Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA LEONOR ESTEVES | ||
Descritores: | EXPLORAÇÃO ILÍCITA DE JOGO JOGOS DE FORTUNA OU AZAR | ||
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Data do Acordão: | 02/16/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | I - As máquinas com a designação «COLORAMA» desenvolvem jogos que se integram na categoria de jogos de fortuna ou azar, já que respeitam a jogo em máquinas, que pagam prémios em dinheiro (embora não diretamente) e que apresentam como resultados pontuações que dependem exclusivamente da sorte. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. Relatório Na secção criminal – J1 da instância local de Torres Novas, da comarca de santarém, em processo comum com intervenção do tribunal singular, foi submetida a julgamento, além de outros[1], a arguida A., devidamente identificada nos autos, tendo no final sido proferida sentença, na qual se decidiu condená-la, pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo p. e p. pelos art. 108° n° 1 do DL n.º 422/89 de 21/12, por referência aos arts. 1°, 3° e 4° al. g) do mesmo diploma legal, na redacção que lhe foi dada pelo DL n° 10/95 de 19/1, na pena unitária (equivalente à soma de uma pena de multa de 100 dias à taxa diária de 6 € e de uma pena de 6 meses de prisão, substituída por 1890 dias de multa à mesma taxa) de 280 dias de multa à taxa diária de 6 €. Inconformada com a sentença, dela interpôs recurso a arguida, pugnando pela sua revogação e substituição por decisão que a absolva do crime pelo qual foi condenada, para o que apresentou as seguintes conclusões: A. No que se refere à subsunção da conduta que se imputa à Recorrente em sede de factualidade tida como provada, relativamente à exploração, criminalmente punível da máquina denominada “Colorama”, entende modestamente aquela que, ao contrário do decidido na douta Sentença sob recurso, não se poderia haver concluído por preenchidos os elementos constitutivos do tipo legal. B. A máquina em causa autos não pagava directamente prémios em fichas ou moedas, e não desenvolve um qualquer jogo do tipo roleta, sendo que, a única diferença substancial para a máquina objecto de fixação jurisprudência pelo STJ, no seu douto Acórdão n.º 4/2010, prende-se com o modo de funcionamento, eléctrico ou mecânico, sendo os jogos substancialmente idênticos e em nada dependendo da perícia ou destreza, podendo os prémios a final serem eventualmente convertíveis em dinheiro. C. Aquela jurisprudência fixada tem aplicação ao caso concreto nestes autos, porquanto, o que está em causa não é uma qualquer imposição de jurisprudência, por serem então iguais as máquinas em apreço (porque efectivamente não o são), mas sim, o espírito e pensamento por trás de tal jurisprudência, e o facto de tal permitir então a qualificação de máquinas como as dos autos como não sendo máquinas destinadas à prática de jogos de fortuna ou azar. D. Na verdade, entende-se que não será de limitar a exploração do jogo ora em causa aos casinos existentes nas referidas zonas de jogo, pois que, não será de entender o mesmo jogo como um qualquer desses jogos nefastos (em que efectivamente “pensava” o legislador quando decidiu restringir a sua prática/exploração às zonas de jogo) cuja exploração a tais zonas se limita, E. Ainda que mais não seja por não se afigurar de todo possível uma qualquer viciação em jogo tão rudimentar (sem um qualquer pagamento directo de prémios e/ou atribuição de fichas, logo, sem toda a “envolvência” dos denominados jogos de casino), a que acresce o facto de os valores despendidos com o mesmo serem de pouca relevância e não susceptíveis de lesarem uma qualquer família ou património. F. Além do que, o mesmo não desenvolve um qualquer tema próprio dos jogos de fortuna ou azar, como seja, uma qualquer roleta electrónica, pois que, para além do valor “apostado” não influir por qualquer modo numa qualquer esperança de ganho, não existe uma qualquer aposta concreta em qualquer um dos números ou pontos presentes naqueles jogos, ao contrário do que sucede com uma qualquer roleta de um qualquer casino, tão pouco são permitidas quaisquer apostas múltiplas ou mesmo um qualquer dobrar de apostas, G. Na medida em que, e ainda que nada seja dito na factualidade provada, mesmo que seja possível utilizar uns quaisquer pontos ganhos, tal utilização é limitada a 1 (um) ponto de cada vez, o qual concede então o direito a 2 (duas) jogadas, inexistindo, por isso, a compulsividade dos denominados “jogos de casino” e a possibilidade de “tudo ganhar” ou “tudo perder”, pois que não é de todo possível arriscar de uma só vez todos os pontos eventualmente acumulados. H. Sendo que, o valor pago não é uma qualquer aposta, mas apenas um “preço” da jogada, sem possibilidade de ela mesmo multiplicar-se, e o prémio a obter é fixo e pré-determinado (Cfr. neste sentido, Acórdãos do Venerando Tribunal da Relação do Porto, de 14.07.1999, proferido no Proc. 9910385 e acessível in www.dgsi.pt, e do Venerando Tribunal da Relação de Évora, de 06.11.1990, disponível in CJ., XV, T.V, pg. 277). I. Sendo que, tendo por base e fundamento a Jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no seu douto Acórdão n. 4/2010 (proferido no Processo n.º 2485/08 e publicado na 1.ª Série, N.º 46º, do D.R. de 08 de Março de 2010), sempre se questiona a Recorrente de quais as diferenças existentes entre o jogo desenvolvido pela máquina dos autos e aquele outro jogo que foi objecto do citado Acórdão de Fixação de Jurisprudência, para além daquela diferença óbvia de que a máquina ora em causa depende de impulso electrónico, enquanto que aquela outra depende de impulso mecânico? J. Não obstante, e sem descurar do exposto, apraz referir que, após rigorosa análise e enquadramento de tudo o vertido em tal douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência n. 4/2010, o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, no seu douto Acórdão de 02.02.2011 (proferido no âmbito do Proc. n.º 21/08.5FDCBR.C2 e disponível in www.dgsi.pt), e aquando da análise comparativa entre o jogo em causa nos autos onde veio a ser fixada a aludida Jurisprudência e naqueles autos de recurso (nos quais, por sua vez, o jogo era absolutamente similar ao desenvolvido pela máquina ora em causa), entendeu que máquinas como a ora em causa nos presentes autos não consubstanciam a prática de um qualquer jogo de fortuna ou azar. K. Porquanto, concluiu desde logo aquele Venerando Tribunal da Relação de Coimbra que, sendo devidamente analisado o conteúdo legal da proibição da exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados, «nunca merecerá a qualificação de crime a exploração de jogos que se enquadram num mecanismo em que os prémios se encontram previamente definidos.», L. Ainda que tais jogos possam mesmo atribuir prémios em dinheiro ou desenvolver temas de jogos de fortuna ou azar, até porque, e ainda segundo o vertido naquele douto Acórdão, mesmo «às modalidades afins que atribuam prémios em dinheiro ou fichas a lei não deixa de designar como modalidades afins», constituindo uma qualquer sua exploração ilícita uma “mera” contra-ordenação, conforme preceituado no art. 163º, M. Pois que, conclui então aquele Venerando Tribunal da Relação de Coimbra «ser esta a tese que está imanente ao acórdão de fixação de jurisprudência e que importa considerar até em obediência ao princípio da igualdade plasmado no artigo 13º da Constituição da República.». N. Donde, atento o vertido no douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n. 4/2010, e, bem assim, nos, doutos Acórdãos da Veneranda Relação de Coimbra, de 02.02.2011, 25.06.2014 e 18.03.2015, douto Acórdão desta Veneranda Relação de Évora, de 31.05.2011, douto Acórdão da Veneranda Relação de Lisboa, de 01.06.2011, bem como, doutos Acórdãos da Veneranda Relação do Porto, de 11.12.2013, 12.02.2014, 02.07.2014, 17.09.2014, 24.09.2014, 04.02.2015 e 22.04.2015, está em crer modestamente a Recorrente que a máquina ora em causa nos presentes autos, não poderá ser entendida como desenvolvendo um qualquer jogo de fortuna ou azar. O. Sendo, nessa sequência, forçoso concluir-se que, atentos os factos por si dados como provados, nomeadamente, quanto às características da máquina em causa, não poderia o Digníssimo Tribunal “a quo” ter concluído pela subsunção da conduta da Recorrente à prática de um qualquer crime de exploração ilícita de jogo, impondo-se a sua absolvição. P. Mais que não seja porque, e abordando-se a questão por outro prisma, e tal qual resulta do vertido no aludido douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2010, sendo o tipo legal em causa (exploração ilícita de jogo) dotado de uma certa rigidez, que o constitui como tipo de garantia, sendo essa precisamente uma das manifestações do princípio da legalidade, claramente será de excluir o jogo dos autos das previsões de punição penal decorrentes do preceituado nos arts. 1º, 3º, 4º e 108º da “Lei do Jogo”, Q. Pois que, para se concluir pela exploração de um qualquer jogo de fortuna ou azar terão que se ter por verificados os 3 (três) pressupostos elencados na lei, como seja, a dependência da sorte, o desenvolvimento de temas próprios dos jogos de fortuna ou azar e, bem assim, o pagamento feito directamente em fichas ou moedas, na medida em que, esse é o pagamento efectuado nos “jogos de casino” – Cfr. arts. 1º e 4º, n.º 1, als. f) e g) -, sendo que, no caso concreto, este requisito se encontra totalmente afastado. R. Isto sem descurar do facto de a própria “Lei do Jogo” (arts. 1º e 4º do D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro, na redacção do D.L. n.º 10/95, de 19 de Janeiro), na definição de jogos de fortuna ou azar, combinar uma fórmula generalizadora (art. 1º) com a técnica exemplificativa (art. 4º), donde resulta que os diversos tipos de jogos considerados como de fortuna ou azar e que são autorizados nos casinos são os que estão especificados na lei, e não outros, S. Pois que, não obstante exemplificativa, a especificação dos jogos de fortuna ou azar constante da lei, sempre tal especificação é tendencialmente completa e comporta uma certa rigidez, como é próprio de um tipo legal de crime, que é um tipo de garantia, T. Ao que acresce o facto de, nem mesmo pelas Portarias actualmente em vigor (nºs 817/2005, de 13 de Setembro e 217/2007, de 26 de Fevereiro), relativamente às regras de execução dos jogos de fortuna ou azar, porque os tipos de jogos (bancados, não bancados, e, em máquinas electrónicas) quase totalmente coincidentes com os especificados no D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro, se poder concluir pela observância por parte do jogo da máquina dos autos das características dos denominados jogos de casino. U. Pois que, tal como se infere do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2010 (Diário da República, 1.ª série — N.º 46 — 8 de Março de 2010), tendo o critério de distinção entre o ilícito criminal e o ilícito contra-ordenacional que ser um critério material, imposto pelo princípio da legalidade e pela função de garantia inerente a cada tipo de crime, V. Sempre os jogos de fortuna ou azar serão aqueles que se encontram especificados no n.º 1 do artigo 4.º, e, como tal, nunca a máquina dos autos poderá ser enquadrada nesses jogos, pois que, relativamente a ela, está totalmente afastado o preceituado na al. f) do n.º 1 daquele art. 4º, na medida em que, não pagava directamente prémios em fichas ou moedas, mas tão só apresentava pontuações, as quais dependiam então da sorte e poderiam então, alegadamente, ser convertíveis posteriormente em numerário, W. No entanto, sempre se diga que, nem essa possibilidade de conversão das aludidas pontuações em numerário poderá, por si só, fazer precludir a sua “integração” enquanto mera modalidade afim dos jogos de fortuna ou azar, mas tão só, poderá consubstanciar, ela própria, uma distinta contra-ordenação. X. No sentido de que máquinas como a dos autos não consubstanciam um qualquer jogo de fortuna ou azar, antes sim, apenas e só, uma mera modalidade afim, pronunciou-se o Venerando Tribunal da Relação do Porto, no seu douto Acórdão de 11.12.2013 (proferido no âmbito do Proc. n.º 626/11.7GDGDM da 1.ª Secção e disponível in www.dgsi.pt), já “confirmado” pelos mais recentes doutos Acórdãos de 12.02.2014, 24.09.2014 e 22.04.2015 (proferidos, respectivamente, no âmbito dos Processos n.º 2084/12.0TAVLG.P1, n.º 447/12.0EAPRT.P1 e n.º 103/13.1PFVNG.P1, todos da 1.ª Secção – não “publicados”), o que fez, tendo por “base” o vertido nos aludidos doutos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça e dos Tribunais da Relação de Coimbra e Évora. Y. Na medida em que, atento o seu funcionamento, «se conclui que o “jogo” desenvolvido pela máquina não corresponde a qualquer dos temas próprios dos jogos de fortuna ou azar, sendo antes uma modalidade afim destes jogos. Aliás e para sermos mais impressivos, podemos afirmar que este tipo de máquinas não tem qualquer correspondência com nenhuma existente nos casinos, antes pelo contrário.», Z. Sendo que, «apesar de o jogo em causa depender exclusivamente da sorte, o certo é que, também previamente, o jogador sabia que o prémio que iria receber era necessariamente variável entre € 1,00 e € 200,00.», AA. Ao que acresce ainda o facto de, «Para além de o tema do jogo não se assemelhar ao promovido noutra espécie de máquinas que desenvolvem temas próprios dos jogos de fortuna ou azar (cf. art. 4 nº 1-g) do citado diploma legal), o prémio não era pago directamente pela máquina em “fichas ou moedas” (cf. art. 4 nº 1-f do mesmo diploma legal).». BB. Neste mesmo sentido, através de douto Acórdão subscrito por um outro Exmo. Desembargador Relator, veio igualmente a pronunciar-se o Venerando Tribunal da Relação do Porto, no seu douto Acórdão de 09.07.2014 (proferido no âmbito do Proc. 514/13.2EAPRT.P1 da 1.ª Secção, e disponível in www.dgsi.pt), o qual, após a enumeração de toda uma série de “requisitos/pressupostos” que pudessem então servir para diferenciar uns e outros jogos (os de fortuna ou azar e as suas modalidades afins), conclui ser possível «isolar uma característica comum a todas as modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar, de resto imediatamente apreensível e que se não verifica nos jogos de fortuna ou azar: a predeterminação do respectivo prémio. A que acresce estoutra: a pequena dimensão daquilo que o jogador arrisca, que até pode ser pura e simplesmente insignificante.» (negrito e sublinhado nossos), CC. Concluindo então que, atendendo ao valor do prémio (predefinido e conhecido) e ao valor da jogada (sempre de € 0,50, num máximo de introdução de € 2,00), «parece evidente que estamos perante um jogo que se configura como uma tômbola mecânica ou electrónica em que o valor arriscado pelo jogador é diminuto ou de pequena dimensão e o prémio a que se habilitava estava logo à partida predeterminado, devendo, por consequência, ser qualificado como de modalidade afim dos jogos de fortuna ou azar. Pelo que a exploração da máquina por onde o jogo corria não constituía um crime de exploração ilícita de jogo mas uma contra-ordenação» (negrito e sublinhado nossos), DD. E, ainda mais recentemente, também o Venerando Tribunal da Relação do Porto, no seu douto Acórdão de 17.09.2014 (proferido no âmbito do Proc. 480/13.4EAPRT.P1 da 4.ª Secção, e disponível in www.dgsi.pt), já “confirmado” pelo mais recente douto Acórdão de 04.02.2015 (proferido no âmbito do Processo n.º 151/11.6EAPRT.P1, da 4.ª Secção – ainda não “publicado”), se pronunciou nesse mesmo sentido, pois que, «Está em causa, essencialmente, a natureza incipiente do jogo e a fraca danosidade das consequências dele resultantes, tanto para o jogador ganhador como para o jogador perdedor.» (negrito e sublinhado nossos), EE. Na medida em que, «estamos perante valores diminutos e práticas de jogo inócuas, unsuscetiveis de criar viciação ou outro dano [como, aliás, decorre do facto de, apesar da grande disseminação deste tipo de máquina pelo país, não se conhecerem nem serem referenciados casos de perdas patrimoniais assinaláveis ou de dependência (adição) psíquica dos seus utilizadores]. Ao contrário do que é referido no Auto, as semelhanças com o jogo de casino [roleta] limitam-se ao movimento circular e progressivamente mais lento da luz – afastando-se no que é essencial, ou seja, na definição prévia dos números ganhadores e do respectivo prémio» (negrito e sublinhado nossos). FF. Por fim, e porque no mesmo se aborda uma tal matéria por referência a uma máquina similar à dos presentes autos, igualmente denominada “Colorama”, sendo uma tal “abordagem” efectuada por referência àquilo que resulta e se “defende” no douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2010 do STJ, sempre será ainda de referir o muito recente douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18-03-2015 (proferido no âmbito do Proc. 27/10.4EASTR.C1, e disponível in www.dgsi.pt), GG. No qual se conclui «constituir critério diferenciador, fundamental, das modalidades afins, a predeterminação do prémio e a pequena dimensão daquilo que o jogador arrisca, pelo pequeno valor da aposte e pela certeza, pré-definida, dos prémios», com base no que, a final, se decide pela «irrelevância criminal de parte da matéria valorada pela decisão recorrida como constitutiva do crime (jogo “colorama”).» (negrito e sublinhado nossos) HH. Do exposto, de referir que temos por inconstitucional a interpretação das normas contidas nos nºs 4º, 108º e 115º do D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro, quando efectuada (como sucede no caso dos autos) no sentido de que um qualquer jogo desenvolvido por máquina electrónica, cujo resultado dependa exclusiva ou fundamentalmente da sorte, mas cujos limites máximos de “prémios” a atribuir resultem da conversão dos pontos ganhos, cujas variáveis se encontram definidas desde ab initio e são do conhecimento dos utilizadores, consubstancia um qualquer jogo de fortuna ou azar, II. Pois que, uma tal interpretação é claramente inconstitucional por violação dos princípios da “igualdade”, da “liberdade individual” e da “proporcionalidade”, designadamente, das normas constantes nos arts. 13º e 18º da Constituição da República Portuguesa, e, bem assim, por clara violação do supre referido princípio da “legalidade”, na vertente de “nullum crimen sine lege certa”, logo, por violação do disposto no art. 29º da Constituição da República Portuguesa (Neste sentido, cfr. Acórdão deste Venerando Tribunal da Relação do Porto de 21.05.2008, proferido no Proc. n.º 2492/08-1, e acessível in www.dgsi.pt). JJ. A douta Sentença sob recurso violou os arts. 1º, 3º, 4º e 108º, todos do D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro, e 13º, 18º e 29º da Constituição da República Portuguesa O recurso foi admitido. Na resposta, o MºPº defendeu a confirmação da sentença recorrida e a consequente improcedência do recurso, concluindo como segue: 1.ª - Nos autos foi realizado exame pericial à máquina de jogo apreendida, concluindo-se no mesmo, que se trata de uma máquina de jogo de fortuna ou azar. 2.ª - Considerando o teor do acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 4/2010, publicado em Diário da Republica no dia 8.3.2010 e na esteira da sentença em recurso, entendemos que a máquina apreendida nos autos é máquina de jogo de fortuna e azar. 3.ª - O Tribunal Constitucional, tal como referido na sentença em recurso, já se pronunciou no sentido de considerar que estão garantidos os princípios da legalidade e da tipicidade pela conjugação do disposto nos artigos 108.º, n.º 1 e 4 da Lei do Jogo – Acórdão n.º 93/2001. 4.ª - Analisado o modo de funcionamento do jogo desenvolvido na máquina em causa nos autos, verifica-se claramente que os resultados dependem única e exclusivamente da sorte, sendo irrelevante a perícia ou saber do jogador. 5.ª - Entendemos não se verificar qualquer inconstitucionalidade tal como invocada pela recorrente. 6.ª - O local explorado pela recorrente não é local legalmente autorizado para a exploração de jogos de fortuna ou azar – artigos 3.º e 6.º a 8.º do DL 422/89. 7.ª - Nada há a apontar à matéria de facto dada como provada, a qual se baseou nas declarações das testemunhas ouvidas, bem como nos documentos juntos aos autos e no relatório do exame pericial realizado, apreciadas segundo as regras da experiência comum e normalidade e com base na livre convicção do julgador. 8.ª - O julgador, ao apreciar livremente a prova, ao procurar através dela atingir a verdade material, deve observar as regras da experiência comum, utilizando como método de avaliação critérios objectivos genericamente susceptíveis de motivação e controlo (Ac. TC n.º 1165/96, de 19.11, BMJ, 461, 93). 9.ª - No caso sub judice o Tribunal fez uma análise crítica e ponderada da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, globalmente considerada, de acordo com as regras da lógica e da experiência comum e com o princípio da livre apreciação da prova (art. 127.º do Código de Processo Penal). Nesta Relação, o Exmº Procurador-geral Adjunto limitou-se a apor o seu visto. Colhidos os vistos, foi o processo submetido à conferência. Cumpre decidir. 2. Fundamentação Na sentença recorrida foram considerados como provados os seguintes factos: 1. No dia 12/01/2010, pelas 15h30m, no estabelecimento de bebidas denominado “Bar …”, sito na rua…,cidade de Torres Novas, encontrava-se em exposição no estabelecimento, sobre um balcão, ligada à corrente elétrica e pronta para utilização por qualquer interessado, uma máquina eletrónica. 2. Na circunstância, a arguida A. exercia, em exclusivo, funções de gerência efetiva da exploração do estabelecimento identificado em 1, cabendo-lhe, além do mais, receber créditos e pagar débitos, decidir o destino a dar ao dinheiro que a exploração do mesmo gerava com o seu funcionamento, a compra e venda de produtos. 3. A máquina indicada em 1 é composta por um móvel portátil, com estrutura em aglomerado de madeira, com a designação “colorama”, sem qualquer referência exterior quanto à origem ou fabricante. 4. Na parte frontal, a máquina apresenta um painel em vidro acrílico. 5. Ao centro do painel frontal, situa-se um mostrador circular formado por led´s/pequenas lâmpadas equidistantes, estando oito deles destacados dos restantes com uma pequena circunferência, os quais, observados no sentido dos ponteiros do relógio, são identificados pelos seguintes números: 10, 1, 50, 2, 100, 5, 20, 200. 6. A cada número corresponde um led que se ilumina à passagem de um sinal luminoso, quando a máquina é utilizada. 7. Ao centro do mostrador encontra-se uma janela digital/“display” que regista os pontos obtidos e acumulados provenientes de eventuais utilizações premiadas. 8. Do lado direito do mostrador, entre os números 10 e 1, existe uma outra janela digital através da qual são visualizados os créditos existentes, provenientes de introdução de moedas. 9. Na parte lateral direita da máquina, encontra-se um dispositivo para introdução de moedas de €0,50 (cinquenta cêntimos), €1,00 (um euro) ou €2,00 (dois euros). 10. Após introdução de uma moeda de €0,50 (cinquenta cêntimos), €1,00 (um euro) ou €2,00 (dois euros), automaticamente, sem qualquer intervenção do utilizador/jogador, é disparado um ponto luminoso que percorre, sequencialmente, no sentido dos ponteiros do relógio, os vários led´s existentes no mostrador central, iluminando-os à sua passagem. 11. O ponto luminoso inicia o seu movimento, animado de grande velocidade, a qual vai perdendo, gradualmente, até parar, ao fim de algumas voltas, fixando-se, aleatoriamente, num dos diversos led´s do círculo. 12. Após se ter imobilizado, duas situações podem acontecer: o led em que parou o ponto luminoso corresponde a um dos oito identificados pelos números referidos em 5. e, neste caso, o utilizador terá direito aos pontos correspondentes, ou o led imobiliza-se num dos restantes led´s do círculo sem qualquer referência e, neste caso, o utilizador não terá direito a qualquer prémio, restando-lhe a hipótese de introduzir outra moeda para iniciar de novo o movimento giratório. 13. Os pontos são posteriormente convertidos em dinheiro, à razão de € 1,00 por cada ponto. 14. Assim, a máquina eletrónica referida em 1. desenvolvia um jogo em que o objectivo é o de conseguir que, no final de cada jogada, o led iluminado, corresponda a um dos que se encontram identificados, dando por isso direito a prémio, sendo que o resultado depende em tudo da sorte, independentemente da perícia e destreza do jogador, dado que a única intervenção deste se resume à introdução de uma moeda no respectivo mecanismo. 15. Tal máquina foi colocada no estabelecimento indicado em 1 por indivíduo cuja identidade não foi possível apurar, em data anterior ao dia 12 de Janeiro de 2010, com autorização e consentimento da arguida A., com vista à obtenção de lucro. 16. A aludida máquina estava em funcionamento sem que houvesse sido concedida à arguida A. qualquer autorização ou licença de exploração para o efeito, sendo que o estabelecimento “Bar …” não é um estabelecimento de casino e não se situa em zona de jogo legalmente instituída. 17. A arguida A., apesar de conhecer todas as características de funcionamento da referida máquina, bem sabendo que a exploração do jogo por ela desenvolvido se encontrava confinada aos casinos das zonas legalmente reconhecidas e autorizadas, não podendo, por isso, explorá-la naquele estabelecimento de bebidas, quis explorar o descrito jogo no local referenciado em 1, com o intuito de obter os lucros que tal exploração lhe proporcionasse. 18. A arguida A. agiu deliberada, livre e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punidas por lei. Mais se provou que: (…) 24. A arguida A. é casada com o arguido P. e tem três filhos. 25. A arguida A. reside com o arguido P. e com dois filhos ainda estudantes. 26. A arguida A. e o arguido P. residem em casa própria, pagando uma prestação de €320,00 para pagamento de empréstimo para aquisição de habitação própria. 27. A arguida A. era cozinheira, mas encontra-se desempregada, auferindo subsídio de desemprego no valor de €350,00. 28. A arguida A. e o arguido P. têm um veículo automóvel de 1998. 29. A arguida A. tem o 6.º ano de escolaridade. 30. A arguida A. não tem antecedentes criminais. 31. O arguido P. é jardineiro na Câmara Municipal …, no que aufere o salário de €583,00. 32. O arguido P. tem o 6.º ano de escolaridade. 33. O arguido P. não tem antecedentes criminais. 34. O arguido JC é solteiro e reside com a sua mãe na casa desta. 35. O arguido JC encontra-se reformado por invalidez, auferindo uma pensão de reforma no valor de €420,00. 36. O arguido JC tem graves problemas de visão desde a infância. 37. O arguido JC frequentou o Centro de Recuperação e Integração Torrejano. 38. O arguido JC não tem antecedentes criminais. 3. O Direito O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[2], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[3]. No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, as questões essenciais que importa decidir reconduzem-se à subsunção jurídica dos factos. A recorrente, sem colocar em crise a matéria de facto que foi considerada como provada e em relação à qual também não se detectam quaisquer vícios que devessem determinar a sua alteração, circunscreve as razões da sua discordância ao enquadramento jurídico dos factos tal como foi efectuado na decisão recorrida, sustentando, com apelo a vários arestos que têm seguido o entendimento que defende e também à jurisprudência fixada no AUJ nº 4/2010 e fundamentação nele expendida, que o jogo desenvolvido pela máquina em causa nos autos não corresponde a qualquer dos temas próprios dos jogos de fortuna e azar previstos na norma incriminatória, sendo antes uma modalidade afim desses jogos, razão pela qual, não se encontrando preenchidos os elementos constitutivos do tipo legal de crime por cuja prática foi condenada, deveria ter sido absolvida. Ademais, considera inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade, da liberdade individual, da proporcionalidade e da legalidade, a interpretação das normas contidas nos arts. 4º, 108º e 119º do DL nº 422/89 de 2/12, feita na sentença recorrida, no sentido de que um qualquer jogo desenvolvido por máquina electrónica, cujo resultado dependa exclusiva ou fundamentalmente da sorte, mas cujos limites máximos de prémios a atribuir resultem da conversão dos pontos ganhos, cujas variáveis se encontram definidas desde ab initio e são do conhecimento dos utilizadores, consubstancia um qualquer jogo de fortuna ou azar. A delimitação entre os jogos de fortuna e de azar e as modalidades afins, relevante para estabelecer a fronteira entre o que o que deve ser considerado como ilícito criminal ou ilícito contra-ordenacional, já de há muito vem sendo objecto de larga controvérsia, originando uma profusão de decisões em sentidos divergentes, situação a que nem mesmo o AUJ 4/2010[4] logrou pôr cobro. Já em data posterior à publicação deste aresto tivemos ocasião de apreciar um caso em que a máquina que ali estava em causa tinha características em tudo idênticas à dos presentes autos, tendo então concluído que o jogo por ela desenvolvido constituía um jogo de fortuna ou de azar[5], não se vislumbrando razões, nomeadamente as que a recorrente veio invocar no recurso, para divergirmos do entendimento então perfilhado. Entendimento idêntico foi seguido, nomeadamente[6], perante máquina com características em tudo idênticas, no Ac. RE 28/2/12[7], no qual vêm, ademais, esclarecidas as razões pelas quais não só a jurisprudência fixada no AUJ acima aludido não tem aplicação ao caso ali apreciado e, por isso também, àquele submetido à nossa apreciação, mas também a fundamentação em que assentou vai, contrariamente ao que pretende a recorrente, no sentido da confirmação da sentença recorrida, e que, pela sua clareza e por as subscrevermos na íntegra, a seguir vão transcritas: Advoga o recorrente que a sentença erra quanto à classificação do jogo em causa como de fortuna ou azar, quando na realidade devia ter sido qualificado como modalidade afim de fortuna ou azar. Defende ter sido esta a interpretação fixada no acórdão do STJ nº 04/2010, de 08/03, que pretende ver aplicado no caso. Neste acórdão, o STJ fixou a seguinte jurisprudência: “constitui modalidade afim, e não jogo de fortuna ou azar, nos termos dos arts. 159º, nº 1, 161º, 162º e 163º do DL nº 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do DL nº 10/95, de 19 de Janeiro, o jogo desenvolvido em máquina automática na qual o jogador introduz uma moeda e, rodando um manípulo, faz sair de forma aleatória uma cápsula contendo uma senha que dá direito a um prémio pecuniário, no caso de o número nela inscrito coincidir com algum dos números constantes de um cartaz exposto ao público”. Vendo as duas situações em confronto, constata-se de imediato que as máquinas dos autos não são idênticas à referida no AFJ. Com efeito, trata-se, ali, de máquinas “que funcionam como espécies de rifas ou tômbolas mecânicas, em que o que se arrisca assume dimensão pouco significativa e o impulso para o jogo tem de ser renovado em cada operação” (acórdão de fixação de jurisprudência), ou, como refere o MP, em que “a jogada se esgota com uma só aposta e o resultado pouco ou nada é influenciado pelo funcionamento da máquina que apenas facilita a extracção de uma cápsula à semelhança de uma tômbola mecânica”. Em suma, consiste esta máquina apenas num expositor contendo cápsulas premiadas (descrição detalhada em Conde Fernandes, Comentário das Leis Penais Extravagantes, Org. Paulo Pinto de Albuquerque, José Branco, vol. II, p. 370). Já aqui, o modo de funcionamento das máquinas apreendidas impulsiona ao jogo, através da utilização da pontuação acumulada, permitindo-se apostar os pontos ganhos em novas jogadas, tudo conforme factualidade descrita em 2. de factos provados. Mau grado as semelhanças apontadas pelo recorrente, recorda-se que não há nada mais diferente do que o parecido. E reconhecida a diferença fenomenológica existente entre a situação tratada no Acórdão de fixação de jurisprudência e o caso sub Júdice, cumpre aferir da sua relevância normativa. Está assim em causa saber se o jogo desenvolvido pelas máquinas dos autos se integra na categoria normativa de jogo de fortuna ou azar. Ou, por outras palavras, se as duas máquinas apreendidas ao arguido desenvolvem jogos de fortuna ou azar. Isto porque o crime da condenação – crime de exploração ilícita de jogo do art. 108º, nº 1, do Decreto-Lei nº 422/89, de 02.12 – pune “quem, de qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados”. Na definição do art. 1º da mesma Lei, “jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte.” Por seu turno, o seu art. 4º preceitua, sob a epígrafe “tipos de jogos de fortuna ou azar”: 1 - Nos casinos é autorizada a exploração, nomeadamente, dos seguintes tipos de jogos de fortuna ou azar: a) Jogos bancados em bancas simples ou duplas: bacará ponto e banca, banca francesa, boule, cussec, écarté bancado, roleta francesa e roleta americana com um zero; b) Jogos bancados em bancas simples: black jack/21, chukluck e trinta e quarenta; c) Jogos bancados em bancas duplas: bacará de banca limitada e craps; d) Jogo bancado: keno; e) Jogos não bancados: bacará chemin de fer, bacará de banca aberta, écarté e bingo; f) Jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas; g) Jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte. Interessa-nos, aqui, a al. g). Por seu turno, na definição do artigo 159º nº1, “modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar são as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico”, acrescentando o nº 2 que “são abrangidos pelo disposto no número anterior, nomeadamente, rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos”. A distinção entre jogo de fortuna ou azar e modalidade afim terá como consequência a diferente punição – a título de responsabilidade criminal ou como contra-ordenação. O Acórdão de fixação de jurisprudência, em sede de “resenha histórica dos principais diplomas legais” procede à análise da evolução legislativa do jogo ilícito, destacando que com o Decreto-Lei n.º 422/89 “os jogos de fortuna ou azar passaram a ser definidos no art. 1.º como sendo aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte”. Passou então a considerar-se existir “uma ruptura que veio desequilibrar os campos semânticos (ou, noutro plano, os elementos típicos) em que assentavam as noções de jogo de fortuna ou azar, por um lado, e de modalidades afins, por outro. Sendo os primeiros definidos, no regime até então vigente, como aqueles cujos resultados dependiam exclusivamente da sorte, e os segundos como sendo aqueles cuja esperança de ganho residia essencialmente na sorte, era evidente que as duas modalidades passavam a ter, depois do Decreto-Lei n.º 422/89, uma zona em que havia sobreposição, visto que os jogos caracterizadamente de fortuna ou azar, podiam também, à semelhança das modalidades afins, não depender exclusivamente da sorte, mas fundamental ou essencialmente da sorte.” A distinção entre os dois conceitos deixou de se poder situar na relevância da sorte para o resultado. E, como se enuncia nesse mesmo Acórdão e como o refere também o MP na sua resposta, diversos têm sido, desde então, os critérios de distinção entre jogo de fortuna ou azar e modalidade afim, adoptados pelos tribunais – a natureza do resultado, a natureza dos prémios, a temática e a natureza dos prémios, a espécie de operações oferecidas ao público, a perícia do jogador e a sorte (como critério adjuvante), uma distinção formal (na impossibilidade de definição de um critério material, os jogos de fortuna ou azar seriam aqueles cuja exploração é autorizada nos casinos ou locais referidos nos arts 6º a 8º, tese avançada no Ac. TRL de 26/10/05, Rel. Carlos Almeida) (sobre a temática, desenvolvidamente, Conde Fernandes, loc. cit. p. 349-374). E no Acórdão de fixação de jurisprudência, não considerando aceitável nenhum dos critérios referidos supra, por “não oferecerem as características de completude e exaustividade” e por “não se basearem nos critérios relevantes que permitiriam distinguir os dois ilícitos” acabou por propugnar como critério legal de distinção o seguinte: “A lei (art. 1º e 4º do D.L. nº 422/89 de 2/12, na redacção do D.L. nº 10/95 de 19/01), na definição de jogos de fortuna e azar combina uma fórmula generalizadora (art. 1º) com a técnica exemplificativa (art.4º). Por meio da primeira, define os jogos de fortuna e azar como sendo «aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte»; por meio da segunda, tipifica exemplificativamente esses jogos nas suas diversas alíneas (vários jogos bancados, concretamente determinados – alíneas a) a d); jogos não bancados, também concretamente determinados – alínea e) e jogos em máquinas (alíneas f) e g). No que respeita a estes últimos, mencionam-se os «jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas» (alínea f) e «jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte» (alínea g). A caracterização dos jogos de fortuna ou azar é essencial para a distinção entre os tipos de ilícito criminal e as denominadas “modalidades afins”. Ora, tendencialmente, os jogos de fortuna ou azar, de resultado contingente, por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte, segundo a formulação genérica do art. 1.º, são os que estão especificados no art. 4.º, n.º 1.”. E conclui-se, “por conseguinte, não obstante exemplificativa a especificação dos jogos de fortuna ou azar constante da lei, ela é tendencialmente completa e comporta uma certa rigidez, como é próprio de um tipo legal de crime, que é um tipo de garantia. Todas as modalidades de jogos que não correspondam às características descritas e especificadas nos referidos artigos 1.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 422/89, na redacção do Decreto-Lei n.º 10/95, embora os seus resultados dependam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, revertem para as modalidades afins. No caso das máquinas de jogos, só são de considerar como jogos de fortuna ou azar: - os jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas; - os jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.”[8] É certo que, no caso, este critério não nos obriga no sentido ínsito no art. 445º do CPP. Embora do art. 445º não resulte a obrigatoriedade de acatamento da decisão, “os tribunais judiciais devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada” (nº3), impondo a lei um dever especial de fundamentação que ultrapassa o dever geral previsto no art. 97º, nº5 do CPP; para poder divergir, deve o juiz concretizar e explicar as razões da sua divergência, através de argumento(s) novo(s) e relevante(s). Na ausência deste(s), pode ainda fazê-lo quando for claro que o peso dos argumentos ponderados na fixação de jurisprudência se alterou significativamente; ou quando a própria composição do STJ se tenha alterado no sentido de já indicar claramente que a maioria dos Juízes Conselheiros se deixou de rever nessa jurisprudência (Ac. STJ de 27.02.2003, Rel. Simas Santos). Nenhuma destas situações, de excepção, ocorre no caso presente. Mas o caso presente não é também aquele sobre o qual o Pleno se pronunciou, como já dissemos – as máquinas de jogo são diferentes - não se impondo por isso importar a fixação de jurisprudência para a nossa decisão. Mas a fundamentação do Acórdão de fixação de jurisprudência interessa aqui. E, seguindo-a, chegamos ao resultado oposto, que é o da conclusão de que a situação dos autos se integra na categoria de jogos de fortuna e azar já que respeita a jogo em máquinas, que pagam prémios em dinheiro (embora não directamente) e que apresentam como resultados pontuações que dependem exclusivamente da sorte. Situação diferente da apreciada pelo Acórdão de fixação de jurisprudência, repetimos, em que se tratava de máquina em que “o único dispositivo existente, consiste num mecanismo de fecho e abertura do contentor ou expositor, permitindo a extracção de uma cápsula mediante a colocação de uma moeda. Esse mecanismo “nenhuma influência tem com um jogo desenvolvido, pois em nada influi com um risco na retribuição de entrada, nem com uma multiplicação da retribuição” (Conde Fernandes, loc. cit. p. 371) Divergindo as máquinas dos autos das que estão na origem do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2010 atenta a especificidade dos jogos desenvolvidos, não é aqui aplicável a jurisprudência fixada, mas a fundamentação desse acórdão permite-nos concluir pela confirmação da decisão recorrida. Mostrando-se, pois, de acordo com o entendimento que perfilhamos, correcto o enquadramento jurídico dos factos tal como efectuado na decisão recorrida, também se mostram destituídas de razão as críticas de inconstitucionalidade apresentadas pela recorrente. Ali afrontadas correctamente, no que concerne aos princípios da legalidade e da tipicidade, nos seguintes termos: O que importa, assim, é encontrar na lei a precisão e determinabilidade do que sejam as condutas que integram a exploração ilícita de jogo, de modo a que fique assegurado o princípio da legalidade e o princípio da tipicidade fundamentais no âmbito do direito penal. O Tribunal Constitucional já se pronunciou no sentido de considerar que estão garantidos tais princípios pela conjugação das disposições dos artigos 108.º, 1.º e 4.º da Lei do Jogo, concluindo que “o eixo sintagmático por qualquer forma, contido no n.º 1 do art. 108.º, mesmo quando se entenda este artigo integrado pela definição de jogos de fortuna ou azar feita pelo artigo 1.º – não obstante a expressão adverbial fundamentalmente – respeita os parâmetros constitucionais do princípio da tipicidade, não se surpreendendo,…, qualquer imprevisibilidade, verificando-se uma subsunção à previsão normativa que retira sentido seja a uma interpretação extensiva seja, muito menos, a uma interpretação analógica” (…) “Com efeito, a exemplificação do art. 4.º integra a definição do tipo, apenas na medida em que os jogos referidos nas suas alíneas são, todos eles, subsumíveis ao conceito de jogos de fortuna ou azar, sem pôr em questão a determinação do tipo” – cfr. Acórdão n.º 93/2001. Assim, a cláusula geral do artigo 108.º, n.º 1, deverá ser integrada pelos exemplos-padrão dos jogos de fortuna ou azar elencados no artigo 4.º, surgindo os mesmos como sub-tipos orientadores daquele tipo legal de crime, pelo que apenas podemos considerar como jogos de fortuna ou azar, integradores do crime de exploração ilícita de jogo, os enunciados no catálogo do artigo 4.º da Lei do Jogo. Conforme se referiu acima, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Fixação de Jurisprudência de 04.02.2010 refere que “A caracterização dos jogos de fortuna ou azar é essencial para a distinção entre os tipos de ilícito criminal e as denominadas “modalidades afins”. Ora, tendencialmente, os jogos de fortuna ou azar, de resultado contingente, por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte, segundo a formulação genérica do art. 1.º, são os que estão especificados no art. 4.º, n.º 1. Como se afirma no acórdão-fundamento, estes jogos «estão tipificados de modo exemplificativo, mas, no contexto, tendencialmente especificados» ”. Assim, os diversos tipos de jogos considerados como de fortuna ou azar e que são autorizados nos casinos são os que estão especificados na lei, embora outros possam vir a ser igualmente autorizados, por apresentarem características análogas. Mas também não se vislumbra qualquer violação do princípio da igualdade que, se bem entendemos, o recorrente pretende fazer derivar do paralelismo que entende existir entre o jogo desenvolvido pela máquina em causa nos autos e aquela que foi objecto de apreciação no AUJ a que vimos fazendo referência. Como pensamos ter ficado demonstrado[9], trata-se de realidades diferentes, justificando-se que mereçam tratamento diferenciado. Finalmente, dir-se-á que nem mesmo o princípio da proporcionalidade se mostra beliscado. Muito embora, individualmente considerado, o valor de cada jogada envolva dispêndios pouco significativos e os ganhos almejados também não sejam muito elevados, certo é que o funcionamento dos jogos da natureza daquele que a máquina em questão desenvolvia que propicia em grau muito elevado o encadeamento de jogadas sucessivas, à distância da simples introdução de uma moeda, com os inerentes riscos de envolvimento emocional e de comportamentos compulsivos, tudo podendo levar ao exponenciar de perdas económicas que podem assumir expressão significativa (e tanto mais quando tivermos em conta que a grande maioria dos frequentadores dos estabelecimentos onde estas máquinas são habitualmente colocadas provêm de estratos económicos menos favorecidos), justificam plenamente a criminalização da sua exploração ilícita. Assim, e sem necessidade de mais alongadas considerações, só nos resta concluir pela inexistência de fundamento para alterarmos o decidido. 4. Decisão Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgam o recurso improcedente e mantêm a decisão recorrida. Vai a recorrente condenada em 3 UC de taxa de justiça. Évora, 16 de Fevereiro de 2015 ___________________________ (Maria Leonor Esteves) ___________________________ (António João Latas) _________________________________________________ [1] NP, P. e JC, que foram absolvidos dos crimes de exploração ilícita de jogo cuja prática lhes vinha imputada. [2] cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada). [3] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95. [4] Que, publicado no D.R., Iª s. de 8/3/10., também se debruçou sobre uma questão relativa a um jogo desenvolvido em máquina automática, mas com características assaz diferentes daquele que a máquina que a recorrente comprovadamente explorava desenvolvia. [5] No Ac. RP 15/9/10, proc. nº 64/09.1GALSD.P1, não publicado, relatado pela ora relatora, onde, além do mais, se afastou a argumentação através da qual se pretendia distanciar o jogo desenvolvido pela máquina apreendida de alguns dos jogos de fortuna ou azar nos seguintes termos: E nem se diga, como o faz a recorrente (…), que a máquina que ela explorava em nada é similar à roleta e que, por isso, não desenvolve tema característico dos jogos de fortuna ou azar; ao invés, pese embora algumas diferenças, nomeadamente o facto de o jogador não poder escolher o(s) número(s) em que aposta – necessariamente aqueles que dão direito a prémio, que estão fixados previamente e são inalteráveis -, as semelhanças são significativas com os jogos bancados desse tipo (em que também é accionado - pelo pagador, pessoa diferente do(s) jogador(es) - o movimento giratório de um prato, sobre o qual aquele irá lançar, em sentido contrário a esse movimento, uma bola, que percorrerá o dito prato até perder velocidade e se imobilizar, aleatoriamente, num dos compartimentos numerados existentes junto à borda do mesmo, ganhando o(s) jogador(es) que hajam efectuado as correspondentes apostas com as fichas que lhe sejam atribuídas e que depois serão trocadas pelo valor que representem ). Além de que, para que se considere que o jogo proporcionado por uma máquina desenvolve temas próprios dos jogos de fortuna ou azar, não é imprescindível que as suas regras de execução e o tipo de funcionamento sejam precisamente iguais aos dos jogos bancados e não bancados que a lei inclui naquela categoria - além do mais pelo facto óbvio de se tratar de realidades diferentes -, sendo que até aqueles, dentro do mesmo tipo, podem assumir contornos algo diferentes sem perderem o fio condutor que lhes confere especificidade, bastando que, no essencial, apresentem características com semelhanças tais que permitam fácil e inequivocamente identificá-los com algum ou alguns daqueles. [6] Assim também, entre outros, os Acs. RP 19/10/11, proc. nº 324/10.9GEGDM.P1, 8/2/12, proc. nº 398/10.2SLPRT.P1 e 9/12/15, proc. nº 361/12.9EAPRT.P1 [7] Proc. nº 468/06.1GFSTB.E1, no qual interveio como adjunto o ora adjunto. [8] Em achega, fazemos notar que a própria letra da lei, em concreto a previsão das als. f) e g) do art. 4º,deita por terra o que a recorrente defende na conclusão Q. Se, de acordo com o art. 1º, “jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente da sorte”, ao fornecer uma enumeração exemplicativa no nº 1 do art. 4º, e no que respeita aos jogos em máquinas, a lei não exige que o pagamento dos prémios seja feito directamente em fichas ou moedas, distinguindo os jogos em que o pagamento é feito directamente daqueles em que não o é, exigindo, em relação a esta segunda categoria, que os jogos desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou, em alternativa, apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamente da sorte. [9] E, mais desenvolvidamente ainda, no Ac. RP 19/10/11 a que acima já aludimos em nota de rodapé. |