas objecto de revogação da LC deixam de integrar qualquer soma e passam a ser encaradas como penas individualizadas, autónomas. Mas apenas isso. No entanto é comum verificar que se parte da afirmação da sanção normativa supra referida para o alargamento da sanção com alcance e gravame que nos parece injustificado: a afirmação de que a pena (ou penas) objecto de revogação deve ser cumprida na íntegra. E isso não consta de qualquer norma que se conheça. Seguramente que não resulta do artigo 63º do Código Penal. Esta é posição jurisprudencial com a qual se discorda frontalmente pois que norma alguma o permite e está assente em duas ideias inaceitáveis: - na interpretação do vocábulo “pode” do artigo 64º nº 3 que claramente não pode ter o sentido de excluir a aplicação de nova LC. Trata-se de basilar interpretação literal que não tem a mínima base de sustentação no texto da lei e que contraria a sua teleologia. Como se afirma no acórdão desta Relação de Évora de que fomos adjunto (acórdão de 15-12-2016, sendo rel. o Desemb. Carlos Berguete Coelho, proc. 4057/10.8TXLSB-I.E1), no final da proposição II, “a expressão aí vertida, de que “pode ter lugar”, apenas consente que se trate de faculdade que dependerá de juízo de prognose a efectuar”. Naturalmente. [10] [11] - e em mero imaginar das intenções de um legislador ainda não existente. Afirmar que o “legislador parte do pressuposto de que o condenado já deu sobejas provas de incapacidade de em liberdade se adaptar à vida livre, carecendo, por isso, de um acréscimo de pena, tanto por razões de prevenção geral como especial” é estar a fazer lei. É que a conclusão é – tem que ser – referida a uma pena concreta (e não a todas as penas em geral) e exige um despacho judicial de análise do comportamento do recluso (em proc. subsequente de aplicação do regime geral de LC) no caso de se não estar perante o prazo a que se referem os artigos 61º, nº 4 e 63º, nº 3. Assim, não existe norma que permita afirmar que o remanescente da pena objecto de revogação de LC deva se cumprida por inteiro e os argumentos usados na sustentação da tese não têm substância. * B.6 – O que nos reconduz para a única norma que de algo semelhante fala e que se insere no regime geral da LC: o artigo 64º do C.P., regime que é o aplicável por via da remissão operada pelo nº 4 do artigo 63º do mesmo diploma. No seu nº 2 o artigo afirma que a “revogação da liberdade condicional determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida”. O seu nº 3, por seu turno, dispõe que “relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61.º”. Se este preceito contivesse apenas o citado número 2 aquela leitura agravada talvez fosse justificável. Poderia ali ler-se: a “revogação da liberdade condicional determina a execução (integral) da pena de prisão ainda não cumprida”. Mas, mesmo sem considerar outros parâmetros de análise, designadamente a natureza da LC e a justificação da sua existência, o nº 3 inviabiliza a afirmação. Nega-a frontalmente. Porque, apesar da inicial aparência de contradição, os dois preceitos completam-se. Melhor dito: podem coexistir. E essa co-existência estará apenas dependente de um juízo judicial do evoluir da personalidade do arguido, expressa em factos que possam ser apreciados pelo TEP. Assim, afirmar que a «“revogação da liberdade condicional determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida”, mas isso não impede que “relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional”, desde que ocorra um novo e favorável juízo judicial» não encerra qualquer contradição e é a solução que se impõe. * B.8 – Da análise jurisprudencial que vem sugerida nas peças origem deste recurso pode afirmar-se que, de facto, os acórdãos desta Relação de Évora citados no despacho recorrido e na promoção que a ele conduziu revelam que as exigências da casuística não deixam tornar clara uma sistematização esclarecedora. Mas é sabido que os recursos se destinam a resolver casos concretos e o seu excesso, e o tempo - na sua escassez - não são aliados de qualquer germanização do pensamento. Podemos é afirmar estar em desacordo com o expresso nos arestos desta Relação de Évora de 31-05-2011 e 07-02-2012 quando afirmam que as penas objecto de revogação devem ser cumpridas por inteiro. Mas esse esboço de sistematização já se torna mais esclarecedor se alargarmos horizontes para jurisprudência mais lata, incluindo jurisprudência obrigatória. Ao nível do STJ convém, desde logo, ter sempre presente o AUJ nº 3/2006 que claramente estatui: «Nos termos dos nsº 5 do artigo 61º e 3 do artigo 62º do Código Penal, é obrigatória a libertação condicional do condenado logo que este, nela consentindo, cumpra cinco sextos de pena de prisão superior a 6 anos ou de soma de penas sucessivas que exceda 6 anos de prisão, mesmo que no decurso do cumprimento se tenha ausentado ilegitimamente do estabelecimento prisional.» (a referência no AUJ deve ser feita hoje ao nº 3 do artigo 63º). O tratamento conjunto das duas hipóteses de LC obrigatória aos 5/6 da pena é bem revelador de que o mesmo e idêntico regime é aplicável às duas hipóteses de facto que se podem colocar, a consideração de uma única pena superior a 6 anos e a soma de penas superiores a seis anos que devam ser cumpridas em sucessão, casos que o próprio acórdão designa como “hipóteses simétricas” (ponto 3.6 da fundamentação do aresto, pag. 178 do DR, I-A, de 09-01-2006). E esta é uma realidade inultrapassável, parece-nos, com o significado de que a aplicabilidade do artigo 63º, nº 3 afasta a aplicabilidade do nº 5 do artigo 61, ambos do C.P., ao caso concreto. E vice-versa. Trata-se de fazer a aplicação de normas de regime idêntico a hipóteses de facto diversas. Certo, todavia, é que a pena (ou penas) objecto de revogação da LC cairá no regime geral. E isso também é expresso em subsequentes acórdãos do STJ: - de 25-06-2008 (proc. 08P2184, sendo rel. a Cons. Simas Santos) quando nas proposições 4 a 7 afirma: 4 – De acordo com o n.º 4 do art. 63.º do C. Penal, o disposto nos n.ºs 1 a 3 do mesmo artigo, que tratam da concessão de liberdade condicional em caso de execução sucessiva de várias penas, não é aplicável ao caso em que a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional, o que significa que se uma das penas resultar da revogação da liberdade condicional, ela não entrará nesse cômputo, devendo ser cumprida autonomamente, sem prejuízo do n.º 3 do art. 64.º, salvaguarda que prescreve que, relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida, em função da revogação da liberdade condicional, pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do art. 61.º. - de 02-12-2010 (proc. 3564/10.7TXLSB-F.S1, sendo relator o Cons. Santos Cabral): XIII - Pode-se distinguir uma dicotomia na concessão de liberdade condicional por forma obrigatória: a primeira, na hipótese de o condenado estar a cumprir uma única pena de prisão superior a 6 anos, segundo o qual o condenado deve ser colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido 5/6 dessa pena (n.º 4 do art. 61.º do CP) e, a segunda, no caso de o condenado estar a cumprir sucessivamente várias penas de prisão, cuja soma exceda os 6 anos de prisão, segundo o qual o condenado deve ser colocado em liberdade condicional logo que se encontrarem cumpridos 5/6 da soma das penas (n.º 3 do art. 63.º). - de 30-10-2014 (proc. 181/13.3TXPRT-F.S1, Cons. Helena Moniz): III — Quando o condenado é colocado em liberdade condicional, mas infringe grosseira e repetidamente os deveres ou regras de conduta que lhe tenham sido impostas, será aquela revogada, por força do disposto no art. 64.º e 56.º, do CP. O que terá como consequência a “execução da pena de prisão ainda não cumprida” (art. 64.º, n.º 2, do CP), sendo certo que “relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61.º” (art 64.º, n.º 3, do CP, itálico nosso). (…) E quanto à jurisprudência das Relações não queremos deixar de prestar preito aos acórdãos onde existe acordo, ao menos parcial, das Relações: - do Porto, - de 03-10-2012, (Élia São Pedro), Apesar de ter sido revogada a liberdade condicional anteriormente aplicada, deverá ser concedida nova liberdade condicional logo que atingidos 5/6 da mesma pena, pois para que tal ocorra basta o decurso do tempo e a concordância do condenado. - de 04-02-2015 (Castela Rio): I – Enquanto o artigo 63º nºs 1 a 3 do CP consagra uma «doutrina de soma» ou cômputo de penas, o art 63º nº 4 do CP consagra uma «doutrina de diferenciação» ou autonomia de penas. II - O artigo 63º nº 3 do CP não exclui do direito à liberdade condicional o condenado que já dela beneficiou anteriormente. III – O artigo 64º nº 3 do CP, ao dispor «pode», não visa afastar o regime automático do artigo 61º nº 4 do CP mas apenas esclarecer que nada obsta à concessão de liberdade condicional ao condenado que dela já beneficiou anteriormente. IV – A Jurisprudência do AUJ 3/2006 abrange o condenado em cumprimento de pena após revogação da liberdade condicional concedida ao abrigo do artigo 61º nºs 2 e 3 do CP.
- de Coimbra, de 03-12-2008 (Orlando Gonçalves), O recluso, que cumpre pena residual por revogação de liberdade condicional, tem o direito a ver apreciada a sua libertação antecipada à metade e aos 2/3 de tal pena. - de 07-04-2010 (Esteves Marques): 1.A liberdade condicional visa a suspensão da reclusão, de forma a criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, assim permitindo que o recluso ganhe o sentido de orientação social que, necessariamente, o período de encarceramento enfraqueceu. de 15-02-2010 – proposições 2 e 4 (Jorge Jacob), 2. O que se visa através da exclusão prevista no nº 4 do art. 63º do CP é impor o cumprimento autónomo da pena que resulta da revogação da liberdade condicional, porquanto diluir esta última pena numa soma de penas que não comportam cúmulo jurídico e que por essa razão devem ser cumpridas sucessivamente não encontraria justificação nas considerações de prevenção especial subjacentes ao cumprimento da pena. * B.9 – Podemos, agora, retirar ilações para o caso concreto. Desde logo – e quanto à primeira parte do recurso - que a liquidação do remanescente da pena efectuada pelo tribunal recorrido no processo 1741/07.7PB5TB não pode contabilizar duas realidades jurídicas, o resto da pena mais o prazo de liberdade condicional concedido. Só pode contabilizar o resto da pena não cumprido à data da concessão da LC por necessária referência à pena inicialmente imposta deduzida do período da pena parcialmente cumprida. Assim, afirmar que «A nosso ver, o remanescente a cumprir deverá corresponder, não só ao período de liberdade condicional fixado, mas também à restante parte da pena por cumprir, ou seja, ao período de tempo que decorre desde 19/6/2015 a 1/3/2018, num total de 2 anos, 8 meses e 10 dias» não é aceitável e terá que ser reduzida à dimensão estipulada pelo artigo 64º, nº 2 do C.P.: “a revogação da liberdade condicional determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida”, mas só contabilizando o resto da pena do respectivo processo e não da soma das duas penas, o que nos parece ter sido o raciocínio feito pelo tribunal recorrido. E “parece” pois que não existem nos autos todos os elementos para a liquidação de tal pena, aceitando nós que a discrepância indicada quanto ao remanescente da pena (2 anos e 6 meses ou 2 anos, 8 meses e 10 dias) tem que ser resolvido a favor do remanescente de 2 anos e 6 meses, tal como peticionado pelo recorrente. E quanto à segunda parte do recurso também não é passável a posição do tribunal recorrido quando afirma que “o remanescente de pena deve ser integralmente cumprido, não podendo beneficiar já da possibilidade de concessão de nova liberdade condicional”. Nem tal se deduz do artigo 63º do C.P. como o contrário resulta das Actas da Comissão e de uma interpretação literal, sistemática e teleológica do regime de LC. Nem, por outro lado, as penas objecto de revogação “devem” ser cumpridas por inteiro. A todas as penas em discussão nos autos - três, sendo duas objecto de revogação da LC - se aplicam as regras de concessão de nova LC mas seguindo as regras do regime geral em relação a todas e cada uma delas. Naturalmente que para o caso sub iudicio é irrelevante saber se em determinado momento a outorga da LC opera ope legis ou está dependente de despacho judicial na medida em que se não coloca uma questão temporal normativamente regulada. A questão nos autos limita-se a apurar se a LC pode ser concedida após revogação da pena e, nesse ponto, a nossa resposta é afirmativa. Isto é o que está consagrado em letra de lei. Será o melhor sistema? Essa é questão que, para além de ser - como vimos – controversa de iure constituto, mereceria resposta de iure condito provavelmente diversa. Mas não cabe a este tribunal interpretar a lei de acordo com aquilo que se entende que deveria ser o sentido da lei, que essa é uma forma não prevista de revogação legal. Pode não ser o melhor sistema – nem isso é questão que ora importe nem sobre a mesma emitimos qualquer opinião - mas é o sistema que está consagrado legalmente. A nós impõe-se determinar apenas que a LC é admissível nos termos indicados, exigindo despacho judicial relativamente a cada uma das penas supra indicadas. Que critérios utilizar na regulamentação de um universo de três penas, todas elas podendo beneficiar de LC nos termos do regime geral do artigo 61º do Código Penal é questão que não cabe no objecto do recurso - e este tribunal não regula o futuro não contraditado - mas que é abordada pela jurisprudência, incluindo aquela supra citada. É, pois, procedente o recurso interposto. * C - Dispositivo: Face ao que precede os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora acordam em conceder provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que, em tempo devido, decida sobre a flexibilização da execução de cada uma das penas, na consideração dos critérios supra expostos. Sem tributação. Notifique-se. Transitado, remeta-se ao TEP. Évora, de 06 de Fevereiro de 2018 (Processado e revisto pelo relator) João Gomes de Sousa (relator) António Condesso (adjunto) __________________________________________________ |