Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
278/07.9TBMRA-A.E1
Relator: MÁRIO SERRANO
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
INÉRCIA DAS PARTES
Data do Acordão: 03/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Estando em curso o sucessivo processamento de descontos no vencimento do executado (para além de se ter efectuado já a penhora de três veículos automóveis da titularidade do mesmo), está a execução a prosseguir os seus normais termos, não ocorrendo qualquer inércia do agente de execução, pelo que não há razão para a prolação de um despacho declarativo da extinção da instância por deserção.
Decisão Texto Integral: Proc. nº 278/07.9TBMRA-A.E1-2ª (2017)
Apelação-1ª
(Acto processado e revisto pelo relator signatário: artº 131º, nº 5 – NCPC)
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ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:


I – RELATÓRIO:

No âmbito de processo de execução, a correr actualmente termos na Secção de Competência Genérica da Instância Local de Moura da Comarca de Beja (depois de iniciada no Tribunal Judicial de Moura), em que é exequente «Banco (…), SA» e são executados (…) e (…) (e fundada em sentença proferida em prévia acção declarativa), e no qual se mostram penhorados três veículos automóveis (um da titularidade do primeiro executado e os outros dois da titularidade do segundo executado) e 1/6 do vencimento mensal do primeiro executado, cujos descontos estarão a ser efectuados desde 14/12/2010 (cfr. fls. 97-98), veio o tribunal de 1ª instância a proferir decisão, datada de 19/10/2015, a julgar deserta a instância, ao abrigo do artº 281º, nº 5, do NCPC (que prevê essa deserção em caso de falta de impulso processual no processo de execução, devido a negligência das partes, por mais de 6 meses), com a consequente extinção da mesma, tendo por fundamento a inexistência de qualquer nova informação do agente de execução sobre o estado do processo desde 10/4/2014 (e que apenas foi repetida, sem novos elementos, em 9/7/2015).

Perante essa decisão de extinção da instância por deserção (cfr. despacho de fls. 99 do apenso A), veio a exequente interpor o presente recurso de apelação, cujas alegações culminam com a seguinte conclusão:

«Em conclusão, portanto, por violação do disposto no artigo 2º, nº 1, do disposto no artigo 754º, nº 1, alínea a), e igualmente por violação do disposto nos nºs 1 e 5 do artigo 281º, todos do Código de Processo Civil, deve, atento o que dos autos consta, o presente recurso ser julgado procedente e provado e, em consequência, revogar-se a decisão que ordenou a extinção da execução e substituindo-se a mesma por Acórdão que ordene o normal e regular prosseguimento da execução, desta forma se fazendo correcta e exacta interpretação e aplicação da lei, se fazendo, em suma, Justiça.»

Como é sabido, é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (cfr. artos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (cfr. artº 608º, nº 2, ex vi do artº 663º, nº 2, do NCPC).

Do teor das alegações da exequente resulta que a matéria a decidir se resume a apreciar do acerto do despacho recorrido, do ponto de vista da verificação da existência de fundamento para a prolação de tal despacho, em termos de considerar verificada nos autos uma situação de falta de impulso processual das partes (concretamente, da exequente, por ter mais relevante interesse no prosseguimento dos autos), determinante de deserção e consequente extinção da instância – sendo que, em caso negativo, se imporá a substituição do despacho ora impugnado por outro, que ordene o prosseguimento dos presentes autos e dê cumprimento aos trâmites processuais que forem legalmente devidos.

Cumpre apreciar e decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO:

Estando assentes os elementos descritos no relatório, cabe, com base neles, aferir do acerto da prolação do despacho sob recurso, determinativo da extinção da instância por deserção, com fundamento em inércia processual das partes (nomeadamente da exequente apelante).

Como se disse, e tanto quanto resulta dos autos, está em curso o sucessivo processamento de descontos no vencimento do primeiro executado (para além de se ter efectuado já a penhora de três veículos automóveis da titularidade dos executados). Precisamente com o argumento de estarem a decorrer esses descontos, vem a exequente apelante sustentar que a presente execução está a prosseguir os seus termos – e daí infere inexistir fundamento para a prolação de despacho declarativo da extinção da instância por deserção. Por outro lado, parece entender o tribunal a quo que ocorre inércia da parte do agente de execução, ao não fornecer novos elementos de informação sobre o estado da execução – e nessa inércia faz assentar a justificação para a prolação do despacho recorrido.

Ora, os presentes autos estão ainda na fase da penhora e não oferecerá dúvida que a exequente terá cumprido o que dela se espera nessa fase: ou seja, a indicação de bens penhoráveis, tendo sido a penhora desses bens concretizada com sucesso. A ocorrer a inércia apontada pelo tribunal a quo, será a mesma imputável (como o próprio tribunal parece reconhecer) ao agente de execução, e não a qualquer das partes (em particular, à exequente) – o que logo suscitaria a dificuldade de aplicação, in casu, do artº 281º, nº 5, do NCPC, na medida em que este apenas se refere à «negligência das partes», e não de qualquer outro interveniente processual. E não é sustentável que essa referência seja extensível ao agente de execução, uma vez que este se trata de entidade com estatuto próprio e que não se confunde com o exequente, já que não é deste representante: o regime emergente do artº 720º do NCPC e dos artos 162º a 180º do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, aprovado pela Lei nº 154/2015, de 14/9, é inequívoco nesse sentido, constituindo corolário dessa condição o disposto no nº 3 desse artº 162º («O agente de execução, ainda que nomeado por uma das partes processuais, não é mandatário desta nem a representa.»).

A haver falta de diligência do agente de execução, e precisamente por este não ser parte no processo, será antes de concluir que constitui incumbência do próprio tribunal a quo providenciar no sentido de promover o andamento do processo, através das necessárias iniciativas junto daquele para que ocorra o que o tribunal entender ser o normal prosseguimento do processo, ao abrigo dos seus poderes/deveres de gestão processual (cfr. artº 6º, nº 1, do NCPC).

Diferente seria se alguma diligência coubesse à exequente empreender neste momento processual, e a mesma estivesse em falta, ou se o tribunal tivesse determinado a notificação da exequente a convidá-la para desenvolver qualquer iniciativa processual, sem que a mesma tivesse correspondido a tal convite – mas o certo é que nada disso sucede, pelo que se torna incompreensível a penalização da exequente (com a declaração de deserção da instância) por uma eventual falta de diligência do agente de execução (que, aliás, não é claro ocorrer, perante o normal decurso dos descontos no vencimento do primeiro executado).

E, sendo assim, não se vislumbra razão para a prolação do despacho recorrido, determinativo da extinção da instância por deserção, pelo que somos levados a concluir no sentido de assistir plena razão ao recorrente na sua pretensão de não haver fundamento para tal declaração. Em conformidade, caberá determinar a revogação desse despacho e a sua substituição por outro que providencie pelo consequente prosseguimento dos autos, nos termos que forem entendidos pelo tribunal de 1ª instância como mais adequados (designadamente, em função da falta de diligência do agente de execução que esse tribunal considerou ocorrer).

Em suma: merece provimento o presente recurso – por se considerar que não havia fundamento substantivo para a prolação do despacho sob recurso, determinativo da extinção da instância por deserção –, devendo ser revogado o referido despacho, que será substituído por outro despacho que dê seguimento aos trâmites processuais próprios do estádio actual dos presentes autos de execução, e nos termos que o tribunal de 1ª instância entender mais adequados.
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III – DECISÃO:

Pelo exposto, decide-se julgar procedente a presente apelação, revogando o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que dê seguimento aos pertinentes trâmites processuais, nos termos acima descritos.

Sem custas, por os executados apelados a elas não terem dado causa (artº 527º, nos 1 e 2, a contrario, do NCPC).

Évora, 23 / 03 / 2017
Mário António Mendes Serrano
Maria Eduarda Mira Branquinho Canas Mendes (dispensei o visto)
Mário João Canelas Brás (dispensei o visto)