Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | TERESA ALBUQUERQUE | ||
Descritores: | REGISTO PROVA DOCUMENTAL AQUISIÇÃO DE QUINHÃO HEREDITÁRIO | ||
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Data do Acordão: | 09/28/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO COMPETÊNCIA GENÉRICA DA MARINHA GRANDE DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA POR UNANIMIDADE | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 262.º, N.º 1, ALÍNEA A), 263.º, N.ºS 1 E 3, AMBOS DO CPC, E ARTIGO 43.º, N.º 1, DO CÓDIGO DO CONSERVATÓRIA DO REGISTO PREDIAL .... | ||
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Sumário: | I – A sentença proferida em inventário que adjudica a um interessado 1/3 de um imóvel produz efeitos em relação ao adquirente do quinhão hereditário desse interessado, apesar de este não ter intervindo no processo.
II – A escritura de aquisição do quinhão hereditário e a certidão da partilha são documentos suficientes para servir de base ao registo da aquisição de 1/3 do imóvel a favor do adquirente do quinhão hereditário. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra
I – A S... interpôs recurso da decisão proferida na Conservatória do Registo Predial ..., ao abrigo do artigo 142.º-A do Código de Conservatória do Registo Predial ... (doravante CRP), invocando a ilegalidade do despacho proferido pela Exma Conservadora, alegando, para o efeito, e em síntese, que na pendência de inventário por óbito de AA e sendo herdeira deste sua irmã BB, esta, por escritura de 27/12/2018, lhe cedeu (à Recorrente) o quinhão hereditário na herança daquele. Não tendo a S... recorrido à sua habilitação naqueles autos, veio a ser celebrada partilha em que resultou adjudicado à referida BB 1/3 do prédio descrito sob o n.º ...48. Mais alega a Recorrente que munida da certidão da partilha e da escritura de aquisição do quinhão hereditário, requereu o registo a favor de BB e após a favor dela Recorrente, mas que este segundo pedido de registo foi recusado com fundamento em falta de título.
Por decisão fundamentada, proferida em 15/9/2021, a Sra. Conservadora manteve a decisão de recusa de aquisição de 1/3, com fundamento na falta de título para o registo pretendido, porque, incidindo o título sobre uma universalidade, se pretende registar 1/3 de um bem específico. O Ministério Público emitiu parecer no sentido de não assistir razão à recorrente.
Foi, após, proferida sentença que julgou o recurso improcedente e, em consequência, confirmou a decisão da Conservatória do Registo Predial .... II – Do assim decidido, apelou a Requerente, que concluiu as suas alegações, nos seguintes termos: 1º- A recorrente não era obrigada a habilitar-se no inventário, tomando o lugar da herdeira directa; 2º- É verdade que a vendedora do quinhão hereditário, após a venda, só formalmente continuou como herdeira mas continuou a ser parte legítima no inventário; 3º- A recorrente provou que é a verdadeira e única proprietária da terça parte do prédio de que pediu o registo a seu favor; 4º- A escritura de compra do quinhão hereditário é válida e eficaz, constitui título legítimo de aquisição; 5º- A decisão recorrida violou, nomeadamente, os artigos 1316º do CC e 1º e 36º do CRP; 6º- Só revogando a decisão recorrida e condenando-se a Conservatória do Registo Predial ... a fazer o registo a favor da recorrente, tal como lhe foi pedido, se fará justiça.
A Exma Conservadora do Conservatória do Registo Predial ... apresentou contra-alegações que concluiu nos seguintes termos: a) Deverá considerar-se que o facto jurídico que se pretende registar (aquisição de 1/3 da propriedade) não coincide com o facto jurídico constante do título/escritura de cessão do quinhão hereditário apresentada para instruir o registo de aquisição de 1/3 do prédio já registado a favor da transmitente/cedente por inventário; b) O facto jurídico constante da escritura de Cessão de quinhão hereditário incide e respeita a uma universalidade não determinada e não especificada de bens; c)Tendo sido adjudicado à cedente o 1/3 do prédio contante do inventário e registado o mesmo a seu favor, o facto jurídico que se pretende registar com base na escritura de cessão de quinhão hereditário, que é o direito de propriedade sobre 1/3 de um prédio não se encontra titulado na escritura de cessão de quinhão hereditário, pelo que o título apresentado (que se reporta a uma universalidade não determinada e não especificada de bens), não é título válido para a transmissão/aquisição pretendida de propriedade sobre 1/3 de um prédio, daí a invocação da sua irregistabilidade, por ser insusceptível de fundamentar a aquisição daquela quota parte de 1/3, por à data do pedido de registo já não existir quinhão hereditário para transmitir mas sim uma quota parte definida do prédio (1/3); d) Efectuar-se o registo de aquisição da propriedade de 1/3 com base na escritura de cessão de quinhão hereditário, após a cedente ter adquirido a propriedade e registado a mesma, corresponderá a efectuar registo nulo em conformidade com o artigo 16º alínea b), conjugado com o artigo 69º nº 1 alínea b), ambos do CRPredial. e) Não foi levantada, quanto ao registo recusado e no correspondente despacho, a necessidade de licença de utilização para o mesmo, tendo apenas sido deixado o alerta para a sua salvaguarda em sede de rectificação de escritura que, eventualmente, viesse a ser posteriormente efectuada.
Termos em que deverão manter-se as decisões já anteriormente tomadas quanto à irregistabilidade/insusceptibilidade da escritura de cessão de quinhão hereditário fundamentar o registo requerido na Conservatória do Registo Predial ... a coberto da Ap. ...15, ou seja, manter-se a recusa dada pela Conservatória e a decisão dada pelo Meretíssimo Juiz do Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Competência Genérica da Marinha Grande - Juiz ..., em sede de impugnação judicial , para cujos teores se remete.
III – Alargando-se a matéria de facto tida como provada na 1ª instância, o que se faz para mais fácil compreensão dos factos, são os seguintes, os que se dão por adquiridos, em função da documentação junta aos autos: 1-O inventário judicial com o nº ...9..., em que foi inventariada CC e, por óbito desta, AA, casado que foi com aquela no regime de comunhão geral de bens, teve inicio em 2009. 2-Uma das interessadas, era BB, irmã do referido AA. 3-Por escritura pública celebrada a 27/12/2018, BB, 1.ª outorgante, e DD e EE, em representação da S..., 2.ª outorgante, acordaram na venda do quinhão hereditário na herança ilíquida e indivisa da 1.ª outorgante aberta por óbito de AA à 2.ª outorgante, pelo preço de € 20.000,00; 4. Por partilha homologada por sentença proferida em 6/5/2021, foi adjudicada a BB, entre outras, a verba n.º 22, que consiste em 1/3 de um prédio urbano, composto por casa destinada a comércio de ..., com nove divisões e um pátio, sito no Largo ..., ..., freguesia e concelho ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo ...40, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...48, com o valor patrimonial correspondente à fracção de € 25.810,33. 5 -Foi requerido pela S..., em 15/7/2021, com a junção da certidão de inventário e a da escritura de aquisição do quinhão hereditário, o registo desse ... a favor de BB (pela ap ...54/ ...15), registo esse que foi efectuado definitivamente . 6 - Foi requerido pela S..., em 15/7/2021, igualmente com a junção da certidão de inventário e a da escritura de aquisição do quinhão hereditário da aquisição de 1/3 do referido prédio, o registo desse ... a favor da aqui Recorrente S..., (pela ...5). 7- Esse registo foi recusado, dizendo-se no respectivo despacho de qualificação: «Recusado o registo de aquisição de 1/3 do prédio descrito sob o nº ...48 da freguesia e concelho ..., requerido com base em escritura de cessão de quinhão hereditário outorgada em 27/12/2018, por BB a favor da S..., por se verificar que, conforme resulta do registo constante da apresentação imediatamente anterior a esta, o prédio em causa (1/3 dele) foi objecto de inventário judicial no âmbito do Proc nº 855/09...., transitado em julgado em 14/6/2021. Tendo a S... adquirido o quinhão hereditário em 2018, deveria ter feito intervenção no processo de inventário e assumido nele a posição que pertencia a BB, o que não sucedeu. Entretanto, no processo foi adjudicado a BB o 1/3 do prédio descrito sob o nº ...48 da freguesia e concelho ..., ou seja, uma quota parte especificada e concretizada de um prédio, pelo que a escritura de cessão de quinhão hereditário outorgada em 27/12/2018, incidindo e respeitando a uma universalidade não determinada e não especificada é insusceptível de fundamentar a aquisição daquela quota-parte de 1/3. Donde decorre que, para se poder efectuar o registo a favor da S... ou se procede à rectificação do processo de inventário ou rectificando a escritura de cessão de quinhão hereditário para escritura de compra e venda (com salvaguarda dos seus pressupostos nomeadamente no que respeita a licença de utilização) dos bens adjudicados no processo de inventário – arts 68º, 71º. 43º, 69º/1 al b) e nº 2 do CReg Civil, arts 2124º e ss e 1403º e ss do CC».
IV – Como resulta das conclusões das alegações e do respectivo confronto com a decisão recorrida, a questão a apreciar no recurso, correspondendo ao seu objecto, é a de saber, se devia ter sido admitido, a favor da Recorrente, o registo de 1/3 de um prédio que foi adjudicado a BB no processo de inventário por óbito do irmão desta, em função da escritura de cessão que esta, na pendência do inventário, efectuara a favor da Recorrente do seu quinhão hereditário na herança ilíquida e indivisa do irmão. Importa assim saber se a escritura de cessão, conjugada com a certidão da sentença proferida no inventário, constituíam títulos suficientes para a prova legal do facto cujo registo se pedia - 1/3 do prédio descrito sob o nº ...48 da freguesia e concelho .... Como é sabido, e decorre do art 68º do CRP, «a viabilidade do pedido de registo deve ser apreciada em face das disposições legais aplicáveis, dos documentos apresentados e dos registos anteriores, verificando-se especialmente a identidade do prédio, a legitimidade dos interessados, a regularidade formal dos títulos e a validade dos actos neles contidos», sendo que o registo deve ser recusado, «quando for manifesto que o facto não está titulado nos documentos apresentados» - al a) do nº 1 do art 69º. Por sua vez, e a respeito da prova documental, dispõe o art 43º que «só podem ser registados os factos constantes dos documentos que legalmente os comprovem». Do art 69º, no seu nº 1 al b), resulta que o registo «deve ser recusado quando for manifesto que o facto não está titulado nos documentos apresentados». O que a Exma Conservadora entendeu suceder na situação em apreço, em função da seguinte argumentação - o facto jurídico que se pretende registar é o direito de propriedade sobre 1/3 de um prédio; esse direito de propriedade não se encontra titulado na escritura de cessão de quinhão hereditário, porque esta escritura, reportando-se ao quinhão hereditário da cedente na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do seu irmão, reporta-se manifestamente a uma universalidade não determinada e não especificada de bens, e não a 1/3 da propriedade sobre um especifico bem; acresce que à data do pedido de registo já não existe quinhão hereditário para transmitir mas sim uma quota parte definida do prédio (1/3). Por isso, o pedido de registo da apelante a que se reporta a ap ...54/ ...15, referente ao registo a favor de BB de 1/3 do bem que a esta foi adjudicado na sentença de inventário, foi admitido e efectuado definitivamente, tendo-se entendido que a aqui apelante tinha legitimidade em função dos títulos que apresentou - a certidão do inventário e a escritura de cessão – para esse pedido de registo e que esses documentos titulavam o facto registando. Mas não assim quanto ao segundo registo pedido, relativamente ao qual, nem a Recorrente teria legitimidade para o mesmo nem os documentos apresentados o titulavam, na medida em que a escritura de cessão de quinhão hereditário, incidindo e respeitando a uma universalidade não determinada e não especificada, sempre seria insusceptível de fundamentar a aquisição daquela quota-parte de 1/3. A estes argumentos contrapôs a aqui Recorrente a circunstância de a habilitação não ser obrigatória, sendo que o resultado a que chegou a Conservatória como que tornaria obrigatória a habilitação da cessionária no processo em cuja pendência teve lugar a outorga da escritura dessa cessão, e por assim ser, se dever entender que a vendedora do quinhão hereditário continuou a ser parte legitima no inventário, sendo manifesto que ela, Recorrente, é a verdadeira e única proprietária da terça parte do prédio de que pediu o registo a seu favor.
Quer crer-se que perante a disciplina do art 263º CPC - preceito a que, não obstante, a Recorrente não fez referência – a mesma terá razão. Vejamos porquê. È indiscutível que se está perante a habilitação incidente a que se reportam os arts 351º a 357º CPC, concretamente com o objectivo da substituição na relação substantiva em litígio por acto entre vivos de uma das partes no inventário, a interessada BB, habilitação esta a que se reporta a al a) do art 262º CPC. È igualmente indiscutível que esta modificação da instância quanto às pessoas é facultativa, ao contrário da que resulta do falecimento ou extinção da pessoa, que é obrigatória. Como o refere Salvador da Costa [1], «é facultativa porque a transmissão do direito em litígio não implica a suspensão da instância, certo que o transmitente continua a ter legitimidade ad causam até à habilitação do adquirente». Mais referindo: «Ao invés, o falecimento ou extinção de alguma das partes principais no decurso do processo, implica, necessariamente, a suspensão da instância, situação essa que só termina na sequência do incidente de habilitação do sucessor da parte falecida ou extinta», remetendo para o art 284º/1 al a), a que hoje corresponde o art 276º/1 al a). E explica, mais adiante[2]: «É uma substituição facultativa, tanto mais que o transmitente por acto entre vivos do direito litigioso continua a ter legitimidade para a causa. Enquanto a morte ou a extinção de uma das partes implica necessariamente a modificação subjectiva da instância na sequência da sua suspensão, a transmissão por acto entre vivos da coisa ou do direito objecto do litígio só a implica se o adquirente ou o transmitente, o cessionário ou o cedente, o requererem através de incidente de habilitação. E para o que aqui directamente releva, refere ainda: «A intervenção do cessionário na causa implica que ele tem que a aceitar no estado em que ela se encontrar, certo que o transmitente continuou a ter legitimidade para continuar na causa principal até o transmissário, por habilitação, ser admitido a substitui-lo – art 271º/1» (a que corresponde o art 263º/1 NCPC). [3] Alberto dos Reis é, porventura, mais explícito [4]: «Quando morre ou se extingue algum dos litigantes, a instância suspende-se logo que o facto se torna conhecido no processo; e só volta a correr, como vimos, quando, por virtude da habilitação, o sucessor vem ocupar na causa o lugar do falecido. Quando algum dos litigantes transmite a outrém, por acto inter vivos, a coisa ou o direito nela em litígio, nada de semelhante se passa; a instância não se suspende, ainda que o facto da transmissão esteja certificado no processo por forma inequívoca. Quer dizer, a circunstância de ter efectuado a transmissão não tira ao transmitente legitimidade para a causa; posto que tenha demitido de si o direito que estava fazendo valer no processo, posto que o tenha transferido para outrém, nem por isso deixou de ser parte legítima; conserva a legitimidade que tinha até ao momento da transmissão. A sua legitimidade mantém-se até que o adquirente seja admitido, por meio de habilitação, a substitui-lo. E como a habilitação tem de ser requerida pelo adquirente ou pelo transmitente, segue-se que se a não promoverem, o processo segue até ao fim com a intervenção do transmitente». Finalizando as observações a este respeito, acentuando: «Em tal caso a sentença produzirá efeitos em relação ao adquirente, quer dizer, constitui quanto a ele caso julgado – art 271º/2» (que corresponde hoje ao art 263º). E continua Alberto dos Reis: «Vê-se pois que, que no caso de morte ou extinção de um dos litigantes a substituição do falecido ou da pessoa extinta pelo sucessor é obrigatória; pelo contrário, no caso de transmissão inter vivos da coisa ou direito em litígio a substituição do transmitente pelo adquirente é facultativa: depende de requerimento do adquirente ou do transmitente. A diferença é perfeitamente compreensível. No caso da morte ou extinção o litigante deixa de existir; há que substitui-lo. No caso de transmissão inter vivos a substituição não é forçosa, porque o litigante não desapareceu; o transmitente continua com vida. Dir-se-á: a solução lógica é a substituição obrigatória porque, embora o transmitente continue a existir, a verdade é que deixou de ser o titular do interesse em litígio. Continuar a considerá-lo parte legítima para a causa é violentar a verdade dos factos. A objecção não perturba. A partir da data da transmissão o alienante passa a figurar no processo como substituto do adquirente; a transmissão operou uma conversão: de defensor dum interesse próprio o transmitente transforma-se em defensor do interesse alheio. E não se diga que há nisto artifício ou violência. Abre-se a porta ao adquirente para que ele venha, quando quiser, assumir a defesa da sua posição, substituindo-se ao transmitente; não se prejudica a parte contrária, porque embora o adquirente não intervenha no processo, a sentença que puser termo ao litígio constitui caso julgado quanto a ele; também se não agrava o transmitente, porque este pode promover a substituição». Há aqui que lembrar que hoje, depois do DL 329-A/95, a habilitação pode também ser promovida pela parte contrária, o que não sucedia ao tempo do «Comentário ao Código de Processo Civil» de José Alberto dos Reis; e parte contrária, é a parte que na causa principal tem posição adversa ao cedente ou transmitente, ao cessionário ou adquirente. Lebre Freitas /Isabel Alexandre [5], acentuam: «Transmitida por acto entre vivos, a coisa ou direito litigioso, o transmitente continua a ter legitimidade para a causa, em substituição processual do adquirente, enquanto este não for, por habilitação, admitido a substitui-lo. Assim, contrariamente ao caso da transmissão mortis causa, a transmissão inter vivos não determina a suspensão da causa, sendo facultativa a habilitação do adquirente, contra o qual, de qualquer modo, se produzirá o caso julgado – art 263º/3». E explicam na anotação ao art 263º: «Utilizando, tal como no art 261º/1, o conceito de legitimidade em sentido diverso do que está hoje consagrado no art 30º/3, o nº 1 mantém a legitimidade do transmitente até que o adquirente seja julgado habilitado. Trata-se de uma consequência do carácter facultativo da habilitação por transmissão inter vivos – art 376º-2 – inverso ao carácter obrigatório da habilitação em virtude de sucessão por morte ou extinção – arts 276º/1 a), 277 e 284º/1al a). A partir da transmissão, o transmitente, que já não é titular da situação jurídica transmitida, substitui processualmente o adquirente, seu actual titular, litigando em nome próprio, mas em prossecução de um interesse que só indirectamente é seu. (…)». Prosseguindo, nos seguintes termos: «Constitui ponto de regime essencial da figura da substituição processual a formação de caso julgado em face do substituído, como titular do interesse principal do qual depende o do substituto (…) O nº 3 estabelece-o no caso da transmissão da posição jurídica litigiosa (…) A formação do caso julgado perante o adquirente tem como consequência se a sentença for proferida contra o transmitente, a afectação dos interesses de terceiro que pode não ter tido conhecimento do processo e, portanto, nele não se ter podido defender. Razões de segurança impõem esta solução, não obstante a injustiça a que pode dar lugar, pois de outra forma seria fácil, quando a situação litigiosa é transmissível, frustrar a eficácia da sentença, praticando actos de transmissão, eventualmente sucessivos, na pendência da causa». Lembre-se, como o refere igualmente Lebre de Freitas em «Código de Processo Civil Anotado,» com Montalvão Machado e Rui Pinto [6], que «a substituição processual dá-se quando a lei, excepcionalmente, admite como parte no processo, litigando em próprio nome (diversamente do que acontece com o representante, que actua em nome do representado), uma pessoa que, não sendo sujeito da relação material controvertida (ou titular do interesse em causa na acção) é, porém, titular de um interesse que está na dependência do substituído, por forma que, ao provocar a tutela jurisdicional do interesse deste, o substituto actua tendo em vista o efeito indirecto que esta tutela terá no seu interesse próprio. È o que acontece, nomeadamente, na acção subrogatória – art 606º CC – na sucessão singular do direito litigioso sem habilitação do adquirente – art 271º/1 – na execução do crédito do executado contra terceiro que não cumpre – art 860º/3 – ou na acção de responsabilidade movida pelo sócio de sociedade comercial contra gerente, administrador ou director para fazer valer o direito de indemnização da sociedade – art 77º CSC». Segundo Manuel de Andrade [7], «o caso julgado nas hipóteses de substituição processual - caso da acção sub-rogatória, art 606º CC, caso do art 271º, transmissão do direito litigioso - constitui uma das hipóteses de extensão de caso julgado a terceiros prevista especificamente na lei». Refere que «se dá a substituição processual quando a lei admite que seja parte no processo quem não é sujeito da relação material. Trata-se de um caso de legitimação excepcional, anómala. O substituto litiga no processo em seu nome (de outro modo seria um simples representante) sobre um direito alheio. Para os efeitos processuais a parte é ele e não o substituído. Assim responde pelas custas, não pode ser testemunha etc ».
Destas transcrições não pode resultar dúvida que no que aos autos respeita, pese embora a aqui Recorrente, S..., não tenha promovido a sua habilitação no inventário em função da venda do quinhão hereditário a que procedeu em seu favor a aí interessada BB, nem por isso esta deixou de ter legitimidade para a prossecução do inventário, como nem por isso, o resultado deste no que a esta respeita – a adjudicação a seu favor de 1/3 do imóvel em causa – deixou de produzir efeitos em relação à adquirente. A sentença que homologou a partilha no inventário e que pôs termo a esse litígio constitui caso julgado quanto à adquirente, estando em causa a extensão de caso julgado a terceiros. Não respeitando a situação dos autos à que a parte final do nº 3 do art 263º CPC se reporta – por não estar em causa um registo de aquisição por parte de terceiros – tem de se concluir que a sentença proferida no processo de inventário, que, homologando a partilha, adjudicou à interessada BB o 1/3 do prédio cujo registo está aqui em referência, faz caso julgado em relação à adquirente, S.... O que não poderá deixar de significar que tudo se passa, desde a prolação (e trânsito) daquela sentença, como se a adquirente do 1/3 do imóvel em referência tivesse sido a S..., o que a Exma Sra Conservadora do Conservatória do Registo Predial ... não deveria ter deixado de reconhecer, admitindo o registo daquele ... a favor daquela. O que significa que, afinal, vista a disciplina do nº 3 do art 263º CPC, a Requerente do registo tem legitimidade para o mesmo e o facto está titulado nos documentos apresentados, devendo ter sido admitido o registo.
V - Pelo exposto, acorda este Tribunal em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida, determinando que a Conservatória do Registo Predial ... proceda ao registo em causa nos autos a favor da Recorrente. Sem custas.
Coimbra, 28 de Setembro de 2022 (…) [1] - «Os Incidentes da Instância», 3ª ed, p 223 [2]- Obra referida, p 254 [3]- Lopes Cardoso, «Manual dos Incidentes da Instância em Processo Civil»,, 3ª ed Petrony, p 301, refere a este respeito: «Em qualquer hipótese, a notificação da sentença de habilitação marca o inicio da possibilidade de intervenção do cessionário ou adquirente, na causa principal, mas ele intervém precisamente na posição da parte que foi substituir, aceitando a mesma causa no estado em que se encontre. Dos prazos iniciados só pode aproveitar o tempo que ainda não tiver decorrido à data da sua notificação; isso resulta do que dispõe o nº 1 do art 271º» |